Quase Beijo



Escorregamos em disparada por entre galhos que cortavam antebraços, bochechas e tudo que fosse desprotegido. Gritei por auxílio e apenas uma voz respondeu. Era Rony, que buscava tanto quanto eu algum lugar para se segurar, contando que estávamos em queda do alto de uma árvore onde vários galhos arranhavam nossas costas. Estava tudo realmente iluminado por um sol alaranjado quando batemos de qualquer jeito em um tronco imenso. Levantei daquele gramado úmido arqueando o braço direito. Certifiquei-me de que estava inteira.


Um susto maior me trouxe a outra realidade. Era um vale muito declinado em direção a um lago.


- Mas o que...?


- Onde nós estamos? – Eu disse, querendo crer que ele pudesse dizer exatamente onde estávamos.


- Estamos... Estamos em Lake Louise. Mas... por que? Por que aparatar nesse lugar? Caramba! – Rony exclamou. Mais para si do que para mim. Fiquei aturdida por estar em outro lugar já que não conhecia nem o primeiro universo. Pelo que via, ele também ficou, considerando que andava rápido e punha as mãos na cabeça tentando entender a situação. Fiquei como uma boboca esperando por uma resposta que nem tinha uma pergunta pronta.


Eu me perdi um pouco do conflito do rapaz e olhei para frente, tirando um a terra da minha roupa. Coloquei as mãos na cintura e finalmente esqueci-me do que estava acontecendo. Ignorei não saber onde estava, com quem estava, a preocupação com meus pais, com meu futuro. Apertei os olhos e admirei aquele lindo lugar.


Era uma paisagem de tirar o fôlego.


- Ahn, Rony, me perdoe tirá-lo de seu conflito interno. Eu penso que você conhece esse lugar mas francamente eu não sei onde é Lake Louise – Tentei iniciar uma conversa que talvez nunca aconteceria em outras realidades.


- Si... Sim. Eu conheço esse lugar, mas nunca o visitei realmente. Eu apenas o admirei por uma foto trouxa e imaginei que um dia eu viria visitá-lo... – Ele falou tudo muito ligeiro e com um tom agudo muito esquisito do que a voz dele tinha antes. Pela primeira vez olhou para mim e tentou transmitir conforto – Perdão Hermione, essa é a paisagem exata que estava lá na foto. Eu apenas... Droga! – Ele falava por meias palavras e que não faziam sentido completo. Mas conhecendo um pouco do temperamento dele, preferi não perguntar mais nada.


- Bem, eu acho que aparatei – Ele concluiu. Inexplicavelmente, meu estômago embrulhou e minha respiração aumentou bastante. Agora eu sabia exatamente o que era aparatar.


 


- Você o-quê?! – Perguntei (gritei) mais irritada de que todos os momentos da vida na qual me lembro – Você aparatou? Aparatou?! Para um lugar que você só viu em foto?! E por quê diabos você me trouxe?! Você não se dá conta da situação em que estamos e resolve dar um passeiozinho na praia?! – Apontei o indicador, tão furiosa quanto pude, em direção a ele.


- Escuta aqui sua irritante, eu não fiz de propósito! – Ele respondeu, colocando a mão na cintura, encabulado.


- Eu não passei por um debate pessoal e visões horríveis para vir tirar umas férias com você que desde quando me viu tem sido o mais desagradável das companhias! – Disse, infelizmente de modo insolente.


- E eu não pedi para você nos acompanhar, foi Gina quem deixou você vir e foi Dumbledore que nos avisou sobre você! Ele me disse, em particular inclusive, que você seria um pesadelo para mim. Tentei ser positivo. Mas Dumbledore sempre está certo! – Ele cuspiu a resposta, sem nem medir o que dizia – Espero que você encontre logo seu rumo porque todos sentem que você é especial, mas eu só sinto uma antipatia muito grande pela sua pessoa, Hermione Granger! – Ele se virou e chutou uma pedra tão longe quanto pode.


Eu sorri num ínfimo segundo de sarcasmo enquanto ele dava alguns passos para longe. Antes que ele se distanciasse, a energia da tréplica me apossou de tal maneira que meus batimentos aceleraram. Antes de pensar no que deveria fazer eu já estava tripudiando em plenos pulmões.


