De Novas Relações



E mais uma vez a semana recomeçava rotineiramente. À hora do almoço, Snape sentou-se ao lado da professora Lunare e, para a surpresa dela, falou-lhe:

- Senhorita Lunare, por favor, me desculpe pela falta de polidez no sábado. Tive uma questão muito séria a resolver, você sabe, papéis e burocracia. Sinto muito por avisá-la tão tardiamente, mas o compromisso surgiu de última hora. Por favor, permita-me levá-la um outro dia que lhe agrade...

- Ah, esqueça esse episódio... Como eu havia lhe dito foi um grande engano Dumbledore ter se incomodado com isso... - a professora ainda estava ressentida com o ocorrido, achando-se um grande fardo para as pessoas ao seu redor.

Ao ouvir as palavras dela, Snape deu um quase imperceptível sorriso.

- Dumbledore não costuma se enganar assim facilmente. Você é jovem, mas ainda vai perceber que as pessoas ganham sabedoria conforme envelhecem... O nosso diretor é um homem sábio e se me permite, eu digo que você deveria aceitar os conselhos dele.

- Bem, eu sei como é isso, tive em minha avó uma mãe e só eu sei como ela era sábia. Tenho muito respeito por esse conhecimento que só a vivência traz. Alguma vez ouvi uma metáfora simplista que comparava com os bons vinhos... De certa forma, é uma grande verdade. - dizia ela, ainda um tanto tímida.

Ele olhou-a curioso e respondeu:

- Sim... Também conheço essa metáfora e acho-a bem... adequada. Os vinhos e as poções em geral são assim mesmo, vão melhorando com o tempo. Requerem paciência, perseverança, observação e...

- Um certo feeling para saber quando agir. É o que eu costumo chamar de intuição... Oh, me desculpe, tenho mania de completar frases alheias! - Ela deu um risinho encabulado e corou fortemente.

- Que... interessante. Era exatamente o que eu ia dizer.

- Às vezes eu pego as coisas no ar!

Sem perceber, a jovem professora já aumentara o tom de voz e não havia mais hesitação em seu falar, sorria espontaneamente e, intimamente, estava apreciando aquele breve diálogo. Severus Snape já não lhe parecia tão desagradável e ela se sentia feliz por ter conseguido conversar com alguém de maneira natural, algo que não fosse o meramente necessário.

Ele deu um pequeno sorriso e continuou:

- Mas... voltando ao assunto, é uma questão de honra cumprir o que se promete. Eu assegurei-lhe que a levaria a Hogsmeade, não? E não só à você fiz essa promessa, mas também a Dumbledore. Permita-me que a cumpra.

- Só se o senhor me assegurar que não será incômodo.

- Certamente que não.

- Então eu agradeço sua disposição...

- No próximo sábado?

- Sim. Mesmo horário, tudo bem?

- Certo. Oh, já ia me esquecendo! Parabéns pela boa repercussão de suas aulas.

E mais uma vez a professora corou mediante o elogio.

- Obrigada. Ainda tenho muito que aprender... Ah! - Ela levou a mão à testa, tendo lembrado algo importante - Por falar em aprender, bem, será que posso pedir mais um favor? Tenho um caderno de receitas de poções que meus pais criaram, mas ele foi atacado por traças e perdi partes de algumas receitas... Sinto muito por incomodá-lo com isso também, mas, bem, acho que é caso para um especilista... Será que o senhor poderia me ajudar a recuperar as informações perdidas, se é que há possibilidade?

- Claro! Seus pais trabalhavam com poções?

- Sim, eles tinham uma loja...

- Será um prazer ajudá-la! Trabalho em minha sala depois das oito todos os dias, se quiser, pode vir nesse horário ou se preferir outro...

- Não, absolutamente! Irei depois das oito. Pode ser hoje?

- Sim, estarei esperando pela senhorita.



Severus passara todo o fim de semana com seu filho. Durante o sábado, fora com ele até o orfanato para acertar a papelada do garoto. Allard estava exultante e passara horas a fio conversando e perguntando muitas coisas. "Ele nunca vai saber..." - pensava Snape - "Já não bastou ter que agüentar a sua própria história. Filho de um Comensal... Isso seria demais para ele, ainda mais tendo convivido com todas aquelas crianças que perderam parentes por nossa causa. Já estou acostumado com o estigma de assombração que tenho entre as crianças, mas não quero Allard temendo-me mais que a um pai. Pelo menos Greatfield o deixou no orfanato... Teve a sensibilidade de não matá-lo. Qualquer uma, no lugar dela, teria tomado uma poção abortiva. Devia escrever para ela louvando sua atitude, talvez, perdoando-a... Não, tenho certeza que ela prefere não ouvir mais nada sobre isso... Tenho certeza que meu perdão em nada lhe interessa. Que se dane! Também não interessa a mim o que ela pensa ou deixa de pensar! O que importa é que ela renegou Allard e não irá se aproximar dele! Não para feri-lo como fez a mim!"

