CORAÇÃO DE PEDRA, CORAÇÃO PART



 Angus Stoneheart era um Auror conhecido por não sorrir. Nunca. Ele tinha 35 anos, media quase dois metros de altura e era daqueles sujeitos que se tem medo até de olhar. Era moreno e forte, muito forte, de cabelos castanhos muito curtos, com o nariz quebrado, resultado de uma luta com um bruxo das trevas quando ele ainda estava na escola de Aurores. Pouco se sabia sobre seu passado, apenas que ele vinha de uma família de Aurores onde todos eram como ele. Não era de falar, muito menos de falar sobre sua vida. Ninguém também conseguia chamá-lo pelo nome, para todos ele era apenas "Stoneheart" (coração de pedra).
 Harry conhecia muito pouco Stoneheart, e nem imaginava que Mr Sandman havia chamado o circunspecto auror para sair na mesma diligência que ele naquela noite. Quando chegou ao "Banana Bar", perguntou-se porque diabos Mr Sandman tinha marcado justamente ali... era um lugar realmente cheio de gente esquisita, mesmo em se falando de trouxas. Agora ele entendia porque ele devia estar vestido de bruxo, as vestes longas ali chamariam menos atenção que uma roupa comum. A primeira coisa que ele viu quando entrou no bar foi um bruxo carrancudo parado num canto com uma cara terrível: era Stoneheart, mas Harry não se aproximou porque não havia orientação para isso.
 Era simplesmente para ele terrível cantar uma música ali, no meio de toda aquela gente mais que estranha, mas afinal de contas ele era um auror e tinha que seguir as orientações dos superiores... ele respirou fundo e começou a cantarolar:
‒ Oh, Lord, won’t you by me a Mercedes Benz..
‒ My friends all drive Porshes, you must know it can means... ‒ respondeu uma voz ligeiramente esganiçada bem atrás dele "Ah, não" ‒ pensou Harry "ele se disfarçou daquele jeito..."
Virou-se para ver Mr Sandman transfigurado como uma drag queen de quase dois metros de altura com um cabelo loiro penteado num coque no alto da cabeça.
‒ Olá, pequenino!!! ‒ O travesti disse alegremente ‒ pronto para uma grande aventura???
‒ Porque você faz isso?
‒ Ah... você é tão preconceituoso... vamos para um lugar mais reservado ‒ ele disse e arrastou Harry para um lugar onde estava escrito "APENAS PESSOAL AUTORIZADO". Stoneheart entrou logo atrás  dos dois e fechou a porta. Sandman ficou sério e começou a passar as instruções:
‒ Antes que você pense que eu fiz isso para tirar um sarro com a sua cara eu explico: estamos atrás do camaleão. Stoneheart achou a pista de um trabalho que ele pretende fazer esta noite: matar um costureiro trouxa durante um desfile em Manhattan. Como os casos dos dois se cruzaram eu resolvi reuní-los ‒ Harry e Stoneheart se entrolharam não muito felizes. ‒ Não façam essa cara, eu também já tive que trabalhar com gente que eu não gosto. Eis o mapa: ‒ ele desdobrou um mapa que ficou flutuando no ar ‒ o desfile vai ser em um restaurante na cobertura de uma torre com vista para a estátua da liberdade. Vocês dois vão atuar como anjos da guarda invisíveis, usando suas capas, não percam este homem de vista nem por um minuto. ‒ ele tirou uma foto de trouxa de algum lugar e mostrou a eles ‒ Ele vai ficar o tempo todo aqui, e eu vou estar neste lugar dançando, mas não se enganem, eu estarei procurando o camaleão.  ‒ ele indicou um ponto no palco. ‒ ponham suas capas de invisibilidade e vamos aparatar para lá agora.  
Stoneheart e Harry deram-se um outro olhar não muito satisfeito e cobriram-se com as capas. Rapidamente aparataram e chegaram a um canto num vestiário, repleto de modelos em trajes no mínimo sumários. Sandman aproximou-se do costureiro, que fez um escândalo:
‒ Iguaaaanaaaa! Você está in-crí-vel!!!! Faltam quinze minutos, querida, assuma seu lugar!
‒ Claro, Calvin, eu sei tudo que fazer.
Harry aprendera a mover-se sem o mínimo ruído sob uma capa de invisibilidade na escola de Aurores, ele podia sentir que Stoneheart fazia a mesma coisa, do outro lado do costureiro, mesmo enquanto este movia-se entre as modelos, o mais difícil era não encostar em nenhuma, agora elas estavam totalmente vestidas e o homem lhes verificava as roupas e acessórios, bem como a sua maquiagem, para ver se estava tudo certo. Em pouco tempo, o desfile começou e ele ficou num movimento incessante entre elas, que entravam já sacando as roupas atabalhoadamente para enfiar os trajes da passagem seguinte. Já não era tão necessário se preocupar em mover-se em silêncio, elas faziam um barulho infernal. Repentinamente, ocorreu a Harry que o Camaleão podia não estar na assistência do desfile, mas entre as modelos. Começou a observar a atitude delas para ver se não havia nenhuma que na verdade fosse uma bruxa.
