Poções, ou Tragédia



 


As aulas começaram no dia seguinte. Harry era alvo de longos olhares e comentários à sua passagem. Não conseguia dizer se os alunos de Hogwarts estavam mais fascinados com a presença do Rapaz-Que-Sobreviveu, se chocados por um Potter ter acabado nos Slytherin.  


Flint distribuiu os horários na primeira manhã. Na noite anterior, Harry estivera esfomeado e demasiado ocupado com os discursos para se aperceber de como ter toda a comida que conseguia imaginar à sua disposição o deixava feliz. Era muito diferente de viver com os Dursley.


- Temos quase todas as aulas com os Gryffindor. - Comentou Draco


- Mais horas a gozar com o Weasley - Retorquiu o sempre optimista Blaise.


O optimismo de Blaise era retorcido, baseava-se em quanto mais problemas conseguisse provocar a uma pessoa que não gostava melhor. Weasley estava marcado desde o comboio, se bem que Draco já viera para Hogwarts com bagagem educativa para detestar Weasleys.


Na segunda-feira, as duas horas de Transfiguração passaram devagar. Tentaram transformar fósforos em agulhas sobre o olhar rígido da Professora McGonagall. Hermione Granger foi a única a conseguir completar o exercício, o que valeu aos Gryffindors 10 pontos.


- Maldita Sangue-de-Lama. - Murmurou Draco, lançando um olhar de repulsa a Hermione.


- Se voltas a repetir essa palavra à minha frente, juro que te amaldiçou-o. - Murmurou Daphne em surdina, lançando-lhe um olhar de nojo. Crabble e Goyle, em oposição, tinham soltados gargalhadas.


- Significa sangue-sujo. - Explicou Nott, lendo o seu ar de perdido - O Draco descende de uma longa família de feiticeiros e considera que o sangue dela, de origens muggles, não é tão puro como o dele.


Harry acenou, mas não fez comentários. Nott não parecia interessado na sua opinião, de qualquer maneira, porque voltou para a concentrar-se no seu fósforo por transformar. Ele era o mais reservado dos rapazes do seu ano.


Na 4a-feira, em Encantamentos, Draco arranjou um nome menos ofensivo para tratar Granger, quando Hermione ergueu outra vez o braço para responder a uma pergunta, quase aos pulos na cadeira.


- Sabe-Tudo Granger. - Draco suspirara.


Daphne sorrira em concordância, com um aceno. Hermione irritava a maíoria dos alunos com o seu conhecimento extraordinário, mas Harry admirava-a, secretamente, porque ela viera de uma família muggle, mas superava-os a todos, e por muito que ele tivesse estudado no Verão, não conseguira aprender tanto como ela.  


Flitwick estava babado com a participação de Hermione. Harry, por outro lado, conseguira conquistar o professor sem esforço, já que ele caíra da sua pilha de livros (que estavam em cima da cadeira para que o minúsculo professor chegassse à secretária) quando chegara ao nome de Harry ao confirmar a presença de todos os seus novos alunos.


 - Histérico. – Harry suspirou, quando saíram da aula - O pior é que não chegámos a praticar nada...


 E Malfoy imitou a cara de Flitwick a ler o nome de Harry, que levou os Slytherin a desmancharem-se a rir.


- Sim, quem diria que o Flitas tinha folgo para duas horas de conversa... – Daphne concordou. Flitwick passou a ser tratado por Flitas desde esse dia.


Na 6a-Feira de manhã, Harry deu por si ansionso por ter Poções. Flint aconselhara-os a recorrer a Snape, quando se vissem em problemas, mas falara dele com respeito e medo. "Não se iludam. O Snape pode favorecer os Slytherin por não nos retirar pontos, mas isso não significa que vá ser simpático para vocês." Dissera-lhes Gemma Farley, a Prefeita de Quinto-Ano, juntamente com Flint, quando ouvira Draco comentar que as aulas de Snape deviam ser espectaculares na 5a-Feira à noite "Não vai. Ele não é simpático. Mas é um excelente Professor"


- Poções duplas com os Gryffindor. - Comentou Millie, claramente nervosa, enquanto esperavam à porta da sala - Pelo menos, ele deve perder mais tempo a embirrar com eles do que connosco.


- Relaxa, Millie - Pansy Parkinson encolheu os ombros - Ele é o nosso Chefe de Equipa, ele tem de ser simpático e acessível para os Slytherin.