Difícil tinha sido agir como sempre nas primeiras aulas com Allard. Claro, ele tinha sido razoável e permanecido quieto como de costume, mas ainda assim era estranho, algo tinha mudado e ele não podia mudar nunca, não podia amolecer, não podia se render.



E pensando assim passou a tarde toda e já entrava a noite sem que os pensamentos lhe abandonassem. E foi assim que Severus Snape entrou em sua sala, logo após o jantar e, suspirando de alívio ao ver-se sozinho, sentou-se confortavelmente na cadeira para mais uma noite de trabalho com poções. Cortava atentamente algumas raízes quando batidas à porta o surpreenderam, fazendo com que fizesse um profundo corte na mão direita. "Maldito!" pensava "Como pude me permitir tal distração?!! Como?!" E saiu muito irritado para abrir a porta, a mão ferida pingando sangue pelo chão.

- Sim!? - disse bruscamente ao abrir a porta, sem notar quem era ou lembrar do combinado com a professora.

- Ah... - ela ficara um tanto acuada com a atitude do professor e tentava escolher palavras para dizer alguma coisa. Definitivamente não era boa em diálogos, pensou.

- Lunare! Me desculpe, não lembrei que você viria, pensei que fosse algum aluno... Por favor, entre.

- Obrigada. Oh! O que houve com a sua mão?

- Nada não, só um pequeno corte...

- Posso ajudá-lo?

- Não, não... Obrigado... - ele parecia um tanto atrapalhado, não estava acostumado a ser vítima e muito menos a ser ajudado e ainda tinha a vergonha por sua falta de destreza e o fato de ter se distraído, que ainda o incomodava. Tentava fazer o curativo sozinho, mas o sangue não parava de escorrer e seus esforços eram vãos. Lacrima observou-o durante um minuto e vendo que o teimoso Snape não teria sucesso, foi ajudá-lo, a despeito da resposta negativa que ele lhe dera.

- Você não vai muito longe assim, deixe-me ajudá-lo.

Ele nada respondeu, simplesmente deixou que ela limpasse o ferimento de acordo com o necessário.

- Bem, eu conheço várias plantas curativas, mas nesse caso, acho melhor saber qual o paciente recomenda... - disse com um leve sorriso.

- Salicaria para estancar o sangramento e hidrocótila para cicatrizar...

- A salicaria é uma boa escolha... Também funciona como antisséptico. Vou pedir a um elfo que traga algumas folhas da estufa.

Tendo chamado um elfo doméstico e lhe dados as ordens, voltou a falar com Snape, que continuava incomodado.

- Onde o senhor guarda o pilão?

- Na bancada... Ah, e esqueça o "senhor". Acho que você já não precisa ser tão formal...

- Oh, sim. - disse sorrindo de leve.

Ela pegou o pilãozinho e voltou a examinar o ferimento.

- Você me parece um tanto incomodado... Não se procupe, eu tenho alguma experiência em primeiros socorros.

- Não é isso... - ele não continuou a frase.

Lunare lançou-lhe um olhar interrogativo, esperando que terminasse o que dizia. Snape franziu as sombrancelhas, estranhando a atitude, mas não pode evitar de prosseguir.

- Já fazem mais de dez anos que trabalho com poções, supostamente eu deveria estar ágil o suficiente para não me matar!

- Acidentes acontecem...

- Mas mesmo nos meus primeiros anos de escola, nunca me cortei de tal forma! Tem algo errado comigo...

Ela olhava atenta o rosto de seu interlocutor, segurando-lhe a mão ferida firmemente de modo a evitar mais sangramento. Ele podia sentir a mão dela firme, macia e quente segurando-o, impedindo-o de cair no abismo frio do desespero. Aquele olhar penetrante e compreensivo a fazia mais velha que o tempo, maior que o mundo, protetora, acolhedora, sábia. Sentiu-se diminuído, mas não humilhado, era bom ser de novo alguém indefeso, dependente daquela que conhecia o caminho e lhe garantia a segurança e a certeza. Um longo minuto de silêncio discorreu naquela dupla contemplação, ela observando o semblante que gradativamente parecia se confortar e ele simplesmente deixando-se sentir. Um toque à porta pôs fim ao momento, ao que ela fez menção para que Snape continuasse sentado e foi abrir a porta e pegar as ervas com o elfo doméstico.