Ele não sabia, mas Stoneheart tivera a mesmíssima idéia, e agora ambos prestavam atenção nas modelos, sem notar que no meio da caixa de cosméticos da maquiadora havia um objeto estranho de cerca de 35 centímetros: uma varinha mágica. Do lado de fora, Sandman, na pele da Drag Queen sabia exatamente o momento em que seria mais fácil "provocar um infarto" no costureiro. A hora em que ele estivesse na passarela agradecendo o sucesso do desfile, quando uma luz verde passaria totalmente desapercebida no meio das centenas de flashes de câmeras de fotógrafos trouxas. Por isso se colocara lá, mas tinha quase certeza que o Camaleão estava disfarçado no meio do "Staff" do costureiro.
Então, a noiva da coleção entrou na passarela e o costureiro disse:
‒ Prontas para a entrada final! Do jeito que está, fica. Não tem mais tempo para produção!
As modelos foram se colocando à porta de saída para a passarela e Harry ficou olhando para elas... não, nenhuma delas escondia varinha mágica... nenhuma. O assassino devia estar na assistência... elas foram entrando batendo palmas e o costureiro ficou por último, ninguém mais ficou para trás, só uma mulher que parecia arrumar o camarim. Harry seguiu o costureiro, que entrava na passarela. Ele estava chegando à ponta quando Harry sem saber porque olhou para trás. Ele viu algo que saía da cortina que separava a entrada do camarim do palco, e antes de pensar em mais nada, agiu.
O costureiro deu um tropeção e caiu bem na beirada da passarela, despencando sobre as cadeiras da assistência. O fotógrafo que registrou este momento, quando revelasse as fotos, no dia seguinte teria uma surpresa: um facho de luz verde bem no alto, acima alguns centímetros da cabeça do costureiro. Harry levantou-se rápido, trombando em Stoneheart no caminho, os dois corriam pela passarela, lá no começo desta, o costureiro tinha uns hematomas, cortes e escoriações, mas escapara ileso do "Avada Kedavra" que fora encomendado para matá-lo. Harry,um pouco atrás de Stoneheart, viu quando o capuz dele caiu e sua cabeça ficou visível. Isso trouxe problemas para ele.
Uma luz derrubou Stoneheart, Harry continuou correndo e pulou por sobre o corpo desacordado do outro auror, sentiu que alguém vinha atrás dele, era Sandman, ele não podia parar nem deixar que o capuz caísse e ele ficasse visível para a bruxa, que descia pelas escadas de incêndio da torre, já chegando ao trigésimo andar, com quase seis lances de vantagem. De vez em quando ela soltava um feitiço para trás. Harry teve uma idéia e desaparatou alguns andares abaixo... quando ela ia passar por ele, a agarrou. Estava na pele de uma mulher de seus quarenta anos meio cheinha e de cabelos curtos, óculos de grau. Mr Sandman ainda estava descendo velozmente, mas estava quase dois andares acima deles. Eles estavam travando uma luta e Harry tentava tirar dela a varinha que ela segurava firmemente na mão pequena e gorducha. Repentinamente o seu capuz caiu e ele viu que ela o reconhecia.
‒ Harry?! ‒ o tom em que ela disse isso o incomodou... não parecia normal ser chamado pelo primeiro nome por uma assassina de aluguel.
Ele a encarou tentando reconhecer alguma coisa nos olhos da desconhecida. Eles pararam de lutar um segundo e aconteceu: uma luz saiu da ponta da varinha dela, derrubando-o pela grade, ele se segurou como pôde e a bruxa desaparatou. Estava mais de vinte andares acima do chão, escorregando e tentando segurar-se sem deixar escorregar a varinha mágica das mãos, quando Sandman chegou até ele e ia pegá-lo, ele caiu.
Cair de um prédio nem se comparava com cair de um abismo de dois mil metros... ainda mais quando se usa uma roupa protetora como a que sua madrinha dera para ele há alguns anos... ao balançar no ar por alguns segundos diante de alguns transeuntes, ele agradeceu mentalmente à Sheeba pelo presente, talvez pela décima vez desde que o ganhara.
Antes que alguém dissesse qualquer coisa, ele lançou um feitiço de memória nos passantes perplexos e pegou no chão a capa de invisibilidade que escorregara e caíra suavemente atrás dele. Vestiu-a num segundo e aparatou de volta para onde estava Sandman. Stoneheart estava descendo a escada,  meio invisível por causa da capa... Harry baixou o capuz para que eles pudessem vê-lo.  Sem uma palavra, Sandman abriu a porta da escada de incêndio, entrando no prédio. Abriu a porta de um escritório com um feitiço e eles entraram.
‒ Muito bem, Potter... pode me dizer porque afinal de contas você deixou que o camaleão escapasse tendo ele nas mãos???
‒ Eu quase a peguei, mas...
‒ NÃO TEM MAS NEM MEIO MAS! VOCÊ NÃO É MAIS UM GAROTO NA ESCOLA NEM UM ASPIRANTE... TENTE COMPREENDER QUE VOCÊ AGORA É UM AUROR!
