Nada a perder



Nada a perder






Hermione olhava com um ar divertido para aquela garota vestida com todos os tons de rosa possíveis na sua frente. Minissaia justa, cabelos incrivelmente loiros e um cachorrinho poodle em um dos braços.



— Ela é adorável, não é?



Ela, que nunca tinha visto Rony tão entusiasmado com uma garota (a não ser Fleur Delacour, é claro), foi obrigada a concordar.



— Sim, adorável.



Ele nem percebeu o tom de ironia em sua voz. Coisas de Rony Weasley, pensou. Só ele mesmo para deixar Lilá Brown sair gastando metade de seu salário nas ruas do Beco Diagonal. Imagina quando se casarem, pensou novamente, deixando escapar um sorriso.



— Viu? Não disse que sair com a gente te faria bem? Vai dizer que não foi uma boa idéia eu ter te raptado daquele hospital? Já está até rindo sozinha... – Rony comentou sem tirar um olho de Lilá, que agora estava discutindo com um senhor que tentava a impedir de entrar na loja por causa do cãozinho.



— Pode deixar que eu fico com ele, Lilá – ela se adiantou pegando o poodle – Eu e Rony te esperamos na Le Doux.



— Olhe lá, hein, Hermione! Não vá roubar os dois homens da minha vida! – a loira disse entusiasmada.



Ela está mesmo comparando o cachorro com Rony?, Hermione pensou antes de responder com um sorriso amarelo.



*****




Era fim de agosto e, como de costume, as ruas do Beco estavam lotadas de crianças e adolescentes estudantes de Hogwarts. Os dois não podiam deixar de sentirem-se saudosos daquele tempo. Hermione notou um pingo de tristeza em si por não poder voltar àquela época e congelar o tempo, para reviver os melhores anos de sua vida para sempre. Porém, afastou logo esse pensamento e voltou sua mente para o assunto que tinha levado-a ali. Caminharam até o outro lado da rua e, assim que sentaram numa das mesas na calçada da doceria e fizeram os pedidos, ela foi logo falando:



— Na verdade, você ainda não teve esse gostinho de me raptar, Rony. Eu vim porque preciso mesmo falar contigo.



— Será que algum dia você vai parar com essa mania de me fazer me sentir um idiota? – ele disse, fingindo irritação.



— Um dia... Quem sabe...



Rony sorriu surpreso por sentir Mione tão diferente. Desde que Krum morrera, há dois meses, ele ainda não tinha visto-a tão animada como naquela tarde de fim de verão.



De repente, um pensamento aflito o assaltou. E se ela estivesse tramando uma revolução de elfos, ou fazer um feitiço impossível ou algo tão maluco quanto? Ele conhecia Hermione o suficiente para saber que, quando ela ficava daquele jeito, vinha bomba por aí.



— Mione... o que você quer falar comigo? – perguntou preocupado.



— Na verdade, queria falar com o Harry junto, mas como ele foi nessa missão secreta para o ministério, você se encarrega de contar a ele depois, sim? – ela disse suavemente, acariciando as orelhas de Glup, o cachorro.



— Mas contar o quê? – ele perguntou, já impaciente.



— Que eu vou fugir de casa.



Ela falou de um jeito tão indiferente que Rony se engasgou feio com o bolo de caldeirão que estava devorando.



Desentalo! – ela disse rapidamente, com a varinha apontada para a garganta dele.



— Obrigado – ele disse ainda muito vermelho pelo choque das palavras dela. – Mas que negócio é esse de fugir? Pirou? E fugir para onde, afinal?



— Costa de Perthcorr. Há um pequeno hospital lá que precisa muito de curandeiros, e decidi me inscrever. Hoje de manhã eles me enviaram uma carta, confirmando que a vaga é minha. O salário não é tão bom quanto o do St. Mungus, mas como minha intenção é...



— Fugir! – ele completou, revirando os olhos.



— Exatamente – ela concordou. – Como minha intenção é fugir, dinheiro não é tão importante.



— Mas se você vai para lá a trabalho, de onde tirou essa história de fugir? – ele perguntou nervoso.