- Já parou de sangrar, acho que eu mesmo posso preparar...

- Não seja turrão, se começar a mexer a mão o corte vai abrir de novo. Segure ela assim e relaxe um pouco.

Ele a observava enquanto amassava as folhas. Ela era cuidadosa e parecia ter mais do que experiência, ela parecia ter gosto pelo que estava a fazer. Quando ela trouxe o preparado para aplicar no ferimento, pode avaliar o trabalho: obviamente não era o de um profissional, mas estava bem acima da média. Ela aplicava com cuidado a pasta fria, verde e homogênea. De fato, ela tinha bastante jeito com feridos.

- Você fez algum curso de enfermagem?

- Não, é que na escola nós aprendemos a utilizar plantas medicinais... Na verdade eu não me dou muito bem como enfermeira, não tenho estômago para ver entranhas. - ela riu rapidamente.

- Mas você está se saindo bem com este curativo.

- Ah, sim, não tenho problema com cortes e esse tipo de coisa. Tive que aprender a cuidar de mim mesma... - ela deu um fugaz sorriso.

O professor não pode deixar de notar a frase vaga e a nota de tristeza no sorriso, mas preferiu não tocar no assunto, afinal, como Dumbledore lhe dissera, ela não lhe revelaria tudo de uma só vez.

- Está pronto. Um pouco torto, mas eu realmente espero que ele não precise ficar aí por muito tempo.

- Obrigado. - silêncio - Obrigado mesmo, Lunare. Depois que minha mãe se foi, nunca mais senti o que você me fez sentir hoje. Os ferimentos já não me doíam e se recebi alguma ajuda foi de Mme. Pomfrey, mas é claro que isso é completamente diferente, ela o fez como profissional e não por... sei lá, porque se importava em saber se estava doendo ou não ou como eu me sentia! Hoje, enquanto você segurava minha mão, eu senti a dor, eu me senti vivo, parte do mundo.

Ela estava calada, tentando organizar os pensamentos enquanto ele já começava a se sentir envergonhado e culpado por ter posto para fora todo aquele sentimentalismo.

- É... Dizem que quando você entra em contato com outras pessoas, você encontra a si mesmo. - ela dizia olhando para o nada, devagar, pensativa. Então, olhou para ele e sorriu - Você não têm sido muito... ah... social, não é? Pois saiba que eu sei como você se sente. Hoje à hora do almoço quando estivemos conversando... É estranho como tudo parece melhor quando você se sente à vontade perto de alguém... Eu costumo me sentir incomodada quando tenho que conversar com alguém, prefiro não fazer, mas hoje foi diferente, eu gostei de ter falado com você apesar da insegurança, do receio de parecer boba ou sei lá o que... Ah, esquece, são bobagens minhas!

- Se são bobagens suas, são minhas também. Eu também me sinto assim e sinceramente fico feliz que você me entenda, porque se você não entendesse, certamente eu não ia conseguir explicar.

Ela riu gostosamente e ele a acompanhou com um sincero sorriso.

- Bem, acho que você deveria descansar por hoje... Vou fazer-lhe um chá que junto com uma boa noite de sono vai ajudar na cicatrização...

- Não quer que eu a ajude com seu caderno?

- Em outra ocasião. Com certeza sua mão é mais importante que isso!

- Não exagere... Certamente não é algo que vá afetar minha mão e, além disso, não estou com sono... E não precisa se preocupar com cházinho...

- Não sou exagerada, só que me importo mais com sua mão do que com informações que estão perdidas há anos e não vão morrer se esperarem mais alguns dias...

O "me importo" que ela disse casualmente ecoou na mente de Snape. Ele olhou-a descrente enquanto ela procurava algumas plantas secas para fazer o chá.

- Eu... Agradeço a sua preocupação. Mas, só aceito se você me acompanhar...

- Claro! Assim eu garanto que você vai mesmo dormir... Puxa, meus parabéns... Seus frascos de ingredientes estão organizados admiravelmente.

- Parabenize Warrick, do primeiro ano. Foi ele que arrumou durante uma detenção.

- Ah, sim, eu soube do ocorrido. Bem, ele fez um ótimo trabalho.

Snape sorriu orgulhoso do pequeno. Ainda não tinha revelado publicamente que ele era seu filho, preferiu não o fazer enquanto a ameaça da volta de Voldemort ainda o incomodasse. Ele sentia que o mundo ainda não estava a salvo do Lorde.

