Viviane Lake



Sábado de manhã, enquanto todos os alunos aproveitavam a folga, Sheeba foi para a torre norte ter aulas de controle de toque premonitório, uma aula particular com a professora de adivinhação, Viviane Lake.
    Nada em Viviane sugeria mistificação ou esoterismo. Era uma mulher baixa, magra, cujos cabelos grisalhos eram lisos como uma seda, caindo-lhe num rabo de cavalo bem preso que ia até abaixo de sua cintura. Ela usava sempre vestes sóbrias, como a que usava naquele dia, de seda preta com gola e punho de veludo azul marinho. Tinha no pulso uma jóia que parecia um olho, engastada em prata, e no peito tinha um broche de pedras na forma de um corvo. Seus olhos eram profundamente azuis e olhavam como quem via o fundo da alma. Ela usava sempre um par de luvas negras de um tecido meio brilhante e tinha o rosto pouco marcado. Devia beirar os cinqüenta anos.
    Quando Sheeba entrou na sala, ela sorriu, e Sheeba sorriu de volta, era impossível não fazê-lo. A sala era repleta de esquemas e figuras sobre astros, o destino, as conjunções, haviam também cartas de tarô gigantescas, que se perguntadas explicavam seu significado em voz alta. Numa das paredes havia um quadro com três mulheres, uma desenrolava um fio de um novelo, e a outra, da outra ponta, o enrolava em outro novelo. A do centro estava parada observando o trabalho das duas... e tinha uma grande tesoura dourada na mão. Abaixo do quadro havia uma inscrição: AS PARCAS – SENHORAS DO DESTINO. Viviane levou Sheeba até diante do quando e disse:
-    Observe-as... elas estão sempre trabalhando... – Sheeba ficou olhando as três mulheres sem entender muito bem o que faziam.  Então, a mulher da ponta começou a falar:
-    Eu sou Clotho... eu cuido do que vai acontecer... tiro da meada da vida o futuro.
-    Eu Sou Láquesis... eu cuido do que se foi...  – Sheeba então reparou que no fundo do quadro ela podia ver pequenas cenas, que às vezes mudavam, pessoas, vivendo suas vidas, todas elas proporcionais a insetos em relação às parcas. A última delas sacou a tesoura e disse:
-    Eu sou Megaera. Este é meu dever – ela corou com a tesoura a meada do fio e no fundo, uma das figuras de pessoas desapareceu. Sheeba olhou para a professora, que disse:
-    Obviamente, Sheeba, esta é apenas uma representação artística... era assim que os gregos representavam o destino... você tem parentes gregos?
-    Meu pai... – Sheeba disse, timidamente
-    Eu imaginei... seu sobrenome quer dizer “papoulas” em grego, sabia?
-    Sabia.
-    Você quer saber de onde vem esse dom?
-    Quero – Sheeba falou decidida.
-    Venha comigo então... – Viviane Lake pegou sua varinha e num instante, Sheeba se viu transportada para dentro do quadro onde estavam as parcas., elas passaram pelas três figuras e Sheeba viu que estavam numa espécie de templo. Agora, as parcas eram um mosaico na parede atrás delas.
-    O-onde estamos, professora? – Viviane riu
-    Estamos numa memória. Você vai descobrir de onde vem seu dom.
    Sheeba olhou o templo, que tinha uma escadaria de mármore branco esverdeado e fontes em toda sua volta. Então,  viu uma fila de mulheres que se dirigia para uma das fontes, com jarros enormes no ombro.
-    Estamos três mil anos no passado, Sheeba. Este é o Templo de Prometeu. Na mitologia grega, Prometeu é um titã, uma figura mística, um ser anterior aos deuses... Prometeu tinha o dom de saber o futuro, o passado e o presente de quem contemplava... eles acreditavam que tinha sido ele que tinha dado aos homens o conhecimento sobre o fogo...  – elas se aproximaram mais e Sheeba viu que elas estavam fazendo um ritual. – Dizem que a primeira pitonisa, recebeu seu dom das mãos de Prometeu... isso eu não posso te garantir, mas a verdade é que eles descobriram uma fonte mágica... uma fonte que podia revelar o futuro... vê aquela mulher? Seu nomé é Criméia, e ela é uma pitonisa. – Sheeba reparou que ela tinha uma marca em forma de foice bem visível no rosto. Vê a marca? É como a sua, a marca do Prometeu, é a marca dos que podem prever o futuro. – Viviane agitou a varinha e o Templo desapareceu, dando lugar a outro, este mais sombrio, esfumaçado. Viviane tornou a falar: - Com o tempo, as pitonisas foram ficando mais arrogantes, porque não sabiam como usar seu dom com sabedoria... e tudo aquilo que é mal usado, desvirtua-se. Uma mulher falava numa língua que Sheeba não conhecia com outras, que pareciam não acreditar nela.
