Rompimento nas Estufas



Fevereiro chegara. O sol continuava brilhante e quente no centro do céu.


As aulas estavam cada vez mais cansativas, os professores mais exigentes, Maria mais mal humorada e por aí vai. Eu tinha que reconhecer que toda essa carga de deveres estavam me afastando um pouco de Tiago, e poucas vezes a gente podia ficar juntos.


Junto com o começo do mês veio também as noites de lua cheia, e os quatro sempre saíam todas as noites para o Salgueiro Lutador.


Foi assim pelo resto dos dias: deveres, lua cheia, deveres, patrulha, deveres, Maria colocando defeitos em McGonagall depois de passar uma redação de 50 cm de pergaminho.


Já se passava do meio do mês quando tivemos pelo menos um dia de folga, sem deveres e sem redações nas costas. Maria e Dougie aproveitaram o dia e foram dar um passeio na propriedade e decidi também passar um tempo com Tiago.


- Aluado, onde foi o Tiago? – perguntei pra ele, que estava jogando xadrez bruxo com Rabicho. Pela posição das peças estava na cara que Aluado estava prestes a dar xeque-mate.


- Ele está por aí com Almofadinhas. – ele respondeu.


- OK, obrigada.


Saí pelo retrato da Mulher Gorda e fui para o Salão Principal em busca dos dois. Eles não estavam lá e nem na biblioteca – o que é o mais improvável. Comecei a dar voltas pelos corredores e topei com Pirraça no quarto andar.


- Ora se não é a Lílian monitora? – ele falou, com um sorriso perverso. Percebi que ele carregava algo que não parecia nada agradável.


- Xô Pirraça!


- Acho que não.


- Quer que eu chame os professores? Ou então o Barão Sangrento?


- Não caio na suas ameaças, Lílianzinha.


- Veremos então.


Apontei minha varinha para ele.


- Travalíngua!


Pirraça segurou a garganta e tossiu; visivelmente ele tentava dizer alguma coisa, mas já que sua voz não saia ele me fez um aceno obsceno e saiu pelo corredor.


- Obrigada, Aluado. – murmurei, guardando a varinha e relembrando quando ele me ensinara o feitiço. Voltei a caminhar pelo corredor.


Não consigo entender como Tiago consegue sumir desse jeito. Já não é a primeira vez que o perco de vista e isso às vezes me irritava; como se ele estivesse aprontando alguma coisa.


Eu já havia decidido parar de procurar, ia apenas voltar à sala comunal e fazer alguma coisa. Parei de súbito ao virar o corredor do terceiro andar quando ouvi vozes cochicharem.


- ... acha que vai dar certo?


- Com certeza. Isso vai servir de lição pra ele. – reconheci a voz de Tiago.


- É, Pontas, e a Lílian? – Almofadinhas perguntou, embora sua voz não emitisse preocupação.


- Ela não precisa saber.


- E se alguém souber? Pode contar pra ela.


- Ninguém vai saber Almofadinhas, ninguém. Eu já cansei de olhar para aquela cara nojenta e não fazer nada. Ou você acha que eu já superei aquilo que ele fez pra ela?


- Tem razão, cara. Mas se isso cair nos ouvido dela...


- Deixa disso. Só quero me vingar daquele Ranhoso desgraçado.


Ofeguei baixinho. Era só o que me faltava. Tiago e Sirius fazendo planos para apunhalar Sev.


- Então está tudo combinado. Hoje, sete horas, nas estufas.


- Combinado.


Ouvi seus passos distanciarem, enquanto eu ficava para trás, pasma.






- Oi, Lílian! – exclamou Tiago assim que entrei pelo buraco da Mulher Gorda, quando já estava tarde. – Aluado disse que você estava me procurando...


Ele se curvou para me beijar, mas eu não correspondi.


- O que foi? – ele perguntou com as sobrancelhas arqueadas.


Devo contar pra ele que ouvi tudo, que sei de suas armações e o que ele irá fazer hoje à noite? Meu cérebro trabalhou um pouco até chegar na resposta. Não.