Millie e Pansy pareciam ter-se tornado melhores amigas, mas não tinham nada a ver uma com a outra. Millie era roliça e loira, falava alegremente pelos cotovelos e tinha um sorriso simpático, enquanto Pansy era morena, magra e mandona, mas não insuportável. - Pela maneira como todos falam dele, não me parece nada simpático e acessível. - Millie suspirou, o que levou Harry a concordar com um aceno.


- Ele de mim gosta. - Draco disse com um sorriso sortuno.


Snape chegou e abriu a porta, ordenando-lhes que entrassem. O silêncio caiu de imediato sobre o grupo de alunos, com a simples presença do Professor.  Harry associou-o logo à alcunha de “morcego” que circulava entre os alunos , enquanto o seu manto preto esvoaçava atrás de si.


Os Gryffindor e Slytherin separaram-se, naturalmente, nas duas metades da sala. A fila da frente ficou vazia, com excepção da Granger do lado dos Gryffindor. Snape começou a aula pela chamada, quando chegou ao nome de Harry, disse com toda a calma: "Ah. Sim. Harry Potter, a nossa nova celebridade”, mas não se dignou sequer a olhar para o aluno.
- Estão aqui para aprender a arte subtil da criação de Poções. - Falava numa voz quase murmurada, mas o silêncio era  tal que se captava cada palavra sem dificuldade. - Como vão ver muito pouco das palermices de agitar varinhas no ar, muitos de vós terão dificuldade em perceber que isto é magia. Não espero que percebam em toda a sua totalidade, a beleza do caldeirão que ferve suavemente em fogo lento, com as suas emanações difusas, do poder delicado dos líquidos que trepam vigorosamente pelas veias humanas, enfeitiçando o espirito, iludindo os sentidos...


O Professor fez uma pausa, e os seus olhos negros gelados varreram a turma. O silêncio era agora ainda maior, como se o próprio ar tivesse congelado com as suas palavras. E os alunos olhavam-no aterrorizados e fascinados no mesmo instante.


- Posso ensinar-vos a agarrar a fama, a preparar glória...e até a pôr uma rolha na morte - se vocês não forem um grupo de broncos, como os que habitualmente tenho como alunos. - Snape finalizou.


Harry deixara escapar um pequeno sorriso, enquanto o observava, encostado na sua cadeira, com os olhos cheios de admiração. Era um sorriso confiante de quem queria provar ao professor que não pertencia “ao bando de broncos” e queria alcançar o poder que Snape pusera por palavras. Um sorriso que Snape odiou de imediato, por o lembrar do sorriso arrogante de James Potter.


- Potter. – Snape chamou, vendo o rasgo de sorriso desaparecer e o aluno a endireitar-se na cadeira – O que obteria se misturasse raiz de asfódelo em pó e uma infusão de losna?


Hermione Granger levantou a mão de imediato.


- Er...uma poção de adormecer, senhor. – Harry respondeu, sem se conseguir lembrar exactamente de qual.


Os olhos de Snape faiscaram “Uma poção de adormecer tão poderosa que é chamada de Golo dos Mortos Vivos. Mas claro, o famoso Harry Potter não se poderia dar ao luxo de decorar o nome de uma simples poção, não é verdade?”.


Harry manteve as suas emoções invisíveis, Snape lançou-lhe um olhar penetrante, como se esperasse que ele se irritasse ou chorasse, antes de virar costas e escolher outra vítima.


- Weasley, onde é que se encontram Bezoares? – Snape perguntou. Mais uma vez, Granger ergueu a mão.


- Não sei, senhor. – Weasley respondeu, engolindo o seco.


- Para quê abrir os livros, não é, Weasley? Menos cinco pontos para os Gryffindor por desleixe. - Snape replicou, bruscamente. Todos sabiam que Snape retiraria pontos aos Gryffindor a qualquer oportunidade.


Virou-se novamente para o Slytherin.


- Sabes responder à pergunta que fiz ao teu colega, Potter? – Snape sibilou, friamente.


- Creio que se encontra um bezoar no estômago de uma cabra, senhor. – Harry respondeu, mais confiante da sua resposta desta vez.


- Crês? Crença é fraca quando falamos de Poções.- Snape suspirou – Consegues definir o que é um bezoar?


A mão de Hermione voou para o ar. Apesar de tudo, ele estivera entusiasmado com a aula. Esperara um professor exigente, deliberadamente desagradável até, mas não esperara que isso se reflectisse especialmente para com ele.


- É uma pedra que serve de antídoto contra a maior parte dos venenos, senhor. – Harry replicou.


