::capítulo quatro::



Capítulo Quatro
Ou
Times For Miracles


Eu nunca tivera uma vida feliz. Normalmente eu apenas me fingia de feliz. Colocava um sorriso nos lábios e andava como se nada me incomodasse. Não dizem que as pessoas mais fortes são aquelas que agüentam tudo com um sorriso no rosto? Então, acho que, analisando por esse ângulo, eu era uma menina forte. Dizem também que as pessoas dos sorrisos mais bonitos são aquelas que mais guardam segredos terríveis. Eu também me encaixava nessa alternativa.


A minha vida não foi preenchida de tristezas a partir do momento que comecei a colecionar mentiras. Não. Minha vida era uma porcaria talvez até mesmo antes de eu nascer.


E eu tinha de jogar a culpa em meus pais.


Não que eu fosse do tipo rebelde e dissesse todos os dias para eles algo como “Vocês transformam a minha vida em um inferno”. Talvez eu até falasse isso algumas vezes, mas era bem pouco. Só dizia isso quando tinha mesmo de me impor.


A culpa era de meus pais, porque enquanto eu passava boa parte do tempo enfiada nas minhas músicas preferidas, eles passavam apenas de um jeito: brigando. Não conseguiam resolver um problema sem se ofenderem ou se alfinetarem. Se a casa estava uma bagunça, a culpa era de minha mãe. Se cortavam a luz – e fizeram mesmo isso algumas vezes – a culpa era de meu pai. Era sempre um jogo de saquinhos de culpa. Eles ficavam se atacando com ele enquanto eu sofria por ter de viver no meio de um lar tão debilitado.


Eu tinha raiva da minha mãe porque ela nunca realmente falava a verdade sobre como se sentia para meu pai e isso só ia acumulando toda a sua mágoa para com ele. E eu tinha raiva de meu pai porque ele sempre tinha de implicar com qualquer coisa, qualquer mesmo. Desde os pingos do chuveiro até a conta de banco conjunta.


Às vezes, meio sem querer, achava que tinha me criado por uma figura masculina do satã e outra feminina. E por mais que satãs se dêem bem, os meus satãs nunca se davam. Eles eram como o anjo e o demônio: completamente antagônicos e cheios de críticas.


Eu nunca conversava sobre os problemas familiares com alguém. Raramente comentava algo com James, e nunca falava sobre isso com Petúnia ou minha mãe. Eu achava que tinha que me distanciar daquilo, porque se me envolvesse era capaz de o problema me fragilizar ainda mais, como uma grande gripe.


Então, eu me mantinha a uma distância agradável daquilo tudo, ainda que todos os berros e as brigas me afetassem.


Petúnia, que mais vivia no alojamento da faculdade do que propriamente em casa, não sentia todo o desespero. Acho que era porque ela era a mais velha. Acho que Petúnia apenas fingia que nada daquilo fazia parte de sua rotina. Mas eu, por outro lado, que ainda morava com meus pais e dependia deles, não conseguia fazer tudo desaparecer, como se de repente tivesse acordado de um pesadelo. Eu abria os olhos e a realidade ainda era cruel comigo.


A cada ano que passava a situação só se agravava cada vez mais. Eu não via a hora de entrar em uma universidade – por mim, poderia ser qualquer uma realmente – e me livrar daquilo tudo.


Muitas vezes eu pedia a Deus que meus pais se divorciassem. Eu sabia que muitas crianças e adolescentes eram traumatizadas de alguma forma pelas separações dos pais, mas eu não me sentia com remorsos. Eu apenas estava pensando no meu melhor. No melhor para todo mundo.


E uma semana depois, mais uma vez, eu estava ouvindo-os brigar. Algumas vezes eu era o assunto das brigas. Constantemente o que entrava em pauta era as minhas regulares saídas de fim de semana e as rejeições das universidades.


Na verdade, ultimamente os aborrecimentos de meu pai começavam por causa das universidades. Ele estava muito preocupado com o meu futuro, como se eu fosse me transformar em uma garçonete de beira de estrada para o resto de minha vida. Tudo bem que eu sabia que não tinha as melhores notas, mas eu não poderia ser rejeitada por todas as minhas opções, certo? Devia existir algum Deus que gostasse de mim no céu e que estava torcendo para eu me tornar uma Biomédica. Além do mais, se nada desse realmente certo para mim, meu pai dizia que ia tentar me colocar na UCL. Então, tecnicamente, eu não precisava fazer nenhum tipo de esforço esplendoroso. Mas, como já mencionei em algum ponto acima, eu não queria ficar perto de meus pais, por isso estava torcendo para que fosse aceita em alguma universidade bem longe de Londres. Não me leve a mal, eu adorava a minha cidade, mas eu precisava fugir dos meus pais, precisava ter a minha própria vida sem ter de dar satisfações a ninguém. Precisava de um lugar realmente feliz para me estabelecer.


Quatro dias após de ter me encontrado com Sirius em seu apartamento, a culpa, mais uma vez, se instalara em mim. Não que isso nunca acontecesse; agora estava mais aparente e rápida. Depois o primeiro beijo que dei em Sirius, a culpa tinha me invadido, mas naquela época eu cria que aquilo nunca mais se repetiria. Eu era ingênua, porque mais beijos vieram depois do primeiro e eu não conseguia mais refrear aquilo. Eu implorava para mim mesma que parasse com aquilo, que Sirius me desrespeitasse de alguma forma para que eu tivesse um sólido motivo para despachá-lo, mas eu sempre cedia, e embora Sirius não fosse tão gentil, eu não podia dizer que ele estava me desrespeitando.


