::capítulo três::



Capítulo Três
Ou
Haunted


Eu nunca fui o tipo de menina que amava músicas fofas e lentinhas, tipo as músicas da Taylor Swift ou da Colbie Caillat. Eu sempre achava que músicas assim me deixariam depressiva e com vontade de chorar. Por isso, eu não entendi porque raios eu ouvia The Only Exception. A Marlene era obcecada pelo Paramore e tinha me passado muitas músicas da banda para o meu Ipod e eu nunca tinha me dado ao trabalho de escutá-las, porque simplesmente não conseguia largar o Garbage. Já era a quarta vez que ouvia a canção e tudo o que pensava era que eu não deveria estar no meio da classe escutando aquele tipo de música.


Apesar de eu não ser uma menina muito convencional, eu não conseguia começar ao meu dia sem música. Eu caminhava com James até a King Williams com os fones dos ouvidos e me sentava à classe ainda com eles. James, que sempre respeitava aqueles meus momentos com minhas músicas, nada falava. Só me cutucava quando os professores entravam na sala.


Onze dias após saber que Peter estava de volta ao mundo real, eu continuava a mesma. Temia ficar sozinha com ele, porque achava que ele fosse querer conversar sobre você-sabe-o-quê. E eu não estava preparada para falar sobre você-sabe-o-quê. Eu mal falava sobre aquilo com James, imagine com Peter! Não, nunquinha! Isso só me deixaria mal. E provavelmente o James teria de catar os pedacinhos do meu coração espatifado depois e mentir para mim dizendo que “tudo iria ficar bem”.


Peter estava de volta também à escola. Com muita relutância, claro, sua mãe o permitiu freqüentar o King Williams.


E ainda bem que ele estudava na classe de Sirius, não junto comigo e com James.


Eu estava com a cabeça apoiada nos meus braços, completamente odiando pela quarta vez a porcaria da música. Mas sabe quando você nem consegue parar de escutar?


E então James me cutucou.


Suspirei e logo escutei a voz do Sra. Woodmen nos desejar bom dia. Ahãm, como se fosse um bom dia, Sr.


Ainda com os fones nas orelhas olhei para James. Ele me olhava também, mas com receio.


- O que foi? – perguntei.


- Nada – ele deu de ombros – Você está bem?


Apoiei minha testa nas mãos, esquecendo de retirar os fones.


- Não sei – respondi.


- Srta. Evans, guarde o Ipod, sim? – Woodmen me disse de modo gentil.


Nada contra Literatura, eu adorava ler, mas por que eu tinha que ter Literatura logo no primeiro período de sexta-feira?


Eu tinha me arrependido de ir à aula. Bem que eu poderia ter dito que estava com cólica ou dor de ouvido. Ou sei lá, que tinha pegado Ebola. Qualquer coisa. Principalmente porque, depois que eu guardei meu Ipod, peguei o caderno e James me emprestou uma caneta, Woodmen começou a dizer:


- Quero que formem duplas, primeiramente.


Eu e James nos olhamos, sorrindo.


Quando alguém dizia “montem suas duplas”, automaticamente eu e James nos entreolhávamos. Era como se tivesse uma grande nuvem de eletromagnetividade entre nós. Não sei, era difícil de explicar. Coisa de melhores amigos, sabe?


Eu e James juntamos nossas classes em um segundo e apoiamos nossos queixos nas mãos a fim de escutar o restante da proposta de Woodmen.


- Eu fiz uma ampla pesquisa sobre todos os sentimentos contidos na maioria dos livros e estarei distribuindo aos senhores algum deles para vocês debaterem acerca dele e responderem as perguntas sugeridas em cada folha – Woodmen começou a andar por entre as duplas carregando uma pilha de folhas de papéis.


- Tomara que não fiquemos com depressão – comentei gemendo.


Mas nosso tema foi bem pior. Não era definitivamente sobre a depressão. Era sobre o amor.


Primeira pergunta: O que é amor para vocês?


Segunda pergunta: Como conquistá-lo?


Terceira pergunta: Como ele pode contribuir para uma paz social?


E as perguntas posteriores só ainda piorando a minha hiperventilação.


Eu só olhei para o James querendo matar o Woodmen.


- Okay, isso é ridículo – falei, meio que rindo.


- Qual o problema com o amor? – James me perguntou.


- Você sabe, eu não acredito nele. É uma perda de tempo – respondi.


- Acho que só porque você nunca se apaixonou – ele deu de ombros.


Rolei os olhos.


- Sério, vamos pedir para a Wanda e a Jolie trocarem com a gente! – falei.