- Dor de cabeça. – inventei.


- Vai na Madame Pomfrey. – respondeu, tirando uma mecha de cabelo do meu rosto.


- Acabei de voltar de lá, mas acho que não resolveu muito. – respondi com tanta rapidez que nem parecia ser eu que tinha falado tudo aquilo. – Acho que vou me deitar no dormitório.


- Tudo bem. Melhoras.


Ele me lançou um último olhar meio indagador e meio preocupado antes de eu entrar no dormitório. Por sorte só Maria estava lá, lendo Semanário das Bruxas.


- Lílian! Estava me perguntando onde você andava, já que encontrei Pontas lá embaixo.


- E porque você não está lá embaixo?


- Muito cheio. – ela respondeu, dando de ombros. – Porque tá com essa cara?


- Porque? – eu disse, me sentando ao seu lado da cama. – Porque acabo de descobrir que o meu namorado e o amigo dele estão armando uma cilada para meu ex-melhor amigo.


- O Ranhoso? – ela perguntou, se sentando mais aprumada no colchão, que rangeu.


- É. E não diga esse apelido!


- Mas isso é ótimo, não é?


- Não!


- Ele é um idiota e anda com Mulciber. Ele merece.


- Acho que contar isso pra você não adiantou em nada. – respondi emburrada.


- Mas o que você pretende fazer Lílian Evans? – ela me fitou.


- Vou dar um jeito nisso.


- Dar um jeito nisso? Você vai se meter em encrenca, isso sim! Lílian, desiste! Deixe esse dois se atracarem, não era isso que você pretendia?


Pensando assim, Maria tem razão. Mas isso seria injusto pra qualquer pessoa, tanto para Sev ou para qualquer um.


- Eu sei. Mas mesmo assim vou.


- Não é mais fácil você avisar a ele pra não ir?


- E vai resolver?


- E vai resolver você ir lá?


- Vai. Só eu consigo controlar o Tiago. Eu acho.


- Ah, qual é Lílian! Deixa os dois! Você vai se meter em encrenca, escuta o que eu digo!


- Já são seis e meia. – falei ignorando-a, olhando o relógio.


Apanhei a varinha e caminhei em direção a porta.


- Me deseja sorte? – falei sorrindo.


- Não digo mais nada.


- Isso é bom. Assim você promete que não vai contar pra ninguém. Promete?


Ela me encarou como se isso fosse um pedido do tipo "Entre na Floresta Proibida sem varinha".


- Prometo. – ela falou, embora pouco convincente.


- Então tchau. – despedi e então desci correndo as escadas espirais. O dia ia escurecendo lá fora e a sala comunal já estava pouco vazia, pois alguns alunos já foram jantar.


Eu não estava com nenhuma fome, então já desci correndo pelo corredor e daí para as estufas. Virei correndo um corredor, mas topei com algo tão forte que eu cai no chão.


- Oh, me desculpe, Lílian! – Hagrid disse, me pondo de pé com facilidade.


- Foi nada, Hagrid, está tudo bem.


- Tudo bom com você? Faz muito tempo que você não passa na cabana, fiquei até preocupado.


- É que com os N.I.E.M.'s o tempo fica muito apertado, sabe... – respondi apressada, olhando rapidamente pro relógio.


- Entender eu entendo. Mas saber é diferente, já que eu não cheguei a freqüentar o sétimo ano e...


Ele parou de falar e disfarçou com um pigarro.


- Porque você foi expulso? – aproveitei o momento.


- Isso não importa. – ele disse, desajeitado. – O que faz por aqui, Lílian?


- Fazendo patrulha.


- A essas horas?


- Não estou com fome e então vai saber se não tem algum aluno espertinho por aí, não é?


- Tem razão. Bom, já vou indo para o banquete então.


- Até logo, Hagrid.


Vi o vulto gigante se afastar e consultei o relógio novamente. A conversa tinha me tomado muito tempo. Voltei a andar apressada pelo corredor até a porta das estufas, que pro meu desespero estavam meio abertas. Quer dizer então que eles já estavam lá dentro? O que poderia já estar acontecendo?