Na verdade, eu é que estava desrespeitando uma relação. Marlene era apaixonada por Sirius. Era, ela tinha me confessado numa tarde, apaixonada por ele desde criança, e quando ele começou a sair com ela, Marlene simplesmente pirou sentimentalmente. E depois veio o pedido de namoro. E nada poderia ter feito Marlene abrir os olhos sobre Sirius não ser o cara mais romântico e mais fiel do mundo.


Não que eu me interferia no relacionamento deles, de jeito nenhum. Se eu dissesse que Sirius a estava traindo, Marlene, eu bem sabia, não acreditaria em mim, e desse modo eu também estaria me expondo, e tudo o que eu não queria era que ela também me julgasse. Já era péssimo o bastante eu ficar chorando de culpa todas as noites.


Na escola, eu não tinha nenhuma aula com Sirius, ainda que nossos horários de almoço fossem na mesma hora. Portanto, não tinha como nós nos comunicarmos ali, a menos que combinássemos de matar alguma aula ou que nos encontrássemos antes de entrarmos no refeitório.


Eu tinha o primeiro período de terça-feira livre, porque era Psicologia, e eu já sabia tudo de psicologia tendo uma mãe psicóloga. Então, eu resolvia matar aquele período, mas em casa, dormindo. Raramente James aparecia para me fazer companhia, porque tínhamos aquela aula juntos, e normalmente James preferia não faltar; ele era bem mais centrado nos estudos do que eu e bem mais responsável também.


Porém, quando a campainha soou e minha mãe atendeu, eu não identifiquei a voz suave de James. Levantei minha cabeça do travesseiro e fiz uma careta, jogando-me de volta na mesma posição. Eu não acreditava que ele pudesse fazer aquilo. Já era um pesadelo vê-lo pelos corredores, imagine visitando-me em minha casa, quando deveria, claramente, estar em qualquer lugar menos ali.


Segundos depois, ouvi os saltos de minha mãe bater em cada degrau da escada; ela estava apressada, pois estava atrasada para o primeiro paciente da manhã. Papai também tinha acordado cedo, já que na noite anterior ligaram para ele, comunicando-o que deveria substituir um professor pelo turno da manhã, e mesmo que o período que ele ia dar começasse apenas às onze, ele gostava de ficar pela faculdade analisando seus slides e corrigindo erros. Petúnia também não estava em casa, tinha dormido na casa de Doug, e o que era muito bom, porque sempre que eu estava na presença dela saia alguma briga, claro.


Nossa relação sempre tinha sido difícil, desde crianças. Ela torcia o nariz perfeito para tudo que eu fazia ou dizia e sempre queria tomar as rédeas da minha vida, achava que, como irmã mais velha, tinha o direito de ser a Bruxa Má. Já eu, implicava com tudo também, porque sempre me enxergava como a irmã rejeitada, já que meus pais sempre se orgulharam mais de Petúnia, porque ela era a irmã exemplo. Petúnia nunca tivera amigos que gostavam de sair à noite, nunca tivera um melhor amigo que a subornava com M&M’s para fazê-la dormir na Casa da Árvore e ela, com certeza, sempre tivera as notas perfeitas e sempre tinha sido muito elogiada pelos professores. Ela organizava chás beneficentes, doava parte de sua mesada aos orfanatos e sempre ajudava nos comitês da escola. Meus pais sempre diziam a ela: “Muito bem, Túnia!” enquanto para mim sobravam frases do tipo: “Por que você não é um pouco mais parecida com sua irmã?”. E isso, devo dizer, dava nos nervos. Há dezessete anos eu ouvia algo como aquilo quase todos os dias.


Minha mãe entrou em meu quarto parecendo insegura, como se estivesse se adentrando na toca do urso pardo. Mas achei que ela estava daquele modo porque achava que eu estivesse dormindo.


- Lily? – ela me chamou, sua voz sussurrante.


Abri um olho e a encarei. Ela estava aflita por causa de seu atraso.


- Hm? – resmunguei.


- O Sirius está aqui. Disse que precisa conversar com você – ela olhou por um instante para o corredor, talvez para se certificar que Sirius não estivesse subindo as escadas. Eu estava rechonchuda de tantas roupas por conta do frio.


Engoli em seco. Sirius tinha matado uma aula para conversar comigo? Ele não era desse tipo, de jeito nenhum. Ele era mais do tipo que achava que gestos valiam bem mais do que palavras. Raramente perdíamos tempo conversando.


- Ah, tudo bem. Eu já vou – eu disse, sentindo os nós de meus dedos frios por baixo das cobertas.


Aquilo era, claramente, um mau sinal.


Mamãe ficou parada ali olhando tudo. Franzi a testa.


- O que foi? – inquiri.


- Ah, Lily – ela lamentou – Gostaria tanto que você se ajeitasse.


- Eu vou entrar em uma faculdade, mãe – bufei.


- Não é apenas isso – ela negou, veemente – O mundo não é só a faculdade.


- Eu não posso deixar de ser quem sou, certo?


- Se você se espelhasse um só pouquinho na Petúnia... – aconselhou-me, esperançosa.


- Mãe, se você quer ter mais uma filha certinha, coloque-me para fora de casa, certo?


Ela pareceu discordar da ideia e fez uma expressão ofendida.


- É pedir demais que você seja um pouco mais madura?


- Eu estou me esforçando – garanti.


Minha mãe suspirou e continuou a mirar meu quarto, como se ele fosse uma garagem com arsenais de guerra.


- Bem, Sirius está lhe esperando – ela disse e rapidamente saiu dali, agora a passos calmos.


Rolei para o outro lado da cama e encarei a janela; raios de Sol penetravam por entre as frestas, lançando luz para dentro de meu quarto.


