Sob o olhar de Severo

Sob o olhar de Severo



Quando entrou pela porta do Salão Principal, Severo a reconheceu imediatamente. Os cabelos negros e lisos, como os seus, mas de aspecto imensamente melhor, as mesmas bochechas rosadas do bebê que ele próprio deixara no orfanato, o nariz pequeno e arrebitado de Alexia e, claro, os olhos azuis.


                Logo após ser selecionada pelo chapéu seletor, Snape não teve dúvida alguma de que ela era perfeitamente sonserina, a audácia impressa em seu sorrisinho torto. Sua maior curiosidade era saber se a garota trazia a mesma chama viva e alegre que a mãe costumava levar nos olhos, e sempre foi o que mais encantou-o.


                Ao aproximar-se dela, a mando de Dumbledore para levá-la até sua sala, percebeu uma das coisas que mais lhe desapontara na vida: os olhos de Serena eram frios como os seus, e sua fala mansa era completamente desafiadora. Ele desejara em todos os quinze anos que esteve afastado da garota que ela tivesse não só a aparência da mãe, mas o comportamento, e a vivacidade de Alexia.


                Ouvira Flitwick certa vez exclamar espantado na sala dos professores o talento da menina com Feitiços, e que só havia tido uma vez na vida uma aluna como ela. Snape teve vontade de gargalhar de deboche. Claramente era Alexandra Spring, a aluna a qual ele se referira, ela era esplendorosamente ótima em Feitiços, e Minerva McGonagall silenciosamente concordava com Snape. Ela associara a garota tão rapidamente quanto ele quando ela adentrou o Salão Principal, e o talento com Feitiços também.


                Serena era a única aluna da Sonserina que lhe irritava pronfundamente, quase chegando aos pés de Potter. Irritava-lhe as respostas rápidas e formuladas, o sorriso presunçoso e o olhar gélido, tão parecidos com os dele próprio. Ela era uma exímia preparadora de Poções, ele mesmo se surpreendera com suas teorias, principalmente ao adicionar o pó de chifre de unicórnio a quase todos os contravenenos, e ele tinha que admitir: ela sempre estivera certa sobre isso. Suas poções eram perfeitas, e ela usava informações de que até mesmo Severo havia esquecido, mesmo ela tendo crescido num subúrbio trouxa sem contato com magia.


                Snape se lembrava do orfanato claramente, como se estivesse tido lá ontem. Lembrava-se da vista da quarta janela do prédio de cinco andares. O subúrbio da Londres trouxa era realmente desprezível. Deixara o bebê lá, há quinze anos. E nunca em sua vida estaria pronto para vê-la novamente.


                A culpa, em certas noites, o corroia. Mas agora tinha Serena sob seu olhar, apesar da garota aparentar certa repulsa por ele. Talvez ele nunca lhe contasse, talvez ela nunca lhe perguntasse. E talvez, só talvez, seria melhor assim. Cada um vivendo sua vida, tomando seu rumo.


                E nesses momentos em que estava sozinho em seu escritório nas masmorras, podia pensar na garota como sua filha. E se corrompia em remorso ao pensar o que Alexia teria achado disso. Seu maior desejo era que ela pudesse ter cuidado da menina, e nos dias atuais ela teria repreendido-o pelo o que ele fez.


                Mas Alexandra não estava aqui. E Serena era uma garota difícil de gostar.


                Serena tinha o olhar superior, como o dele, e andava como se fosse a rainha do lugar. A maioria dos estudantes da Sonserina a temiam, outros a admiravam secretamente, e Snape achava isso justo, ela era inteligentíssima e ardilosa.


                Certa vez ouvira Malfoy falando de Serena, na Sala Comunal da Sonserina, reclamando de sua postura com Zabini, que ria do modo como o amigo falava da garota. Severo não estava gostando daquilo. Malfoy depois confessou que havia alguma coisa nela que a deixava doido, e Zabini caçoou dele, dizendo que um dia iria se apaixonar pela Srta. Snape, e Draco se retirou, zangado.


