Um Novo Lar



Não houve muito que explicar. Gina havia percebido o clima suspeito logo ali embaixo da mesa, mas nada mencionou a respeito. Preferiu guardar um sorrisinho malandro enquanto tomávamos nossos marshmallows caramelados, e nada pronunciou sobre o assunto. Nem me perguntou nada depois disso. Rony agiu indiferente, muito embora tenha derrubado sua bebida na mesa quando eu confundi os copos. Foi um pouco (muito) constrangedor. Enfim, fiz o favor a mim mesma em pensar que aquilo tudo foi apenas um mal-entendido.


- Precisamos ver Dumbledore – Disse Harry, enfático, me acordando daquele tumulto psicológico.


- Eu já havia pensado nisso – Neville suspirou, após engolir um generoso pedaço de scone – Mas esperava que tudo fosse só coincidência. Meus amigos – continuou de maneira descontraída, tentando encobrir uma sombra que havia perpassado seus olhos – Também tive uma visão – disse discreto, mais próximo a mesa.


Então todos na mesa paralisaram e se aproximaram instintivamente de Neville.


- Nesta madrugada, depois de ouvirmos aquelas esquisitices de Dumbledore sobre “coisas inevitáveis deverão acontecer” e sobre Hermione, combinamos de assistir a seleção do pessoal, principalmente de Michel que prometeu colocar mechas da cor da casa escolhida, certo?


- Certo – Responderam todos. Menos eu, que arregalei os olhos ao ouvir meu nome.


- Ei! Como assim ouviram sobre mim? Vocês me conhecem? – Interrompi Neville.


- Sim e não – respondeu Gina balançando a cabeça – Dumbledore só disse que conheceríamos você em breve, pois é uma peça importante nas nossas vidas “para que tudo esteja no lugar a que pertence” – ela mencionou as aspas entre os dedos – Ele é um homem brilhante, e é o diretor da nossa ex-escola. Hogwarts. Aquela na qual você se recusou a ir. Dumbledore sempre diz muitas coisas, mas geralmente só as entendemos quando elas acontecem. Entre elas foi realmente esbarrar em você no caminho. Penso que nossas histórias mudariam, em partes, da água para o vinho se você tivesse escolhido diferente logo no início.


Nunca deixei de pensar nisso. Sobre se tivesse escolhido diferente. Mas ninguém nunca sabe o que poderia ter acontecido, não é? Talvez não tivesse adquirido meu passaporte. Talvez não estivesse na universidade. Talvez tivesse conhecido esses quatro, e agora não estaria tão aflita pensando se realmente fiz uma boa escolha.


- Bom – Prosseguiu Neville, buscando na mesa se havia mais algum empecilho para seu relato – Nesta mesma madrugada eu mal consegui dormir. Usei a penseira do meu pai escondido, claro, para rever a conversa com Dumbledore. Eu não consegui imaginar minha vida diferente desta. Na verdade, foi um susto pra mim.


Gina coçou o queixo e Harry abaixou a cabeça. Rony mordeu o beiço e se debruçou na mesa.


- Talvez Neville – Harry tocou o braço do amigo – as coisas fossem mesmo diferentes, nós sabemos, mas não é culpa sua. As escolhas são pessoais, e definitivamente não temos como saber no que resultarão.


- Eu fico pensando no que seria a minha vida se meus pais tivessem escolhido me deixar com minha avó naquele dia. Se tivessem um pouco mais de tempo e tivessem se escondido. Quem sabe eles jamais tivessem sido... mortos – Neville levantou os olhos. Estavam brilhantes – Eu me pego pensando nas coisas que poderiam ter mudado por causa das nossas escolhas, Harry! Você não teria sido deixado por sua mãe. Rony talvez tivesse conseguido aquela sonhada vaga no time de quadribol junto a Gina. Hermione seria um braço forte conosco. E no fim, eu não teria que ser levado àquele orfanato nogento toda a vida!


Cada vez que mencionavam meu nome, eu tinha mais certeza que parte da culpa era minha sim, de alguma maneira. Independente do que estivessem falando. Engoli em seco e preferi ficar calada.


- Você não faz ideia do que vi – Continuou Neville, fitando Harry de uma maneira penosa, enquanto girava o copo na sua frente – Eu vi meus pais Harry! Meus pais verdadeiros, entende?


Gina virou o rosto e Rony passou a mão pelos cabelos antes de se levantar e trazer um copo de água para Neville.