Coloquei Boo em cima de meu peito e suspirei, inconformada.


Sirius não podia matar aula para conversar comigo. Aquilo... nem se parecia com uma atitude dele.


- Vai ficar tudo bem, não vai? – sussurrei para Boo.


Mesmo contra a vontade, eu me levantei. Não acreditava que estava fazendo aquilo.


Troquei as blusas de lã e a calça de lã por um moletom rosa da GAP e calcei meu All Star velho, preto. Deixei Boo em cima do travesseiro e avancei até o corredor. Esgueirei-me até a escada e olhei para a sala: Sirius estava sentado no sofá parecendo um garoto realmente comportado. Pude ouvir mamãe andando de lá para cá em seu escritório, provavelmente tentando encontrar as chaves do carro. Ela sempre se esquecia que as chaves ficavam dentro do pote em cima da mesa de centro da sala.


“Ok, não vai ser nada de mais”, pensei, implorando para que aquilo fosse mesmo verdade.


Desci as escadas fazendo barulho, e isso chamou a atenção de Sirius.


Ele estava vestido com o uniforme do King Williams College. Sua gravata azul marinho estava frouxa em seu pescoço, como se ela o estivesse incomodando. Prontamente ele se levantou do sofá, ainda com as mãos nos bolsos do paletó da escola, sorriu, parecendo um pouco hesitante.


- Oi, Lily – ele me disse.


Olhei em direção ao escritório de minha mãe, que às vezes também funcionava como consultório médico. Michael, um garoto um ano mais velho que eu, preferia ser consultado em casa, mas Charlie, um cara careca com muitos problemas, gostava de aparecer ali na minha casa no meio da madrugada para contar à minha mãe os problemas familiares que tinha. Muitas vezes eu cogitara que talvez Peter devesse se consultar com mamãe.


Sorri vacilante e andei até onde minha mãe estava. Bati levemente na porta e disse:


- As chaves estão no pote da mesa de centro.


Ela me olhou surpresa, mas logo desfez a expressão.


- Oh, eu sei – ela sorriu – Estou atrás de umas guias.


- Eu e Sirius iremos conversar em meu quarto, tudo bem?


- Claro, já estou de saída – mamãe fez um aceno e logo voltou a se concentrar em suas papeladas.


Dei meia volta e retornei à sala, onde Sirius me aguardava, pacientemente.


- Vamos ao meu quarto – eu revelei, indicando com os dedos o andar de cima. Ele concordou e me seguiu.


À medida que ia avançando, meu desespero aumentava. O que Sirius poderia querer comigo quase às nove da manhã? Pelo que eu tinha percebido, ele tinha se arrumado e também não fora para a aula. O que aquilo realmente significava?


Entrei em meu quarto e abri a janela para deixar o sol entrar e para ver minha mãe partindo para o trabalho. Sentei-me no colchão, apreensiva.


- Alguém morreu? – perguntei, tentando fazer piada.


Sirius se acomodou na cadeira da minha mesa e apertou os lábios. Pareceu ficar ofendido.


Ele fez um barulhinho engraçado com a língua e franziu a testa.


- Nós realmente precisamos conversar – ele disse.


Rolei os olhos, irônica. Aquela parte eu já tinha entendido.


Ele sorriu minimamente.


- Se você quer que nos vejamos mais dias na semana, fique você sabendo que... – comecei, com a testa enrugada, parecendo muito irritada.


- Não, não é isso – ele me interpelou.


- Você... se cansou de mim? – perguntei, mas sentindo-me aliviada.


- Não, Lily, é justamente o contrário – Sirius falou. Eu esperei, minha respiração ficando rasa – Eu quero você para mim, para sempre.


- Sei – eu soltei uma risadinha – Mas você tem namorada.


Ele expirou muito devagar, olhando diretamente para mim. Pressionou os lábios e os lambeu.


- Eu vou terminar com Marlene.


Arregalei meus olhos, sentindo que o ar do meu quarto tinha ficado muito denso e pesado. Parecia que eu não conseguia respirar.


Terminar com Marlene? Sirius nunca tinha cogitado aquilo.


Ele dizia que amava a mim e a Marlene igualmente, que não tinha como se decidir apenas por uma.


Então... que porcaria era aquela? Ele não podia desfazer o namoro com Marlene, ela subitamente saberia que existia outra.


Pensei no pró: eu não precisaria me esconder mais.


Pensei no contra: James iria me odiar quando soubesse que eu estava mentindo para ele.


Ainda assim, aquilo estava errado. Eu não amava o Sirius. O lance com ele era só... bem, físico.


- Você não pode! – gaguejei, arfando. Senti um arrepio no corpo, como se estivesse me submergindo na água fria – Sirius! – exclamei – Isso... isso não pode acontecer, certo? Você ama a Marlene. Você não pode me amar!


Sirius riu.


- Por que não posso amá-la, Lily? – ele quis saber.


Eu não sabia que resposta lhe dar. Eu só sabia que ele não podia abandonar a Marlene.


- Porque é errado, você sabe que é! – tive vontade de berrar, só não o fiz porque minha mãe ainda estava em casa.


- Mas eu gosto de você – ele me garantiu.


Contra isso eu também não sabia o que rebater.


Ao invés de dizer algo, fechei os lábios e suspirei com irritação.


- Você não deveria – falei com sinceridade, algum tempo depois.


Sirius permaneceu me encarando, mas inexpressível.


Ouvi os passos de minha mãe no corredor e logo ela apareceu no meu quarto, de novo.


- Lily, estou indo – ela me disse – Por favor, à escola, certo?


- Eu vou – garanti.


- Vamos juntos – Sirius complementou, sorrindo relaxado para minha mãe.


