Amizade



Os dias de Halloween têm tendência para ser marcantes em Hogwarts.


Nessa semana, Daphne Greengrass tinha arranjado um castigo com o Filch, e encontrado panfletos do curso de Feitiço-Rápido: Filch era um busca-pé.


- Oi, Weasley. Tudo bem? – Harry cumprimentou, quando se cruzou com a mais nova dos Weasley no corredor.


Ginny Weasley corou, e gaguejou um “Er…Bom dia.”. Harry sorriu, e continuou.  


- Fazendo amizade com traidores de sangue, K? – Theo perguntou, malicioso.


- Pareces o Malfoy, Nott. – Harry respondeu, seco. - Dás mesmo importância a isso?


- K, Nott. Venham. Depressa. – Daphne apareceu a correr, não dando hipótese a Theo de responder.


- Que se passa, Daph? – Nott perguntou, com um sorriso.


Ela não lhes respondeu. Agarrou no pulso de Harry e obrigou-o a correr. Theo seguiu-os sem hesitar. À porta da sala de poções, Draco Malfoy tinha sido amarrado a uma cadeira, com a gravata do uniforme a amordaça-lo. A camisa fora aberta, e os botões arrancados, e escrito num terrível batom rosa podia ler-se: “Devorador da Morte Nojento”. O rosto estava cheio de tinta branca, e Malfoy parecia ter sido atordoado – Os olhos estavam abertos, mas a cabeça pendia para a frente – e sangrava do nariz.


Uma multidão formava um círculo à sua volta. Quando Harry, Daphne e Theo chegaram Zabini, Crabble, Goyle estava à pancada com Finnigan, Weasley e Thomas. Longbottom tentava, inutilmente, separá-los.  


- O Weasley começou a gritar que o Malfoy teve o que merecia. – Explicou-lhes Millie. – O Blas deu-lhe um murro. Depois, os outros quatro juntaram-se por circunstância.


- Não o conseguimos desamarrar com as mãos. – Daphne explicou. – As cordas e a gravata ficam cada vez mais apertadas sempre que tentamos algum feitiço. E o batom e a tinta branca ficam mais brilhante sempre que o tentamos limpar… Ah! E a cadeira está presa ao chão…


- Vingança pelo que aconteceu no estádio de Quidditch. – Harry murmurou, com repulsa na sua voz.


- Não devíamos pará-los, K? - Theo apontou para os rapazes que lutavam.


E gritavam por entre socos e pontapés: “Traidores de Sangue”, “Sangue de Lama”, “Slytherin Nojento”, “Pobre”, “Os teus pais não conseguem sustentar os filhos”, “Devorador da Morte”!


- Eles que se entendam. – Harry encolheu os ombros, desinteressado. – Acho que sei quais é que foram os feitiços que eles usaram para encantar as cordas, vou tentar um contra feitiço.


- Eu vou tentar separá-los. – Theo afirmou. 


Harry concentrou-se e sussurrou as palavras, mas nada aconteceu. Não era o feitiço que ele julgara que fosse, ou então não tinha talento o suficiente para aniquilar a magia adversária. Theo e Longbottom, também, não conseguiam parar a luta. Longbottom já tinha um olho negro, graças a uma cotovelada de Thomas, por ter tentado agarrar o amigo. Granger gritava para que parassem, mas nenhum deles a ouvia.


Harry tinha a varinha na mão, e ia tentar outra sequência de feitiços, quando Daphne sussurrou: “Vêm aí o Snape”.


E, assim, que Snape se aproximou a multidão que aplaudia ou tentava parar a luta, ou que gozava com Malfoy ficou, imediatamente, silenciosa. Theo e Longbottom deram um passo para trás, mas os outros seis continuaram a lutar.


- Parem com isso. – O Professor ordenou num tom gelado.


E eles pararam. Crabble sangrava do nariz, enquanto Goyle tinha uma marca negra na bochecha, e Zabini estava agarrado ao estômago. Mas os Gryffindor estavam em pior estado. Finnigan tinha um olho negro e os lábios em sangue, Thomas partira um dente, e Weasley chorava silenciosamente, com os punhos cerrados e um inchaço mesmo no maxilar.


- Os Gryffindor e os Slytherin perdem trinta pontos cada. E lutar como muggles é, no mínimo, vergonhoso. – Snape sibilou. – Se algum de vocês quiser ir à Ala Hospitalar sugiro que vá agora.


Os olhos de Snape focaram-se, então, em Malfoy, que parecia começar a acordar. A expressão do Professor era gelada, e os olhos cintilaram de ódio ao ver o que haviam feito ao seu afilhado.


