Do Dia Seguinte



Passar os feriados no castelo de Hogwarts parecera interessante no início, mas agora, já no segundo dia sem os amigos, Allard já não tinha a mesma opinião. O café da manhã tocara sua língua insípido e o salão estava mais vazio do que nunca. Soubera que Aurea ficaria ainda uns dias no castelo, mas não a encontrara no anterior. Ocorreu-lhe, então, que talvez o pai pudesse levar-lhe a Hogsmeade... Ou pelo menos autorizar-lhe a ir sozinho... Á vista desta idéia, o sangue pareceu-lhe correr mais rápido pelas veias e ele animou-se instantaneamente. Andou rápido até as masmorras no afã de encontrar Snape, prevendo a conversação que se travaria. Mas qual não foi sua decepção ao ver a sala vazia... Por alguns segundos ponderou aonde ele poderia estar e seguiu os caminhos que sua mente trilhara para o pai. Após alguns minutos de vã procura, Allard achou que deveria perguntar a alguém sobre o paradeiro de Snape e após pensar um pouco, virou nos calcanhares na direção da torre da professora Lunare.
A escadaria parecia interminável e foi arfando que se deparou com a maciça porta. Com pressa, abriu-a sem bater, colocando a cabeça para dentro do quarto e pedindo licença displicentemente... Foi então, numa fração de segundo, antes que alguém pudesse reagir, que o menino se deu conta da cena que se passava lá dentro:
A cama completamente desarrumada, a capa, a camisa e o casaco do pai espalhados descuidadamente pelo chão, junto com diversas peças de roupa da professora, taças quase vazias de vinho sobre a mesinha de cabeceira, um gostoso calor que preenchia todo o quarto vindo da lareira crepitando defronte ao velho tapete persa... O tapete persa... Aquele sobre o qual estava seu pai, sem camisa, cabelos desalinhados, descontraído como nunca o vira, rindo e comendo uma panqueca da qual escorria algo que deixava-lhe o rosto todo sujo. Junto dele, a professora Lunare com um leve robe preto, cabelos presos displicentemente, acompanhando-o na refeição, rindo junto e cochichando...
Sentiu-se traído. Estava óbvio demais o que o pai estivera fazendo na noite anterior... Porque ele o deixara sozinho em favor de outra pessoa?! Porque não estava nas masmorras esperando que ele fosse procurá-lo?! Ora, um pai deve pensar em seu filho antes de ir arranjar mais compromissos! Bateu a porta com um estrondo e desceu correndo a escadaria. Avistou Aurea que estranhou sua expressão e de longe perguntava o que havia. Decidiu que ela precisava saber o que aqueles traidores faziam! Contaria para ela que enquanto ela estava abandonada nos subsolos da Sonserina, sua irmã, como o próprio pai, ao invés de estar trabalhando ou descansando, estavam um nos braços do outro, se divertindo!
- Aurea, preciso te contar uma coisa, é muito sério!
- O que é?
- Vem, vamos noutro lugar!
- Vamos - respondeu ela assustada, enquanto o colega a puxava pelo braço...

----------------------------------------

Lacrima acordara com um beijo nos lábios, abriu os olhos e sorriu para Snape que segurava um recipiente, no qual lambusou o dedo indicador e deu-lhe para experimentar... Uma deliciosa geléia de frutas vermelhas fresquinha... Levantou-se sem pressa, vestiu o robe de seda preta e dirigiu-se à pia para lavar o rosto enquanto trocava algumas palavras com Severus que fazia panquecas na lareira.
Sentaram-se ambos no tapete, deliciando-se com a iguaria, conversando animadamente... Era como um sonho... Exceto nas crises de solidão quando ela desejava ardentemente alguém igual à si mesma para conversar e chegara até a pegar-se conversando sozinha, havia muito que ela não sonhava acordada com alguém... Ainda mais nesses termos, um amante perfeito com direito até mesmo à dotes culinários.
Então, sem que nenhum dos dois pudesse esperar, aquele pequeno ser abrira a porta, lançara um olhar de espanto e saíra correndo... O que significava aquilo? Um aluno procurando-a em pleno feriado, com tanto desespero que nem mesmo bateu à porta...
- Ah, não! - Ela não teve tempo de concluir seus pensamentos, Snape a imterrompera. - Lunare, eu preciso ir atrás dele! Depois eu te explico! Bem, depois de tudo que houve, venha junto, por favor!
- Sim...
Ela pôs rapidamente um vestido e ele uma camisa, descendo rapidamente as escadas procurando pelo garoto.