Minha mãe piscou, estranhando aquilo. Normalmente ela me via com James, não com Sirius.


- Oh. Ótimo – ela balbuciou. Olhou mais um pouco para nós, como se estivesse analisando um paciente, mas desistiu e partiu.


Esperei que ela batesse a porta para retomar a conversa com Sirius. Meu coração estava pipocando em meu peito.


- Olha, eu gosto muito da Marlene, mas acho que ela não passa de uma irmã para mim – Sirius contou, mantendo a voz calma e hesitante.


- Você não pode! – berrei, assustando-o – Eu não gosto de você desse jeito! Você sabe que nossa relação não tem amor!


- Mas eu quero que tenha – ele retrucou simplesmente.


Passei uma das mãos nos cabelos, aflita.


Aquilo não podia estar acontecendo.


- Sirius, James vai pirar quando souber que nós nos encontrávamos pelas costas dele!


- E daí? Não é só porque ele não tem nenhuma garota que ele tem que nos proibir de ter algo – Sirius deu de ombros, como se sua resposta fosse óbvia.


“James tem a mim”, falei comigo mesma. Claro que nossa relação era restritamente platônica. Apenas éramos melhores amigos, mas eu sentia que era mais dele do que de qualquer outro garoto.


- Meu Deus, Sirius, você não está sendo coerente! – eu disse.


- Eu não acho que enganar a Marlene seja legal – ele falou.


Não acreditei. Minha expressão foi de aflita para incrédula em um segundo.


- Você não pensou isso na primeira vez que me beijou e com certeza não pensou em todas as outras vezes! – exclamei.


- Porque só agora descobri que é muito melhor estar com você do que com Marlene.


Senti-me enjoada. Desejei ter ido à aula de Psicologia.


- Não faça isso, vai – gemi – Ela realmente o ama.


- Eu também achei que a amava – ele resmungou.


Nisso, meu celular apitou, revelando mensagem. Andei até minha cômoda e li:


HEY, APAREÇA!


Eu não precisava ler o número para descobrir quem me mandara aquilo.


- James? – Sirius perguntou.


Assenti de má vontade.


- Sabe o que acho? – ele me perguntou; não esperou resposta: - Acho que essa sua amizade com ele faz muito mal para você.


Ergui uma sobrancelha, ofendida.


James era o melhor amigo que eu podia ter arrumado. Ele me lembrava do dever de casa. Ele me ajudava no dever de casa. Dava-me chocolates quando eu estava doente. E nunca se esquecia de meu aniversário. Sem contar todas as nossas conversas deliciosas.


- Não, acho que me envolver com você é que me deixou idiota – rebati.


Sirius me deu um sorriso de escárnio.


- James lhe trata como se fosse namorada dele – Sirius me disse.


- Nós só somos melhores amigos – dei de ombros.


- Eu sou o melhor amigo dele e ele não me trata como lhe trata.


- Porque você é menino – argumentei.


- Não, é porque ele gosta de você de um jeito diferente.


Eu ri.


- Isso é uma cena de ciúme, Sirius Black? – cacarejei.


Sirius fechou a cara.


Ele com ciúme de mim? E por causa de James?


Aquilo também não fazia sentido.


Sirius, eu sabia, eu tinha certeza, não me amava. Muitas vezes eu me perguntara se algum dia ele verdadeiramente amara alguma garota.


“Não seja idiota, Lily. Talvez ele realmente esteja apaixonado por você”, pensou minha consciência.


“Sirius não teria coragem nem se jogar na frente de um carro pelos seus pais”, respondi mentalmente.


- Vou tentar falar com Marlene hoje – Sirius me disse depois do que me pareceu ser minutos.


- O problema é seu – falei – Para mim é que você não vai correr.


- Vai me negar, Lily? – ele riu.


- Para sempre, Black – respondi com repugnância.


Sirius estalou os lábios.


- Você sabe que, bem no fundo, você me quer – ele disse como quem sabe das coisas.


- Quero, quero sim. Quero-o bem longe de mim.


- Não me parece que me queira longe de si todas as noites em que vai ao meu apartamento – ele revidou.


Bufei, agora furiosa. Mas comigo mesma.


Como eu tinha sido tão idiota a ponto de me relacionar com Sirius Black?


Não respondi.


Isso fez com que ele alargasse seu sorriso afetado.


- É melhor você ir andando – aconselhei-o.


- Vamos juntos à aula, lembra?


- Minha mãe não precisa saber que você não me acompanhou – eu disse.


- Sabe que fugir de mim não irá amenizar nada, não sabe? – seu risinho me irritou e eu tive vontade de me levantar e arrastá-lo para fora de meu quarto à força.


- Por favor, saia de minha casa – pedi.


Sirius não se mexeu.


- Sirius, vá embora – disse, com o tom quase gritante.


Ele levantou as mãos para o teto e rolou os olhos.


- Sabe qual é, de fato, o seu problema? – perguntou-me. Eu nem olhei para ele – Você medo de se entregar.


- Não, eu só estou tentando não me machucar – revidei, explicando em tom ácido.


- Sei – ele riu – Então, o melhor jeito de provar que está certa é não tentando?


Franzi a testa. Eu estava confusa, ainda que muito irada.


- Você não é quem procuro – falei, olhando-o timidamente.


- E quem é? O James?


Rolei os olhos, cansada.


- Quer parar de pensar no James a cada frase que digo? – perguntei – Agora vá embora.


- Eu vou, mas você sabe que está cometendo um erro, não?


- O idiota aqui é você, não eu – falei.


Então, ele saiu de meu quarto, rindo. Seus tênis faziam barulho no assoalho e pude ouvir a porta bater quando ele se foi.