-    O que ela está dizendo?
-    Esta é Cassandra... o templo das pitonisas já havia caído em desgraça, as verdadeiras tinham se misturado ao mundo... este é um templo em Tróia, e aquela é Cassandra... ela está prevendo a queda de Tróia, ela é irmã do Rei... mas ninguém acredita nela, é uma previsão impossível. Olhe o braço esquerdo dela.. ela tem uma marca em forma de punhal, pode ver?
-    Posso.
-    Prever o futuro para ela é uma maldição... ela só prevê o trágico, o extraordinário... o que ninguém pode dar crédito. Vai ser considerada louca e culpada pela queda de Tróia... mas seu dom sobreviverá... séculos se passarão e ainda haverão Cassandras e pitonisas pela humanidade... e outros, e outras profecias... vamos, Sheeba. – Sheeba ainda olhou por alguns segundos a face da princesa troiana angustiada, e sentiu pena dela... então, a professora aproximou-se de um vaso grande, onde estavam desenhadas as três parcas e num segundo, estavam de volta à sala de adivinhação. Sheeba não soube dizer porque... mas naquele minuto algo havia mudado dentro dela.
-    Sheeba – a professora chamou-a e ela olhou, ainda absorta – percebe como você é única e importante? Percebe como você deve realmente aprender a lidar com seu dom?
-    Professora... eu não tenho conseguido fazer mágicas... quer dizer... depois do dia em que eu comprei a varinha.., não apareceu mais nada nela... nem uma única faísca... serão as luvas?
-    Não, Sheeba... é você. Você tem que querer fazer mágicas...
-    Eu sou bruxa mesmo? Eu não posso ser só uma pitonisa?
-    Se dentro de você não houvesse magia você não seria uma pitonisa... Sua varinha está com você?
-    Está.
-    Pegue-a, com as luvas – Sheeba obedeceu e a professora olhou em seus olhos dizendo.
-    Pense na  coisa mais mágica que já te aconteceu... já deve ter acontecido... lembre-se
    Sheeba parou por um segundo... então seu rosto se iluminou e ela lembrou... ela estava com sete anos, sua mãe a levava pela rua, de repente, ela parou diante de uma banca de peixe, e do outro lado da rua Sheeba viu. Era a boneca mais linda que já vira na vida... o rosto rosado, os olhos azuis. Cabelos louros e cacheados caindo-lhe pelo vestido em cascata... e Sheeba desejou a boneca. Perguntou à mãe se podia ter uma boneca como aquela, e a mãe tristemente disse que não... era muito cara. Elas foram para casa e Sheeba passou dias e dias pensando na boneca... desviava do caminho na ida e na volta da escola para ver a boneca, e lá estava ela na vitrine, linda e inatingível. Um dia, um caminhão estava parado na frente da loja quando ela passou voltando para casa. Um caminhão da fábrica de brinquedos, tinha vindo fazer entregas.
     Sem graça de ficar parada em frente à vitrine com os homens entrando e saindo com caixas de brinquedo, Sheeba acelerou o passo, tentando chegar mais rápido em casa, a boneca firmemente gravada em sua cabeça... então, quando dobrava a esquina da sua rua, o caminhão passou por ela e na curva, uma caixa caiu e veio quicando até parar bem nos pés dela. Ao erguer os olhos e ver que era da fábrica de brinquedos, Sheeba pegou a caixa no chão e ainda correu um pouco atrás do caminhão gritando que havia caído uma caixa... mas nem o motorista nem o ajudante ouviram e ela ficou parada em frente à sua casa, vendo o caminhão distanciar-se rapidamente, com a caixa nas mãos.
