Amigos



- O Potter o quê? – exclamou Maria, enquanto fazia seu trabalho de Astronomia. Estávamos na sala comunal na noite de domingo, e só agora decidi contar a ela o que tinha acontecido no dia anterior.


- Me trancou numa sala pra conversar comigo. – repeti, enquanto lia Transfiguração Avançada.


Maria riu.


- E o que é que você achou disso tudo? – ela perguntou.


- Ridículo. Tudo bem, eu não deixo ele conversar comigo, mas não precisava ter feito isso.


- Você deveria dar mais atenção pra ele. Eu sei que você o odeia, mas tá na cara que ele gosta muito de você.


- Nem ligo. – falei depressa, e com certo constrangimento, meu rosto ficou quente.


- Você ficou vermelha! – exclamou Maria, rindo.


- Shhhhh. – eu disse, pois a sala estava lotada de estudantes. – Fale baixo, senão vou te dar uma detenção.


- Desculpe, senhorita monitora-chefe. – ela disse, fingindo uma reverência.


Comecei a rir com ela.


- Você deveria dar uma chance a Potter. – ela disse, depois de um tempo.


- Por que eu faria uma maluquice dessas?


- Porque ele está disposto a mudar. Tanto que não azarou o Ran... o Snape. – ela correu a corrigir.


- Ele é um idiota. – voltei minha atenção ao livro.


- Mas você não pode negar que ele é bonito também. E um ótimo jogador de quadribol. E um garoto popular. Sem falar que ele é muito bom em feitiços. E também...


- Se está tão interessada nas qualidades dele, por que não sai com ele de uma vez?


Foi sua vez de corar.


- Pare com isso. Eu estou com o Robert agora, e Potter gosta é de você.


- Pois eu não gosto dele e ponto final.


Ela ficou um pouco em silêncio.


- Falando em Robert, vou visitar ele agora. – ela se levantou. – Quer ir comigo?


- Acho melhor não. E se eu fosse você voltava logo pra terminar seu trabalho de Astronomia.


- Pode deixar.


Ela saiu pelo buraco do retrato. Fiquei mais um tempo lendo, quando alguém falou:


- Você se importa se eu me sentar? – perguntou. Era Potter, com uma sobrancelha arqueada.


Fiquei calada por um tempo, pensando.


- Não. – tentei fazer minha voz sair calma. Era difícil ser educada com uma pessoa que eu considerava idiota.


Ele se sentou no lugar que Maria estava momentos antes.


- Podemos conversar agora? – ele perguntou.


- Não vai me lançar um feitiço das Pernas Presas, vai?


Ele riu.


- Não, Evans, pode ficar despreocupada.


- Tudo bem. – eu joguei meu livro na outra poltrona, a fim de encará-lo. – Foi muito legal você não ter atacado o Sev ontem.


- Viu, eu estou mudando. – ele disse. – E sinceramente, você deveria dar valor pra isso.


- Eu já estou conversando com você. – falei.


- Mas nós... - ele começou, mas eu o interrompi.


- Nada de nós. Eu não vou sair com você, Potter.


- Espera eu falar? – ele disse, indignado. – Eu ia dizendo que nós poderíamos ser... poderíamos ser amigos.


Bufei tão alto que alguns calouros que estavam por perto se assustaram.


- Eu? Sua amiga?


- Por que não? Afinal, nos conhecemos há tanto tempo, e também somos da mesma Casa.


- Mas eu...


- Aceita ser minha amiga ou não? – ele me cortou.


Seu olhar estava suplicante.


Ser amiga de Tiago Potter? Aquele babuíno arrogante? Isso era totalmente fora de cogitação. Mas também não devo negar que nunca mais vi ele azarando os alunos, até mesmo Sev ontem! Nunca mais o vi se amostrando pelos corredores, fazendo feitiços e encantamentos.


Soltei um longo suspiro. Estava na hora de deixar o orgulho de lado.


- Ok. Tudo bem.


Ele ficou radiante.


- Obrigado Lílian! – ele exclamou, feliz.


- Prefiro que continue me chamando pelo sobrenome, se não se importa. – eu disse, mas ele parecia não ter escutado.


- Então, vamos à Hogsmeade no próximo passeio que tiver?


- Eu aceitei ser sua amiga, e não sair com você!


- Mas você sai com seus amigos, não? Agora que sou oficialmente seu amigo eu posso te fazer uma companhia.


- Só amigos íntimos saem comigo. – eu disse revirando os olhos.


- Então, com o tempo você vai ir comigo a Hogsmeade?


- Ah, não sei, Potter! – exclamei me pondo de pé. – Vou para o dormitório.


Andei depressa antes que ele pudesse me alcançar ou voltar a falar comigo. Mas enquanto eu subia as escadas circulares não pude deixar de ouvir:


- Tchau, Lílian!