Sem alternativas, joguei-me de volta na cama e digitei:


APARECEREI DEPOIS DO ALMOÇO (:


Após mandar a mensagem para James, tirei os tênis e me enrolei mais uma vez nas cobertas.


Despertei assustada com um grito vindo do andar debaixo. Observei desorientada o meu quarto e fiquei imaginando se estivera apenas sonhando. Que horas seriam? Eu não tinha colocado o despertador do celular para tocar. A luz do Sol ainda banhava a parede oposta da janela e pássaros piavam felizes lá fora. Descobri-me rapidamente experimentando o ar gelado lamber minha face, automaticamente fazendo-me arrepiar. Agarrei meu celular, mas não havia nenhuma outra mensagem de James; deduzi que talvez ainda não tivesse passado do meio-dia. Com sonolência, calcei minha pantufa cor de rosa e com passos trôpegos cheguei até ao corredor. Apurei os ouvidos; talvez minha mãe tivesse voltado para buscar algo que esquecera e não seria nada bom se ela me visse ainda ali em casa, principalmente de pijamas.


Caminhei até o topo da escada e mirei lá para baixo, para a sala.


Silêncio e ausência de qualquer tipo de vida – tanto humana quanto sobrenatural.


- Shh, eu falei para ir pegar lá no carro, poxa! – a voz disse, risonha.


Pisquei atônita. Havia, sim, alguém ali em casa.


Levei uma mão ao coração, assustada.


- Vá você, eu vou subir e me trocar – a voz da menina disse.


Mas essa voz eu conhecia.


Os passos da garota começaram a percorrer os degraus da escada, enquanto ela olhava para baixo, para alguém que não estava no meu campo de visão.


- Ai – ela disse, levando uma mão à boca para sufocar o berro – Quer me matar de susto, sua idiota? – ela me perguntou com os olhos arregalados como se eu fosse um fantasma – O que está fazendo aqui no alto da escada? Por que não está na escola?


Eu odiava a minha irmã. Ela achava que podia se fingir de mamãe para cima de mim, mas não era uma mamãe-preocupada, era uma mamãe-irritante.


- Não é da sua conta – respondi rabugenta.


- Achei que ninguém estava em casa – ela deu de ombros – O Doug está aqui.


Rolei os olhos. Era tão óbvio. Sempre que Petúnia achava que não tinha ninguém em casa, levava Doug para lá. E eu não sabia por que tinha feito aquilo naquele dia, já que tinha dormindo na casa dele e tudo mais, na noite anterior. Além do mais, eles se viam todos os dias da semana por conta da faculdade. Sim, é muito estranho pensar que um cara queira fazer faculdade de moda e ainda seja completamente hétero como Doug. Além dos músculos e dos olhos azuis, eu totalmente não sabia o que Petúnia tinha visto nele, de verdade.


- Eu notei – salientei – Mas e vocês? Por que vocês estão aqui?


- Precisamos pegar o projeto do semestre – Petúnia respondeu com indiferença.


- Ah – falei desatenta.


Ela passou por mim com aquele jeito de Rainha dela – ou talvez de Princesa -, entrou em seu quarto e começou a procurar roupas limpas nos gavetões de sua cômoda branca.


- Túnia? – Doug perguntou – Acho que vou precisar de sua ajuda.


Olhei lá para baixo e Doug estava parado no final da escada com uma suéter azul escura que combinava com seus olhos, um jeans surrado e tênis da Nike.


- Ah, Lily – ele exclamou – Oi.


Eu tinha certeza que Doug estava horrorizado. Eu estava com cara de quem tinha acabado de acordar e meu cabelo estava todo revoltado e espetado. Era um saco dar de cara com ele naquele estado.


- Hm – grunhi – E aí.


- Achei que estivesse na escola – ele comentou, talvez para começar algum assunto.


- Acabei perdendo a hora – menti.


- Aposto como seus amigos estão sentindo a sua falta – ele sorriu afetado.


Levantei uma sobrancelha. Doug namorava Petúnia há um pouco mais de um ano, mas sempre que eu me encontrava com ele, surpreendia-me com algo. Eles se conheceram em uma saída de campo, no final do primeiro semestre de Petúnia. Agora ela estava no segundo ano da faculdade, terminado o terceiro semestre, e Doug fazia o terceiro ano – quinto semestre. Apesar da diferença de idade, eles se davam bem. Acho que ambos eram suficientemente idiotas juntos.


- Ha – falei, sentindo-me desconfortável diante dele – É – olhei para a porta do quarto de Petúnia – Acho que minha irmã já vem – sorri.


E deixei-o sozinho no pé da escada, voltando para meu quarto.


Aquela manhã estava sendo um inferno. Primeiro Sirius, depois Doug. O que mais podia acontecer?


Olhei no relógio do celular. 11:23h.


Maravilha. Eu poderia ainda estar dormindo, mas minha irmã tinha feito o favor de levar o namorado idiota dela e acabar com o meu sono de beleza. Bem que ela poderia sair de casa de uma vez e morar com Doug. Eu não ficaria triste se isso acontecesse.


Bocejei e me ocupei com o uniforme do King Williams.


Às vezes estudar em um colégio de elite tem suas conseqüências. O uniforme é uma delas. Claro que, por um lado, tem seus pontos positivos, como por exemplo, não precisar gastar suas roupas novas para ir ao colégio; além do mais o azul xadrez das saias combinavam com tudo: desde brincos de diamante a bijuterias. Usar uniforme era prático, ainda que eu quisesse ser mais eu mesma, não mais uma naquele vasto mundinho de adolescentes que achavam que a popularidade era tudo. O ponto negativo de usar aquele uniforme era que eu me sentia um robô saindo de uma fábrica: impecável, mas completamente artificial.


