De Provocações e Reações

De Provocações e Reações



Havia muitos anos que não sonhava com nada, mas naquela noite teve sonhos estranhos, especialmente ruins, com alguém que jamais queria ver. O que o maldito Black estava fazendo em seu subconsciente? Aquele riso de escárnio, as cenas em que ambos lutavam... Estranho... Era uma briga de trouxas! Não era um duelo com magia... Lembrava-se claramente de como desferia os socos com uma vontade incontrolável, como se nada fosse suficiente para ferir o oponente...

Severus Snape acordou do sono pesado tentando juntar os pedaços do intrigante pesadelo. Passou as mãos pelo rosto e sentiu o curativo na destra; automaticamente seu pensamento passou para as lembranças da noite anterior e ele balançou a cabeça soltando um breve riso desanimado. Aprontou-se o mais rápido que pode, ainda queria encontrar o filho antes do café. Tantas coisas vindo juntas... Certamente que a manifestação do subconsciente fora conseqüência disso. Talvez agora que sua vida tinha mais razões de existir, ele se defendesse com mais paixão... Afastou da cabeça as diversas tentativas de interpretação do sonho e pôs-se a lavar o rosto, tentando voltar à realidade.



O jovem Allard estivera simplesmente radiante no dia anterior e Aurea, sentindo que chegara a hora, passou muito tempo conversando com o garoto na sala comunal. Ele, seguindo as recomendações do pai, não revelara o motivo de tanta alegria, apenas mencionara que ainda encontraria sua família e seria respeitado. A garota estava feliz pelo colega e tudo o que havia entre eles acabou esclarecido.

Naquele dia ela nem mesmo chegara a conversar com Draco, que, tendo percebido, resolveu se aproximar de ambos para descobrir qual era o motivo de toda a alegria do renegado, como ele costumava se referir à Allard. Estranhou a auto-confiança do garoto, mas preferiu evitar qualquer observação maliciosa, afinal, já provara a ira do pai mediante sua primeira detenção.

Apresentada à Allard por Aurea, Pansy fora tomada de uma leve simpatia, a despeito da querela entre ele e Draco. Achara-o quase tão educado quanto Malfoy e não pode deixar de comentar com a amiga sobre as maneiras aristocráticas que ele tinha.

- Não reparei... Bem, na verdade acho que nem poderia, eu nunca convivi com pessoas fora do nosso círculo social.

- Ah, Aurea, sorte sua. Repare na ralé da Grifinória e da Lufa-Lufa. Todos de maus modos, comem como porcos e não têm elegância.

- Realmente...

- Mesmo correndo o risco de ser um sangue-ruim, Allard é bem comedido, não é nada desagradável a presença dele.

- Sim. Acho ele bem inteligente e sensível, gosto muito de conversar com ele.



Lacrima encontrara Aurea durante o café e esta lhe contara sobre o novo amigo.

- Que bom, bambina! - disse animada.

- Lacrima, você não está mais triste, não é? Você parece mais feliz hoje...

Ela riu sinceramente, um tanto espantada com a observação da irmãzinha.

- Sim, Aurea. Sabe, eu estive com muita saudade da nona e da nossa piccoletta... Nós duas quase nunca podemos conversar durante a semana e eu não tinha com quem mais falar...

- E agora você achou alguém? Quem é? Me conta!

- Bem... O professor Snape têm sido muito legal comigo...

- O professor Snape? - ela perguntou com um muxoxo incrédulo.

- Sim, porque não? - Lacrima ria gostosamente.

- Ele é do mal!

A mais velha caiu na gargalhada.

- Ah, Aurea, não se preocupe, posso lhe assegurar que o que ele tem é só mau humor! Bem, preciso ir, senão perco o meu café! Buon giorno para você!

- Buon giorno...

"Se lhe apraz..." pensava Aurea dando de ombros enquanto olhava a irmã mais velha se dirigndo à mesa dos professores.



Sentado distante estava Snape, que preferia evitar observar Lunare, receoso de alguma recaída do que sentira à noite. Sua razão brigava com suas emoções ao pensar sobre o que prometera, sobre ajudá-la com o caderno de poções. Obviamente gostaria de tê-la consigo novamente, mas o que poderia acontecer? Certamente que não poderia fugir dela para sempre, era claro que ela viria cobrar-lhe a ajuda...