— É porque eu não quero que meus pais saibam, Rony. Eles não me deixariam ir. Fariam chantagens para me forçar a ficar. Diriam que não estou em condições, que ainda estou muito fragilizada com o que houve, e eu não quero ouvir isso deles, sabe? Todo mundo fica querendo se meter na minha vida, dando palpites do que é melhor para mim, do que não é... E estou tão cansada disso! Como se soubessem o que estou sentindo, mas ninguém tem como saber... nem fazem idéia.



Rony engoliu em seco ao notar o tom de tristeza na voz da amiga. Ele não sabia o que dizer. Queria que Harry estivesse ali para ajudá-lo, afinal não era muito bom em consolar pessoas.



— É irônico que numa dessas de quererem dar palpites na minha vida alguém tenha falado algo realmente bom – ela continuou. – Num belo dia, Karina Tagliabue, uma colega de trabalho, chegou e disse sem que eu tivesse perguntado nada: “Hermione, por que você não faz uma viagem? Vai te fazer bem”. Bom, depois de xingá-la mentalmente por fazer questão de me lembrar que eu estava mal, comecei a pensar seriamente no assunto.



Costa de Perthcorr – Rony disse pensativo. – Não foi lá que Krum...er...



— Morreu? Desapareceu? – ela completou, percebendo o embaraço dele. – Foi.



— Nem pensar, Mione! Eu não vou ser cúmplice disso. Eu te conheço, você vai lá para investigar e vai ficar mais triste ainda, então não me ponha nisso, não mesmo!



— Ronald, dá para parar de ser tão cabeça dura e me ouvir um instante? – ela perguntou, autoritária. Ele se calou.



— Durante toda a minha vida eu estive à sombra de alguém. E é incrível que só agora eu tenha percebido isso. Na infância, era Hermione, filha dos Granger. Em Hogwarts, Granger, a garota que andava com Harry Potter e o Weasley. Na adolescência, Hermione Granger, namorada de Vítor Krum. E agora? Quem eu sou? Sinto como se não tivesse serventia para nada, como se fosse ficar conhecida para sempre como a ex-namorada daquele jogador famoso que morreu. Eu só quero me descobrir, ser realmente importante para alguém, Rony. Eu sei que você me entende porque também já se sentiu assim.



Ele permaneceu calado. Ela continuou:





— E olha só para você hoje! Auror e lutou na guerra. Super importante para a comunidade bruxa. Puxa, Rony, quando vi que ofereciam vagas em Perthcorr, me animei! Porque sei que lá serei fundamental, vou poder ajudar de verdade. Aqui sou só mais uma. Olha, fiquei sabendo que tem vários ex-combatentes da guerra por lá que precisam muito de auxílio...



— Tem muitos aqui também. Você é importante para a gente, Mione – ele disse, ainda tentando convencê-la a ficar. Porém, reconhecia aquele brilho nos olhos dela e percebeu que teria de ser mais persuasivo se quisesse demovê-la da idéia de partir.



— Aqui tem muitos bruxos tão bons ou muito melhores do que eu.Você, Harry e meus pais têm responsabilidades demais para ficarem se preocupando sempre comigo. Nós não estamos mais na escola. Eu sei que é difícil, mas é a realidade.



Ele não falou nada.



— Serão só seis meses. Depois eu volto – ela disse, meio que suplicante pela aprovação dele.



— Volta mesmo?



Ela balançou a cabeça em afirmação, um singelo sorriso se formando nos lábios.



— E o que vai dizer a seus pais? – perguntou em seguida.



— Eu não vou dizer nada. Você vai.



Ele quase se engasgou novamente.



— Ah, não! Eu não vou fazer isso! – ele exclamou, voltando ao nervoso de antes.



— Por favor, Rony! É só dizer que eu estou em uma missão secreta assim como Harry! Eles não terão como saber...



— E desde quando curandeiros têm missões secretas, Hermione? Cadê a aluna mais inteligente da sala?



— Nós sabemos que não têm, mas meus pais não! E eles não terão como saber nunca, não compreendem muito sobre esse nosso universo de magia. Me ajude, Rony, faça isso por mim.



