Chapter 3



Chapter 3


Hermione ofegou.  Harry  era filho do príncipe James ? Ela não conseguia conceber tal possibilidade. E ele parecia um... o quê? Não um cara normal. Não era bem isso. No início, ela percebeu algo mais irascível, mais perigoso nele. Mas nunca um membro da realeza.


E por que não? Ele tinha a insolência da realeza. Não era de estranhar que tivesse ficado desconfiada desde o início. O filho ilegítimo de James . Ela mal podia acre­ditar.


— Ele não deixou transparecer? — perguntou Gino.


— Ele não deu nenhuma pista que eu tenha perce­bido.


— Hum. Talvez ele pense que ninguém o reconhece — Gino fez uma careta. — Bem, cuidado, querida. A rea­leza não é como você e eu. — Ele levantou-se. — Pre­ciso me encontrar com um homem para tratar de uma pintura. Vejo você mais tarde.


Ela concordou.


— Não se esqueça de hoje à noite — lembrou ela, pensando no pequeno grupo de amigos que reuniria mais tarde.


Ele se curvou e beijou-a na bochecha.


— Eu não a decepcionarei — disse Gino carinhosa­mente.


Ela sacudiu a cabeça para se livrar das palavras que continuavam ecoando na mente. De repente, parecia que estava se apegando a algum tipo de proteção, como se esperasse algum distúrbio em breve. Isso não era bom. Desde sempre. Hermione se esforçara ao máximo para ser auto-suficiente. A tentação era relaxar e deixar que os outros cuidassem dela. E Hermione tinha uma boa desculpa para fazer isso. Mas sabia que perderia todo o respeito por si mesma se agisse dessa forma.


A notícia de que Harry era filho de James a deixara perturbada. Com tanta gente para esbarrar nas ruínas! Ela se sentia como se tivesse pisado em uma parte da História de Niroli enquanto visitava seus ancestrais.


A ilha entrara em um turbilhão desde o dia fatídico, há dois anos, em que os dois filhos do rei Giorgio, seus únicos herdeiros diretos, foram mortos em um acidente de iatismo. Príncipe James era adorado por muitas fac­ções em Niroli. Acreditava-se que ele logo seria o novo rei, e sua morte chocou muita gente em todas as camadas da sociedade.


O sofrimento do velho rei foi tanto que ele perdeu a vontade de governar. Começou então a buscar nos netos um sucessor. Mas logo descobriu que, um após o outro, eram inadequados ou recusavam. Os rumores diziam que ele estava prestes a recorrer ao filho ilegítimo de James , e agora aparentemente os boatos tinham fun­damento.


— Mas isso é uma coisa com a qual não quero me envolver — resmungou ela consigo mesma, e logo ouviu Harry e os outros chegarem. Fábio já estava lá, esfregando-se em suas pernas.


Para sua consternação, Jeremy parecia estar solu­çando.


— O que você fez com ele agora? — perguntou ela a Harry com firmeza, levantando-se da cadeira, todos os pensamentos de sua possível conexão com a realeza jogados pela janela.


Eu não fiz nada — justificou-se. — Ele caiu e ar­ranhou o joelho antes de eu o encontrar. — Vou procurar alguém que tenha um kit de primeiros socorros. Alguma idéia?


Ela hesitou, mas logo percebeu que precisava agir. Ela poderia ficar indiferente a Harry o tempo que quisesse, mas a criança estava machucada, e isso era outro proble­ma. Não poderia simplesmente deixá-lo daquele jeito.


— Que chato! — disse ela, desistindo da idéia de man­ter Harry longe de sua casa. — Venha comigo então.


Segurando na guia de Fábio, ela desceu a rua. Podia ouvir Harry e Jeremy atrás, seguindo-a. Ela diria que ele pegara o filho e o carregava no colo. Isso, de algum modo, abrandava-a. Na verdade, estava um pouco enver­gonhada por tê-lo acusado de machucar Jeremy. Ela de­veria ter mais cuidado com falsas conclusões no futuro.


Futuro, sua mente girava, tentando chamar-lhe a aten­ção. Que futuro. Mas ela ignorou seus pensamentos e continuou caminhando.


— Onde estamos indo? — perguntou Harry.


Ela manteve a cabeça erguida. Se isso tinha que ser fei­to, que fosse logo, e corajosamente, disse a si mesma.