- Francamente é uma feliz coincidência da vida, Rony Wesley, que em qualquer realidade eu desejo menos sua companhia. Espero que meu rumo seja suficientemente longe da sua sábia perspicácia que nos trouxe para um lugar que você viu numa foto trouxa. Você merece meus parabéns por tanta sabedoria – Falei tão arrogante quanto pude, sentindo minha garganta esquentar a cada palavra.


Ele se virou, furioso e vermelho. Achei que iria ser enfeitiçada, mas foi estranho como ele se comportou. Penso que ele estava com muita vergonha da situação para dizer alguma coisa. Ao invés, ele se aproximou para falar baixo.


- E toda a sua inteligência te levou a conhecer pessoas inestimáveis e agora está num lugar lindo que você é incapaz de admirar porque você não é nada mais que uma inconveniente. Eu prometi a mim mesmo que traria aqui alguém extremamente especial para mim, mas como a coincidência da vida não foi justa eu faria questão de te deixar aqui sozinha até que percebesse de que lado você está. Por alguma razão alguém acha que você é importante na história da humanidade. Eu sinceramente espero que seja, porque na minha sábia perspicácia, você é um pesadelo.


Antes que eu pensasse em algo ele segurou na minha mão. No outro minuto, estávamos novamente na sala de entrada d’A Toca. Harry e Neville estavam sentados na mesa, com canecas fumegantes. Sobressaltaram-se quando nos viram reaparecer. Olhei em volta e pouco a pouco a luz ambiente e o barulho voltaram rápido enquanto minhas pupilas contraíram.


- Onde vocês estavam? – Perguntou Harry confuso, olhando de um para outro.


- Aparentemente tendo pesadelos em Lake Louise, Harry – Respondi antes de Rony.


Este ficou embaraçado e de novo vermelho. Perguntei-me se ele conseguia ser mais discreto em relação ao que sentia na hora, a fim de passar menos vergonha quando sentisse vontade de dizer o que pensa sem precisar ficar corado toda vez em que era obviamente culpado de alguma coisa.


- Eu aparatei sem intenção, Harry. Só isso. E menor ainda foi a intenção de levar nossa tão amável convidada a um lugar desconhecido. Pensei com intensidade demais em um lugar. Foi só - Rony encerrou, pegando uma caneca grande e servindo-se de rosquinhas de um pote.


Harry olhou para Gina e Neville, convencido parcialmente da defesa do amigo. Provavelmente entendera tudo quando me ouviu dizer “Lake Louise”, e eu não. Mas a Sra. Weasley não o deixou mais confortável. Colocou as duas mãos na cintura e olhou para ele com a mesma expressão que Rony fizera para mim há pouco.


- Isso significa, senhor Ronald Weasley, que você deve pensar menos em lindas paisagens e se concentrar na nossa situação que não é das melhores, rapazinho – Ela olhou docemente para mim e tocou meu queixo, como se para provar que não era uma megera. Nunca pensaria algo assim de tal mulher. Poderia estar apenas preocupada, como de fato estava – Na próxima vez em que for dar um passeio mundo afora e nos deixar com o coração na mão, pelo menos faça isso enquanto não estivermos com problemas com esses... Comensais.


Ao mencionar o termo, Sra. Weasley (que depois insistiu que a chamasse de Molly) inquietou-se e entregou um bilhete a Harry.


- Querido, isto é para você. Dumbledore já deve saber que estão com Hermione – Ela olhou mais uma vez para mim e sorriu - Disse que poderíamos ter total confiança em você. Sorte a nossa a partir de hoje, meu bem – Completou Molly, passando pela cozinha apertada, lançando um “boa noite” por cima dos ombros.


- Isso foi estranho, não foi Rony? – Sussurrou Gina, depois que sua mãe havia deixado a cozinha.


- Sim, foi. Ela nunca mencionou Comensais na nossa frente. E nem ao menos nos mandou “ir para cama”. Muito estranho.


 


- Não só isso – Interrompeu Neville – Mas disse para confiarmos em Hermione. Talvez soubesse que nós não teríamos total confiança em você Hermione – Terminou Neville, ao mesmo tempo em que pedia desculpas.