O brilho de triunfo nos olhos do Professor mostrou a Harry que ele notara que a  sua voz ter saído mais irritado do que anteriormente, a pequena prova de que as suas palavras afectavam o aluno parecia satisfazer Snape.  


– Weasley, vamos voltar a tentar, qual é a diferença entre moonkshood e wolf’s bane? – Snape perguntou, sem mostrar qualquer outro tipo de reacção à resposta de Harry.


Hermione levantou o braço, novamente, e Snape escolheu continuar a ignorá-la. “Não, sei, senhor. Mas acho que a Sabe-Tudo Granger sabe, podia perguntar-lhe a ela” Respondeu Weasley. Aparentemente, Weasley e os seus amigos tinham adoptado a alcunha dos Slytherin para Granger.


- E os Gryffindor perdem mais dez pontos graças a ti, Weasley. Se me voltas a falar nesse tom ficas de castigo. – Snape sibilou – Potter?


- Não existe diferença, senhor. – Harry respondeu. Sentia uma repulsa fria na voz do Professor ao pronunciar o seu nome.


- Mais não seja, são duas palavras diferentes. A resposta mais correcta seria dizeres que são dois nomes para a mesma planta. Esta disciplina é sobre percepcionar, entender as pequenas subtilezas e a cada resposta que me dás mostras-me que não tens as qualidades necessárias. A fama não é tudo, Potter. Sabes qual é o terceiro nome pelo qual este ingrediente é conhecido?


 - Aconite, senhor. – Harry respondeu, secamente. Tinha a certeza de que pelo menos metade da turma não teria conseguido responder às perguntas, tal como Weasley não conseguira.  


- Correcto. – Snape disse num tom seco – Espero que tenham tomado notas.


- Afinal, estás quase ao nível da Sabe-Tudo Granger, Potter. – Malfoy deu-lhe uma cotovelada amigável. – Pena o Snape não parecer gostar muito de ti.


- Oh. Cala-te.– Harry suspirou.


Snape fez uma breve introdução à poção que iam fazer, uma poção que permitia a recolha de luz solar e produzia oxigénio, tal como a fotossíntese das plantas. As instruções rapidamente apareceram no quadro negro.


As poções estavam, na sua maior parte, caóticas. Weasley e Longbottom foram massacrados pela sua falta de talento. Mas Snape pareceu escolher deixar Harry em paz desta vez, e o jovem ficou aliviado por isso.


- Tira os Espinhos,Crabble. – Murmuram Harry e Draco ao mesmo tempo, mas era tarde de mais.


Harry sabia como parar o líquido efervescente, que poderia fazer explodir o caldeirão a qualquer minuto. Tirou a sua varinha do bolso, e apontou-a ao armário, tentando um encantamento de convocação: Accio Folhas da Lua.  Fora um dos feitiços que Narcisa Malfoy lhe falara na Diagon-Alley, dizendo que era relativamente complicado, mas que na opinião deveria ser ensinado antes do 4o ano.


Contra todas as expectativas, o feitiço resultou. Mais tarde, depois de falhar várias tentativas, Harry diria que foi o pânico que o fez realizar o feitiço como deve de ser naquela aula. Harry saiu do seu lugar num salto, e despejou as Folhas da Lua no caldeirão de Crabble. A poção acalmou, imediatamente.


- Potter, o que é que eu disse sobre o uso de varinhas na minha sala de aula? - Disse uma voz fria atrás de si.


- Desculpe, senhor. – Harry escolheu olhar para o chão, o professor parecia estar a amaldiçoá-lo com o olhar – Disse que não queria parvoíces com varinhas, senhor.


- Porque estavas a colocar isto na poção do teu colega, Potter? – Snape perguntou – Porque estavas sequer a mexer num ingrediente não necessário à preparação desta poção?


- Foi uma brincadeira idiota, senhor. – Harry respondeu, não querendo denunciar Crabble.


- Portanto, resolveste utilizar uma varinha e brincar na minha aula, Potter? – Snape sibilou.


Harry não conseguiu responder. Lançou um olhar a Crabble, que estava pálido de medo ao pé do caldeirão, antes de cerrar os dentes e abanar a cabeça para a frente.  


- Podes arrumar as tuas coisas e sair da minha aula. Espero-te hoje às 19h para uma detenção. – Snape ordenou, depois de uns segundos em silêncio.


- Sim, senhor. – Harry acenou.