— Para a minha casa — respondeu em voz alta.


— O quê? Você mora aqui perto?


— Na verdade, logo depois da esquina.


— Oh. Bem, é perto.


Eles viraram a esquina, e Harry aprovou internamente o que via. Era o tipo de bairro que imaginava que ela vi­vesse: estranho e tradicional, mas ainda assim aconchegante limpo e muito bem cuidado. Combinava com ela.


O que o deixou impressionado era como ela caminhava de forma confiante pela calçada. Hermione tinha o cão para guiá-la, mas ele não poderia fazer tudo sozinho, e ela se movia como se não se permitisse um sinal de incerteza. Seu sorriso torto surgiu quase involuntaria­mente: se não tomasse cuidado, daqui a pouco estaria admirando mais a mulher em si do que suas provocantes virtudes femininas.


Ela virou e entrou em uma cerca de madeira de uma pequena casa branca que poderia ter sido dos Sete Anões. Uma porta pintada de vermelho brilhante chamava aten­ção. As jardineiras nas janelas derramavam flores, e um pequeno poço dos desejos completava o quadro.


Cada vez mais se perguntava o que estava fazendo ali. Por mais que precisasse dos recursos para evitar a tomada hostil de sua companhia, estaria realmente dis­posto a negociar sua liberdade por uma coroa? Ele teria que decidir isso em breve; estava se colocando em uma posição em que não teria escolha.


O interior da casinha era tão bem cuidado quanto o ex­terior. Os móveis pareciam antigüidades amorosamente preservadas de muitos séculos. Um belo piano reluzia em destaque à luz que entrava pelas altas janelas.


Ele colocou Jeremy na poltrona, ainda choramin­gando um pouco, enquanto Hermione pegava anti-séptico e curativos. Ele a observava, tentando ver como sabia para onde ir e o que pegar. Até agora, ainda não a flagrara em nenhum erro, e isso era extraordinário.


Ela o deixou cuidar do ferimento, o que parecia fazer sentido, embora ele não tivesse o menor jeito para isso. Jeremy resmungou um pouco quando Harry colocou o anti-séptico, e Hermione então foi para o piano e começou a tocar canções alegres para distraí-lo e animá-lo.


Harry diria que ela tocou belamente, com emoção, a ponto de atingir um coração duro como o dele. Jere­my estava intrigado. Quando o curativo ficou pronto, ele quis sentar-se ao lado de Hermione na banqueta. Ela co­meçou a ensinar-lhe algumas notas simples, e o menino ficou ansioso para tentar tocá-las.


Harry observou por um tempo, impressionado com o dom natural que Hermione tinha com crianças, ou pelo me­nos com o seu filho. Ele já observara outras pessoas ten­tarem se aproximar de Jeremy — babás e professoras —, e todas fracassaram totalmente. Na verdade, ele chegou à conclusão de que Jeremy era inalcançável. Mas Hermione o tratava de forma natural, e ele parecia gostar dela por isso. Talvez ainda houvesse uma esperança.


Não era o modo como ela agia, ele concluiu, depois de observá-los por alguns minutos. Era a pessoa que ela era que conseguiu se aproximar de Jeremy. Eles tinham uma conexão espontânea. Engraçado. Ele gostaria de poder desenvolver essa conexão com o próprio filho.


Geralmente, não lamentava suas relações fracassa­das, mas por um momento se permitiu isso. Por que não conseguia se aproximar do filho? Por que Melissa, mãe de Jeremy, achara impossível formar uma família com eles? Por que sua própria mãe passara a maior parte da infância flanando no mundo em vez de ficar em casa cuidando dele? Havia alguma coisa nele que afastava essas pessoas?


Ele praguejou algo para afastar aqueles pensamentos. Assim era a vida. Era pegar ou largar. Mas não havia espaço para lamentações.


Harry resolveu tentar mais uma vez fazer uma liga­ção de seu celular. Era a única conexão que tinha com a sua preciosa companhia... a única parte de sua vida que funcionara bem. Ele tinha que salvá-la da tentativa de aquisição hostil. Depois de anos como o empresário bem-sucedido, ele enfrentava uma espécie de fracas­so, e repentinamente ninguém retornava mais as suas ligações. Se alguma coisa não acontecesse rapidamen­te, como a liberação imediata do dinheiro, estaria tudo acabado. Por isso o atraso em determinar a sucessão da Coroa era tão frustrante. Manter o controle de sua com­panhia significava manter a própria identidade. A Potter Productions era ele, e era isso que o tornava especial. Se perdesse... era melhor nem pensar no assunto.