- Não se preocupem. É compreensível que ajam assim – Rodava minha caneca de chá no próprio eixo, pensando se aquilo me levaria a respostas sobre minha identidade. Por fim, fiquei convencida de uma coisa - Quero que saibam de uma coisa, eu confio em vocês – Olhei para Rony, que mantinha os olhos na sua caneca – Em todos vocês.


Gina encolheu os olhos e deu meia volta, me tocando nos ombros e fazendo sinal para que eu dividisse o espaço na cadeira com ela.


- Harry! Vamos ver o que Dumbledore escreveu – Rony sugeriu, por cima de um grande gole de chá.


- Bom, na verdade, está endereçada a Hermione.


Meu estômago afundou e minhas mãos começavam a suar. Quando toquei o envelope, senti meu rosto esquentar. O tão esperado professor estava interessado em falar comigo sem nunca ter me visto, teoricamente. Ele sabia da minha existência e isso palpitava mais que a curiosidade expressa nos olhos dos demais.


- Ahn, bom. Não tenho nada a esconder, então lerei em voz alta – Assim colhi o pequeno envelope das mãos de Harry e destaquei um selo acobreado do papel. O mesmo papel pardo amarelado que recusara certa vez um convite especial.


Antes que pudesse começar a leitura, meus olhos leram completamente o bilhete. Passava uma mensagem mais confusa do que a situação até aquele momento. Aquilo me irritou e eu não pude conter a frustração, levantando do meu lugar, deixando Gina arqueada.


- Desculpe Gina. Aqui não diz muita coisa. Dumbledore não disse nada que eu pudesse entender realmente da razão de eu estar aqui – Disse muito inaudivelmente. Estava descontente com os acontecimentos, com a distância da minha realidade e a ausência de respostas – O que estamos fazendo? O que eu devo fazer aqui?


- Hermione – Disse Gina, entre susto e preocupação – o que Dumbledore disse no bilhete? Você pode nos dizer?


- “Use Soft Power. Scones e o tecido virgem são suficientes”. Francamente!


- Isso é tudo? – Falou Gina, também indignada. Confirmei.


- Que?! Como assim? Tivemos que usar jus obliviate na estação inteira! Perdemos a seleção de Toddy, Dumbledore está com o louco do Slughorn, estamos tendo visões e Dumbledore escolhe deixar uma mensagem maluca para Hermione?! – Rony desabafou. Terminou sua caneca de chá e levantou-se para preparar alguma coisa no fogão.


- Hermione, posso ver isso, por favor? – Disse Harry, com paciência, em relação ao bilhete.


Ao tocar no papel, percebi que as letras mudaram de forma e mudaram para endereçar a outra pessoa.


- Ahn, perdão Harry, mas esse bilhete é para Rony, apesar de ter lido com muita clareza o meu nome antes disso.


Entreguei o bilhete a Rony e este arregalou os olhos, correu para as escadas e em alguns segundos trouxe uma caixa. Quando a abriu, olhou novamente o bilhete e franziu o cenho.


- Bom, eu havia guardado isso há um tempo – Rony tirou da caixa um pedaço de tecido que continha um perfume absurdo. Era cítrico e doce, exalava na cozinha. Pude perceber que o cheiro agradava a todos, considerando suas expressões admiradas – Isso é seu, Hermione.


- O que? Meu? – Acordei daquele aroma, mesmo sabendo que aquilo nunca me pertenceu, aceitei da mão de Rony – O que eu devo fazer com isso?


- Guardar. Dumbledore escreveu isso a mim no bilhete. Diz que você vai saber o que fazer com o tecido quando chegar a hora. É uma carta enfeitiçada com recados múltiplos. Ela armazena várias mensagens e endereça a diferentes remetentes a quem lhe convir no momento. Por exemplo, agora ela está direcionada a... Neville!


- A mim?


- Sim, a não ser que você ignore o recado de Dumbledore – Disse Rony, provocativo.


- Claro que não vou recusar. Dê-me a carta.