Entrei cautelosamente, tomando cuidado para não fazer barulho, me abaixando sobre as várias plantas, que vezes ou outras se mexiam ou faziam barulhos estranhos.


- Rá! – alguém gritou atrás de mim.


Eu soltei um grito agudo e logo abafei com a mão, meu coração pulando de susto.


- Lílian, você por aqui. Acho que já não é novidade. – disse Sirius.


- Onde estão os dois? – perguntei, ainda acariciando o peito.


- Foram para o Salgueiro Lutador.


- O quê? – exclamei me pondo de pé num salto.


- Brincadeira, brincadeira! – falou Sirius, me abaixando de novo. – Pontas não está aqui ainda, nem o Ranhoso.


- Mas então o quê...


- Shhhhh. – Sirius fez pra mim, e andou devagar e lentamente por trás de uma mandrágora, a varinha erguida. Ele sumiu entre as plantas e me perguntei onde ele estaria.


- Estupefaça! – ouvi Sirius gritar e em seguida um baque baixo.


Corri até ele e notei um corpo desacordado no chão.


- Sev! – gritei, me ajoelhando ao seu lado. – Sirius, porque fez isso?


Mas ele não parecia me ouvir. Ele tirou uma espécie de espelho do bolso e falou:


- Tiago.


- E aí? – ouvi a voz de Tiago sair de dentro do espelho.


- Tudo certo. Porém... temos uma surpresinha.


- Tô indo.


Sirius guardou o espelho no bolso, como se fosse como colocar o telefone no gancho, ao mesmo tempo em que eu entendia.


- Desde quando vocês têm um Espelho de Dois Sentidos?


- Conhece?


- Já li isso em algum lugar.


- Ah, me esqueci que você era a nerd. – Sirius riu.


Sev continuava desacordado; não parecia ferido, apenas estuporado.


- Tá tudo ok? – Tiago disse, entrando pela porta da estufa. – Agora vamos... Lílian?


Me coloquei de pé furiosamente e caminhei até ele.


- O que você estava pensando em fazer, seu hipócrita, nojento e arrogante? – perguntei irritada socando seu peito, enquanto ele recuava. – Eu já não disse pra você parar com isso?


- Ai, Lílian, pára! – ele disse, segurando meus pulsos. – Eu vou dar uma lição nele. Só é um favor pra você!


- Favor! – exclamei, minha voz ecoando pela estufa. – Não preciso do seu favor se for assim! Eu falei pra você parar com isso!


- Acalmem os nervos, pombinhos. – falou Sirius, rindo da cena.


- Não vou deixar vocês fazerem nada com ele!


Soltei os pulsos dele e fui até Sev.


- Enervate! – falei para o corpo caído. Vi pelo canto do olho Tiago e Sirius trocarem olhares chocados.


Severo recuperava os sentidos e logo se pôs de pé. Olhou ao redor ao mesmo tempo que entendia tudo.


- Sua varinha está comigo, Sev. – falei, enquanto ele vasculhava os bolsos.


- Me dê a varinha, Lílian!


- Só se você vim comigo. Vou te tirar daqui antes que aconteça alguma...


- Eu não me importo com o que vai acontecer! Só quero atingir esses desgraçados!


Tiago e Sirius riram com desdém.


- Você vai nos atingir, Ranhoso? – provocou Sirius. – Desarmado?


- Lílian, me devolva! – falava Sev estendendo a mão.


- Nem pensar.


- Eu não vou sair daqui!


- É melhor você ir, vai se machucar...


- Não preciso que você me defenda! Só me dê minha varinha!


Suspirei.


- Expelliarmus! – falei para a varinha de Sirius e Tiago, que não esperavam essa reação. A varinha dos dois sumiram no meio das plantas.


- Pronto. Todos iguais. – eu disse triunfante. – Agora vão parar com isso?


Menos de cinco segundos, Sirius e Tiago avançaram para Sev.


- Ah, não! Parem! Parem! – gritei.