    Só então a curiosidade de ver o que tinha a caixa lhe assaltou... não era certo, mas... ela correu para a soleira de sua casa e na varanda pequena abriu-a, dando um grito de satisfação... era uma boneca. Uma boneca perfeitamente igual a que ela vira na vitrine da loja... o mesmo cabelo louro e o vestido azul celeste, como os olhos... ela entrou em casa correndo e contou tudo aos pais... a mãe queria que ela devolvesse o brinquedo à loja mas o pai disse que se havia caído do caminhão tudo bem... Sheeba ficou em suspense por uns minutos assistindo a discussão ate que a cara do Sr Allen apareceu na janela e o policial disse à sua mãe que Sheeba havia feito de tudo para devolver a caixa ao caminhão, e que se os homens não haviam escutado, problema deles. E Sheeba ficou com a boneca, achando sempre que alguma fada madrinha a mandara.
    Lembrando-se disso, um sorriso enorme estampou-se em seu rosto, ela estava absorta em suas recordações quando o chamado de Viviane a alertou. Sheeba soltou uma exclamação de surpresa. Uma intensa nuvem de estrelas azuis a rodeava. E havia uma espécie de miragem, sua boneca, flutuando no ar.
    - Acredita agora que você é uma bruxa, e das boas? As luvas não te impediram de fazer magia, viu? – Sheeba abriu o maior sorriso que dera desde que chegara a Hogwarts. Ela era uma bruxa. E das boas, e ninguém agora iria convencê-la do contrário. – Agora vamos ao seu treinamento, - disse Viviane Lake – tire as luvas, Sheeba.
    A professora pôs diante dela uma série de objetos e pediu que ela ao tocá-los tentasse se concentrar... focalizar, era a palavra, descobrir o passado dos objetos, de onde eles tinham vindo. Ela explicou que Sheeba devia procurar o que queria saber ao tocar qualquer coisa, ou estaria sempre imersa em uma confusão de presente, passado e futuro. Era difícil, mas em pouco tempo, Sheeba estava “focalizando”. E acertando bastante. Quase no fim da aula, sem querer seus dedos esbarraram nos da professora e Sheeba viu.
    Viviane Lake estava caída no chão... o sangue cobria as vestes cinzentas dela e um bruxo alto  cujo rosto Sheeba não podia ver, estava gritando que ela morreria em sangue. Sheeba tirou seus dedos rapidamente e ia dizer algo quando Viviane a interrompeu:
-    Seja lá o que você viu, não me diga – uma máscara fria de seriedade agora estampava o rosto da professora – eu nunca vou querer saber meu futuro.
-    Mas...
-    Não Sheeba. Acabou a aula, pode ir. – Sheeba não se conformava... um dia ia dizer à professora o que vira... devia estar longe o dia da visão... os cabelos da professora nela estavam completamente brancos.    
    Antes de sair da sala, Sheeba virou-se e perguntou:
    - Professora... você tem algum dom? – retornando ao ar novamente sereno, Viviane ergueu a manga esquerda da veste e mostrou a ela uma pequena marca em forma de punhal. Viviane tinha o toque de Cassandra.
    Sheeba saiu da sala muito mais animada... desceu correndo e foi encontrar Lilian sentada na grama, assistindo os garotos brincando, rindo bastante. Ao vê-la se aproximar, Sirius ainda implicou:
-    Ora, se não é a menina da vassoura pula-pula!!! É verdade que você vê o futuro? Veja o meu!!!!! Eu quero saber meu futuro!!!
-    Não é nem preciso olhar para ver que você não passa de um idiota arrogante e bobo. Quer saber? Eu vi o seu futuro, você vai ser expulso de Hogwarts e vai se casar com um trasgo fêmea, que o que mais se parece contigo no mundo. – Sheeba sentou-se ao lado de Lilian  para contar-lhe sobre a aula enquanto os outros marotos riam com vontade da cara de Sirius, que olhava furioso para Sheeba, mas sem achar uma boa resposta.
    Sheeba ainda sorriu e fez uma cara marota. Começava ali uma guerra que ia durar por cinco anos.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.