Estendendo a mão, Neville pegou o bilhete. Enquanto lia, abaixou a cabeça e saiu da mesa, com o papel em mãos. Todos olharam para ele, mas ninguém ousou perguntar o que dizia Dumbledore. Ao invés, esperamos que Rony colocasse na mesa alguns pedaços de pães alaranjados que aceitei de boa vontade.


- Rony – retomou Gina – onde você encontrou esse tecido? É um fragmento diferente, você sabe. Ele está impregnado com Poção do Amor, você sabe não é, meu irmãozinho?


- Sim, eu sei disso Gina, minha amável irmãzinha. Eu só achei que seria importante guardar – Defendeu-se Rony, enquanto Harry mordia um pedaço de pão entre um sorriso.


- Onde você encontrou o tecido, Rony? – Perguntou novamente Harry, com a boca cheia.


- O que importa isso? – Rony disse enquanto empanturrava a boca de pão e suco, talvez como motivo para “encerrar o assunto” – Vai cuidar da sua vida Harry!


- Opa! O que está acontecendo aqui? Harry? – Gina havia entendido algo a mais na expressão dos garotos. Eu senti que Rony não queria mais falar no assunto, mas Gina o incomodava cada vez mais até que Harry não se conteve e contou o que se passara com eles, mesmo que Rony não parasse de lhe lançar olhares fulminantes.


- Rony resolveu por algum motivo impressionar uma Veela – Harry se desvencilhava dos chutes de Rony por baixo da mesa – E se empolgou um pouco demais. Encheu um casaco azul marinho de Poção do Amor e resolveu presentear uma moça chamada Gabrielle com a bela capa - Entre risadas, Harry pediu desculpas por cuspir um pedaço de pão enquanto empurrava Rony que o impedia de terminar a história - Era um casaco muito bonito, bem delicado. A Sra. Weasley o ajudou a terminar, mas claro que ela não sabia as intenções de Rony...


- Deixa eu adivinhar... – Disse Gina, com um sorriso largo no rosto – O bobão ia presentear uma Veela com um casaco encharcado de Poção do Amor e outros feitiços? – Concluiu Gina, tão casual como quem amarra seus próprios cadarços.


- Sim! Claro que a reação da moça foi pior que o presente do Rony! – Completou Harry, rindo abertamente de Rony. Este desistiu de calar Harry, e naquele instante ficou de braços cruzados em direção à pia – Não esquenta Rony, não vou dizer o que aconteceu naquele ano em Hogwarts.


- Naquele ano, meu caro – Prosseguiu Rony, sacudindo a cabeça de Harry para depois puxar uma poltrona próxima e se sentar – Não se deve deixar de lado sua tentativa bem pior que a minha. Uma palavrinha: Cho.


- É, a senhora Cho Diggory – Disse Gina, de modo áspero e sarcástico.


- Tudo bem, estamos quites. – Murmurou Harry, depois de se servir de mais pão.


- Não me leve a mal Harry, mas usar Quadribol para impressionar Cho foi a pior decisão da sua vida. Gina, lembra do feitiço do Lockhart? – Rony intercalava a história em meio a risadas, mas quanto mais prosseguia mais Harry se encolhia na sua cadeira.


- Se eu me lembro? Eu estava lá para implorar que levassem Harry a enfermaria! Ele usou braquium remendum! Foi o professor mais idiota que tivemos, aquele Gilderoy. “A celebridade é o que ela faz”. Pobre homem, foi mandado pro hospício antes de qualquer NOM – Vendo meu rosto turvo e indiferente em relação ao assunto, Gina olhou para mim e abriu um parênteses na história – Nós tínhamos um professor cara-de-pau em nosso 5º ano. Lockhart era um bruxo jovem que acabou em maus lençóis por ser perseguidor da fama. Ele foi associado a Comensáis da Morte, perseguido e torturado. – Gina fez uma pequena pausa, olhou para os demais, e como percebeu que Neville ainda não tinha voltado, continuou – Ele foi sequestrado, mas nada foi divulgado oficialmente. Disseram na escola que ele havia sido apenas afastado, mas nessa época aprendi excelentes feitiços de... – Gina ficou vermelha, mas Rony e Harry só olharam-na empolgados, permitindo que ela continuasse – Er.. Bem, eu escutei conversas. Então agora sabemos que ele ficou louco depois de ser torturado por semanas – Gina finalizou e se afastou um pouco de mim, recostando-se na cadeira que dividíamos.