Sirius agarrara Sev pelos braços enquanto Tiago socava o estômago de Sev. Meu corpo se enchia de choque com toda aquela brutalidade.


- Parem! Parem! – eu falava desesperada, mas eles não me davam atenção.


O nariz de Sev agora sangrava e ele não podia se defender...


- Tiago, por favor...


Os olhos de Sev estavam girando nas órbitas.


- PAREM COM ISSO AGORA! – gritei; acho que o castelo inteiro escutou meu grito. Tiago e Sirius se entreolharam e depois olhavam para Sev.


- Soltem ele. – sibilei.


Eles largaram Sev sem cuidado no chão.


Me debrucei sobre ele, curando os ferimentos com a varinha. Logo ele estava intacto totalmente, pois eu havia também secado o sangue de suas vestes.


- Enervate! – falei novamente.


Sev se remexeu no chão e igual da ultima vez se pôs de pé rapidamente.


Tiago e Sirius ficaram juntos de forma ameaçadora, enquanto eu já estava expulsando Sev para fora da estufa.


- Saia, saia daqui Sev, por favor.


- Eu vou arrebentar o cara daquele...


- Não. Tome. – disse entregando sua varinha. – Vai embora. Não conte isso a ninguém. Por favor, faça isso por mim.


Minha expressão estava suplicante. Ele me olhou por um instante, assentiu e deu meia volta.


Tiago e Sirius chegaram, já com as varinhas nas mãos. Suas expressões eram desconfortáveis e arrependidas.


- Vou deixar... vocês sozinhos. – Sirius disse, e então se afastou.


- Lílian... – Tiago começou, dando um passo em minha direção.


- Não. – falei, me afastando. – Não quero ouvir desculpas, nem reclamações, nem nada. Cansei de ouvir.


Ele me olhava amargurado.


- Eu acho que eu já sei a solução pra isso.


- Solução? – ele perguntou, intrigado.


- É.


- Pra quê?


- Para você e o Severo.


- Não tô entendendo. – respondeu com a sobrancelha erguida.


- Eu pensei que se ficasse longe de Sev tudo ia se acalmar, tudo voltaria ao normal. Que o problema era com ele e que a gente ia dar certo. Mas agora eu entendi. Entendi que o único problema não era comigo, pois Maria sempre me disse que eu era complexada demais. E agora vejo que ela tem razão. O problema não é comigo. O problema não é meu. É de vocês, único de vocês. E... Tiago, não dá mais. Vocês não podem agir como duas pessoas normais, duas pessoas decentes. Vocês não podem nem mesmo olhar para o outro sem sentir algum tipo de ódio.


- Lílian...


- E agora – interrompi. – eu vejo que já chega e que isso é complicado demais, difícil demais para mim e acho que eu já tenho muitos problemas pra enfrentar, e eu não quero mais um. E aí é que está a solução. Eu não devo ficar longe apenas do Severo. Tenho que ficar longe dos dois. Pois eu só ficava no meio e eu já cansei disso.


- Você está terminando comigo, é isso? – ele perguntou chocado.


- Interprete essa decisão do jeito que quiser. – respondi, tirando com dificuldade a gargantilha do meu pescoço.


Entreguei-a em sua mão. Ele a pegou com a expressão vazia e torturada.


- Lílian, não... – ele falou, com a voz embargada. - Não precisa disso. Ele conseguiu! Era isso que ele queria...


- Viu? Você já veio falando nele de novo! É isso que eu já não agüento mais! E não vou mais aguentar!


Ele me fitou, implorante.


- Boa noite, Potter. – eu disse baixinho, dando-lhe as costas e sem coragem de voltar a encará-lo; as lágrimas silenciosas estavam descendo por meu rosto.


Quando virei o corredor comecei a correr, pois eu sabia que ele não podia me ver.


Pro meu imenso alívio a Sala Comunal estava totalmente vazia, todos aproveitando o resto do jantar. Subi correndo a escada e bati com força a porta.


Me joguei na cama e me enrolei nos cobertores, usando o travesseiro para abafar meus soluços.

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