- Claro que entendo Neville! – Harry exclamou com energia – Ouvi você sussurrando o nome dos seus pais esta noite, mas achei que fosse apenas outro pesadelo. Eu também sinto falta dos meus pais. Às vezes, sonho com minha mãe, e se ela me deixou com Sirius, foi por um bom motivo.


- Você não entende Harry – Desta vez, Neville interrompeu – eu os vi... sofrendo. Eles estavam no chão, se contorcendo de dor. Imploravam pela morte. Minha mãe arrancava tufos da própria cabeça. Meu pai mordia a própria língua. Foi a cena mais horripilante da minha vida – Com a voz embargada, Neville bebeu um gole d’água e enxugou as mãos com um guardanapo branco - E eu não estava sonhando Harry, porque piscava várias vezes, cheguei a levantar-me para ter certeza do que era aquilo tudo. Mas quando me aproximei para reconhecer quem segurava a varinha na direção deles, você perguntou...


- Se você precisava de alguma coisa – Completou Harry.


Um silêncio instaurou a mesa, e eu não podia compreender nada significante. Apesar de ouvir aquilo tudo, pude sentir a dor do garoto, não exatamente como ele, mas pensar nos meus pais naquela situação me faria morrer por dentro.


- E de fato você precisava – Falou Gina – Porque não nos contou sobre isso? Você sabe que está fugindo deles, do pessoal do orfanato. E se por acaso colocaram um feitiço em você para fazê-lo ter essa visão?


- Não Gina – disse Harry – Isso não tem a ver com os canalhas dos pais adotivos do Neville. Os meus tutores também não valem nada, mas não fariam algo assim. Além disso, nós três estamos tendo visões nesses tempos.


Nós nos entreolhamos como se estivéssemos a procura de um relato tão criterioso como o de Neville. Mas na ausência de manifestações, apoiamos o cotovelo a mesa quando Gina o fez.


- Faremos o seguinte: iremos a Dumbledore contar sobre essas coisas, sobre essas visões e sobre o que devemos esperar daqui pra frente. Acho que ele queria que fôssemos à plataforma apenas para encontrarmos Hermione, e agora que o fizemos, devemos saber o que fazer.


- E penso que devemos perguntar sobre a cicatriz de Harry também.


Eles olharam pra mim, como se lembrassem que eu falava o mesmo idioma. Por instinto, quando fico constrangida, apertei meus lábios.


- Bom, se existe algo acontecendo ou deixando de acontecer deve ter sido por algumas decisões não tomadas ou tomadas incorretamente. Como vocês afirmam, esse diretor deve ser bem mais que isto. Além do mais, não existem coincidências no mundo mágico. Foi o que eu soube – Terminei meu discurso, na verdade querendo dizer e perguntar muito mais.


- Sabe Hermione, não conhecemos você muito bem. Na verdade, não te conhecemos – Disse Harry, num tom suspeito – Mas Dumbledore disse que você é importante, e mesmo assim tem muita coisa sinistra acontecendo. No entanto, não vou me importar nem um pouco em lançar um feitiço contra você caso desconfie que está tramando algo.


Meu sangue congelou. Eu simplesmente estava num baita problema. O que eu mais temia ouvir tinha acabado de se concretizar, e eu só queria dar o fora. Eu me sentira tranquila até aquele momento, depois fiquei totalmente desconfiada de estar lá. Será que eles não entendiam minha própria aflição?


- Pode deixar Harry, eu fico de olho nela, ok? – Respondeu Gina olhando fixo para Harry, por mim. Obrigada Gina, pensei imediatamente.


Segurei firme minha bolsa que descansava no chão. Pumpks estava totalmente esparramado nela, e reclamou quando o tirei do aconchego. Ele caminhou em direção a Gina e lá ficou no colo dela, em protesto a mim.


Rony apalpava os bolsos e olhava em volta, procurando por Perebas, mas não o encontrou.


- Onde esse bicho foi parar?!


- Esquece Rony!


- Nada disso Gina! Você tem esse bicho fedorento e eu tenho o meu. Preciso encontrá-lo!


- Esquece Rony, vamos! Temos coisas mais importantes pra resolver.


- Droga... Acho que ele não deveria ser tão companheiro afinal.


Quando estávamos nos dirigindo a porta senti uma pulsação nas têmporas, e sem que pudesse me dar conta, havia pegado novamente a varinha de Neville.