Finalmente a infusão ficou pronta e ambos foram para a sala contígua, o dormitório do professor. Gentilmente ele indicou-lhe uma confortável poltrona enquanto ele próprio sentava-se na beirada da cama. A professora pôde notar que a lareira não era acendida há muito tempo e que, afora algumas almofadas velhas e rotas e a colcha no mesmo estado, ele não tinha nenhuma decoração. Os suportes de algemas e instrumentos de tortura ainda estavam na parede, antigos ferrolhos negros. Não havia nenhuma janela e a iluminação vinha de tochas.

Permaneceram por algum tempo relaxando, tomando chá e conversando sobre experiências com plantas, mas depois de vários minutos Lunare percebeu que o professor começava a ficar sonolento...

- Severus... Preciso ir.

- Ah, vou acompanhá-la até a porta. - respondeu com a voz cansada.

- Não, por favor; fique e descanse...

Ela aproximou-se para pegar a caneca que ele segurava. Snape estava sonolento, com a visão já ficando turva, tudo parecia obstuso e distante. Enquanto a pequena mão tocava o cabo de gelada porcelana o perfume morno feria suas narinas, uma mistura de flores, madeiras e corpo feminino, essências perfeitamente mescladas num todo. Tentou focalizar os olhos para enxergar melhor a figura que emanava tal fragância e deu com o mesmo colo de alabastro que já vira em outra cena surreal, uma vez na biblioteca... Estava parcamente coberto com um grosso veludo negro, num maravilhoso contraste como a lua cheia no céu invernal. A posição em que ela se punha deixava entrever as curvas dos seios se insinuando sem malícia e sem inocência, simplesmente a natureza em sua plenitude. Sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo todo, aquecendo cada célula com uma necessidade de agir, de possuir, seus sentidos se apurando no desejo do toque. Sentia sua pele roçando as próprias vestes com lascívia, embriagava-se no perfume e na visão do busto da Vênus quando ela lhe tirou das mãos o recipiente que segurava e, erguendo-se, pronunciou doces palavras de despedida e recomendou que dormisse e se cuidasse. Ouviu sua própria boca respondendo gentilmente, mas não soube exatamente o que estava dizendo. Só conseguia sentir a necessidade daquele corpo que se afastava e se ia com o baque surdo da porta se fechando. Aquilo tudo não passara de um segundo, mas parecera uma eternidade para ele... Seu corpo reagindo ao dela... Como ela podia perdir-lhe para dormir depois daquilo?

Levantou-se de súbito e despiu-se para dormir. O frio da noite não amainava o calor de seu corpo. Agora, acordado e muito agitado, colocou uma surrada calça do que fora um pijama, andava de um lado a outro procurando acalmar os sentidos que clamavam por aquele perfume inebriante. Então descobriu a poltrona em que ela estivera sentada. Passou a mão levemente pelo tecido desbotado. Ainda podia sentir o calor daquele corpo. Aproximou mais o rosto e pôde sentir uma nesga da fragância... Seu corpo reagiu violentamente e o mestre de poções agora estava certo de que não poderia mais dormir. Deitou-se na cama, tentando esquecer de tudo aquilo... Ela era perigosa demais, pensava. Ele não podia sentir quando ela se aproximava, ela o fazia dizer coisas que não deveria, o fazia sentir a dor como qualquer um! Não era possível que ele se permitisse tal coisa! Aquele-que-não-se-deve-nomear poderia voltar a qualquer momento e ele nessa situação, sem defesa! E ainda por cima esse descontrole, agora ele não conseguia nem se concentrar para dormir... Isso tudo depois de anos de oclumência...

Revirou-se na cama por quase meia hora, o corpo queimando de desejo. Impaciente e frustrado por não conseguir se controlar, finalmente entrgou-se ao vício solitário. Se ao menos pudesse descobrir o que havia sob o negro veludo - pensava - tocar aquela tez de marfim, tê-la entre seus braços, afogar-se naquele perfume, embriagar-se com seu sabor agridoce de mulher, tocar a fonte de todo aquele calor que ela emanava...

Conseguia sentir o sono agora, ofegava, gotas de suor escorriam pelo corpo cansado e o braço esquerdo estava dolorido. Arrastou-se para a cama. Sentia-se a pior das criaturas... Onde estavam suas habilidades mentais? Onde estava aquela que causara todo o dano? Certamente que dormia tranqüila enquanto ele se torturava. Maldita.

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