Capítulo II



 Lembro-me como se eu ainda fosse jovem dos dias de solidão naquela grande casa. Mas eram doces tempos.


 Era de costume eu me levantar e, com auxílio do elfo doméstico, me banhar e pôr as vestes. Tomava meu café da manhã sozinho, pois meu pai sai para trabalhar muito cedo e minha mãe mantinha-se ocupada com reuniões e preparando lições. Era uma casa muito grande, era como se eu morasse sozinho e minhas únicas companhias eram os elfos. Estes por sua vez nunca faziam mais do que lhe era ordenado, pois eram proibidos de manter contatos mais próximos comigo. Eu conversava comigo mesmo através de espelhos e passava a maior parte do tempo lendo livros que me eram entregues. Só fui conhecer histórias infantis quando já estava abandonando a infância – se um dia eu a tive – pois os livros que lia eram todos sobre história da magia e outras disciplinas. Meus pais me queriam bem preparado, mas deixavam para os elfos está tarefa.


 Parecerão ridículos os próximos depoimentos que darei, mas vale lembrar que era ainda uma criança, mas tudo começou aí. Eu criei um amigo imaginário. O impressionante é que os amigos imaginários no geral não são vistos de fato nem por nós mesmos, mas mentalmente sabemos o que fazem, vestem e falam. É uma questão para outros temas. O importante é ressaltar que não pode ser muito saudável permanecer vinte minutos exatos fora de casa para pegar sol, passar o dia lendo e conversando consigo mesmo e criar um amigo imaginário.


 Os primeiros dias sendo amigo daquela criatura fruto da minha imaginação foram extremamente bons. Eu passei a ler menos e a explorar mais a minha casa, que como já disse, era muito grande e antiga, passada de geração em geração. Foi nessa época que reconheci a magia fora dos livros.


 ‘Se eu fosse um aborto – pensava – meus pais já teriam me abandonado.’ Eles sempre diziam, quando eu os encontrava, que certa vez me movimentei muito nos braços de um dos elfos domésticos da casa que era muito pequeno, por um descuido caí de seus braços e todos gritaram. Para espanto dos presentes eu flutuei suavemente até o chão.


 Eu sempre desconfiei que isso fosse mentira porque eu nunca tinha permissão para nada, nem para confraternizar em encontros de família. Um dia, porém, em minhas andanças com meu amigo imaginário encontrei uma grande porta velha de carvalho muito discreta a um canto que conduzia a um corredor. No fim do corredor havia uma escada para baixo que eu segui prontamente ao passo de meu amigo. Ao fim da escada eu parecia estar numa outra casa subterrânea tão grande quanto a minha própria que estava logo acima. Andando pelo local sem enxergar quase nada pude distinguir um piano empoeirado e ao lado percebi uma estrada para uma sala circular que se revelou uma interessante biblioteca.


 Ao passo que andava falava ao meu amigo, ou a mim mesmo se assim preferir, que o local era fantástico e intrigante. Meu tom sempre de explorador experiente – coisa de criança. Escutei um baralho estridente. Surdo. Uma tecla de piano soou uma nota grave. Parece tão comum esse tipo de coisa que os medos relacionados a isto somem, mas experimente passar por isso para saber a sensação. Tudo parecia ter ficado mais escuro e eu, eufórico e temeroso, esfregava os olhos na procura pra enxergar. Quando abri os olhos comecei a ver algo se materializar no lugar do meu amigo imaginário. Ele estava ganhando forma nítida e isso me assustou em demasia. O pior não foi isso. A criatura se aproximou de mim e sem movimento algum de sua parte eu disparei contra a parede e cai ao chão. O meu suposto amigo seguiu para o local de minha queda e começou a me agredir com tanta intensidade que eu, não acostumado a ser tocado, deixei o medo de lado e apenas gritei de ódio e dor. Foi ai que vi todas as luzes da casa subterrânea oscilarem na medida das vibrações de minhas cordas vocais. Era maciça a sensação de poder, mas eu não podia conter.


 Durante o período de minha explosão só consigo recordar dos barulhos das portas sendo agredidas como se multidões estivessem presas por elas. A criatura que me ofendia fisicamente olhou para os lados e correu, parecia ter algo mais importante para fazer. Eu corri o máximo que pude na mesma direção.


 Era tarde, eu havia sido lento. Mas o que poderia fazer? Um bruxo recém descoberto sem controle da própria magia. Uma criança! O que poderia ter feito para salvar meus pais? A única coisa que eu poderia fazer naquele momento era olhar seus corpos sem vida suspensos por algo invisível, um feitiço talvez. Os elfos da casa me cercavam com as mãos apontadas para todas as direções enquanto um correu para os jardins e aparatou.


 Eu não chorei. Permaneci imóvel e protegido pelo círculo formado pelos elfos até que o outro voltasse com uma possível resposta daquilo que levou quando aparatou. Isso demorou trinta e um minutos, aproximadamente. Depois disso só me lembro de ter sido sugado por algo muito forte. Desmaiei. Acordei em uma casa diferente, mas vívida, os elfos comigo. Mas ainda estava sozinho.

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