- Só um instante – Eu falei, dirigindo-me a Harry - Antes de sairmos... Oculus reparo! - disse imediatamente, apontando para seus óculos.


Instantaneamente, os óculos de Harry ajustaram-se. Gina olhou para mim e me dirigiu um sorriso quase imperceptível. Rony exclamou “brilhante”, depois revirou os olhos, sem motivo aparente. Neville, que estava adiante, apalpou os bolsos, e percebendo que era a sua varinha em minha mão, voltou-se.


Harry tirou os óculos e fitava-os. Depois me encarou por um momento e depois riu da sorte. “Brilhante”, ele disse. Virou-se e continuou andando em direção a porta, seguindo Rony.


- Onde você aprendeu isso?! – Perguntou Gina, atônita.


- Não faço ideia – sendo que eu realmente não fazia. Apenas segui um instinto, do que havia em alguma parte da memória – Eu sinceramente não sei o que está acontecendo, Gina. Harry não pode me culpar se algo inesperado acontecer. Eu só quero saber quem eu sou, e se pertenço ou não a este lugar.


- Hermione – Gina segurou meu braço e caminhamos para fora – Você precisa entender algumas coisas daqui pra frente.


- Hermione, er, pode me devolver a varinha? – Neville pediu-me, sem estender a mão.


- Ah, mil perdões Neville. Aqui está. Prometo não tomar de você novamente – Sorri a ele quando este retribuiu.


Saímos da Truques & Tretas quase em fila e em silêncio. Prosseguimos nossa caminhada por uns três quarteirões, enquanto ouvia Rony a minha frente sempre acompanhando Harry, preocupado sobre a cicatriz que este havia ganhado na testa há alguns minutos.


- É curioso, você não acha Harry? – Cutucou Rony, enquanto atravessávamos a rua para o quarto quarteirão - Quero dizer, tudo isso acontecer, encontrarmos essa garota – como se eu não tivesse o visto apontando pra mim com o polegar por cima dos ombros – Dumbledore querer falar conosco sobre sua mãe. Bom, desculpe por mencioná-la. Mas é tudo muito esquisito também.


Neville vinha ao meu lado e ofereceu-me um lenço branco, para enxugar meu rosto, depois de enxugar o dele próprio. Recusei gentilmente, é claro. Talvez ele tenha percebido que estava ficando exausta de toda aquela caminhada. Estava suando por cada poro, porém continuava muito aflita com a visão que marcara nosso dia até aquele momento. Atrasei um pouco o passo para alcançar Gina, que vinha atrás de todos nós, como se estivesse na retaguarda.


- O que eu preciso entender? – Eu iniciei discreta, lembrando a Gina que precisava me fazer entender a situação.


- Ah, bem, Hermione – Ela se certificou de que Rony e Harry estavam ocupados na própria conversa, e que Neville estava suficientemente distante para não ouvir aquele diálogo – Dumbledore nos alertou sobre você. Disse que era a peça chave que faltava para restaurar a ordem das nossas vidas – Meu estomago afundou, mas precisava ouvir tudo, então apenas escutei – Ele disse que precisávamos escolher entre o que é fácil e o que é certo. E mais, disse que nossas vidas foram “danificadas” por uma série de escolhas erradas, e que agora havia um destino pronto para nos destruir se não estabelecêssemos a ordem natural das coisas.


- Mas o que quer dizer com “danificadas”? – Não pude me conter, ou perderia detalhes da minha motivação de estar ali.


- Primeiro, Harry não teria sido abandonado pela mãe quanto tinha 11anos. Isso foi o que Dumbledore disse. Mas ele também diz que não sabe o que teria acontecido caso ela não os tivesse deixado, quero dizer, Harry e o padrasto, a quem ele chama de pai, Sirius Black.


- Então você me diz que Harry não conheceu seu pai? – Perguntei meio chocada, imaginando que eu tinha amor de sobra do meu próprio pai.