James abriu a boca, mas já era tarde de mais, porque eu já estava cutucando o ombro de Jolie.


- Qual sentimento vocês pegaram? – eu quis saber.


- Luxúria – Wanda respondeu, dando risadinhas.


Fiz uma careta. Discutir sobre luxúria não era o que eu tinha em mente.


E acho que a julgar pela expressão de desespero de James, também não era a vontade dele.


- Okay, esqueça – olhei para as duas e em seguida para James, encostando-me furiosa no encosto da cadeira.


- Não pode ser tão ruim falar sobre o amor, Lily – James balançou a cabeça.


- Eu acabei de escutar uma música depressiva sobre o amor, e isso só me faz odiá-lo ainda mais – retorqui.


- Você odeia o amor? – James riu.


- Quero dizer, é uma porcaria quando você ama alguém e não é retribuído com o sentimento.


- Por quê, você está apaixonada por alguém que não a ama? – James perguntou.


Rolei os olhos.


- Não! – exclamei. E era mesmo verdade. Ainda que eu me encontrasse com Sirius, eu não o amava. Sirius era só... bem, uma experiência – Eu só acho que deve ser muito ruim, sabe.


- Ah – ele me disse – É ruim mesmo – ele resumiu.


- Okay, vamos logo começar com essa porcaria – eu disse, tirando a tampa na caneta.


E aí a aula foi um saco, porque conversar sobre o amor com James era complicado, sabe. Eu e ele éramos muito diferentes nesse ponto. Acho que ele era meio romântico, vai saber. Já eu, sei lá, eu era muito pé no chão. Todo hora eu me zangava com ele, ou ele se zangava comigo. Eu não sabia explicar o que era o amor, e ele teve que escrever. Ele escreveu “Amor é quando temos todos os motivos para desistir e não desistimos. É quando sabemos de todos os defeitos da pessoa, mas a amamos do mesmo jeito, porque sabemos que apenas essa pessoa nos completa”. Eu achei a coisa mais piegas do mundo, mas não o fiz mudar.


Isso porque o James era muito mais verdadeiro do que eu. Eu nem sabia o que era a porcaria do amor. Como poderia escrever sobre ele?


Assim que o sinal soou, eu levantei minhas mãos para o teto, agradecendo silenciosamente. Finalmente. Isso significava que eu poderia me mandar da presença de James e voltar a escutar Garbage nas escadas em frente à biblioteca. Claro que isso também significava que eu iria matar a aula do Velloso, mas e daí? Era Biologia. Eu já sabia tudo de Biologia.


Eu literalmente saí correndo até a biblioteca. Claro que eu tinha minhas táticas.


Primeira tática: fingir que está interessada em algum livro dentro da biblioteca.


Segunda tática: fingir que esqueceu o seu cartão escolar de identificação, pois assim você perderá mais tempo dentro da biblioteca.


Terceira e última tática: sair da biblioteca e encarar os corredores completamente vazios e sorrir vitoriosa, porque sendo assim, todas as portas de salas de aulas já foram fechadas e você não pode mais entrar em nenhuma e só lhe resta uma alternativa: sentar-se nos degraus da escada em frente à biblioteca e matar aula.


Simples, muito simples. Eu fazia aquela jogada quase todos os dias, nos períodos de Biologia e de Inglês.


E por isso eu fazia questão de escolher um livro realmente bom para passar a hora. Naquela manhã, consegui Lolita.


Mas claro que quando as coisas estão perfeitas, nós sempre achamos que alguém ou algo pode estragar tudo. No meu caso, é só a mais pura constatação, porque eu nunca conseguia viver mais do que dois minutos em plena felicidade.


E foi o que aconteceu. Alguém apareceu.


Não foi o Sr. Bob Esponja, o zelador (chamávamo-nos assim por causa da sua risada semelhante à do personagem de desenho), nem a Srta. Halt (a conselheira profissional do King Williams). Isso porque não era nenhum adulto.


Olhei para o final do corredor e reconheci o paletó surrado da escola. Todos, inicialmente, eram pretos, mas depois de tantos levarem, desbotavam um pouco e ficavam acinzentados. Sirius trazia um sorriso malandro nos lábios. Isso me irritou.


Desviei meus olhos de seu corpo perfeito e me concentrei em finalizar a frase que lia, do terceiro capítulo.


Ler era muito fácil, mas quando Sirius chegava ou estava ao redor, não sei, a facilidade se transformava em impossibilidade.


Sabe como é, não que isso significasse que eu estivesse apaixonada por ele. Eu só gostava do sexo com ele.


