Aluado, O Conselheiro



Acordei tarde novamente naquele domingo. Não era à toa; ontem eu rolei a noite inteira na cama sem conseguir dormir. O dormitório estava vazio, o que era bom.


Pela segunda vez me olhei no espelho, vendo meu reflexo horrendo. Acho que eu havia visto, enquanto folheava, algo sobre tirar manchas do rosto no livro Como ser uma boa bruxa no lar. Ótimo, isso já me fizera lembrar de Tiago e quando Alice me disse que o livro seria útil quando eu me casasse com ele. Eu ri baixinho, com desdém.


Fui até o livro e procurei a página. Pensando bem, é melhor deixar pra lá. O que importa aparecer com a cara toda inchada e vermelha? Não tinha problema nenhum.


Desci para o café da manhã à procura de Maria. Assim que entrei no Salão vi que Maria estava com Dougie, Aluado, Sirius e Tiago. Eu não me sentaria lá; não agora. Me espremi entre Alice, Laura e Joanne, que conversavam entusiasmadas.


- Lílian, o que houve com você? – perguntou Alice me avaliando.


- Eu... é que eu...


- Você? – insistiu Laura, com certeza interessada em uma fofoca.


- Eu terminei com Tiago.


Elas ofegaram e Joanne se engasgou o suco.


- Porquê? – Alice disse pasma, enquanto Laura dava tapinhas nas costas de Joanne.


- Não deu certo.


- Mas só faz o quê...? Dois meses de namoro?


- Foi o bastante para eu ver que não daria certo.


- Mas vocês estavam tão fofinhos juntos! – exclamou Laura.


- Mesmo assim... – murmurei, olhando para baixo.


- Ah, Lílian. Não fique assim. – Alice disse, segurando minha mão para me consolar. – Tudo vai se acalmar.


- Obrigada. – agradeci baixinho, voltando atenção para o cereal que eu comia.






Alguns dias se passaram depois do ocorrido. Março começou com o clima sendo o mesmo. Só às vezes chovia, o que era bom pra refrescar um pouco.


Minha relação com Tiago não havia mudado; eu não havia nunca mais trocado uma palavra com ele, nem nas aulas ou refeições. Eu sentia falta dele. Muita falta. Mas é assim que tinha que ser. O que me restava agora eram as lembranças. Quando patinamos no lago, quando fomos ao pub bizarro de Madame Puddifoot ou quando passamos aquela noite linda na Sala Precisa.


Maria vivia insistindo para que eu voltasse com Tiago, o que eu já estava me cansando. Eu me afastei um pouco dela por isso, e também porque ela vivia junto de Tiago e os outros.


Quanto às aulas, eu também ficava muito longe deles; tive que reconhecer que meu desempenho em alguns feitiços estavam abaixando, e também percebi pelas avaliações de Slughorn que Tiago também tinha piorado na matéria.


- É uma pena que você e Potter tenham terminado. – falou Slughorn, balançando a cabeça. – Eu sei. Coisas da adolescência. Mas espero que já tenha conseguido um novo par para a Festa da Páscoa.


Agora que ele me lembrara, eu realmente não tinha um par. A festa seria ainda no começo de abril, então daria tempo.


Severo ficara radiante quando soube da notícia sobre eu e Tiago (que na verdade a escola inteira ficou sabendo – me lembrei de um dia esganar a Laura). Ele viera me procurar depois da aula de Poções.


- Fiquei muito satisfeito quando soube, Lílian.


- Hum. –fiz, simplesmente.


- Que bom que você usou a inteligência finalmente.


- Olha, Severo. Não é por causa de que eu e Tiago terminamos que alguma coisa vai mudar entre a gente também. Nossa amizade não existe mais.


Sua expressão endureceu. Eu já sabia o que vinha pela frente; com certeza poria a culpa em Tiago, mas antes que o fizesse, saí apressada pelo corredor.






- Olá, Lílian. – Alice falou assim que cheguei à mesa do café do sábado, 12.


- Olá. – cumprimentei.


Comecei a me servir de omelete.


- Lílian, eu queria saber uma coisa. – Joanne falou.


- O quê?


Ela se curvou sobre a mesa para sussurrar.


- Black ainda está livre?


- Er... sim. – respondi, surpresa.


- Ótimo! Talvez eu tenha minha chance hoje.


- Hoje? – perguntei sem entender.


- Passeio à Hogsmeade! Esqueceu?


- Ah, é. – falei, batendo na testa. – Eu tinha até me esquecido. Mas é estranho, não é? Depois daquele ataque ainda liberarem a gente.