Sem paciência, vesti-me rapidamente e logo estava analisando minha pele quase translúcida no espelho. Eu odiava a minha genética que sempre ficava em segundo lugar em relação à de Petúnia, mas de uma coisa que gostava: ser ruiva. Eu era bem mais ruiva do que Petúnia e eu achava aquilo legal. O cabelo de minha irmã era um castanho avermelhado, enquanto o meu era realmente ruivo. Naquilo me achava melhor do que Petúnia. Pelo menos no quesito “cabelo” eu era vitoriosa.


Percebi que estava com fome quando Petúnia disse, entrando em meu quarto sem ser convidada:


- Vou preparar umas panquecas, tudo bem? Mamãe deixou a massa pronta.


Assenti, agarrando meu estômago dolorido.


Almoçamos com a TV sintonizada em um jogo de rúgbi – o Doug era fã. Eu sempre calada e Doug sempre falando mais do que podia, como sempre. Uma coisa que me irritava era isso. Eu não sabia qual era o problema dessa gente que fala e mais fala. Qual era o problema de ficar em silêncio? Eu odiava pessoas que falavam demais, pois isso eu e James nos dávamos bem. Ele apenas falava o necessário e era um ótimo ouvinte, nunca interpelava ninguém.


Quando percebi que já eram 13:05h, perguntei para Petúnia se ela não deveria estar indo para a faculdade.


Ela meramente riu de mim e continuou a beijar o Doug.


- A entrega do projeto é às dezesseis – Doug teve a decência de me explicar.


Eu que não estava nem um pouco me importando que tipo de projeto era aquele – provavelmente algum projeto de vestido ou sei lá, eu não entendia o que as pessoas faziam em uma faculdade de moda -, subi novamente para meu quarto. Alcancei meu material todo e joguei-o na bolsa velha, antes de partir dali.


Ir para o King Williams College sem James era estranho. Era como se estivesse me faltando um braço ou uma perna.


Quando bati a porta de meu quarto, meu celular apitou, avisando mensagem.


A DORCAS NÃO PÁRA DE FALAR NO REMUS. ANDE LOGO, LILY!


Eu sabia o que era estar no mesmo recinto que Dorcas depois do que tinha acontecido. Era simplesmente insuportável.


Desci as escadas fazendo barulho, logicamente para anunciar a minha descida à minha irmã e ao namorado, caso eles estivesse se agarrando no sofá – o que era óbvio que eles estavam. Petúnia estava com as pernas flexionadas em cima das de Doug, enquanto Doug se esticava para beijá-la.


- Vou andando, okay? – informei.


Petúnia deu de ombros e riu. Doug disse:


- Boa aula, Lily.


Mal ele sabia que eu já tinha matado quase todas as aulas de Química II do trimestre.


Andar até o King Williams não demorava muito, mas dava tempo para pensar.


Naquele começo de tarde minha cabeça estava tão atormentada com tantos assuntos diversos, que não conseguia pensar direito.


Sirius. Meus Pais. A faculdade. James. Remus. Marlene.


Era um fluxo interminável de pensamentos que colidiam em minha mente.


Quando avistei os portões do colégio, avistei também Sirius e Marlene. Eles estavam sentados nos degraus de concreto e pareciam discutir. Engoli em seco. Será que ele já estava dando um pé na bunda da Marlene? Assim, tão rápido? Além de tudo, na escola?


Desviei os olhos deles e fingi que não os tinha visto. Mas aí balancei a cabeça rapidamente... se ele estava tentando dar o fora na Marlene ali, era melhor eu intervir. Por isso, caminhei diretamente até eles e falsifiquei um sorriso em meus lábios.


- Hey – falei – Cadê o resto do pessoal?


Marlene olhou para mim com cara de quem estava se sentindo enjoada.


- Estão no refeitório, eu acho – Marlene me respondeu, dando de ombros.


- Ah – assenti – Vamos entrar, então?


- Estamos conversando – Sirius me disse com voz rude.


- Na verdade, eu não quero conversar com você, Sirius – Marlene disse ao namorado.


- Marlene, isso é sério – ele assegurou.


Marlene meramente levantou-se e me disse:


- Vamos.


Deixamos Sirius sozinho ali nos degraus de concreto, observando-nos se afastar.


- Ai, meu Deus, o que aconteceu? – perguntei, fingindo-me de preocupada.


- O Sirius está estranho desde manhã – ela rolou os olhos – Acredita que ele matou o período de Francês? E quando eu lhe perguntei aonde tinha ido, ele apenas disse que estava resolvendo umas coisas que não eram da minha conta!


- Nossa – eu disse – Vocês brigaram ou algo assim?


- Acho que ele quer terminar comigo, Lily! – Marlene disse, com a voz lamurienta – E eu nem sei o que fiz de errado!


Comecei a me sentir desconfortável em sua presença e evitei olhá-la nos olhos.


- Talvez seja outra coisa – arrisquei.


- Não, ele disse que o assunto era sério. O que mais pode ser?


- Não sei – menti – Mas pense bem. Ir para a faculdade sem namorado não deve ser tão ruim – falei e em seguida quis engolir aquelas palavras de volta para minha garganta. Marlene me olhou como se eu tivesse lhe sugerido que comesse vidro incandescente.


- Eu não quero ir para a faculdade sem o Sirius.


- Mas pode ser que vocês não sejam aceitos na mesma faculdade – expliquei.


- Lily, qual é o seu problema hoje? – ela estourou – Você está do meu lado, ou não?


Sorri constrangida.


- Claro que estou do seu lado – falei.