- Se eu alguma vez descobrir quem fez isto, garanto que será expulso. – Afirmou para a multidão que o rodeava. Alguns abriram os olhos de espanto, e deixaram cair os maxilares. Depois, Snape acrescentou num tom mais caloroso. – Fica quieto, Draco.


Draco abanou ligeiramente a cabeça, em sinal de entendimento. Snape libertou Malfoy, e removeu toda a tinta com uma sequência de movimentos de varinha.


- Parkinson, leva o Draco para a Ala Hospitalar. – Snape ordenou, depois de ajudar Malfoy a levantar-se. E virou-se para o resto dos alunos – Entrem.


A turma entrou. E tiveram o resto da aula a fazer uma poção de memória.


- Quem é que achas que fez aquilo, K? – Blas perguntou, sentado ao seu lado.


- Um Gryffindor, de certeza. – Theo sussurrou.


- Vamos vingar-nos. – Harry acenou friamente.


Daphne sorriu, uma terrível meia curva de sarcasmo desenhou-se nos seus lábios. Snape parecia pensar como Theo, e estava ainda mais ríspido do que o costume para com os Gryffindor.


Quando saíram da aula, Ginny Weasley estava à espera de Hermione Granger, e de Neville Longbottom.


- Oi, Weasley. – Disse Harry, quando, sem querer, foi contra ela.- Outra vez. 


Ela corou, e não disse nada. Pansy, entretanto, saltou para as cavalitas de Harry, com risinhos, e murmurou-lhe ao ouvido: “És giro”. Harry passou-lhe a mão pelas nádegas, e pousou-a no chão. “Até logo, Pansy” Harry disse, e olhou uma última vez para Weasley.


Draco ainda estava na Ala Hospitalar, depois da aula de transfiguração e Harry, Blas e Theo foram visitá-lo. Daphne, Pansy e Millie estavam a ter “conversas de miúdas”, ou seja a falarem sobre eles - “rapazes”.


- Theo, não me respondeste hoje de manhã…- Harry disse, casualmente, enquanto caminhavam.


- Não, não me importo, realmente. – Theo encolheu os ombros. - A minha família sim, mas eu acho que somos todos humanos.


- Uns melhor que os outros. – Draco sibilou, quando eles entraram, percebendo de imediato do que é que eles estavam a falar.


- Ou mais idiotas. Tens de reconhecer que para um sangue-puro tão superior a toda a gente, foste facilmente caçado por um banco de sangues de lama, e traidores de sangue, não achas? – Harry sorriu, sarcástico.


- Cala a boca, Potter. – Draco suspirou, ligeiramente irritado.


- Ninguém é melhor que ninguém pelo sangue que tem nas veias. – Harry sentenciou. – Eu respeito os teus pais, e sei que eles acreditam nisso, Drak. Mas será que tu acreditas realmente no mesmo?


Draco não respondeu, olhou para o seu melhor amigo num misto de raiva e surpresa.


- Não me preocupa se acreditares. – Harry continuou – Mas não me parece que assim seja. Pensa nisso.


- Que bonito, Potter. – Draco disse, sarcástico. – Estou emocionado.


Mas a verdade é que com a humilhação que sofrera, e as palavras de Harry, Draco pensaria sobre o assunto, pensaria sobre aquilo que acreditava e sentia, realmente.


- Eu sabia que ficarias. – Harry replicou com igual sarcasmo.


Continuaram a conversar, animadamente. Essencialmente, fizeram planos para descobrir quem se atrevera a atacar Draco, e como se iriam vingar. 


Nessa noite, Harry e Hermione Granger estavam ambos na Biblioteca. Ela estudava, e Harry acabava o último livro da série do Príncipe do Amanhecer.


Quando não se vira Sol no árido Egipto por sete longos meses, um Príncipe nasceu e o sol regressou com ele. Ramsés era um feiticeiro, muito talentoso e inteligente, e com um dom invulgar para falar com serpentes.

Os livros relatavam as aventuras do jovem Príncipe, as formas de magia que se atrevera a explorar e desenvolver, tipos de magia e feitiços que a maioria não se atrevia a experimentar, os inimigos derrotados, as batalhas, as crises políticas. Nascido num reino com três herdeiros, dividido pela guerra, Ramsés uniria os sete senhores do Egipto, e tornar-se-ia um dos maiores conquistadores de sempre. 


O Rei-Sol, Rá – a mais alta divindade do Egipto – reina durante o dia, mas durante a noite atravessa o submundo na sua barca, e tem de enfrentar vários demónios, de entre os quais o mais poderoso é a serpente Apófis - o seu eterno inimigo. Ramsés era visto como o guardião do Rei-Sol, diziam que com o seu dom e poder era capaz de comandar a própria Apófis e mantê-la afastada de Rá.  Era ele o Príncipe que permitia o Amanhecer.