O telefone ainda não funcionava, e Harry começou a andar pelo jardim para aliviar a tensão. Logo ficou curioso com a propriedade de Hermione e os tipos de ár­vores que plantara ali. O ambiente era agradável tanto dentro quanto fora da casa, deixando-o relaxado. Uma minúscula casa a alguns passos da construção princi­pal tinha duas camas de solteiro iguais e um guarda-roupa.


Harry voltou para a casa e encontrou Hermione tocando piano, e Jeremy cochilando com a cabeça no colo dela.


Ele ficou parado na entrada por um momento, obser­vando a cena tranqüila. Parecia uma imagem de outra época, outro lugar, como se estivesse olhando através do tempo, ou talvez pelos meandros da memória. Sentiu uma certa nostalgia enquanto estava ali de pé.


Deliberadamente, afastou as lembranças. O que aqui­lo tinha a ver com a correria do mundo em que vivia atualmente? Nada. Com certeza era um destino sedutor, mas era uma existência calcada nas nuvens. Não tinha nenhuma relação com a sua realidade, e Harry sabia que poderia ser perigoso se embrenhar por aquele caminho.


Ela acabou de tocar, e ele disse:


— É como se você possuísse um toque mágico com Jeremy.


Ela ergueu a cabeça.


— Ele parece estar dormindo, não é?


— Sim, está. Quem diria que ele responderia tão bem a Prokofiev? — disse ele.


— Ah, você conhece os compositores — disse ela, como se isso a agradasse.


Harry detestou ter que admitir, mas não pretendia fin­gir uma sofisticação que simplesmente não tinha.


— Na verdade não. Eu conheço a música de "Pedro e o Lobo" que tocava porque produzi uma série para um canal educativo que abordava o assunto. A versão de ma­rionetes.


— Ah.


Ela pareceu um pouco decepcionada. Por que deveria se importar se ele conhecia música clássica ou não? A música o tocara, e ao mesmo tempo ele ficou perturbado por ela ter se sentido dessa forma. Estaria procurando uma conexão? Ele também a desejava?


Harry se sentia confuso com ela e suas contradições. Ele costumava ser direto no trato com as mulheres. Ou elas o atraiam ou não. Saía com elas ou não. Hermione Granger não se encaixava em nenhuma dessas possibili­dades.


— Você produz filmes para televisão? — perguntou ela, enquanto fechava a tampa do piano.


— Sim. Lançamentos teatrais também. Eu tenho uma produtora em Los Angeles.


Ela assentiu, colocando a mão delicadamente na testa de Jeremy. Ao observá-la outra vez, Harry sentiu emo­ções estranhas, e não sabia por quê.


— Eu o colocarei no sofá.


Ele pegou Jeremy rapidamente, tentando ignorar o perfume dela ao chegar mais perto. Felizmente, ele não despertou. Depois de acomodá-lo, virou-se para a ado­rável anfitriã.


— Você toca maravilhosamente — elogiou, e, para sua surpresa, a voz estava carregada de emoção.


— Obrigada.


Ele percebeu que ela não perdia tempo com falsa mo­déstia. Gostava disso. Estava acostumado a lidar com artistas e outro tipos criativos e entendia perfeitamente a confiança dela em sua especialidade. Era bom saber que Hermione tinha o talento para se respaldar. Caminhando até o centro da sala, Harry debruçou-se sobre o piano.


— Esse é o seu principal talento?


— Na verdade, sim. — O sorriso dela continha certa amargura. —Alguns diriam que é meu único talento.


— Não acredito muito nisso — retrucou ele com sin­ceridade. Ele sabia que ela deveria ser boa em várias ou­tras coisas. Ela parecia tão competente. — Você já tocou profissionalmente?


