Fantasmas - parte I



Fantasmas


(parte I)




- Oi florr.

De repente, ele estava brincando com a barra de sua manga, os dedos roçando levemente em seu pulso. Ela estremeceu. Ele riu.

- Frrrio, florr?

- Você sabe que não – ela murmurou suave, sentindo agora seu pulso dolorido – e meu nome não é flor, quantas vezes eu preciso repetir?

- É carrrinhoso, florr – ele sibilou subindo a mão por seu braço. Foi como se a temperatura subisse alguns graus.

- É brega – declarou divertida.

- Mas focê gosta.

Ela deixou o sorriso escapar. Silêncio. Os dedos dele brincando em sua nuca. Ela quis dizer alguma coisa. Depois, decidiu ficar calada. Quis tocá-lo, mesmo sem saber como.

Os pulmões lhe doíam. Decerto por causa do ar – de tão puro que era. Seus pelos arrepiaram, culpa da brisa. O cheiro da maresia a impedia de respirar normalmente. Seus olhos umedeceram e ela ficou na dúvida se era mesmo por causa do sol.

Olhou em volta. A carroça agora ia por uma estradinha junto à praia e o vento era tão forte que seu penteado não resistiu. Hermione não se importava. Ela agora olhava fixamente para o mar. Suas ondas eram bem altas e ela se pegou contando o número de vezes que elas lambiam a areia, por vezes fazendo força para repetir os números em pensamento, como se quisesse preencher seu cérebro com aquela conta sem nexo.

Os dedos agora descreviam círculos imperfeitos em seu ombro.

- Eu te amo – ele sussurrou tão baixo.

Tão baixo...

- Vitor... – Hermione murmurou ainda olhando para o mar – eu não estou falando contigo. Você está morto. Eu estou falando comigo mesma.

E então, ele se foi.


*****



- Quem te ensinou esse feitiço?

Draco sobressaltou-se ao ouvir a voz grave de Lucio Malfoy ecoar por seu quarto. Estava perdido. Ele o tinha visto praticar seu patrono. Voltou-se devagar na direção do pai tentando conservar a altivez do olhar, apesar do enorme medo que sentia.

- Foi o Prof.º Snape.

- Quer dizer que você está tendo aulas particulares com Snape agora? – perguntou num tom irônico.

- Sim, eu estou – respondeu firmemente, sem se deixar intimidar pelo olhar inquisidor do pai.

- Pois pare com elas. Não o quero mais com aquele traidor.

- Eu não vou parar.

- Você vai fazer o que mando – ele disse num tom ameaçador, quase encostando o dedo na cara de Draco.

Ele sentiu seu sangue ferver. Não suportava mais agüentar olhar na cara daquele hipócrita, quanto mais ouvir seus sermões de “pai preocupado”.

- Não vou – rebateu com menosprezo, o ódio lhe trazendo a audácia que nunca teve para responder seu pai.

- Está me desafiando, garoto?

- O que você acha?

- Repita o que disse.

- O que você ach-

Mas ele não pôde terminar a frase, pois tinha sido atingido por um crucio. A dor lancinante o fez ir ao chão imediatamente. Era horrível, como se rasgassem sua pele, mil feridas se abrindo num segundo. Então, rapidamente, do mesmo modo que surgiu, a tortura cessou. Ele olhou para cima, ainda muito fraco para se levantar e viu que seu pai passava as mãos pelo rosto desesperadamente. Uma fúria desmedida o invadiu.

- Agora você chora, sua besta?

- Isso foi para o seu bem, filho.

- EU NÃO SOU SEU FILHO!

- Me respeite, Draco.

- Um assassino de mulheres não merece respeito. Você a matou e agora quer me matar também? – exclamou levantando-se com dificuldade.

- Escuta aqui, seu fedelho...

- QUER SABER? – ele o interrompeu, consternado. Sentiu vontade de gritar, de despejar todo aquele ódio com palavras. Sentiu vontade de amaldiçoá-lo também. Se pegou calculando as chances que teria caso iniciasse um duelo com o pai. E então se sentiu subitamente cansado. A dor da maldição imperdoável havia voltado, seus músculos estavam bastante doloridos. Um miserável, isso que ele era. E como o covarde que sempre foi, ele fugiu.