‒ Sandman... ‒ o outro auror tentou dizer
‒ Fique fora disso, Stoneheart.
‒ Sandman... ele salvou a vida do trouxa... eu estava do lado do sujeito e não vi... mas ele viu. Ele foi atrás da bruxa... seja justo. Ele é um pássaro novo. ‒ a afabilidade com que o auror disse essas palavras surpreendeu Harry. Nunca imaginou que Stoneheart fosse assim. Sandman o encarou.
‒ Porque você a deixou fugir?
‒ Na verdade, ela me assustou... quando meu capuz caiu ela me reconheceu.
‒ E daí, que ela te reconheceu? Esqueceu que em cada livro de história bruxa contemporânea tem uma foto sua?
‒ Não foi assim, ela me chamou de "Harry", como se me conhecesse... mesmo, entende?
‒ Muito estranho... bem, ganhamos 50% da noite... pelo menos salvamos o costureiro. Mas que você foi estúpido, foi. Deveria tê-la desacordado, ou o que o valha. Bem, eu vou embora. Mandarei corujas para cada um... até ‒ ele desaparatou e Harry olhou o relógio: uma da manhã. Era hora de ir para casa.
‒ Vamos tomar um café, Potter. Eu preciso conversar com você. ‒ Stoneheart surpreendeu-o com o convite.
 Eles saíram do prédio pelos fundos, haviam transfigurado suas roupas em roupas comuns e guardado as capas de invisibilidade. Entraram num café, deserto àquela hora e Stoneherart pediu dois capuccinos a uma garçonete que dormitava atrás do balcão. Eles sentaram-se e o bruxo o encarou com seus olhos castanhos, a mesma expressão de pedra que Harry conhecia desde o segundo anos da escola, quando eles haviam começado a simular missões com Aurores em atividade..
‒ Potter... o que está acontecendo? Você foi um dos melhores alunos da escola, eu sei disso. Mas agora parece que está disperso.
‒ Eu não sei se devo falar com minha vida pessoal com você. ‒ o outro bruxo quase sorriu.
‒ Claro, como falar sobre vida pessoal com quem não tem uma, não é mesmo?
‒ Não é isso. Você não me conhece.
‒ Realmente. Eu não te conheço, mas estou nessa há mais tempo que você. Potter, foi seu casamento, não foi? As coisas não estão sendo do jeito que você imaginava?
‒ Não, não é isso...é que Willy, bem, Willy sofre ao me ver voltar das missões, entende? Eu não agüento mais deixá-la trancada em quartos de hotel enquanto trabalho. E quando chego ela parece sempre amedrontada e confusa... e teve aquela coisa do signo que apareceu sob a minha pele.
‒ Potter... você acha realmente que eu não tenho vida pessoal?
‒ Acho.
‒ Pois eu tenho, tenho mulher e três filhos. E eles sabem que eu sou um auror. Mas quando volto para casa... o trabalho não entra.
 A revelação deixou Harry calado. Nunca imaginara que o bruxo fosse contar este tipo de coisa para ele, ele era geralmente muito reservado.
‒ Porque você está me dizendo isso?
‒ Porque apesar de minha aparência feroz, eu gosto de ajudar os outros. Vá, volte para sua garota e aja como se tudo tivesse se desenrolado às mil maravilhas...
 Harry desaparatou a algumas quadras do hotel. Ia andando com as mãos nos bolsos do casaco, sentindo o ar da madrugada bater no seu rosto. Nova Iorque não parava nunca, havia trânsito e gente nas ruas, a cidade parecia viva como nunca, não tão viva como antes do atentado de alguns anos atrás, mas ainda assim viva. Ele sorriu. Porque deixar-se levar pelo medo? Ele não a esperara por seis anos? Não importava muito o que estava acontecendo do lado de fora...  ela agora queria  abraçá-la e amá-la como esperara tanto tempo para fazer. Entrou no quarto com uma vontade louca de ver Willy... mas ela não estava deitada na cama. Tinha ido embora, deixando apenas um bilhete.

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 O bruxo esperava sentado numa cadeira, olhando pela janela. Lá embaixo, o bairro do Bronx tentava dormir, entre o movimento das gangues. Uma lua pálida iluminava o alto dos prédios, e na rua, ninguém se atrevia a andar, apenas uma mulher, que vinha na direção do prédio onde ele estava. Era magra e jovem, não podia estar andando por ali sem medo do que havia em volta. Um tempo depois, ela abriu a porta bem atrás dele.
‒ Não posso continuar ‒ ela disse ‒  você sabe porquê.
‒ Você vai continuar, garota... não esqueça que você tem uma dívida comigo ‒ o bruxo olhava pela janela, ignorando a bruxinha atrás dele.
‒ Eu não posso. Você sabe que não consigo...
‒ Eu sei, e isso torna as coisas mais divertidas... não se preocupe, meu pequeno coração partido... eu farei algo por você. Ele se virou para ela e lançou novamente o feitiço que a fazia ser sua escrava. Os olhos da bruxa se vidraram. Lá fora, em algum lugar alguém gritou.

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