- Quase isso – Disse Gina, com a cabeça baixa – O pai verdadeiro de Harry mudou muito. Era Tiago Potter. Trabalhou com meu pai e com o padrinho de Harry no Ministério da Magia, na Ordem dos Aurores. Eles mantinham a ordem executiva do mundo Bruxo e Trouxa, sabe, a conexão entre os mundos, para evitar revoluções como a que ocorreu há 8 anos – Gina falava mais baixo a medida que nos aproximávamos do sexto quarteirão – Mas houve uma invasão no Ministério, uma confusão. Um grupo de rebeldes lançava feitiços aleatórios em qualquer um que se metesse no caminho. Foi no mesmo período em que voltávamos do primeiro ano em Hogwarts, e várias pessoas fugiram ou se esconderam. Entre estes estavam os pais de Neville que trabalhavam na divisão de Intercâmbio. Eles fugiram imediatamente para casa, procurando pelo filho. Contudo, foram seguidos. Só tiveram tempo de esconder Neville no armário, logo depois foram capturados e levados. O que sabemos é que estão mortos. Ninguém nos oferece detalhes sobre aquela invasão, sobre o que queriam ou sobre quem eram. O que eu sei é que Tiago Potter voltou diferente pra casa naquele dia.


- O que quer dizer? – Perguntei, achando que perdera muita coisa sem Hogwarts na minha vida.


- Hermione – Gina falou calmamente, me guiando para uma casa estreita, no final do sexto quarteirão – Depois que ele voltou para casa, Tiago maltratava Lílian, mãe de Harry. Eles eram uma família feliz, presenciamos isso. Mas quando Tiago voltou daquela invasão, ele ameaçava Lílian de todas as maneiras, se tornou um paranoico. Harry via as atitudes do pai todos os dias, e acabou sendo afetado. A ameaça que você ouviu de Harry ainda há pouco é fruto do que ele ouvia do pai. Eles quase perdem tudo, até que Lílian resolveu deixar o filho com Sirius, um amigo íntimo da família, nomeando-o guardião de Harry e assim ela fugiu. Ninguém nunca mais soube de Lílian, já que ela não tem qualquer parente. Mas Sirius foi perseguido por Tiago, e ele também teve que se esconder. Harry vive só agora, ou na companhia de Neville, quando este não consegue aguentar aquele orfanato nas férias, quando foi abandonado pelos bruxos adotivos dele. Considerando que a única capaz de guardá-lo era a avó, ela faleceu há alguns anos, e também não era guardiã dele. No entanto, não sabemos exatamente o que fazer, desde que terminamos nossos estudos em Hogwarts, estamos meio aquém...


- Você está me dizendo que Harry é alheio a família e Neville não tem pra onde ir agora? – Perguntei, angustiada com aquilo tudo. Prometi a mim mesmo não contar sobre a benção que tinha em ter uma família completa todo esse tempo.


- Isso. Por isso Harry é desconfiado sobre as pessoas, e ao mesmo tempo tem fé nelas. Ele é um bom rapaz, mas foi traumatizado pelos horrores do passado. De vez em quando recebe a visita de Remo, um amigo chegado de Sirius, mas é muito raro. Ele também precisa se esconder de Tiago. O pai de Harry é muito astuto, mas nunca tentou nada contra Harry. Talvez o ame muito, apenas lembre-se de Lílian e a veja refletida em Harry. Ele tem os olhos da mãe. Talvez Tiago esteja confuso. Talvez nunca saibamos o que houve naquele dia.


- Entendo. Mas Harry não tem nenhum outro parente com quem contar? Claro que não vou criticá-lo por isso, Gina – Falei desconfiada – Mas porque Dumbledore mencionou a mim? Não sei onde eu poderia ajudar na história.


- Sobre a primeira pergunta, não. Harry tinha a tia, irmã de Lílian, mas ela e o marido morreram num acidente de carro. Outra calamidade na vida de Harry. E eu me pergunto o mesmo sobre Dumbledore – Disse Gina, depois de tirar seu casaco verde e limpar o suor do rosto. – Vamos descobrir com esta conversa.


Foram nove quarteirões até chegarmos a uma portela de madeira envernizada. Neville se adiantou e tocou um pequeno sino próximo a maçaneta. Ouvimos vários sons de sinos no lado de dentro, até que uma criaturinha abriu a porta. Tinha olhos do tamanho de bolas de tênis, e fez uma longa reverência até nos permitir passar. Olhou para mim, piscou e franziu o cenho, mas expressou imensa alegria ao ver Harry.


- Gostaria de um pouco de chá, Sr. Harry Potter? Posso trazer uns biscoitos de polvilho. Estão semi-prontos. Oh, que alegria ver você e seus amigos aqui!


- Ah, muito obrigada Dobby, mas apenas desejamos falar com Dumbledore. Ele está? – Disse um Harry sem jeito.