Harry teria saudades das aventuras do jovem Príncipe. “Ele era um Sangue de Lama, que falava com serpentes e recorria à Magia Negra. No antigo Egipto adoravam-no e viam-no como um herói, mas como será que a minha sociedade reagiria a um Ramsés?”. O livro terminava, quando o Príncipe se tornava Faraó.


- Sabes que me deves um favor, não sabes, Granger? – Harry perguntou, com um sorriso. Acabara o livro, poderia agora concentrar-se noutros assuntos.


- Como é, Potter? – Ela levantou os olhos do livro que ela lia.


- Eu ajudei-te em Poções. Mas, entretanto, também, impedi o Weasley de vomitar-se mais no campo, e saldei a minha dívida para com ele. – Harry explicou. – Logo, tu estás em divida comigo…


- Tu adicionaste um feitiço de dor. Não me parece que o Ron esteja agradecido. – Hermione replicou.


- Mas ainda assim parei o vómito. – Harry insistiu, sentando-se à frente de Granger.


- O que é que queres de mim, Potter?


- Quem é que atacou o Malfoy? – Harry sibilou.


- Não te vou dizer. – Hermione afirmou.- Ele mereceu, depois do que me disse.


- Granger, o Malfoy é tão preconceituoso como qualquer Gryffindor. – Harry replicou – Ele é-o em relação ao sangue, vocês é em relação aos Slytherin. Diz lá que não nos vêem a todos como um bando de futuro feiticeiros das trevas…


Granger não disse nada, e baixou os olhos. Sim, era verdade. Vestir verde e prata tornava-te, imediatamente, terrível aos olhos dos Gryffindor.


- Onde é que estão o Weasley e o Longbottom, Granger? – Harry perguntou.


- Numa festa dos mortos. O Nick convidou-os. Porquê, Potter?


- Porque vão ser eles a pagar pelo que aconteceu ao Malfoy. – Harry levantou-se. – Eles ou quem realmente lhe fez isto. A escolha é tua, Granger.


Naquele momento, a voz voltou: Matar…Há tanto tempo…Rasgar….Matar…Matar…


Harry tinha contado a Draco e Daphne o que acontecera no gabinete de Lockhart, mas nenhum deles soubera explicar.


- Potter, tu não podes dizer que a escolha é minha…- Granger falava. – A culpa não é minha se…


- Shhh. – Harry levou um dedo aos lábios. – Não ouves?


Matar…Rasgar…Matar…A voz fria arrastava-se nas paredes.


- Ouvir? Ouvir o quê, Potter? – Hermione perguntou, surpresa.


Harry arrependeu-se de ter perguntado e saiu a correr da biblioteca, perseguindo a voz. Granger correu atrás dele. Sangue…cheira-me a sangue…hora de matar…


Depois, parou. Harry estava num corredor cheio de água no chão. E entre duas janelas, escrito à luz fraca das tochas lia-se:


A CÂMARA DOS SEGREDOS FOI ABERTA


INIMIGOS DO HERDEIRO, CUIDADO


Mrs. Norris a gata do Filch estava pendurada pela cauda numa das tochas.


- Granger…- Harry murmurou. – Eu não…


- Eu sei que não foste tu. Eu não digo nada. Mas acho que devíamos sair daqui…


Mas o banquete de Halloween tinha terminado, vindo das escadas os alunos chegavam ao corredor, e o silêncio, mais uma vez, varreu a multidão. Harry e Hermione estavam de pé sozinhos, a observar aquele quadro macabro.


Weasley liderava a multidão, e os olhos brilharam de raiva.


- A câmara dos segredos foi aberta. Inimigos do Herdeiro, Cuidado. – Leu Weasley. – Achas divertido escreveres isto na parede, Potter?


- Ele não fez nada, Ronald. Ele estava comigo na biblioteca. – Hermione disse.


- Pior ainda. – Comentou Pansy Parkinson sarcástica. Mas até Daphne a fuzilou com o olhar – não era o momento adequado.


- A minha gata. A minha gata. – Filch abriu caminho por entre a multidão. – Tu – olhou para Harry – Tu mataste a minha gata…eu mato-te…


- Argus. – Disse Dumbledore, suavemente.


A multidão abriu caminho para o Director, seguido por Snape, McGonagall e Lockhart. Dumbledore desamarrou Mrs. Norris, e dispersou a multidão, ordenando a Harry e Hermione que ficasse. Depois, foram todos para o gabinete de Lockhart.