- É, mas eles tem que soltar a gente um pouco. E é claro, com certeza a segurança de lá estará redobrada. – comentou Laura, bebericando o suco de abóbora.


- Você vai, Lílian? – perguntou Alice.


- Não sei... eu... tô meio que sobrando.


- Como assim?


- Você vai com o Franco, Laura com o Peter, Maria com o Dougie e a Joanne vai pra cima de Sirius, então acho que vou ficar por aqui e adiantar os deveres.


- Eu não acredito que você vai ficar trancada na Sala Comunal sendo que tem um passeio pra Hogsmeade! – Joanne exclamou.


- É melhor do que ir sozinha.


As três se entreolharam.


- Gente, por favor! Não se importem comigo. Vou ficar bem aqui. Vão e se divirtam.


- Mas...


- Vocês vão e ponto final. – interrompi.


Elas se entreolharam novamente e então decidiram ir. Alice continuou a insistir muito comigo, mas por fim acompanhou Franco para fora do Saguão de Entrada.


- Lílian, o que você está fazendo aí? – Maria perguntou junto a Dougie, quando eu comecei a subir as escadas de mármore.


- Estou indo para a sala comunal.


- O quê? – exclamou Dougie. – Você não vai a Hogsmeade?


- Digamos que as recordações de lá não são muito boas.


- Está tudo seguro agora, Lílian! Você tem que acompanhar a gente! – insistia Maria.


- Não, vão vocês. Estou sem ânimo.


- Nem pensar! Você vai com a gente sim! – Maria falou segurando e puxando meu braço.


- Não. – desfiz o aperto. – Vocês têm mais é que ir sozinhos.


- Relembre os velhos tempos, Lílian. – Dougie disse, rindo.


- Águas passadas. – brinquei.


- Lílian Evans, não é porque você terminou o namoro que não vá se divertir com a gente! – Maria falou, dando ênfase em 'você'.


- Não é por isso. – falei, repentinamente deprimida. – Só não quero ir.


- Mas você vai. – Maria pegou meu braço e puxou com mais violência.


- Acho melhor voce desistir, Lílian. – Dougie sussurrou, rindo, enquanto caminhávamos até Filch.


Menos de cinco minutos depois já estávamos caminhando pela estradinha de terra.


- É sério. Ainda não acredito que você terminou com o Tiago. – Maria comentou.


- Isso de novo não.


- Isso foi culpa sua. Você deveria ter me escutado aquele dia.


- Não importa. Já está tudo acabado.


- Não importa? Vocês têm que ficar juntos, Lílian! Vocês se gostam!


- Eu não sei se isso é verdade.


Dougie escutava tudo calado. Maria olhou para mim pasma.


- E não adianta me olhar com essa cara. – falei.


- Lílian, seja o que for que aconteceu naquela estufa, você deve perdoar o Tiago!


- Esse assunto já acabou, Maria. – respondi suspirando.


Chegamos à vila, já lotada com as vestes negras de Hogwarts. Aquele lugar me trazia muitas recordações de Tiago, algumas tão felizes que minha saudade dele aumentava. Às vezes eu me perguntava se deveria seguir o conselho de Maria e desculpa-lo; mas então aquela cena dele batendo em Severo com tanta violência espantou aquela idéia da minha cabeça.


E por falar nisso, logo avistei Tiago junto à Sirius, Rabicho e Aluado. Ele me encarou deprimido e eu abaixei a cabeça rapidamente.


- Vai falar com ele. – Maria sussurrou no meu ouvido.


- Não.


Maria revirou os olhos e sugeriu que fossemos ao Três Vassouras. Enquanto passávamos pela rua tortuosa, estava claro que havia muitos aurores por ali: bruxos encapuzados parados na porta de algumas lojas e olhando atentos em todas as direções.


O pub, como sempre lotado, estava com mais bruxos do que alunos. Eu, Maria e Dougie sentamos no balcão, já que todas as mesas estavam ocupadas.


- O que vão desejar? – perguntou Madame Rosmerta.


- Três cervejas amanteigadas, por favor. – pediu Maria.


- Ué, onde foi o Dougie? – perguntei, notando que ele sumiu do nada.


- Não sei. – Maria respondeu, também procurando pelo bar. – Vou procurar ele.


Maria pagou a sua bebida e a de Dougie, falando para eu guardar a dele. Ela sumiu no meio dos outros com sua cerveja quase derramando pelo chão.


Comecei a beber a cerveja e o tempo passava. Imaginei se os dois estivessem se encontrado e começaram de repente a se agarrar.


- Posso me sentar? – alguém perguntou, me sobressaltando.


Que surpresa! Tiago Potter estava ali, com a sobrancelha erguida. Maria e suas armações.