- O Sr. Dumbledore está na sua sala agora. Mas em Hogwarts. Ele acabou de fazer o discurso de boas-vindas!– Disse Dobby, batendo palmas e dando alguns pulinhos.


- Muito obrigada por nos contar tudo Dobby – Rony falou meio risonho com todo aquele ritual – Você sabe quando Dumbledore virá por aqui novamente?


- Oh, vocês podem falar com ele agora. Todos os amigos do Sr. Dumbledore podem falar com ele agora. Depois que ele me deixou com todos os afazeres de seu salão especial, eu consigo perceber quem são os verdadeiros amigos dele.


Dobby era um personagem curioso, no mínimo. Não entendia muito bem o que ele era, mas simpatizei imediatamente. Desejaria as melhores coisas do mundo a ele. Podia-se sentir a sinceridade da boa-vontade dele.


Depois de nos insistir por mais cinco vezes sobre sua porção de biscoitos de polvilho e chá mate, nos sentamos em poltronas na sala de estar. O lugar era apertado, mas aconchegante. Não era uma casa, era apenas um lugar para encontros pessoais. Talvez de negócios, porém mantinha uma atmosfera mais informal.


Quando terminou de nos servir, Dobby falou sobre seu dia-a-dia, sobre a sorte que ele tinha de ter onde ficar e de como ele conheceu Dumbledore.


- Não achei que o Sr. Harry Potter teria tão bom coração! Achei que meu antigo mestre me mandaria embora quando me ofereceu aquela meia e eu ficaria sozinho. Achei que não era real – enquanto falava, Dobby balançava seu corpo minúsculo e servia mais chá a quem esvaziasse sua xícara pela metade – e então Dumbledore disse que tinha uma tarefa muito especial para mim e que somente eu seria capaz de realizar!


Gina se inclinou no meu ouvido neste momento, e sussurrou:


- Dobby era um escravo de um bruxo rico que o maltratava. Ele adora contar a história de como foi liberto, mas não sabe que foi armação de Harry, e ainda conta sobre a missão incumbida a ele de limpar a sala de jujubas de Dumbledore, uma tarefa na qual “só ele podia cumprir” – Completou Gina, contendo o riso.


Eu sorri e pensei onde tudo poderia me levar. Olhava Neville, Rony, Dobby, Harry e Gina, e percebi que aquele grupo era o mais divergente possível, embora conhecesse pouco da vida pessoal deles. O fato de terem acreditado em mim e a maneira como agiam uns com os outros fazia com que me sentisse segura e certa de que estava ajeitando a nossa história, de uma maneira mais convincente. Foi Dobby que interrompeu-se, mudando de assunto.


- Se vocês desejarem, podem passar a noite aqui. Já está escurecendo. E Dobby não poderia deixar o Sr. Harry Potter e seus amigos andarem por esse beco perigoso. Estão dizendo muitas coisas esses últimos tempos. – Nos entreolhamos com uma expressão de dúvida, e percebendo o silêncio, Dobby pulou de onde estava e balançou suas grandes orelhas, como se estivesse desvencilhando os pensamentos. Logos depois, catou as xícaras e pires, como se quisesse encerrar o assunto - Oh, perdão. Vão ficar aqui no Canto da Fênix?


- Espere um pouco Dobby – Disse Rony, levantando da poltrona e tirando as louças da mão de Dobby, colocando-as de volta na mesa e apanhando mais um biscoito de polvilho – O que você quer dizer com “estão dizendo muitas coisas esses últimos tempos”? Você nunca mente. O que você sabe?


- Dobby não entendeu a pergunta. Na verdade, dizem sempre muitas coisas e Dobby apenas serve o chá e cuida da sala especial do Sr. Dumbledore. – Disse a criatura, recolhendo as louças, até ser interceptado por Harry.


- Por favor Dobby, precisamos falar com Dumbledore. Mas antes, poderia nos contar sobre o que dizem por aqui? – Disse Harry calmamente, segurando junto com Dobby uma jarrinha que estava o chá, para fazê-lo prestar atenção.