“Estou indo” – completou sem emoção. Levava somente a varinha, a roupa do corpo e um rancor profundo, quando cruzou pela última vez os portões de sua casa. Ao longe, ainda podia ouvir os gritos desesperados de Lucio Malfoy:

- Draco, volte aqui! VOLTE JÁ AQUI!




O quarto branco-encardido e o banheiro eram os únicos cômodos da diminuta casa. O lugar estava uma completa bagunça. Roupas sujas jogadas numa cadeira, uma pilha de papéis tomando espaço no sofá e a estante abarrotada de quinquilharias esquisitas. Deitado na cama de solteiro dormia um jovem de seus 20 e poucos anos, alto e bonito. Os cabelos muito loiros em desalinho lhe caíam sobre a face de feições finas, assim como o sol forte de meio-dia, que entrava pela janela. Algumas cicatrizes e machucados recentes podiam ser vistos em seu tórax desnudo. Porém nada parecia ser mais doloroso do que o sonho que ele estava tendo.

Draco Malfoy acordou assustado pelo pesadelo. Seu rosto se transfigurou numa expressão de raiva e ele puxou a cortina com força. Ela desmontou em cima dele.

- Ótimo! – ele exclamou com um sorriso irônico, embolando a cortina de qualquer jeito e a jogando num canto.

Ainda zonzo, foi cambaleando até o sofá. A pilha de papéis estava enorme e ele lembrou que já podia jogar alguns no lixo. Sentando no chão, pegou um grande pedaço de pergaminho rabiscado, e alcançando a pena escreveu rapidamente:

-> Um patrono. Tem forma de hipógrafo (que horror), mas deve servir.
-> Praticar a ‘cruciatus’. Ela é realmente boa.
-> Esqueça Lucio. Ele já está morto.
-> COMPRE UMA PENSEIRA.


Com uma expressão de nojo, devolveu o pergaminho à pilha. As imagens do sonho ainda vinham a sua cabeça. O passado era um fantasma em sua vida. Um incômodo bicho papão, sempre presente.

Mas isso estava prestes a mudar.


*****


Lara examinava a mais nova moradora da cidade com grande interesse. Uma figura curiosa a tal Hermione. Se fosse ela em seu lugar, já estaria perguntando sobre tudo e todos, sobre o funcionamento do hospital, trocando idéias ou mesmo jogando conversa fora. Porém, a mulher só sabia olhar o mar com um ar vago e melancólico. Era frustrante, porque tinha imaginado uma pessoa bacana, e ela estava mais para séria e muito chata. Por outro lado, até que era bom, pois assim podia observá-la mais livremente.

Não era comum aparecerem pessoas novas em Perthcorr. Um vilarejo totalmente bruxo, sem grandes atrativos. Durante o verão havia algum movimento por causa da praia e das férias escolares, mas bastava o outono chegar para sumirem todos. Então, só restavam as mesmas caras de sempre, pessoas simples e sem muito dinheiro. Viviam da mina local ou trabalhavam na fabrica de caldeirões. A maior parte dos jovens ia embora ganhar a vida em Londres após terminarem a escola, mas ela decidira ficar. Seu velho pai já não dava conta de cuidar de um hospital sozinho. Porém bastou começar o trabalho na clinica, para perceber que somente ela, o pai e Ariel não eram suficientes. Precisavam de mais alguém. E foi aí que apareceu Hermione Granger.

Toda vestida de preto, salto alto, calça e blusa de manga, ela não parecia sentir calor. O cabelo castanho despenteado era a única coisa que destoava do seu visual. “Mesmo assim é a pessoa mais elegante que já vi por essas bandas” – pensou Lara – “Tomara que não fuja correndo ao ver a casa!”

- Estamos quase chegando – ela disse. Hermione abriu um breve sorriso amarelo em resposta, saindo de seu devaneio.

A morena ainda pensava no ex-namorado para variar. Pensava na forma estranha que se sentia. Triste, mas não prostrada. Resignada, mas não totalmente conformada. Decidida, mas com medo. Medo de perceber que toda aquela palhaçada de praticamente fugir das pessoas que a amavam não desse em nada. Porque enquanto uma vozinha em sua cabeça dizia: ”Ele está morto, supere isso”, outra vinha mais forte retrucava: “Você precisa ter certeza”

E ela precisava.