- Pode, já estou de saída. – respondi, pagando minha cerveja.


- Lílian. – Tiago chamou com o rosto implorante, segurando meu pulso.


- O quê?


- Quero conversar com você.


- Pois eu não quero.


- Por favor. – ele fez uma cara de pobre coitado que por um momento achei que começaria a rir.


Sentei novamente no banquinho, fitando-o.


- O quê? – repeti.


Ele respirou fundo antes de falar.


- Eu não quero terminar com você.


- Não perca seu tempo, a gente já terminou.


- Não. Você terminou. Você nem parou para ouvir o que eu acho.


- Não quero ouvir sua opinião.


- Eu não consigo ficar longe de você, Lílian. – ele disse, me olhando com aqueles olhos castanhos claros.


Por um momento aquilo me comoveu um pouco, porém clareei a cabeça.


- Pensasse nisso antes de ter feito o que fez.


- Eu... eu não queria ter feito aquilo. O que você esperava? Voce sabe o tanto que eu odeio o Ranhoso! Você deveria saber que todo mundo um dia erra na vida!


- Acontece que eu fiquei com medo de você. Você não parecia ser o Tiago que eu pensava que eu conhecia.


- E qual você conhecia?


- O Tiago justo, o Tiago que eu gostava de verdade e não aquele bruto que estava espancando uma pessoa indefesa!


- Eu sei. Eu admito que errei. Me dê mais uma chance. Eu não vou desperdiçar.


Eu bufei.


- É mais preferível acreditar na lula gigante do que em você.


- Porque sempre insiste em me comparar com a lula gigante?


Não consegui conter o riso; Tiago riu também.


- Viu? – falei, depois de um momento. – É desse Tiago que eu sinto falta.


- E ele está aqui. Digamos que ele só tinha ido embora naquele momento, mas já voltou.


- Você mostrou um lado seu que eu não conhecia. Um lado que a qualquer momento pode voltar. E eu não quero namorar alguém assim.


- Eu não sou assim! Juro...


- Cansei de juramentos. – falei, me levantando.


Com dificuldade, passei por entre os bruxos do local até finalmente sair de dentro do bar. Tiago logo veio atrás de mim.


Soltei um suspiro e comecei a andar. Talvez eu passasse na Dedosdemel, onde com certeza Maria e Dougie estavam e assim poder tirar satisfações com ela.


- Lílian, eu sei que você está brava, e por isso eu quero me redimir. – Tiago disse, andando ao meu lado.


- Quer se redimir?


- É.


- Ótimo. Fique longe de mim. Já é um começo.


Ele bufou.


- Tudo bem. – ele entrou na minha frente, bloqueando meu caminho. – Seremos amigos novamente então?


- Amigos?


- É. Se já não namoramos mais, podemos ser amigos.


- Eu tenho que ficar longe de você, só assim vai dar certo. Pois se você não se lembra, quando éramos apenas amigos ainda você começou um duelo com o Severo e por pouco você não foi atingido por um feitiço das trevas.


- Ele mereceu.


- Tá, tá. Ele sempre merece. – falei, revirando os olhos. – E por isso não dá pra termos nada. Nem mesmo amizade. É minha última palavra.


Dei a volta e fui para a Dedosdemel. Acertei em cheio; lá estavam eles enchendo as sacolas de doces das prateleiras.


- Sinto muito, Dougie. Não deu pra salvar sua cerveja. – falei aborrecida.


Maria me olhou hesitante.


- Sinto muito informar também Maria, que seu planinho não deu certo.


Ela abriu a boca pra falar, mas não saiu nada.


Eu apenas saí pela porta e subi a rua de Hogsmeade, pretendendo chegar o mais rápido possível no castelo.


Eu estava subindo a rua, ainda irritada, quando uma voz me chamou longe. Chega disso. Quem quer que seja com certeza não era nada interessante. Devia ser Severo me encher sobre o Tiago ou o Tiago me enchendo sobre o Severo. Ou Dougie pedindo desculpas, já que a voz era masculina.


- Lílian! – a voz estava mais perto.


Me virei e deparei com Aluado correndo até mim. Ele não era uma pessoa desagradável, mas também era amigo de Tiago.


- Ah, oi. – falei simplesmente.


- Oi. – ele disse, ofegante, se apoiando nos joelhos.


- Se você veio mandar algum recado bobo do seu amigo, fique sabendo que não estou nem um pouco interessada no que aquele ogro estiver...


- Calma. – ele interrompeu, rindo. – Só vi você andando e vim te acompanhar.


Olhei pra ele desconfiada.


- É sério.


- Tudo bem. – respondi, dando de ombros. Ele me acompanhou.