- Dobby não deve se meter no mundo bruxo, Sr. Harry Potter. Contudo – Disse ele, se aproximando de Harry e estreitando os olhos (como se não pudéssemos ouvir a conversa suficientemente audível devido o tamanho da sala) – Escutei quando o Sr. Dumbledore chegava da Truques & Tretas acompanhado de um senhor alto chamado Slughorn. Eles estavam com uma sacola de caramelos e deram pra Dobby guardar na sala especial do Sr. Dumbledore. – Então Dobby finalmente percebeu que estávamos todos ouvindo e resolveu sentar no braço da poltrona de Harry – Mas Dobby não se retirou da sala, porque precisou limpar o tapete. Foi quando eles entraram na sala, e eu não pude sair, porque... – Neste momento, Dobby piscou várias vezes e olhou em volta para saber se deveria mesmo contar o que ouviu, e como ninguém moveu um músculo, resolveu continuar -  Eles estavam falando da libertação de todos os Elfos Doméstivos!


Eu compreendi naquele momento que Dobby era de fato um Elfo Doméstico. Havia lido isso, mas muito vagamente. E na época, eu não tinha encontrado imagens ou descrição de Elfos Domésticos, e apenas com as características comportamentais pude confirmar minha ideia. Emocionada, me aproximei de Dobby e tirei as mãos dos olhos dele, que estavam tapadas porque ele havia se posto a chorar.


- Calma Dobby, vai ficar tudo bem! – Eu disse, eufórica para que tudo realmente ficasse bem com ele – Vocês não devem mesmo ser escravos de ninguém! Assim que possível, estarei ao seu lado, te apoiando. Apoiando você e seus amigos.


Rony respirou fundo e Neville arrumou a postura na poltrona, enquanto Gina arqueou a sobrancelha. Harry apenas tocou meu braço segundos antes de Dobby se afastar de mim, parecendo ofendidíssimo.


- Do que você está falando menina?! – Disse Dobby, num tom diferente de antes, mas sem afastar minhas mãos de sobre as dele.


- Oras, da libertação dos Elfos Domésticos, é claro! – Disse eu, porque considerava uma causa nobre.


- Não queremos ser libertos! Somos Elfos Domésticos! – Ele disse, de uma forma simples – Não podemos concordar com isso! Deixaríamos de ser quem somos. Queremos ser tratados com dignidade, não queremos ser abandonados por nossos donos!


- Ah, tudo bem Dobby, mas... – Tentei me explicar sem pedir desculpas, porque apesar de ter ofendido Dobby, não queria deixá-los na condição de escravos.


- De qualquer maneira – Disse Gina, com uma voz mais suntuosa, sobrepondo a minha – O que mais disseram, Dobby?


- Bom – continuou dele, depois de manter uma distância de mim, e depois que voltei ao meu lugar – eles cogitaram sobre a libertação dos Elfos, falaram brevemente sobre um senhor chamado Riddle, e que ele estava preparado para transformar meu antigo dono em um Comensal. E isso foi tudo, porque eu derrubei um jarro de flores, mas sumi e coloquei um gato no lugar. – Comentou ele risonho, como uma criança arquiteta uma travessura.


- Seu antigo dono Dobby? – perguntou Gina, quando sentou apenas na ponta da poltrona – o Sr. Malfoy?


- Oh sim, Srta. Weasley, Lúcio Malfoy. – Dobby estremeceu um pouco, depois de voltar-se para a mesinha com as louças e recolhê-las de novo – o Sr. Dumbledore disse que ele era o último que faltava para que deixasse a história se repetir. E disse também que faltava a última peça do nosso lado.


- Nosso lado? – Disse Harry, enfático, fazendo com que Dobby, mesmo com as louças, parasse para olhá-lo.


- Sim, o Sr. Dumbledore disse que se existem dois lados ele ficaria no que perpetuasse a existência da magia em todos os sentidos. – Dobby recolheu toda a louça numa bandeja maior que ele próprio, mas com destreza ele se movimentou para fora da salinha. Antes que ele saísse, eu ointerrompi, levantando da poltrona e ficando na passagem.


- Dobby, você não está nos contando tudo! – exclamei, me surpreendendo com tamanha audácia depois de ofender o Elfo – Eles falaram quem era Riddle? – disse eu, com cuidado para não ter ser tão áspera ao invés de mostrar minha ansiosidade.


Dobby olhou diretamente para Harry, como se pedisse permissão para falar. Harry fez que sim e Dobby abaixou a cabeça, depois olhou para a janela, talvez evitando responder a minha pergunta.


- O Sr. Dumbledore disse que um dia muitos nem sequer chamarão esse senhor pelo nome, pois terão muito medo. Disse que ele traria dor e sofrimento. Disse que na melhor das hipóteses, um Dementador traria menos tristeza que Riddle, e que agora ele apenas confundiu as histórias, mas em breve terá o que deseja, e que Slughorn fazia parte de ambas as histórias – Dobby olhou novamente para baixo. Todos ficaram em silêncio, ponderando o que aquilo significava, até que Dobby se voltou à sala e encarou cada um, inclusive a mim.