- Ele foi... Torturado até que enlouquecesse? – Eu disse, sem me afastar do lugar.


- Sim, e suspeitamos que muitos dos bruxos e bruxas que quiseram se desvencilhar de Comensais sofreram o mesmo infeliz destino. Tortura e morte.


O clima se tornou frio e eu não sabia muito o que dizer e fazer. Esperei alguns segundos para retomar o assunto.


- O que são os Comensais? – Perguntei, hesitante.


- Bom, ainda não sabemos exatamente. Mas não precisamos saber tanto assim para ter a certeza de que distância é uma alternativa muito boa no caso desse grupo – Disse Neville, que ouviu o final da conversa. Ele se sentou no mesmo lugar em que havia saído e estendeu o bilhete para Gina, que aceitou o bilhete, mas o dobrou e guardou no bolso. O olhar de Neville simplesmente nos fez esquecer a expectativa de saber o que o bilhete dizia a Gina.


- Temos que ir ao Hospital St. Mungus – Disse Neville, sem levantar a cabeça da caneca fria.


- Temos que ir? Por quê? – Perguntou Harry, inclinando-se para frente de Neville, esperando algo a mais.


- Dumbledore simplesmente me disse que temos que ir. Nós cinco e... Luna – Ele acrescentou, olhando para mim como se eu houvesse perguntado. Penso que ele apenas evitou o olhar dos demais.


- O que St. Mungus tem a ver conosco? Ele nos disse o que devemos fazer? E por quê logo Luna?!


- Não, Gina. Ele não disse nada com detalhes. Mas disse que ir lá nos explicaria algumas coisas, sobre mim, sobre Harry, sobre Hermione – Neville continuou falando como se explicasse coisas para crianças de 3 anos, pausadamente – E ainda escreveu que precisamos encontrar Dobby antes do amanhecer de amanhã...


- Espere um instante – Disse Harry, erguendo-se - Dumbledore quer que saiamos de casa agora? Ao St. Mungus?


Neville fez que sim com a cabeça. Meu estômago virou. Rony ficou um pouco esverdeado e aquilo me pareceu um mau sinal.


- Desculpe, mas pelo que li certa vez – interrompi Neville – St. Mungus é uma espécie de Hospital para transtornos psiquiátricos do mundo bruxo, estou certa?


Eles me olharam por um tempo e eu sabia o que estava errado.


- É um hospital para pessoas que sofreram alguma coisa na cabeça, certo? – Depois que afirmaram, continuaram calados – Certo, então segundo Dumbledore, temos que ir lá para descobrir alguma coisa sobre nós mesmos – Neville fez que sim e depois descansou os cotovelos na mesa enquanto Harry andava pela cozinha – Me digam, há alguma chance destes recados terem sido enfeitiçados por mais alguém que não seja Dumbledore?


Gina levantou as sobrancelhas. Então soube que era um palpite plausível.


- Sim, há – Informou Rony – Mas não creio que minha mãe teria deixado algo banal passar assim por ela, quero dizer... Ela é nossa mãe. Teria cuidado fosse esse o caso – Disse ele, cutucando Gina – Vamos Gina, leia o seu recado.


- Ah, bom, certo.


Enquanto ela desdobrava o bilhete, percebi que Neville catava frutas secas de um pote, cortava alguns pães e enrolava tudo em um saquinho de pano, dando um nó forte no final, depois de murmurar algo com a varinha.


- Dumbledore me pediu para guardar chocolates no meu casaco – Falou Gina, virando o beiço para Rony.


- Okay, estamos oficialmente perdidos. Mamãe nunca vai nos deixar ir...


- A não ser, Rony, que não avisemos a ela e saiamos agora, neste exato momento – Conclui, tirando as palavras da boca de Harry, que afirmou ao tirar o bilhete das mãos de Gina, nos mostrando a caligrafia de Dumbledore que acabara de aparecer, direcionada a Harry.


- Sim, Dumbledore sabia o tempo exato que levaríamos para ler o bilhete e pediu para conduzi-los até lá agora. Vamos.