Então, ficamos presas cada uma com seus problemas à medida que avançávamos escola adentro. Mas eu sabia que naquele momento a mesma pessoa era mencionada por nossos cérebros: Sirius.


Seguimos para o refeitório, onde nos encontramos com James, Peter e Dorcas, que falava e mais falava sobre as matérias preferidas de Remus. James estava com cara de quem estava se esforçando muito para não sair correndo; ficou aliviado quando me viu.


- Finalmente. Por que não veio antes? – ele me sussurrou.


Pisquei, tentando encontrar alguma verdade que não incluísse o aparecimento de Sirius em meu quarto.


- Acabei perdendo a hora mesmo.


- Mas você respondeu a minha mensagem.


- Sim, daí voltei a dormir – respondi.


- Você perdeu o debate sobre a Guerra do Golfo – James me notificou – Vai cair na prova do semestre, no mês que vem.


- Eu nasci sabendo História, James – me gabei.


Ele riu. A verdade é que ele sempre tivera bem mais dificuldades nessa matéria do que eu.


- Isso é bom, quer dizer que você vai me ajudar a estudar – ele sorriu.


- Claro – sorri de volta.


Como o almoço estava chegando ao fim, eu e ele nos adiantamos e já fomos para a sala de Inglês.


O resto da tarde passou rapidamente, talvez porque eu tivesse dormido muito e meu sono estivesse realmente sido extirpado de meu corpo.


Quando o sinal do último período soou, eu dei graças a Deus que não precisasse mais ficar ali. Eu precisava procurar Sirius e bater nele, ou então berrar. Qualquer coisa.


Fingi ter de ir à biblioteca e deixei James me esperando no portão. Eu lhe disse que não havia necessidade de que ele me esperasse, mas James seria sempre James, portanto não discuti com ele, apenas me mandei de novo para dentro da escola, correndo feito uma idiota.


Eu sabia que no último tempo Sirius tivera Cálculo Avançado e me dirigi ao terceiro andar. Porém, quando abri a porta da sala, não havia ninguém lá. Sirius acompanhava Marlene até em casa, juntamente com Emmy e depois se dirigia para sua própria casa. Se ele já tinha saído da aula, deveria estar na companhia da namorada e de Emmy e abordá-lo não seria o ideal.


Tudo o que eu sabia era que ele não podia terminar com Marlene. Eu não queria ser a responsável por aquilo.


Então, meu único recurso depois de ter saído correndo pelo colégio a sua procura foi sentar-me nas escadas da biblioteca e lhe mandar a seguinte mensagem:


VOCÊ NÃO PODE TERMINAR COM ELA. POR FAVOR, NÃO FAÇA ISSO.


Segui, então, para o portão, onde James me aguardava.


- Achou o livro? – ele me perguntou.


- O quê? – perguntei, desatenta.


- O livro que estava procurando – ele explicou.


Pisquei sem expressão.


- Oh. O livro. Sim, achei – sorri amarelo, suspirando em alívio.


Minutos corridos, estávamos em frente a sua casa. Sua avó estava sentada na varanda do quarto na cadeira de balanço e acenou para nós. Daí saiu caminhando para dentro do quarto para, logicamente, preparar algum chocolate quente para nós. O inverno era ótimo na casa de James. Eu tomava litros e mais litros de chocolate quente ou de chá de gengibre com mel.


Despedimo-nos e eu entrei na cozinha da minha casa. Deixei a mochila em uma cadeira e fui me servir de biscoitos enfeitados.


Sentei-me à mesa e fiquei analisando as folhas voarem de um lado para outro lá fora.


Perguntei-me se Doug ainda estava ali. Olhei em volta à procura de algum som que o denunciasse. Eu ouvia conversas vindas do escritório de minha mãe e me perguntei com quem ela estaria conversando.


Devorei todo o pote de biscoitos sem sentir realmente o gosto e tomei um pouco de suco de abacaxi que Petúnia tinha comprado da última vez.


- Lily, você chegou? – a voz de minha mãe ondulou até minha, vinda da sala.


Distraída, eu disse:


- Oi, mãe. Cheguei.


Ela apareceu na cozinha, trajando as mesmas roupas que eu a vira pela manhã.


- Precisamos ter uma reunião em família – ela me disse – Venha até a sala.


Surpresa, perguntei:


- O que aconteceu?


Ela não me respondeu e se retirou da cozinha, fazendo-me segui-la.


Senti um solavanco no estômago, como se estivesse repentinamente enjoada.


Nós raramente fazíamos reunião em família. Talvez porque meus pais nunca eram capazes de entender as opiniões um do outro e isso resultava em briga. Mas, dessa vez, o que estaria em pauta? Da última vez eram as minhas fichas de inscrição para faculdades. Talvez eles estivessem cogitando a minha expulsão de casa. Fazia sentido.


Quando cheguei à sala, notei que meu pai estava sentado em sua poltrona velha de couro com uma expressão muito séria. Normalmente, meu pai já era um cara muito sério, mas naquele momento, ele estava ainda mais sério do que o habitual. Talvez eu estivesse mesmo muito ferrada. Minha irmã estava acomodada na ponta esquerda do nosso sofá com as pernas cruzadas, sem demonstrar muita reação.


Sentei-me no lado oposto do sofá, juntamente com Petúnia, e aguardei.


Minha mãe preferiu ficar de pé e pigarreou.


- Bem, Lily, nós sabemos que você está tentando entrar na faculdade e tenho certeza de que você tem mais milhões de problemas, mas nós queríamos lhe comunicar que eu e seu pai vamos nos separar.