- Dobby é apenas um Elfo Doméstico, mas ele acredita no que ele é e não faria nada de mal a um bruxo que o trate com respeito. Mesmo que seja atingido por um maiorem tumultu. Você jamais perde seu caráter. Eu digo, Sr. Harry Potter, que se Riddle confundiu as histórias, ele é uma pessoa muito má, em ambos os casos. E que ainda assim eu tenho sorte.


Depois disso Dobby deixou o ar sinistro quando sumiu pela porta, levando as louças consigo.


Nós nos levantamos das poltronas (embora eu já estivesse em pé), e saímos do Canto da Fênix, segundo Rony “um refúgio brilhante de Dumbledore”. Gina me explicou que aquele lugar era diferente a cada visita, pois mudava de acordo com os interesses de Dumbledore, e só os amigos poderiam encontrá-la. Caso contrário, haveria um jardim particular apenas.


Seguimos pelas ruas, ou melhor, eu os seguia pois não conhecia o lugar. Não estava tão escuro, mas àquela hora, eu já estaria em casa no “mundo real”. No final daquela esquina, existia um beco iluminado por um poste alto, o mais alto que já tinha visto. O que parecia ser uma lâmpada se movia, revelando um buraco entre as paredes, que nos levava a centenas, talvez milhares de vassouras de todos os tipos espalhadas pelo chão, de modo organizado. Grandes, médias, de várias cores, luxuosas, outras modestas. Como observei, nenhum deles estava maravilhado como eu, ao contrário, pareciam alheios. Poderia apostar que todos estavam pensando em Riddle, e eu não me excluí. Mas ao observar aquele lugar, nada poderia me escapar.


- O que viemos fazer aqui, Gina? – Sussurrei a ela, tentando não ser desagradável.


- Vamos alugar algumas vassouras, para irmos pra casa. – Disse ela, como se fosse bem simples.


- Do que você está falando? – Eu falei, sendo educada.


- Bom, você disse que queria vir ao nosso mundo, que agora é seu. – enquanto ela falava, entregava algumas moedas para um senhor sentado, próximo a umas vassouras medianas, andando entre estas – E supondo que Dumbledore sabe o que faz, então pelo que vejo, você terá que ficar na minha casa, não acha? – ela olhou com um tom de brincadeira, mas na verdade, eu não teria mesmo outra opção, ainda que pensasse sobre os meus pais e o ataque nervoso que eles deveriam estar passando.


- Na verdade, não sei por quanto tempo devo ficar e não tenho nada aqui. No entanto, eu aceito o convite. Obrigada Gina. – Agradecendo a ela, a acompanhei até uma vassoura, que se agitou ao ouvir Gina dizer “Suba”.


Olhei em volta e vi que Rony, Harry e Neville estavam entregando moedas ao mesmo senhor que Gina havia pagado. Eles repetiram o gesto de Gina e subiram cada um em uma vassoura, gesticulando que iriam a frente.


- Gina, você poderia me dizer como guiar uma dessas? – Eu perguntei meio trêmula pelo fato de dirigir uma vassoura sozinha, seja pra onde fosse.


- Não se preocupe Hermione, você consegue. Você foi a primeira bruxa que eu vi lançar um immobilus apesar de nunca ter encostado numa varinha antes na vida! Tenho certeza que uma vassoura será a menor de suas preocupações. – Depois ela sorriu e amarrou bem firme seu casaco. – Apenas diga a uma vassoura “Suba”, e ela vai entender o movimento do seu corpo. Só me siga, não tem como errar o caminho. Eu vou a uma velocidade que você pode acompanhar.


Ela terminou de dar as instruções e um minuto depois estava no ar, esperando que eu levantasse voo. Não hesitei desta vez. Gina foi direta e aquilo não podia ser tão difícil mesmo. Na verdade, testei três vassouras, até que a última subiu com energia. Subi nela apoiando meus pés em um pequeno suporte nas suas piaçavas. Inclinei levemente para frente e levantei voo. Foi emocionante. Minhas mãos suavam a medida que eu ganhava altura e ficava nivelada com Gina. Ela sorriu e acenou para que eu a acompanhasse.