E em meio a esses pensamentos, viu que era chegada a hora das aulas, o que o fez esquecer de todo o resto.

Mas, mal saíra da sala na hora do almoço e deu de frente com a professora. Não pode deixar de admirar a figura que trazia os cabelos presos à romana e lhe sorria com uma sinceridade que chegava a lhe doer quando lembrava de tudo o que se passara em sua mente na noite anterior.

- E então, como está sua mão?

- Melhor.

Ela segurou a mão ferida entre as suas quando ele a ergueu.

- Ah, precisa trocar o curativo... Este já não está mais bom.

- Não se preocupe, eu irei à enfermaria logo depois do almoço...

- Faça isso!

Toda aquela preocupação... Ele estava em dívida...

- Precisamos trabalhar no seu caderno. Se quiser vir hoje à noite, novamente...

- Se não for lhe incomodar, eu agradeço muito!



E aquela tarde passou rapidamente. Desde que o sol começara a se por, Lacrima sentia uma agitação crescendo dentro de si. Conhecia aquilo... Logo estaria com as mãos geladas, a boca quente e as faces afogueadas... Era difícil não poder simplesmente sair e curtir a noite, dar vazão a todas aquelas sensações. Em breve estaria sozinha com Snape e aquilo iria piorar muito... Seu coração iria bater com violência e ela teria de se esforçar muito para guardar aquilo para si mesma.

Tomou um banho rápido e desceu para as masmorras pulando degrais nas escadas. Bateu de leve à porta e em poucos segundos ele veio abrir.

- Boa noite!

Ele estava com as mangas da camisa negra dobradas, vários botões abertos. Trazia o rosto suado do trabalho junto ao caldeirão.

- Boa noite... Entre... Me desculpe por recebê-la assim...

- Não... não se preocupe.

Aquilo a atraía e o calor de dentro da sala fazia-a respirar com mais esforço... Sentia todas as terminações nervosas de seu corpo mais sensíveis. Aproximaram-se da bancada e Snape folheava devagar o caderno. Sentiu como se fizesse parte da atmosfera da sala... Conseguia sentir o calor que o corpo dele emanava, sua respiração, cada gotícula de vapor... Viu a boca dele se mexer, dizendo alguma coisa que ela não podia ouvir, só conseguia olhar-lhe nos olhos com aquela fome, aquele desejo, aquele olhar mortal...

Em um segundo ele pareceu compreender o que se passava no íntimo dela... Sentiu a pulsação acelerada do coração, a aura sensual que a envolvia, aquele olhar ofídico... Ela parecia muito mais real do que já a vira. Não era mais uma deusa etérea, era uma mulher de carne e osso. E, por Merlim, ele a desejava mais que antes! Tinha tomado o porte de uma rainha, uma senhora, aqueles olhos imperativos, eles ordenavam que ele se rendesse...

Respirou fundo e, num esforço hercúleo, falou:

- Com licença, preciso tomar um gole d'água...

- Por favor, me traga um pouco também. - disse ela tentando se controlar.

Ele engolia a água com desespero, tentando apagar aquela chama que o queimava por dentro. Quando sentiu-se mais seguro, pegou um copo e levou até ela, que bebeu devagar, sentido o doce refrigério.

- Ah, que distração a minha! Como está sua mão? - falou, tentando afastar as sensações.

- Parece que você leva mesmo jeito para isso! Hoje, quando Mme. Pomfrey refez o curativo, o corte já estava bem fechado, começando a cicatrizar. Amanhã com certeza já estará bom.

- Isso é ótimo!



Ambos ficaram juntos até tarde, estudando e reconstituindo as poções do caderno. Foram horas difíceis, num jogo de gato e rato, Lunare tentava-se manter suficientemente afastada de Snape para evitar distrair-se com suas sensações, mas ele podia sentir toda aquela agitação dela e isso o perturbava, tirava-lhe a concentração e o fazia desejá-la ainda mais. Era difícil conter o desejo e por muitas vezes pegaram-se observando mutuamente, ela com aquela ordem estampada no olhar exigindo que ele se rendesse, e ele, com fascínio, prestes a obedecê-la. Lunare corava fortemente cada vez que se dava conta de que suas emoções pudessem ter transparecido, aquilo tudo não era voluntário, era algo além do fisiológico, ela não sabia explicar...