Ela sorriu, surpresa e gratificada com a pergunta. Muitas pessoas achavam que, por ser cega, ela possivel­mente não poderia fazer nada profissionalmente. Hermione hesitou, divertindo-se com a vontade de lhe contar sobre sua aprovação na Escola de Música de Nova York. Mas, na realidade, não havia necessidade de tocar no assunto. As aulas começariam dali a alguns dias, e ela não tinha a menor condição de ir para lá, muito menos de pagar sua hospedagem enquanto estivesse em Nova York. Era um belo sonho. Em vez disso, ela disse: — Eu leciono musica. É assim que sobrevivo. -Ele concordou com a cabeça. Olhando ao redor, teve que concluir que a sobrevivência dela não exigia muito. Tudo era muito limpo e arrumado, mas, ao mesmo tem­po um pouco gasto. Instintivamente, olhou de volta para onde ela estava sentada e percebeu que poderia olhar à vontade, sem ter que fingir desinteresse, como de cos­tume.


E era adorável olhar para ela. Hermione usava um vestido cor de pêssego claro, e a fita que lhe prendia os cabelos era da cor de romã. Ele ficou imaginando como ela sabia a cor que estava escolhendo. Esse tipo de coisa era tão importante para as mulheres. Harry esperava que ela ti­vesse alguém que a ajudasse.


O vestido era largo e decotado, deixando o colo à mostra de um jeito que mexia com os seus sentidos. Ele se deixou levar por suas curvas, observando o pescoço e a delicada forma dos ombros. A pele era macia e parecia irradiar calor na luz dourada. Harry queria tocá-la, mas sabia que ela o mataria se tentasse.


Isso o trouxe de volta aos pensamentos anteriores. Como seria sua vida romântica?


— Você mora aqui sozinha? — perguntou ele, olhan­do ao redor sem encontrar nada particularmente mascu­lino no ambiente.


Ela aquiesceu.


— Nenhum companheiro? Nenhum relacionamento?


Ela riu.


— Por quê?


— Curiosidade. Esta ilha parece ser propícia aos amantes. Eu detestaria pensar que você está desperdi­çando essa atmosfera de Niroli.


Ela jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada.


— Ah, você é um provocador, não é? Na verdade, como vivi aqui toda a minha vida, estou completamente imune aos apelos românticos do lugar.


— Isso é o que você diz. — Ele a analisou. — Como é o seu namorado? — Ele não podia acreditar que ela não tivesse um.


— Meu namorado? Ah... — Ela suspirou de forma sensual e retesou as costas, como que se deleitando com a pergunta. Harry recuou. Ele não precisava de detalhes. Na verdade, esperava que ela estivesse apaixonada no momento.


— Meu namorado tem braços fortes — ela descrevia de forma enlevada —, fala doce e o corpo de um deus grego. Ele canta como um anjo, mas só para mim. — Ela deu um leve sorriso, como se estivesse acordando de um sonho bom. — Pelo menos era assim que o imaginava quando tinha 14 anos. A sensação de alívio que ele sentiu era ridícula.


— Então não é um cara de verdade?


— Ah, eu tenho certeza de que ele está lá fora em algum lugar. – Harry sacudiu a cabeça, divertindo-se.


— Você é uma mulher diferente. Ela inclinou a cabeça para o lado.


— Diferente das que você está acostumado a lidar?


— Infinitamente.


— Brilhante. Isso provavelmente servirá para dar uma sacudidela nas suas expectativas. Talvez você tenha uma noção melhor de como as mulheres realmente são.


— Toque alguma coisa para mim — pediu ele, sua­vemente.


Ela levantou a tampa do piano outra vez e suas mãos pousaram sobre as teclas, dedilhando algumas notas de­licadamente, com uma expressão serena.


— O que você gostaria de ouvir?


— Qualquer coisa que você goste de tocar.


Ela sorriu e em segundos a música preencheu a sala. Ele não sabia qual era, mas era maravilhosa, cheia de calor e paixão, uma melodia sentimental que lhe arre­batou a alma e o coração de uma forma inesperada. Ele sentiu a emoção crescer dentro de si, quase dificultando a respiração. E outra coisa que não esperava: vê-la tocar o excitara de um modo que há muito não sentia.


Mas não era apenas a música, era principalmente a artista.


Ela tocou o crescendo final e seus ombros se contraí­ram, como se a música que a preenchera tivesse acaba­do. Ele esperou até que o som se dissipasse lentamente pela sala.


— Uau! — exclamou ele, reconhecendo o poder de Hermione. Foi preciso um minuto ou dois para que as emo­ções de Harry voltassem ao normal. — O que foi isso?


Ela deu de ombros, sorriu e pareceu rapidamente re­cuperar as forças.