O salão das vassouras era um galpão antigo, que abrigava grandes portais nos dois lados do lugar. Era coberto por um telhando velho e escuro, que deixava o lugar com a aparência de abandonado. Quando atravessamos o portal da esquerda, o cenário mudou completamente. De repente, nos encontramos em um início de noite que soprava uma brisa gélida. Senti-me desconfortável porque minhas mãos continuavam suando, e estávamos muito longe do chão. Então as enxuguei na calça e inclinei um pouco mais para frente, alcançando Gina, lado a lado.


- Sabe, não tenho nada contra vassouras, desde que sejam apenas para limpar a casa – Gritei a Gina, e por um instante, notei que acelerávamos cada vez mais.


- O que? Limpar a casa com vassoura? Do que você está falando? – E ela riu calorosamente. Esquecendo-se talvez por um momento da conversa com Dobby. Achei melhor assim e não interrompi. Quem sabe eles usassem outras maneiras pra limpar casas, por exemplo, pateticamente recordei, as varinhas.


Nossos coques se desfizeram com o vento que congelava nossos rostos. Gina olhava para mim de vez em quando, para ter certeza que eu ainda estava lá.


Alcançamos os outros garotos depois de um tempo. Eles voavam um pouco mais alto que nós. Gina balançou a cabeça quando o coque dela se desfez em definitivo. E ela sorriu pra mim, dando uma pequena piscadela logo após olhar para cima. Não entendi muito bem aquilo, mas aproveitei o vento que escoava por entre os fios do meu cabelo e fechei os olhos, por dois segundos apenas. Quando abri os olhos, sacudi a cabeça fazendo meu coque também desarmar completamente. Olhei para cima e percebi Rony, olhando o momento. Quando ele viu que eu percebera seu estado, virou para frente. Eu simplesmente corei. Não que desse pra perceber, considerando que já estava quase escuro, mas sorri involuntariamente a tudo isso. Fingi que não aconteceu nada, ao contrário de Gina, que se chegou a Harry e ambos olharam pra mim.


Depois do que previ ser quase uma hora, chegamos em um campo gigantesco. Era acompanhado de um pequeno lago, e havia uma casa entre dois montes, e ainda um alto catavento.


Descemos das vassouras e tive o cuidado de ficar entre Neville e Gina, protegida do ameaçador Harry e do confuso Rony.


Conforme me aproximava daquela casa, percebi que ela não era minúscula. Ao contrário, era bem larga, como um hotel na horizontal. Era um local agradável, e tinha cheiro de erva-doce, cheiro insubstituível para mim. Tinha conquistado um espaço especial no meu coração.


Gina sorriu, apressando-se com os garotos, que seguiam a frente.


- Bem-vinda a minha casa, Hermione. – disse Gina, estendendo os braços.


- Você quis dizer nossa casa, Gina! – corrigiu-a Rony


Ela somente revirou os olhos.


- Ah, obrigada Gina, e Rony – acrescentei, meio insolente. Infelizmente sou assim, sem querer, no primeiro instante. Mas prometi a mim mesma ser menos arrogante, considerando que estava “de favor” naquele mundo.


- O que vocês estão fazendo aqui n’A Toca a essa hora?! Deveriam ter chegado muito mais cedo!


Os garotos pararam de andar, e colocaram a mão nos bolsos, desviando o olhar. Uma senhora ruiva e baixa estava com as mãos na cintura, e parara na porta, batendo o pé para a turma que havia chegado. Gina empurrou Rony e se adiantou, explicando a mãe rapidamente, e com meias mentiras e meias verdades, sobre como me conheceram e como haviam perdido a cerimônia de seleção, em Hogwarts.


A Sra. Weasley era amável e muito doce. Ofereceu uma enorme xícara de chá a mim antes mesmo que me sentasse a mesa. A casa estava barulhenta, em todos os aspectos. A chaleira, os pássaros no batente da janela da sala, pessoas conversando em outros cômodos, panelas se lavando (literalmente) na pia. Tudo era incomum para mim, mas achei tão interessante observar aquilo que puxei uma cadeira próxima, tomei um gole de chá e sentei.


Juro que não percebi Rony sentado ao meu lado. A mesa era retangular, e apertada para o tamanho das cadeiras. Portanto meus dedos encostaram nos dedos de Rony quando puxei minha cadeira para mais perto da mesa. Eu me lembro de sentir um ardido no local em que entramos em contato. Depois não senti mais nada, porque minha mão ficou dormente após aquele momento.

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