Droga, pensei comigo mesma, enquanto me jogava na cama. Eu estava encrencada agora. Já até estou vendo a cara do Sev quando ele souber que agora (demorou muito para eu formular a frase) o Potter é meu amigo. Sua expressão seria incrédula, triste e amargurada. Eu já até podia ouvir ele dizendo "Eu falei! Você com certeza não ia resistir às cantadas dele!". Mas isso é mentira. Era só um começo de amizade. É meio como uma troca de favores: ele não azara o Sev, e eu me torno amiga dele.


Certo, essa ideia de ser amiga de Tiago Potter era maluca. Maluca não, insana. Pior, doentia. Eu briguei com ele a vida inteira, desde o momento que nos encontramos no expresso de Hogwarts. Ele era um idiota.


Mas uma vozinha no fundo da minha cabeça sempre fazia a mesma pergunta: "Se ele é tão idiota, por que insiste em se aproximar de você?". E eu insistia em responder: "Porque eu sou uma das poucas garotas que não acha ele tão espetacular". Se bem que eu nunca ouvi falar do Potter saindo com outra garota. Não que isso fosse do meu interesse, mas do jeito que as fofocas correm eu deveria ter escutado alguma coisa. Com certeza ele já saiu com todas as garotas, pelo menos as da Grifinória, exceto eu e Maria. Mas eu conversava com outras garotas, como Alice Parkins, Joanne Bolton e Laura Tyson, todas que dividem o dormitório comigo e Maria. Todas elas sempre enchiam o Potter de qualidades, mas nenhuma mencionara que tiveram alguma coisa com ele. Do jeito que ele é estúpido, deveria ter saído com algumas garotas e usado um Feitiço da Memória sobre elas, a fim de esquecer do encontro que tivera. "Mas alguém poderia ter visto, é claro", insistiu a mesma voz.


Mas por que é que eu estou pensando nesse tanto de baboseira? Sinceramente o que me importa os relacionamentos do Potter? Ele está pensando agora que é meu amigo, mas eu não o considero assim. Pra mim ele é o mesmo imprestável de sempre. Só quero que ele pense que eu sou amiga dele para deixar o Sev em paz.


Se o Potter já saiu com todas as garotas de Hogwarts, pouco me importa. Na verdade, eu nunca saí com nenhum aluno de Hogwarts. Meu único rolinho foi aos treze anos, com um garoto que morava no meu bairro. O nome dele era Steven Verner, ou Sparks? Não me lembro, mas durante as férias de verão eu saia com ele. Sev não sabia é claro, ainda mais porque na época a crise na casa dele estava no auge, tanto é que seu pai o proibira de sair de casa. Alguns garotos já me chamaram pra sair algumas vezes, mas eu nunca me interessei por nenhum realmente. E, é claro, Potter era o mais insistente.


Maria e Dougie não eram disso também. O caso mais sério até agora, é esse de Maria com Kingston, que pelo visto Dougie está achando uma calamidade. Sempre suspeitei que Dougie tivesse uma paixão secreta por Maria, mas nunca revelou nada. Meu medo de juntar os dois era que algo desse errado e pudesse acabar com a amizade entre eles.


- Lílian? – era Maria de volta, me interrompendo dos meus devaneios.


- Oi. – falei sentando na cama.


- Vamos jantar? – perguntou ela.


- Vamos.


Quando chegamos ao Salão Principal, já estava lotado. Eu e Maria caminhamos entre a mesa da Grifinória a procura de lugares livres.


- Lílian, sente-se aqui! – me chamaram. Virei para olhar: era Potter, apontando pra um lugar vago entre ele e Black. Capaz que eu ia sentar ali! Porém, Maria já tinha se espremido entre Alice Parkins e Peter Holding. Não tive outra escolha. Não ousei olhar para a mesa da Sonserina quando me sentei ao lado de Potter, que como sempre, estava radiante.


- Olá Lílian! – cumprimentou Black.


- Ei, não te dei permissão pra me chamar assim! – reclamei.


- Amiga do meu amigo é minha amiga também. – respondeu ele com uma piscadela.


Olhei de cara feia para o Potter, que parecia concentrado no frango em seu prato.


- Como foi sua primeira semana de aulas, Evans? – perguntou Lupin, sentado em minha frente.


- Nada má. – respondi, me servindo de purê de batata. – E você pode me chamar de Lílian, Lupin, se quiser.


Ele sorriu e Potter engasgou com o suco de abóbora.


- E você pode me chamar de Remo, se quiser. Ou Aluado. – ele respondeu.


Retribui o sorriso, enquanto Potter recuperava a fala.


- Por que você trata o Aluado tão bem? – ele parecia ofendido. – E porque ele pode te chamar de Lílian?


- Você sabe o por quê. – retruquei.


- Mas somos amigos agora! E por isso eu devo te chamar de Lílian e você pode me chamar de Tiago, ou Pontas.


- Digamos que não gosto de nenhum desses nomes.