- Isso não é justo... Ele só... – Draco levantou-se, de repente, com uma expressão revoltada.


- Sim, Mr. Malfoy? – Snape levantou uma sobrancelha, enquanto Draco arranjava palavras para se expressar.


Malfoy olhou para Harry e conseguiu perceber que era inútil interferir. Harry abanou ligeiramente a cabeça para que não o fizesse. Snape castigá-lo-ia, sem se preocupar em julgar as suas intenções, e só estariam a arrastar Crabble para problemas.


- Nada, senhor. Desculpe. – Draco murmurou, voltando a sentar-se.


Mal Harry saiu, a poção de “Desastre” Longbottom, como os Slytherin  o começaram a chamar, depois de Snape o ter mandado recomeçar a poção pela terceira vez, explodiu: ele tinha adicionado as rosas sem retirar os espinhos. “Que irónico” Murmurou Draco.


- Longbottom, ainda agora foram mencionados o perigo dos Espinhos. – Snape falou num tom mais alto, que não passou despercebido – Menos 15 pontos para os Gryffindor. Granger, leva-o à enfermaria.


Granger, pelo tempo perdido na Ala Hospitalar, não conseguira finalizar a sua poção. Snape inspeccionou os caldeirões dos alunos um por um, fazendo comentários, na sua maior parte, secos e desagradáveis, mesmo para com os Slytherin. Malfoy recebeu um "bom trabalho" e ganhou 10 pontos para os Slytherin.


Harry aproveitou o resto da aula de Poções, em que esteve sozinho, para meditar no que tinha acontecido. Sabia instintivamente que o Professor iria continuar a humilhá-lo, suspeitava até que não teria uma boa nota. Uma parte de si queria desistir, e resignar-se a ser o fracasso que Snape queria que ele fosse. Mas ele gostava do desafio de se melhorar a si próprio de modo a que o professor não encontrasse nada para o criticar, de modo a que Snape fosse obrigado a dar-lhe uma boa nota por mais que o revoltasse. Snape falara em prestar atenção aos pormenores, à subtileza da preparação. Ele tentaria fazer isso, e estaria atento a cada crítica futura.


 Foi com este pensamento que Harry se apresentou na sua detenção às 19h.


- Potter, tens ali uma pilha de caldeirões e frascos de poções, podes começar a lavar sem magia. Também, tens ali tudo o que precisas a nível de produtos. – Snape ordenou, sem levantar os olhos do texto que corrigia.


Harry limitou-se a acenar e avançar pelo gabinete sombrio, e passar por uma porta traseira que ia dar a uma sala mais ampla do que a sua e menos iluminada. Assim que entrou compreendeu que aquela era a sala dos alunos de NEWT’s, que poderiam precisar de ingredientes da Reserva Pessoal de Snape. A pilha de caldeirões esperava-o no centro da sala.


Quando Snape parou de corrigir os trabalhos de casa daquela semana, percebeu que já haviam passado duas horas e meia desde que Harry começara a lavar caldeirões.


Encontrou o seu aluno a esfregar o último caldeirão, visivelmente cansado, com as mãos vermelhas. Não havia muitos feiticeiros que soubessem alguma coisa de lavar sem magia. E não havia muitos rapazes de onze anos capazes de se manterem estóicos, enquanto um Professor os humilha verbalmente. O rapaz surpreendia-o.  


- Pode parar, Mr. Potter. Tenho uma pergunta para si. – Snape anunciou a sua presença.


 Harry parou de esfregar e levantou-se de um salto.


- Desculpe não ter terminado. – Harry murmurou, rapidamente.


- Qual é a função das folhas da Lua? – Snape ignorou o comentário do aluno.


- Er… Eu não sei. – Harry balbuciou.


- Não me mintas, Potter. Eu sei que tentaste proteger o Crabble hoje na aula. Porque é que não me disseste a verdade na altura?


- Porque não me pareceu a coisa correcta a fazer. Escolhi proteger o meu colega – Harry respondeu.


- Estou a ver. – Snape sibilou – Mas há uma coisa que tens de compreender, Potter. Por muito desagradável que isso seja para nós dois, eu sou o teu Chefe de Equipa, o que significa que não me mentes. Eu vou sempre proteger os meus Slytherin. Estamos entendidos?


- Sim, senhor. – Harry acenou, mas o seu olhar era vago. E Snape compreendeu que o seu aluno mentiria sempre que achasse que mentir fosse o mais correcto a fazer.


- Podes ir, Potter. – Snape suspirou.

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