Apressado, Harry pôs o bilhete no bolso e catou uma corrente de dentro da sua camiseta. Ele me entregou a corrente tão logo distribuía as vassouras que havíamos usado para chegar à Toca. Notei que Gina, Rony e Neville estavam fora do campo de visão quando Harry me entregou a corrente. Fiquei sem entender por um instante e ousaria perguntar o que era se ele não tivesse murmurado “depois explico”.


- Você acha que ele ou alguém estará nos esperando lá, Harry? – Gina perguntou em voz baixa, já do lado de fora da casa.


- Não acredito nisso, mas algo estará nos esperando, Gina – Harry respondeu, olhando em volta.


O ar estava mais pesado. O céu mais escuro. Talvez aquele início de madrugada traduzisse o que estávamos sentindo no momento. Sem saber as pretensões de Dumbledore nos arriscaríamos em um lugar para encontrar respostas. O tempo estava louco. Começou a chover fracamente.


- Estão todos prontos? – Perguntou Harry, olhando para todos nós.


De repente, um clarão nos fez fechar os olhos. Correndo, um ponto dourado espirrava água conforme avançava em nossa direção, e por algum motivo, ninguém saiu do lugar.


Uma figura de longos cabelos dourados se aproximava, tão molhada quanto nós, em direção a vassoura de Harry. Coloquei instintivamente minha bolsa para frente e apertei os olhos para ter certeza de quem era.


- Desculpem o atraso – Disse a moça, tirando uns fios de cabelo dos olhos - Talvez eu devesse avisar os meus sobre os perigos na estrada.


Ela ofegava ao mesmo tempo que olhava para todos nós com curiosidade. Depois que entregou uma bolsinha a Gina, ela sorriu e mal se importava com a chuva que nos deixava ensopados.


- Luna, como chegou aqui? – Perguntou Neville, antes que qualquer um de nós, surpresos, pudesse perguntar.


- Você pode achar que não, Longbottom, mas Testrálios são ótimos companheiros.


Li sobre Testrálios, mas não ousei procurar onde exatamente o “companheiro” dela estava.


- Ok, vamos Luna. Suba. Creio que Dumbledore também mandou uma mensagem a você?


- Sim – Ela exclamou, se aproximando de Harry, que lhe estendia a mão para que ela se apoiasse firmemente na vassoura dele enquanto gesticulava, como se acariciasse o vento – e trouxe o que ele pediu a Gina. Espero que seja o suficiente.


- O que é, Luna? O que Dumbledore pediu que você me entregasse? – Perguntou Gina, enquanto todos nós levantávamos voo nas vassouras.


- É visgo do diabo – Disse Luna, por cima dos pingos de chuva que se intensificavam.


- O que? – Falou Rony, se aproximando de Gina, puxando-lhe a bolsinha. Gina não protestou – Você sabe que planta é essa, não é Luna? – Disse Rony, furioso.


- Sim. E é apenas um brotinho. Não faz mal a ninguém. – Falou Luna, por cima dos ombros. Seu cabelo molhado respingava mais água, por isso Neville e eu resolvemos andar lado a lado com Rony e Gina, deixando que ela e Harry conduzissem na ponta esquerda do grupo. Luna montou em algo invisível, o que a fazia ser uma figura bizarra na noite.


- Não seja ingênua Luna! – Exclamou Gina, desta vez, furiosa – Você sabe que um brotinho pode virar um desastre quando misturado a água! – Com desdém, Gina apontou a varinha para a bolsinha na mão de Rony, mas não pronunciou nada. Ela olhou para mim significativamente. Meus dedos ficaram quentes e ao mesmo tempo dormentes. Claramente, pronunciei “Impervius” quando tomei a varinha de Gina.


- Hermione... – Ouvi Gina dizer, em meio a um sorriso.


- Perdão – Comecei a olhar em volta. Estavam surpresos, mas não ameaçadores como antes – Eu só achei que isso era o certo a se fazer.


Harry me lançou um meio sorriso e balançou a cabeça quando olhou Luna, que só manteve um olhar cálido na minha direção. Rony entortou a vassoura e se direcionou ao lado de Gina, protegendo a irmã. Por sua vez, Neville ficou entre mim e Harry, sorrindo enquanto batia no bolso da calça, assegurando-se da própria varinha.