Black gargalhava ao meu lado.


- Agora só falta você chamar Rabicho pelo apelido também. – resmungou Potter.


- Pode ser. – respondi, sorrindo para Pettigrew. Ele sorriu de volta. Na verdade eu também não tinha nada contra ele; ele sempre andava atrás de Potter, mas acho que só o admirava. Ele era baixinho e gordinho, e me parecia ser uma boa pessoa. É claro, eu já ouvira falar que ele, e inclusive Lupin, já havia se metido em confusões junto com Potter e Black, mas eu supunha que eles não fizeram tudo aquilo porque eles quisessem.


Potter soltou uma exclamação indignada, e voltou a comer, com uma cara furiosa.


Comecei a rir junto com Black.


- Do que está rindo? – perguntou Potter ríspido.


- Da sua cara. – falei, rindo ainda mais quando ele derrubou seu suco de abóbora na roupa.


Agora Lupin estava rindo também. Pettigrew parecia indeciso se ria ou não.


- Não tem graça. – Potter disse, enquanto secava o uniforme com a varinha. – Não tem nenhuma graça.


Pouco depois ele começou a rir também e dessa vez Pettigrew o acompanhou.


Ficamos um bom tempo rindo, até a chegada da sobremesa.


- Que dia é hoje? – perguntou Black vagamente.


- Dia oito. – respondeu automaticamente Lupin, ou melhor, Aluado.


- Ainda está longe da Lua Cheia. – falou Black, e parecia desapontado.


Aluado, Potter e Pettigrew olharam hesitantes para mim, esperando que eu fizesse perguntas sobre o comentário de Black.


- Tudo bem, eu já sei. – falei, abaixando a cabeça para meu prato cheio de bolas de chocolate.


- Sabe? – perguntou Aluado incrédulo. – Como?


- Sev me contou. – falei sem erguer a cabeça.


- Eu sabia que aquele Ranhoso estúpido e futriqueiro ia sair por aí espalhando! – falou Potter, irritado.


- Não fale assim dele! E ele não saiu por aí espalhando. Ele só contou pra mim. E talvez os amigos dele, não sei.


Potter murmurou alguma coisa sobre "Comensais da Morte" e então Lupin, digo, Aluado, perguntou:


- Você contou pra alguém?


- Não, não. – respondi depressa. – Pode ficar tranquilo. Eu sou uma sangue-ruim, então sei o que é sofrer preconceito.


- Não fale assim. – disse Potter.


- Falo, porque é isso que eu sou, não? – falei.


Aluado sorriu grato pra mim.


Toda a comida do prato desapareceu e os alunos começaram a se levantar.


- Eu te acompanho. – falou Potter, quando comecei a sair do Salão.


- Não, obrigada. Eu sei o caminho.


Potter revirou os olhos e sumiu no meio dos alunos.


O céu encantado hoje estava meio nublado. As nuvens cinzas tampavam quase que completamente o azul escuro.


Eu estava prestes a subir as escadarias de mármore quando alguém puxou meu braço.


- Ah, oi Sev. – falei temerosa.


- Posso falar com você? – ele perguntou.


- Claro.


Caminhamos até um canto onde os alunos não estavam se empurrando para ir em direção aos dormitórios (eu dei uma bronca em uma aluno da Sonserina por estar cutucando a garota da frente com a varinha).


- Eu sei que você está se perguntando por que eu sentei perto de Potter e dos outros. – falei antes que ele começasse a fazer seu interrogatório habitual.


- Bem... é. – ele disse inseguro. Com certeza ele não queria brigar comigo.


- É que... eu... eu... – tentei dizer. Como eu ia conseguir explicar? – Eu e Potter somos amigos agora.


Fechei os olhos com medo de ver sua expressão e pronta pra as palavras indignadas. Ele não respondeu. Voltei a abrir os olhos, e sua cara demonstrava... nada.


- Amigos? – ele perguntou, me fitando.


- É.


- Por enquanto. – ele murmurou, balançando a cabeça.


- Sev, eu só aceitei ser amiga dele por que senão ele não ia me deixar em paz! – menti, sem jeito. – E também eu não o considero como amigo.


Ele parecia não ter escutado a segunda parte do que eu falei.


- Então você vai sair com ele também só pra ele te deixar em paz?


- Não, isso não.


Ele suspirou olhando pro chão, antes de falar.


- Tudo bem, Lílian. – ele disse. – Eu prometi não implicar mais com você sobre aquele ser desprezível, e eu vou cumpri minha promessa.


Senti muito mais aliviada.


- Ah, obrigada Sev! - eu disse então eu o abracei.


Me senti meio constrangida, mas fingi ser natural, quando desfiz o abraço. Ele olhava em outra direção, meio corado. Em geral, eu e Sev não tínhamos muito contato físico.


- Er... Então tchau! – falei, e então saí correndo em direção as escadas de mármore.

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