— Um pouco de Rachmaninov — disse ela, como se isso fosse uma coisa corriqueira.


— Você gosta dos russos?


Ela riu e todo seu corpo pareceu animado. Ao obser­vá-la, Harry foi tomado por uma necessidade de abraçá-la. Era mais do que desejo, mais do que vontade sexual. O que era aquilo? Um instinto de proteção? Ele sacudiu a cabeça. De onde vinham esses sentimentos estranhos?


Ele reagia às mulheres o tempo todo e sabia muito bem como era. Mas


com Hermione era diferente. Mais a outro componente, e não tinha certeza se gostaria de en­veredar por ele.


— Quando se trata de música — disse ela, começando a se levantar da banqueta do piano —, admito a culpa como um fardo.


Ela se moveu graciosamente enquanto ele a observa­va, como o vôo de um pássaro, apreciando cada movi­mento e desejando ver mais. Harry Adam tinha a impressão de que ela dançava tão bem quanto tocava. Se pudesse se sentir segura o suficiente no seu ambiente.


Hermione ofereceu uma bebida a ele e Harry a acompa­nhou até a cozinha, impressionado com a firmeza com que agia sem vacilar. O espaço era pequeno, e certamen­te ela sabia exatamente a localização de cada móvel. Ainda assim, sua segurança o impressionava.


— Você tem tudo memorizado? — perguntou ele, de­pois imaginou se ela poderia se ofender por mencionar a cegueira — Oh, desculpe-me — começou ele meio sem graça e parou, percebendo que estava piorando as coisas.


Ela se virou para ele, sacudindo a cabeça e rindo.


— Vamos esclarecer uma coisa de uma vez por todas — disse ela com firmeza. — Eu sou cega, Harry. C-E-G-A. Cega! Repita comigo. Cega, cega, cega. Eu não tenho vergonha da minha condição. Todos sabem. Você pode falar abertamente sobre esse assunto, sem necessidade de fingir que ele não existe. As pessoas que agem dessa forma tendem a tropeçar muito.


— Você está certa, claro — disse ele, sorrindo diante da atração que seu charme lhe provocava. — A partir de agora vou me referir a você como a maravilhosa menina cega. Certo?


Ela inclinou a cabeça.


— Hum. Eu prefiro assim.


Ele desejava tanto beijá-la que mal podia se conter.


— Você sabe o quanto é bonita? — perguntou ele com toda sinceridade. — Quero dizer, você tem alguma idéia do quanto é atraente para... para... — ele estava quase dizendo "homem", mas na realidade queria dizer "mim".


Ela ficou imóvel por alguns segundos, depois esten­deu-lhe a bebida e virou-se para ele.


— Onde está a mãe de Jeremy? — perguntou aber­tamente.


Ele imediatamente percebeu a intenção da pergunta uma maneira de lembrá-lo que não estavam preparando terreno para um romance. Ela simplesmente não esta­va interessada, principalmente por um homem metido em uma confusão no momento de que ela sequer fazia idéia.


Mas Harry achou que ela merecia uma resposta ho­nesta.


— A mulher que pariu o meu filho está, atualmente, trabalhando nos sofás do elenco de Hollywood — disse com certa amargura. — Não nos referimos a ela como a mãe de Jeremy. Ela nunca foi uma verdadeira mãe para ele. Neste instante Melissa provavelmente está longe de ter uma grande chance de se tornar um nome que pronunciamos em casa. Uma grande chance ou um es­cândalo espetacular. O que vier primeiro. Nós nem a vemos.


Hermione estava chocada com a tragédia da situação de Jeremy, e em como Harry apresentava os fatos daquela forma, como se fossem tão corriqueiros.


— Você é casado com ela?


— Não. — Ele mexeu o gelo de seu copo. — Ela tinha medo de que uma aliança por casamento atrapa­lhasse a sua carreira.


— Mas a maternidade não a fez sossegar um pouco?


— Não muito. Ela se livrou disso rapidamente. Dei­xando-o comigo.


— Sei.


Ela teve que admitir que aquilo lhe deu uma outra per­cepção do caráter dele. Se ele era do tipo que assumia a responsabilidade por uma criança abandonada pela mãe apesar de claramente não ser muito habilidoso com crianças, talvez não fosse tão ruim quanto imaginara.


Mas ela não podia deixar que ele soubesse que lhe dera algum crédito.