Já passava da uma da manhã quando Lunare soltou um leve bocejo.

- Nossa, já é tarde! Desculpe ter te tomado tanto tempo...

- Imagine! Eu nem vi as horas passarem...

- Bem, eu me vou. Muito obrigada!

- Volte amanhã para continuarmos.

- OK! Boa noite...

- Boa noite.

Não pode deixar de observá-la enquanto ela seguia seu caminho. Tinham reconstituído apenas duas receitas... Era óbvio que fora muito improdutivo. Teria ela sentido tudo aquilo que ele pensava ou seria só uma impressão? Seria muito anti-ético usar legilimência com ela? Que dúvida, é claro que seria! Além disso ela poderia perceber... Quem sabe? Talvez ela também tivesse alguma habilidade mental... Além disso, conseguiria ele controlar a mente perto dela, naquela situação? Era provável que não mesmo... Aquele olhar de fogo... Era impossível que não estivesse sentindo nada, havia algo diferente...



Andando pelos corredores, Lunare respirou fundo, absorvendo o ar frio, já sentindo-se menos entorpecida. Agora o sono já tomava seu corpo e aquelas sensações iam-na deixando. Mesmo o sono a permitia pensar com mais clareza... Vira o olhar dele, mas poderia ser só sua imaginação aproveitando-se dos seus sentidos, inventando histórias... Teria ele percebido alguma coisa? Argh! E se amanhã estivesse assim também?! Quanto tempo resistiria? E se fizesse alguma besteira? Não, ela não iria!



Mas quando ela disse que não poderia ir, ele insistiu. Insistiu. E ela cedeu. E foi todos os dias. E todos os dias foram improdutivos, a mesma cena se repetiu e o mesmo delírio que parecia fadado a não se concretizar.

- Acho que acabamos... Esta foi a última!

- Pois é...

- É... - ela deu uma longa pausa - Obrigada por tudo...

- Sou eu que agradeço. Você foi uma ótima companhia nas minhas noites solitárias... Meu consolo é que amanhã eu vou tê-la o dia todo comigo.

- É mesmo! Que bom! Ah... - ela fez uma expressão de incerteza - Você se importa se eu usar calça jeans? É que... Bem, elas são melhores para longas caminhadas... Acredite, já andei muito de vestido, até mesmo pela floresta, e, bem, eles definitivamente são melhores para atividades mais passivas...

Snape sorriu estranhando o pedido e o costume.

- Lunare, todo mundo vai lhe estranhar... Hogsmeade é um povoado exclusivamente bruxo, como você sabe... Eu não vou me importar, mas creio que você pode se sentir incomodade em ser a única...

- Eu já estou acostumada! - ela riu - Além disso, porque você não experimenta?

Aquele olhar, ele já sabia, era sinal de perigo. O sorrisinho matreiro, desafiador... Quem poderia resistir àquele desafio?

- Como assim? Usar roupas... trouxas?!

- Ué, porque não? Você já tentou?

- Bem, algumas vezes quando precisei me infiltrar entre eles...

- Vamos! Que importa o que pensem de nós?

E vinha ela de novo com aquela expressão! Ela falava como se pudesse tudo... Mas quem era ele para duvidar do poder dela?! Já não o tinha feito perder o sono, perder a concentração, perder sangue?! Fizera o que comensais de primeira linha não fariam... E agora ela o desafiava. Iria admitir a fraqueza ou aceitar o desafio? Estaria à altura dela? Olhou-a mais uma vez. Era só uma maldita garota! Ele não iria fazer o que ela queria... Não iria... A não ser que lembrasse de quando a viu vestida de trouxa... Agora, sem mau humor... A calça justa destacando as pernas grossas, aquele ar de rebeldia... Ela parecia ainda mais jovem...

- Ah, Lunare... Ah... OK, eu vou! Mas só porque é você que está pedindo e porque eu quero muito ter oportunidade de te conhecer melhor, porque acho você uma pessoa muito interessante. Ainda quero descobrir tudo o que há por trás das meias palavras que você fala. Você me intriga demais, garota!

- Ótimo! - ela deu um sorriso radiante - Então, amanhã, às oito?

- Sim... Amanhã, às oito... Espero você no final da sua escadaria.

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