Porque sabia que essa era uma daquelas coisas que se você não faz, se você não vai fundo, se apenas deixa pra lá, você se arrepende pelo resto da vida.

Ela não era do tipo de pessoa que deixava pra lá. Era do tipo que corria para o olho da tempestade sem hesitar se soubesse que as respostas estavam ali.

As respostas...

Pela primeira vez durante a viagem de carroça, Hermione fitou Lara Jeffords com interesse. A curandeira devia ter seus trinta e poucos anos, mas seu jeito era de uma menina de dezesseis, risonha e inquieta. O cabelo era curto, loiro bem aparado rente à nuca. Era alta e corpulenta, características acentuadas pelas suas vestes brancas. Seus óculos escorregavam pelo nariz bronzeado e sardento a todo instante.

Ela percebeu seu olhar e lhe lançou um largo sorriso.

- Sempre quis conhecer Londres – a loira começou num tom baixo, como se pedisse desculpas – Você acredita que nem à Hogwarts eu fui? Educada em casa, sabe? Muita gente aqui não tem dinheiro para freqüentar uma escola boa. Tive sorte, pois meu pai é curandeiro também. A maioria não tem boa educação... Não a que você certamente tem.

Sem saber o que dizer, Hermione baixou os olhos sentindo-se um tanto envergonhada. A loira sorriu novamente e Hermione pensou em todas as perguntas que faria assim que tivesse a chance. Talvez ela estivesse errada, mas a mulher tinha jeito de que não guardava segredos. Pensou também que precisava se acostumar com a idéia de chamar a mais nova colega pelo primeiro nome. Ela já dera provas de que lá eles não deviam ser tão formais, como no St. Mungus.

- Ainda não entendi o que você veio fazer aqui! Logo aqui! – Lara continuou, enquanto fazia uma curva.

- Eu sei. O menor vilarejo bruxo da Grã-Bretanha – Hermione disse com um pequeno sorriso nos lábios.

- Não. Está mais para o fim do mundo mesmo – as duas riram. E então, Lara a olhou com certo receio – Eu falo sério Hermione. É outro tipo de pessoa. Gente simples mesmo, que trabalha na mina ou em casa...

- Eu não me importo com isso – a interrompeu – Não vou desistir do emprego. – afirmou.

E era verdade.

*****


Durante a primeira guerra, o velho fora condenado à prisão perpétua em Azkaban sob a acusação de Comensal da Morte. Meses depois, em novo julgamento, ele foi inocentado. A maldição Imperius, era o que todos diziam, mas no caso de Norman Arawak, parecia ser a verdade. Afinal, o velho não era um zé-ninguém. Ele chefiava a seção “Investigações” no Departamento de Mistérios.

Até aí, nada de interessante.

Muitos anos se passaram e veio a segunda guerra. E foi aí que as coisas ficaram estranhas.

O velho falou demais. Talvez por isso tenha sido rebaixado de cargo.

E por isso, ele foi atrás dele.


Tentando parecer interessado, sentou-se à mesa do bar.

- Agradeço o senhor ter aceitado...

- Nada de formalidades rapaz. Eu não tenho muito tempo – o velho o interrompeu.

Norman Arawak devia estar pelos 150 anos. Estava sentado, mas parecia ser mais baixo, por causa das costas curvadas. Suas vestes eram elegantes demais para seu simples trabalho e Draco Malfoy achou que sua pele negra contrastando com a barba branca lhe dava uma aparência fantástica. Depois percebeu que talvez fosse pelos olhos vidrados.

Sem atinar o porque, ele sentiu-se incomodado com o olhar do velho. Descobriu que não sabia como começar. Há muito tempo não conversava civilizadamente com alguém. Correu os olhos pelo bar, procurando um garçom. O Caldeirão Furado estava vazio naquela noite.

- Eu estou errado ou não acabei de dizer que não tenho muito tempo? Se você veio aqui para olhar a paisagem, garoto, eu já estou indo embora – ele disse num tom aborrecido.