— Em outras palavras, você escolheu a mulher errada para ter um relacionamento sério — concluiu ela, propositalmente fazendo o papel de advogado do diabo, em vez de solidarizar-se com ele.


Ele hesitou e tomou um gole da bebida antes de res­ponder.


— Eu acho que você poderia rotular dessa forma. Mas não encontrei muitas mulheres por aí de quem se possa depender. Todas as mulheres da minha vida se foram, de uma maneira ou de outra.


Hermione se enrijeceu como se aquelas palavras tivessem sido direcionadas a ela.


— Isso é um pouco rude. Você está tentando me dizer que nunca conheceu uma mulher decente?


O cinismo dele era bruto e sincero.


— Vamos dizer que sim. Somos todos humanos. To­dos nós temos motivos egoístas. Só me parece que as mulheres não admitem isso abertamente. Elas fingem ter grandes ideais e mais adiante decepcionam. Não se pode contar com elas.


Ela ergueu uma das mãos.


— Você foi magoado e nunca confiará outra vez.


— Sim. Eu já ouvi falar disso antes.


— E ouvirá outras vezes. É a mais pura verdade


— Ele franziu o cenho e resolveu mudar de assunto


— E você?


— Eu? — Ela parecia surpresa com a pergunta.


— Sim. Você. Você pode ser uma cega orgulhosa, mas tenho certeza de que tem uma vida amorosa também.


— Uma vida amorosa... — Ela riu diante da expres­são. — Lamento desapontá-lo. Evito desgostos de ante­mão. Eu não me apaixono. Nunca me apaixonei e nunca me apaixonarei.


— E o seu amigo, o que desenha os nus?


— Gino. Ele não sai com mulheres.


— Sim. Você já me deu a entender antes.


— Viu? — disse ela com um sorriso insolente. — prova de balas.


Hermione se virou e encaminhou-se para a sala, enquanto ele a observava. Harry não acreditou em nenhuma pala­vra que dissera. Ela deveria ter uns vinte e poucos anos e era uma mulher muito atraente, por isso não poderia evitar a aproximação masculina por tanto tempo.


Isso significaria que ela era igual a todas as outras, distorcendo a verdade por onde passava? Ele recuou e de repente se deu conta de que estava lutando contra aque­le conceito. Não queria pensar que ela fosse como as outras. De fato, precisava que ela fosse melhor do que aquilo. Então, que tipo de idiota era ele?


Harry esvaziou o copo, colocou-o sobre o balcão e voltou para a sala onde ela estava. Hermione estava ao piano tocando uma delicada música, mas fez menção de sair quando ele chegou.


— Eu dei uma olhada no seu quintal — disse ele. — É muito bonito.


Ela concordou sorrindo.


— Eu gosto de jardinagem, mas, claro, enfrento al­guns problemas de logística. Tenho um amigo paisagista que aparece de vez em quando e faz uma manutenção básica.


Ele franziu o cenho. Outro amigo "homem", hein? E ela dizia que não havia amor em sua vida. Mas isso não era da sua conta, era?


— Vi uma casinha lá fora. Quem fica lá?


— Ah, aquela é a casa de hóspedes. — Ela tirou os dedos da teclas ao pensar no assunto. — Minha avó re­formou para os amigos que vêm para ficar durante um tempo. Quando se vive em um lugar como Niroli, sem­pre se tem muitos visitantes.


— Então ela está pronta.


— Pronta? — Ela pareceu desconfiada. — O que quer dizer?


— Quero dizer, pronta para ser ocupada. E eu gostaria de me mudar para cá.


— O quê? — Ela ficou chocada com a idéia. Até pen­sou ter entendido mal.


— Jeremy e eu precisamos de um lugar para ficar. A sua casa de hóspedes seria perfeita.


— Não. — Ela sacudia a cabeça veementemente, com toda a força emocional que possuía para rejeitar a idéia. —Ah, não. Não, isso não daria certo.


O coração dela estava acelerado, a adrenalina a todo vapor. Ela sabia que isso não era uma opção. Não poderia ter Harry Potter vivendo com ela por um tempo. Isso era simplesmente impossível. Ela se levantou da banqueta do piano e pôs a mão no pescoço involuntaria­mente, como que se protegendo.


— Não — disse ela com firmeza. — Você não vê? Isso é absolutamente impossível.


 

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