Dumbledore examinava Mrs. Norris, enquanto Lockhart dava uma palestra sobre as possíveis causas de morte e Hermione o ouvia com um ar embebecido, para surpresa de Harry, e Filch soluçava a um canto.


- Ela não está morta, Argus. – Disse Dumbledore, por fim. – Foi petrificada.


- Ah! Tal como eu pensei. – Disse Lockhart, o que o levou a receber um olhar de desprezo de Snape e McGonagall, apesar da expressão de Dumbledore ser impassível.


- Mas não sei dizer como. – Dumbledore suspirou.


Harry olhava para o chão, e rodou o exemplar do Príncipe do Amanhecer que tinha nas mãos. E soube porque é que os outros não ouviam a voz: era serpentês, tinha de ser.


- Pergunte-lhe. – Disse Filch. – Foi ele quem fez isto…


- Nenhum aluno do segundo ano poderia ter feito isto. É necessário um grande conhecimento de magia negra. – Dumbledore declarou, apesar de ter lançado um olhar avaliador a Harry.


- Mas ele sabe que eu sou um busca-pé. A amiga dele viu os panfletos no meu escritório…- Filch soluçava.


- Se me permite que dê a minha opinião, Senhor Director. – Snape saiu da sombra. – O Potter e a Granger podiam estar simplesmente no lugar errado à hora errada… mas eu não me lembro de ter visto nenhum dos dois ao jantar…e porque estavam eles afinal no corredor?


Harry suspirou, perguntando-se se não era suposto o Chefe de Slytherin ajudá-lo, naquelas situações.


- Eu estava na Biblioteca, à espera do Ron e do Neville que foram a uma Festa dos Mortos…e tinham dito que me chamavam quando fossem para o verdadeiro banquete, coisa que se devem ter esquecido…- Declarou Hermione


- Eu, também, estava na Biblioteca, a acabar um livro. Entusiasmei-me com o final e não me apeteceu ir ao banquete. – Harry explicou. – Apesar de ter dito à Daphne e ao Draco que os encontrava lá.


- Madam Prince pode confirmar a presença de ambos lá. – Hermione disse.


- Isso não explica o que estavam a fazer no corredor. – Snape sibilou.


- Mas prova que não fomos nós quem enfeitiçou a gata, ou pintámos a parede, porque não teríamos tempo para isso. – Harry replicou. – Senhor.


- Porque é que estavam naquele corredor? – Foi a vez de McGonagall perguntar.


- Isso é o tipo de informação que gostaríamos de manter privada, Professora. – Hermione respondeu, rapidamente. – Afinal, já provámos que não fomos nós.


Snape levantou o sobrolho, Harry escondeu um sorriso, McGonagall abriu os olhos de espanto.


- Eu quero ver um castigo. – Soluçou Filch.


- Vamos conseguir curá-la, Argus. – Disse Dumbledore. – A Professora Sprout tem algumas Mandrágoras já maduras o suficiente para fazer uma Poção, que reanimará Mrs. Norris.


- Eu posso fazê-la. – Lockhart disse. – Já devo ter preparado um Golo de Mandrágora uma dezena de vezes.


- Creio que o Mestre de Poções desta escola ainda sou eu…- Snape disse, friamente.


- Vocês os dois, podem sair. – Dumbledore disse para Hermione e Harry.


Eles levantaram-se e saíram, com algumas palavras de boas noites aos professores. Afastaram-se alguns passos em silêncio, até que chegaram ao local, onde os seus caminhos se separariam. 


- Potter, lembras-te daquela dívida que falavas? – Hermione perguntou. E acrescentou. – Está anulada.


- Obrigado, Granger. – Harry agradeceu. – E se puderes não contar a ninguém da…


- Não conto. – Hermione disse. – Não te preocupes. E tinhas razão, sabes? Os Gryffindor conseguem ser tão preconceituosos como os Slytherin.


- Vamos ser superiores ao preconceito, Granger? – Harry estendeu-lhe a mão.


Hermione sorriu, e aceitou o cumprimento.


- Boa noite, Potter. – Ela disse.

- Boa noite, Granger. - Ele sorriu.  


E seguiram caminhos separados. Ela subiu para a Torre de Gryffindor, enquanto ele desceu para as Masmorras de Slytherin. 

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N/A: Gostaram? =) Por favor, comentem.

Xandevf: Tem de dar tempo ao Draco para ele crescer. E não é Harry x Pansy, nem Harry x Hermione. Quanto à Ginny, sim ela vai ser importante, não se preocupe. Gostou? 

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Comentários (1)

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