- Estou errado ou o seu trabalho registrando novas profecias não toma tempo algum? – Draco rebateu, mexendo-se inquieto na cadeira.

- Você é muito velho para ser colegial, rapaz.

- E você é muito velho para trabalhar, mas quem está contando?

- A carta dizia que seria uma entrevista para um trabalho de escola...

- Bem, eu consegui, não é mesmo? Você está aqui, vovô, e agora não vai a lugar algum – ele disse encostando sua varinha na barriga do velho, por debaixo da mesa. Ele havia pedido aquilo. Draco tentara ser amigável no começo, mas se o velho gostava o jeito difícil, ah, ele gostava ainda mais.

- Não tenho nada a perder, rapaz. Não tenho família, nem lar pra voltar.

- Coincidência, eu também. Mas hoje, vim falar de outra coisa que nós temos em comum. O motivo pelo qual o senhor foi demitido.

Arawak sorriu.

- Não fui demitido. Eu saí.

- Mais uma mentira e eu estouro sua barriga – o sorriso do velho aumentou – Vamos tentar novamente. Eu quero saber sobre as mortes durante a guerra que segundo o senhor, não foram totalmente esclarecidas. Eu quero os nomes. Quero o relatório que o senhor disse possuir a cinco meses atrás.

O velho balançou a cabeça.

- Receio que não possa te ajudar muito. Você não pode pedir que eu te faça entender uma instituição tão complexa quanto o Ministério da Magia. Se uma pessoa morre e nós temos condições de investigar, nós realmente o fazemos, meu rapaz. Mas algumas mortes parecem que foram planejadas para não deixarem rastros. Ou quase nenhum...

- Eu sei que isso te parece tão errado quanto a mim. Pessoas importantes morreram. Vitor Krum morreu...

- Ele foi morto por um Comensal – Arawak o cortou.

- Nós dois sabemos que essa não é toda a verdade.

O velho agora se mostrava bastante interessado com os rumos da conversa. Pareceu até se esquecer da varinha em sua barriga quando se inclinou mais para frente.

- É eu sei. E por isso perdi meu emprego.

- Então o senhor tem alguma teoria? – Draco perguntou, deixando o sarcasmo de lado.

- Não.

- Nem mesmo ouviu algo sobre...

- Não. Nem poderia.

- Droga, vovô – ele começou numa voz arrastada, tentando soar ameaçador – Ou você me passa o tal relatório, ou...

- Não há relatório. Não mais. E como você mesmo faz questão de lembrar, eu sou um homem velho. Esqueço as coisas com facilidade.

Draco apertou ainda mais a varinha contra ele. Este por sua vez, voltou a falar, num fio de voz.

- Você sabe o que é um voto perpétuo rapaz? Você não vai conseguir arrancar nada de mim, não importa qual tortura decida usar. Agora, se você for um pouco mais educado e respeitoso com os mais velhos, talvez possa te ajudar – ele deu uma olhada rápida no relógio de bolso – Então? – continuou – sua mãe te ensinou a dizer por favor?

Draco rolou os olhos e bufou. Sem conseguir olhar nos olhos do velho, cuspiu um “Por favor” muito a contragosto.

- As mortes têm algo em comum. Um lugar. Perthcorr – Arawak disse num sussurro. Draco o olhou com desconfiança – Sabe... – ele continuou – Narcisa Malfoy esteve lá um pouco antes de se matar.

Draco o encarou tentando disfarçar o quanto estava assustado. E surpreso.

- Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, rapaz. A sorte também não bate duas vezes na sua porta. Eu não sei exatamente o que está pensando, mas aconselharia cuidado.

Agora ele realmente estava assustado. Seria o velho um legilimente? Ele não parecia apenas saber sua identidade como também sabia que ele já estivera no pequeno vilarejo.

- Eu não estou pensando em nada – ele respondeu tentando realmente fechar e limpar a cabeça.

- Oh, eu sei que você está – Norman Arawak disse com um sorrisinho antes de se levantar – Mas isso não é da minha conta.


N/A: Brigada pelos coments, galera. Mas me falem o que vcs estão achando da fic! Eu dividi o capt em dois porque senão ia ficar imenso. Bjão, Ju

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