               
                Dumbledore viera ter com Snape, alguns dias depois do ingresso da Srta. Serena na escola. A questão das cartas não recebidas.


                ‘-Severo, meu caro’ – começou Dumbledore, ajeitando os óculos de meia-lua – ‘Gostaria de falar sobre Serena. ’


                Snape revirou os olhos e se preparou para responder que não gostaria de falar sobre o assunto.


                ‘-Você não poderá fingir para sempre, Severo, você sabe bem disso. É melhor que você conte a verdade a ela o quanto antes. ’ – disse ele quando Snape ameaçou falar.


                ‘-Eu não vou contar nada que não seja necessário à Serena. ’ – respondeu ele mal-humorado – ‘Continuarei cobrindo as despesas dela, e o que mais lhe for necessário. Mas nada mais. Nunca pude e continuo não podendo dar a ela nada mais do que isso. ’


                ‘-Severo... ’ – o diretor começou.


                ‘-Se é somente sobre isso, professor, voltarei até as masmorras, tenho muito trabalho a fazer. ’ – disse, levantando-se.


                ‘-Sente-se, Severo. ’ – Dumbledore indicou a cadeira novamente, e Severo, contrariado, sentou-se – ‘Falemos agora sobre um assunto mais curioso: a Srta. Serena não ter recebido as cartas nos anos anteriores. ’ – ele fez uma pausa, mas o professor de Poções nada disse – ‘Você não acha isso estranho?’


                ‘-Deve ter sido algum problema com aquelas freiras que tomaram o orfanato, e com a demissão daquela bruxa mestiça. ’- respondeu seco e desinteressado.


                ‘-Você deixou a menina lá, Severo, mesmo tendo conhecimento disso?’ – Dumbledore estava intrigado.


                ‘-Não havia outro jeito. Achei que ela receberia a carta de qualquer modo, assim como o Potter.’ – desdenhou Snape – ‘E quando ela não entrou no primeiro ano, pensei que fosse por desistência própria.’


                ‘-Também pensei nessa hipótese, professor. Mas descartei-a logo que falei com Serena. ’ – o diretor sorriu ao falar o nome da garota.


                Snape não respondeu.


                ‘-Severo, eu sei que você traz muitas mágoas no coração. Mas Serena não tem culpa de nada disso, ela nem sequer tem conhecimento da situação.’


                ‘-Se já terminamos por aqui, diretor, preciso me recolher.’


                ‘-Vá, Severo, mas pense sobre o que eu lhe falei’


                Snape acenou e saiu em rumo às masmorras.


               
                Severo zombou mentalmente de si mesmo. ‘Srta Serena’. Ele apenas a chamava assim porque não conseguia – e não queria – associar-se a ela. Não conseguia pensar na garota mal-encarada como Srta. Snape, até porque Alexia ainda era a única pessoa a quem ele admitiria seu sobrenome, pois ela um dia quis isso. Não porque não aceitasse Serena. Alexandra quis. Sobre Serena, ele nada sabia.


...


                ‘-Srta. Serena, se não se importar gostaria de falar com você no final da aula, antes do jantar. ’ – disse Severo Snape, em falsa educação, quando a sala toda já havia se acomodado em seus respectivos lugares.


                Todos os sonserinos e corvinais se viraram para Serena, que acenou positivamente e deu um sorrisinho falso. Ela sabia que ele apenas falara isso na frente da classe toda para tentar humilhá-la.


                Quando a aula terminou, após uma pequena discussão silenciosa entre os Snape, todos os alunos saíram da sala, restando apenas o professor e Serena, que continuava sentada em seu lugar. Severo se moveu em sua cadeira de espaldar alto, e a garota foi até sua mesa.


                Ela era irritante.


                ‘-Professor, o que o senhor quer falar comigo?’ – perguntou, displicentemente.


                ‘-Venha até meu escritório, Srta.Serena.’


 

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