— Fazer o quê, Hermione? – perguntou uma voz vinda acima das cabeças deles. Era Lilá com umas dez sacolas de compras nas mãos.



— Coisa sem importância – Hermione respondeu levantando-se e devolvendo o poodle à sua dona. E, virando-se novamente para Rony, completou antes de partir: – Eu vou de qualquer jeito. Você me ajudando ou não. Então torne as coisas mais fáceis e me mande uma coruja ainda hoje com sua resposta, ok? Tchau.



*****




Plataforma 9 ½, trem com destino a Perthcorr. Hermione respirou fundo, sentindo um ventinho frio despentear seus cabelos e entrou decidida no vagão.



Não havia muitas pessoas no trem. Não era muito comum os bruxos irem para lá no outono, já que o povoado se situava no litoral. Ela achou melhor assim. Paz.



Lembrando-se daquele dia no Beco Diagonal, se achou muito mandona com Rony - o coitado tinha ido buscá-la no St, Mungus e ela o tratara daquele jeito. Mas funcionou. Naquela hora ele já devia estar em sua casa conversando com seus pais. Amizade fala mais alto.



Lembrou-se também do que ele tinha dito sobre investigar. Ela até podia negar para os outros que essa era a sua intenção, mas não para si mesma. Na verdade, não se conformava muito com aquela história de corpo desaparecido. Parecia que Vítor ainda podia voltar. E enquanto ela não descobrisse que fim tivera o corpo dele, aquela idéia não sairia de sua cabeça. Que ele podia voltar.



Pensar nele como sendo somente um corpo, sem alma, sem vida, era estranho. Até porque ela ainda o sentia. Em lembranças, mas sentia.



O trem balançava. Ela dormiu.



*****




Acordou com o solavanco do trem parando. Levantou-se e bateu fortemente com a cabeça no teto. Deixou cair o malão que estava ao seu lado, espalhando roupas e livros.



— Droga! – praguejou enquanto juntava suas coisas. Desceu do vagão com a cara amarrada e a cabeça doendo.



Olhou em volta. O lugar era completamente vazio, comparado às estações de Londres. Também não havia ninguém a esperando.



Bela maneira de começar o dia, Hermione! Bom, pelo menos não dá para ficar pior, ela pensou enquanto se sentava num banco.



Mas dava.



Uma hora se passou e ninguém apareceu para buscá-la. Não havia transporte, nem ônibus, nem nada. Fazia sol. E ela teria que ir andando com uma mala enorme nas mãos e perguntando onde era o maldito hospital.



— Como faço pra chegar na Clínica Geral de Perth? – ela perguntou a uma garota que vendia bilhetes.



— É seguindo essa estrada de terra ao lado, moça. Vire à esquerda na quinta entrada. Deve ser há uns quatro quilômetros daqui.



Quatro? – repetiu assustada.



— Mais ou menos.



Hermione sentiu-se bastante tentada a comprar o bilhete para o trem de volta. Porém, segurou firme na mala e foi na direção da estrada.



Já andava há dez minutos quando uma carroça sem cavalos parou a seu lado.



— Hei, Hermione Granger? – uma voz de mulher chamou. Ela olhou para o alto, tapando o sol com as mãos para tentar enxergar.



— Sim, sou eu – respondeu.



A mulher desceu da carroça e a abraçou fortemente.



— Desculpe o atraso, mas Jane entrou em trabalho de parto e nunca se sabe quando um bebê vem, não é? – ela disse sorrindo e soltando Hermione, que se limitou a um sorriso sem-graça.



— Sou Lara Jeffords. Seja bem vinda – e a abraçou novamente.



Hermione, a princípio, se assustou com aquela recepção tão calorosa, mas depois achou que ali aquilo devia ser uma coisa normal e boa.



Olhou em volta enquanto subia na carroça e não viu nenhuma pessoa sequer. Era tudo muito calmo. Calmo demais para o seu gosto. Se perguntou se não sentiria falta de todo o movimento de Londres. Talvez não valesse a pena ter ido.



Mas isso ela descobriria em breve. Afinal, não tinha nada a perder.





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