----------------------------------------

Estavam na Sala de Troféus, que, desabitada no momento, Allard julgou ser o melhor lugar para conversar.
- Aurea, eu acabo de vir do quarto da sua irmã, eu estava procurando meu pai e... - ele falava rápido, quase sobrepondo palavras.
- Espere! Você disse que estava procurando seu pai no quarto da minha irmã? Ela tem alguma coisa que pode te ajudar a encontrar seus pais?
- Ah, é... Não te contei antes porque poderia ser perigoso, mas eu já encontrei meu pai...
- Allard! - Snape e Lunare finalmente encontraram-lhes.
Allard estava nervoso, revoltado com o pai, as palavras não saíam-lhe da boca.
- Filho... O que houve?
- Filho?! - As Lunare perguntaram em coro, com a surpresa estampada no rosto.
- Era isso que eu ia dizendo-lhe, Aurea... Encontrei minha família.
- Ah! Não me diga que... - A professora Lunare sorria, surpresa, dirigindo-se ao professor Snape.
Ele deu um sorriso tímido, e, afagando a cabeça do filho, respondeu:
- Sim... É uma longa história... Bem, eu lhe conto depois... - E, se recompondo, tornou ao filho - Afinal, mocinho, o que queria com a Srta. Lunare e porque não bateu à porta antes de entrar?
- Pai, eu estava procurando o senhor mas não encontrei-o em lugar algum, pensei em perguntar à professora se ela o havia visto.
- Sim... E porque não bateu à porta?
- Eu... eu estava com pressa e... bem, não pensei que fosse encontrá-lo lá! Pai, porque o senhor me deixou?
Snape e Lunare olhavam atônitos para Allard.
- Deixar você? Allard, eu não deixei você... Imagine! Filho, entenda que eu nunca poderia deixá-lo! Mesmo antes de tê-lo comigo você sempre ocupou um lugar em meu coração que ninguém nunca poderá tomar. Eu não sabia se você era vivo ou morto, mas você sempre esteve presente em minha vida, independente do que eu viesse a fazer ou sentir. Allard, nossas vidas são ligadas, mas não são as mesmas... Você sabe que eu estarei sempre ao seu lado, mas não pode esperar que eu viva subordinado à sua vontade.
Grossas lágrimas escorriam pelo rosto de Allard, que o garoto mantinha abaixado. Snape parecia um pouco desconcertado e lançou um olhar de dúvida à Lunare. Ela se curvou, olhando o menino de frente, enxugando-lhe as lágrimas com a mão.
- Hey... Não precisa chorar... Eu não vou roubar seu pai, OK? - ela sorriu - Eu sei que seu pai é a pessoa mais importante para você, agora que você o encontrou... Mas você sabe que ele não é a única pessoa em sua vida, você tem os seus amigos e precisa deles. Você ficaria triste em perdê-los, mesmo tendo seu pai, não é? - ele apenas balançou a cabeça afirmativamente. - O seu pai também gosta de ter amigos... Allard, não é porque você ama uma pessoa, que não pode amar outra. Eu sei que você compreendeu o que viu hoje, por isso ficou assim, mas não pense que perdeu seu pai... Ele é alguém especial para mim e agora que eu sei que você é parte dele, você também o é... E você pode contar comigo, Allard Blake Snape.
Ela acariciou os cabelos do garoto enquanto ele enxugava mais lágrimas, murmurando um "obrigado".
- Lacrima Argenta Lunare, o que exatamente ele viu? - Perguntava Aurea com as mãos na cintura e uma expressão séria.
- Pois saiba, Srta. Aurea Augusta Lunare, que ele me viu tomando café da manhã com o professor Snape.
- Ah, é? Não acredito que ele tenha ficado assim por causa de café e torradas!
- OK, se não acredita, pergunte à ele...
Aurea se limitou a olhar o amigo, que agora começava a sorrir, achando graça na bronca da garota.
- Então?
- É... Realmente eles estavam tomando café da manhã, mas...
- Mas?
Ele ia abrindo a boca para responder, mas foi interrompido por Snape.
- Bem, Allard, se você estava me procurando, com certeza queria me dizer alguma coisa. O que era?
- Ah... Nada importante, eu só queria pedir se o senhor poderia me levar à Hogsmeade hoje...
- É uma ótima idéia. Bem, vou pegar algumas coisas e nós já vamos. Lunare, desculpe a confusão... Depois nós conversamos melhor.
- Sim... Bom passeio para vocês dois! - Ela disse rindo.
- Ah... Pai... A Aurea pode ir junto?
- Estou vendo que não sou a única pessoa na sua vida... - Ele disse com um sorriso - Mas eu fico feliz que você tenha amigos. É claro que ela pode ir, se ela quiser e se a professora Lunare deixar...
- Ah, Lacrima, deixaaa!!!
- Vai...
Ela despediu-se dos três e voltou ao quarto. Ainda tinha que arrumar a bagunça e começar a fazer as malas - partiriam no dia seguinte para Londres. Andava pensativa, devagar, sem rumo pelo quarto. Ele iria confiar-lhe seu passado, estava certa disso. - Pensava. - Mas e ela? Deveria se abrir, revelar antigos segredos? Sem dúvida precisava compartilhar com alguém esse fardo, mas sentia-se insegura ainda. Precisava aconselhar-se com alguém, já havia muito tempo que não procurava a antiga sabedoria, embora nunca houvesse se esquecido dela. Não via a hora de chegar à Londres.
Deparou-se com a escrivaninha, abriu uma das pesadas gavetas e retirou uma pequena moldura de madeira escura. Deixando-se cair na poltrona, ela observava a fotografia. Semelhava-se à face de um anjo. Devia ter por volta de dois anos. A pele clara com as maçãs do rosto rosadas, olhinhos vivos, muito verdes, circundados por longos cílios. A boca pequena e delicada deixava entrever dentinhos brancos quando ela sorria. Os cabelos de um castanho suave eram levemente encaracolados e estavam presos em dois rabos-de-cavalo atados com grandes laços brancos.
Levou a imagem ao peito e deixou que as lágrimas levassem toda a pressão que sentia oprimir sua alma.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.