Não sei ao certo por quantos segundos, ou talvez até mesmo minutos, fiquei olhando admirada para minha mãe. Só sei que quando ela estalou os lábios de uma maneira insegura, eu foquei em meu pai e soltei:


- O quê?


Vi Petúnia rolar os olhos, impaciente.


- Eles só vão se separar, sua idiota – ela me disse.


- Quando vocês decidiram isso? – perguntei.


- Já faz algum tempo que estamos planejando isso – meu pai confessou – Eu sinto muito, mas acho que será bem melhor para todos.


Não que eu estivesse chocada ou magoada. Eu estava aliviada. Eu precisava que eles se divorciassem. Eu não sentia pena de mim mesma por isso.


- Conversamos com Túnia há algumas semanas, e ela não ficou chateada e disse que provavelmente você também não ficaria – mamãe disse.


- O quê? Vocês conversaram com Petúnia? Por quê?


- Ela é a sua irmã mais velha, Lily – meu pai falou, como se eu não estivesse entendendo um problema muito óbvio – Sabemos muito bem que vocês têm suas diferenças, mas são irmãs. Ela conhece você tão bem quanto eu e sua mãe. Se não mais.


- Então... vocês contaram para Petúnia e não me contaram? – perguntei.


- Nós só queríamos ter certeza de que estávamos fazendo a coisa certa – minha mãe disse.


Eu não estava acreditando que meus pais tinham achado que eu era uma criança e tinham confiado bem mais na Petúnia do que em mim. A Petúnia não me conhecia, ainda que meu pai dissesse o contrário. Ela não poderia saber como eu me sentiria de fato.


- Por que a Petúnia sempre tem que saber das coisas primeiro? – bufei, irritada.


- Lily – minha mãe comprimiu os lábios, parecendo chateada – Nós sabíamos como você iria reagir. E algo me diz que você não está ofendida por saber que vamos nos separar.


- Realmente, não estou ofendida por isso – respirei um pouco, fazendo uma pequena pausa – Estou ofendida por ver que vocês não confiam em mim.


Meus pais se entreolharam.


- Claro que confiamos em você – papai disse – Só que, bem, Petúnia...


- O quê? O que tem a Petúnia? – cerrei meus dentes, furiosa - Ela é mais especial do que eu?


- Ai, garota, cala a boca – Petúnia exclamou, revirando os olhos – Não é nada disso. Eles só queriam saber se você iria ficar bem quando contassem a notícia.


- É, Lily. Não tem a ver com favoritismo – minha mãe negou.


- Petúnia não me conhece, certo? – contestei - Ela não poderia saber como eu reagiria!


- Claro que poderia. Você sempre está reclamando das brigas do papai e da mamãe, então deduzi que você ficaria bem com a separação – Petúnia revidou.


- Você só deduziu; isso não quer dizer que me conhece – falei.


- Okay, já deu isso para mim – Petúnia revelou.


- Lily, por favor, seja mais madura – papai pediu – Nós estamos passando por uma fase delicada e...


- Vocês sempre passaram por fases delicadas, pai – respondi – Vocês sempre me excluíram das notícias e sempre acharam que eu sou criança demais para entender as coisas.


- Não torne isso mais difícil do que já é, Lily – mamãe exigiu.


- Se você acha que isso é difícil, você nem sabe o que é a minha vida – retruquei.


Todos me ignoraram por um instante.


- Você só tem dezessete anos, nada é muito difícil para você – meu pai falou – Eu sei que a morte de Remus foi um choque, mas acho que você está superando isso, não está?


- Se você acha – dei de ombros.


- Bem, vou tentar arranjar um apartamento aqui por perto no próximo mês e assim que tiver tudo preparado, irei me mudar – meu pai comunicou.


- Eu sabia que isso iria acontecer, sério – assegurei, olhando para ele.


Só não sabia que Petúnia ganhava bem mais confiança assim, tão na cara dura.


- Bom, agora que Lily já deu o ataque dela e que tudo está explicado, eu e Doug vamos para a faculdade – Petúnia levantou-se do sofá com um movimento gracioso.


Eu continuei no sofá, observando-a, lentamente, subir as escadas com o mesmo movimento gracioso de antes. Doug, pude entender, ainda estava ali, provavelmente no quarto de Petúnia.


- Você vai ficar bem, não vai? – papai me perguntou.


Eu mal sabia se estava me sentindo bem, imagine se eu saberia se ficaria bem.


Trocando um pouco de pensamento, perguntei-me se Sirius já tinha dado o fora na Marlene. Pelo visto, ainda não, pois, caso contrário, ela já teria me ligado para me contar, toda escandalosa.


Toquei meu celular no bolso do meu casaco. Será que Sirius tinha lido minha mensagem?


- Claro – menti para meu pai.


Mas tudo bem. Porque eu era uma ótima mentirosa. Mesmo quando a mentira estava na cara, ninguém a descobria. Isso era, acho, a minha arma contra a sociedade. E, talvez, especialmente contra meus amigos. Bem, não existe ninguém que já foi preso por mentir, existe? Claro que mentir para uma autoridade é um crime, mas não sei se isso lhe transforma em um criminoso.


E se é assim, talvez eu não fosse uma criminosa também. 




:::

N/a: AEAEAE *-* eu voltei, negada! Eu sei que demorei, mas eu estava estudando mais do que o normal e estava preocupada com meus livros, de modo que dei mais atenção a eles do que às fics. Mas eu estou de volta, yey. Espero que tenham gostado do capítulo (: o suspense ainda é grande, mas logo logo vocês irão entender em que a Lily está envolvida. Espero comentários e semana que vem estou aqui, postando de novo! Beijo, amadas (existe algum menino lendo a minha fic?) ;*

Nina H.


21/07/2011

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