- E era a coisa certa! – Comemorou Gina, com os lábios meio arroxeados. O frio se intensificava quanto mais rápido íamos e mais forte a chuva ficava – Rony estaria destruído se aquele visgo crescesse naquela bolsa – Gina se aproximou para que só eu ouvisse - Ha! Ele deve ter odiado ser ajudado por você!


Neville sorriu e concordou com a cabeça. Olhei para Rony e este só manteve a direção, evitando qualquer resposta.


Depois de termos enfrentado o pior de uma tempestade, que nos obrigou a voar perto um do outro ao invés de uma formação em linha reta, chegamos a um campo aberto e semiárido, quase abandonado exceto por um prédio enorme próximo a árvores secas e sinistras da paisagem. Era como se aquele lugar não respirasse por um bom tempo. Como se aquela chuva não houvesse passado por lá.


Alguns animais passavam pela estrada morta, e ainda que estivesse muito escuro era perceptível que lhes restavam apenas pele e osso.


- Que lugar horrível – Sussurrei a Gina, que confirmou.


- Vamos dar a volta por aquele vale – Disse Harry ao grupo, apontando para uma cadeia de montanhas à nossa direita – Talvez isso nos evite o vento forte tão direto.


Eu estava simplesmente congelando. Meus dedos mal respondiam a vassoura e talvez eu estivesse grudada naquele pedaço de madeira há tempos sem perceber. Eu sabia que todos também estavam com frio, ninguém se mexia propriamente. Quando concordamos com Harry, ninguém falou nada porque nossos beiços batiam visivelmente.


Chegamos cada vez mais perto do vale e em determinado momento avistamos uma nuvem solitária que se expandia na nossa direção.


- Não podemos passar por ela Harry – Falou Neville, que apertava o casaco com uma mão e segurava a vassoura com a outra – É muito fria para nós agora.


- Não temos escolha agora! – Rony gritou, tentando aquecer a voz que tremia com sua mandíbula – Se desviarmos, podemos bater nas montanhas, ou pior, vamos ter que passar por fora delas. Vamos por dentro! Vou a frente.


Ninguém queria qualquer alternativa que proporcionasse mais incômodo. Rony se dispôs a entrar na espessa nuvem e nós apenas o acompanhamos, evitando qualquer conversa diante do frio.


Estávamos muito retraídos e as coisas pareceram piores conforme avançamos. As pontas da minha mão ficaram roxas de imediato. Sentia como se dezenas de agulhas arranhassem as partes descobertas do meu rosto. Meus pés ficaram dormentes. Meu rosto enrijeceu e meu fôlego se rarefez tão rápido que quase perdi a consciência.


Parei a vassoura. Abaixei a cabeça, até que pudesse sentir algum sangue voltando a circular. Não funcionou. Respirei fundo como se quisesse certificar que ainda estava viva. Não funcionou. Meus olhos rodopiavam e senti que cada segundo meu coração batia menos.


Uma mancha alta e negra se aproximava de mim e eu só queria que aquele frio acabasse. Quanto mais aquilo se aproximava, mais frio eu sentia e mais eu queria que aquilo continuasse para que o frio terminasse de uma vez.


Lembrei-me dos meus pais quando eles me ensinaram coisas simples da vida, a andar, ler, falar. Quando me disseram que tudo ficaria bem, que eu podia ser tudo o que eu quisesse. Lembrei-me dos olhos deles brilhando de orgulho quando diziam que me amavam mesmo que eu errasse. Em todas as vezes, em não precisaria provar nada a eles, porque meus pais sabiam quem eu era.


Mas de repente, pensar nessas coisas me deixou angustiada. Distante. Decepcionada. Triste. Nada mais importava. Eu não queria realmente ser qualquer coisa. Eu não desejava lutar por nada. Eu não me importava com meus pais ou com o brilho dos olhos de ninguém. Eu queria que a saudade passasse, que a dor passasse, que frio passasse. Senti preguiça de resistir. Entreguei-me.


- HERMIONE!


Foi o último som que ouvi.

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