- Nós sentimos falta de sua companhia, Lílian.


- O que você quer dizer com 'nós' exatamente?


- Eu, Pontas, Almofadinhas... todo mundo.


- Ah... sei.


- É. E eu sei que você não quer falar sobre o Pontas, mas é que...


- É, realmente não quero falar.


- Só me escute Lílian, por favor. Conselho de amigo.


Não respondi, esperando que ele prosseguisse.


- Bem, eu sei que você tem seus motivos para ficar com raiva dele, porque na verdade eu sei de tudo o que aconteceu. Mas voce tem que levar em consideração também o lado bom dele. Se você não está lembrada, Pontas me ajuda muito nos momentos que mais preciso, e isso não se iguala a nenhum dos outros.


Continuei sem resposta.


- Com certeza você deve estar pensando que foi ele que falou para eu falar com você. Mas com toda a sinceridade do mundo, eu estou falando isso por vontade própria. Tiago é meu melhor amigo. Um dos melhores. E eu sei que de qualquer coisa má que ele já fez na vida foi por impulso. E você sabe que ele sempre odiou Snape mais que tudo, e por isso deve ter feito o que fez. E se bem o conheço, ele gosta muito de você.


Estávamos perto agora do portão da escola, decorado por dois javalis alados.


- Eu nunca tinha visto ele tão feliz. E isso só acontecia quando estava com você. Ele sempre teve uma queda por você apesar de nunca confessar. Acho que ele só teve coragem de assumir pelo quinto ou sexto ano. – ele riu, lembrando. – Todas as vezes que você estava por perto ele queria fazer de tudo pra te chamar atenção. Se exibia com o pomo, azarava as pessoas para você o achar interessante e...


- ... bagunçava o cabelo. – completei.


- É. – ele disse, sorrindo. – Fico feliz que ele tenha parado um pouco com isso.


- Eu também. – concordei, juntando-me a ele para rir.


- E então, Lílian – ele recomeçou. – acho que você não deve se afastar de uma pessoa assim, por mais erros que ela cometeu. Não quero dar uma de Tiago, mas quantas vezes você já desculpou Snape por erros que ele cometera? É claro, isso é só um exemplo.


Parei para pensar, e notei que isso já estava me incomodando. Aluado tinha razão. Quantas vezes eu já perdoei Severo por vários atos que ele fizera? Acho que até já perdi a conta.


- Eu só queria que soubesse. Tem muito mais traços de Tiago que você deve ainda desconhecer.


Ele sorriu e eu retribui.


- Obrigada, Aluado. – eu disse, quando tínhamos chegado ao Saguão de Entrada. – Eu acho que você me fez pensar mais agora do que na aula de Feitiços.


Ele riu.


- Então consegui meu intuito. – ele disse, satisfeito.


- Já pensou em ser professor?


- Porque?


- Você explica bem e é calmo. Todas as qualidades de um professor.


- Duvido que um dia aceitariam um professor lobisomem. – ele respondeu, pensativo. – Caranguejo de fogo.


O retrato da Mulher Gorda abriu, revelando alguns alunos que também resolveram voltar mais cedo de Hogsmeade.


- Er... Aluado? Não quero abusar de sua boa vontade, mas... você poderia me ajudar numa questão da McGonagall?


- É claro. – ele sorriu.


Passamos mais um tempo adiantando os deveres e devo confessar que era muito mais fácil com ele.


Por fim a Sala Comunal se encheu de alunos barulhentos usando diversos brinquedos da Zonko's e então tivemos que parar.


Vi Maria se aproximar.


- Er... oi, Lílian. – Maria falou, sem graça.


- Oi, Maria. – eu sorri e ela suspirou.


- Ótimo. Você está legal comigo. E o Tiago?


- Não sei.


Olhei para o outro lado da sala. Tiago conversava com Rabicho e Aluado; Sirius estava a um canto conversando com Joanne. Fiquei radiante.


- Joanne com Sirius? – Maria exclamou, acompanhando meu olhar.


- Pra você ver.


- Nem parece a garota recém-orfã. – ela comentou, feliz.


- É.


Maria me encarou.


- Por acaso tem dedo seu aí no meio?


Dei de ombros e Maria riu.


Eu bem que queria estar perto do Tiago, agora que eu via todos esses casais juntos. Porém há barreiras que temos que passar e problemas pra enfrentar. E isso me afastava muito dele, mesmo que eu não quisesse.


Eu não sabia se o perdoaria ou não. Mas então eu ia deixar o tempo resolver, talvez assim eu soubesse se ia seguir minha mente ou meu coração, que batia acelerado toda vez que eu o olhava.

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