- Hey, Evans – ele disse – Matando aula, é? – ele riu, abrigando as mãos dentro dos bolsos do paletó.


- Você não está fazendo o mesmo? – retruquei.


- Na verdade, não – ele negou, agora deixando de lado o riso, mas perdurando com o sorriso – Peguei um passe para ir ao banheiro.


Ah, bem típico de Sirius Black. Fingir que vai a banheiro ou beber água para matar aula. Ao menos ele tinha uma desculpa concreta para deixar a sala de aula quando bem entendia. Apesar de que, por outro lado, aquilo era a maior safadeza. Ao menos eu era mais radical e nem aparecia na aula, para depois os professores não virem me atestar como “matando aula quando deveria estar estudando”, como sempre estava na ficha de Sirius.


Se eu não estivesse na aula desde o começo, os professores poderiam pensar que eu faltara por motivos bons o bastante, não que eu meramente estivesse lendo e escutando música das escadas da biblioteca.


Não que eu me sentisse culpada por matar aula. Acho que todo mundo deveria fazer isso ao menos uma vez na vida. É o modo mais fácil de dizer “Não ligo para suas regras” sem ofender alguém diretamente.


- Pelo que eu saiba não tem um banheiro aqui por perto – falei.


Seu sorriso se transformou em algo bem mais sombrio.


- Eu estava mesmo querendo falar com você – ele me disse.


Eu sabia que ele estava me testando. Sirius sempre me testava. Ele sempre fazia aqueles joguinhos para ver até que ponto ele iria agüentar, mas eu sempre agüentava, porque caso contrário já teria nos dedurado para a Marlene ou então dado um fora nele.


Troquei de música e virei uma página do livro, como se dissesse “Não estou nem aí, meu caro”; mas infelizmente, não foi o que Sirius entendeu. Ele me conhecia bem. Não tão bem quanto o James, mas me conhecia bem o suficiente para saber que eu ainda não estava cansada de seus joguinhos, por exemplo.


- Fale logo – mandei – Não quero ser pega com você.


Sirius se permitiu dar um passo em minha direção e depois se inclinou para perto de minha face.


- Medo da Marlene? – ele sussurrou, seu tom exalando desafio e sarcasmo.


- Não – contradisse-o – Só não quero ser associada a alguém de sua categoria.


Ele ergueu as sobrancelhas, agora parecendo se divertir.


- Você transa comigo todas as semanas e não tem pena de fazer isso nas costas de uma de suas melhores amigas. Acho que isso já diz muito sobre a sua preocupação em não querer ser associada a mim – Sirius me disse.


Meu rosto ficou em chamas de raiva. Como é que Sirius Black sempre conseguia acabar com o meu dia?


- Diga logo e siga seu caminho, Black – adverti.


- Certo – ele balbuciou, mas ainda muito concentrado. Ele nunca deixava algo abatê-lo. Tinha inveja dele nesse ponto – A Marlene vai viajar para Lewisham visitar os avós.


- E? – rolei os olhos. A verdade é que eu já sabia o que viria. Era sempre a mesma coisa.


“A Marlene não vai estar em casa hoje”, ou então “A Marlene não vai estar na cidade esse fim de semana”.


- Bem – ele hesitou por um único milésimo -, você poderia ir lá para minha casa.


O bom de ser Sirius era que ele tinha ganhado um apartamento de presente aos dezessete anos. Ele morava sozinho lá a cerca de quase sete meses e segundo ele, era a melhor coisa do mundo. Bem, os pais dele tinham até mesmo heliporto particular no prédio da firma, então isso significava que eles podiam fazer quase o que quisessem. Só gostaria que seus pais tivessem lhe ensinado mais respeito em relação aos sentimentos de uma possível namorada apaixonada.


Não que eu esteja jogando toda a culpa em Sirius. Eu bem sabia que metade da parcela de culpa era restritamente minha, afinal, quem começara com aquilo e não estava a fim de parar era eu. Isso mesmo, pode me chamar de destruidora de namoros.


- Não sei – desconversei, teimando em não erguer os olhos para ele; hey, eu estava tentando dar uma de durona! – É sexta-feira – falei, como se aquilo pudesse resumir tudo.


E, na verdade, resumia. Mas era a desculpa mais idiota de todas. E eu achava que ele iria cair nela todas as vezes.


- O James não pode dormir sem você nenhum dia? – ele perguntou com um que de raiva - Caramba, isso não sufoca você?


- Só dormimos na Casa da Árvore na sexta e aos fins de semana – respondi, ainda de olho nas palavras do livro, por mais que não as lesse – E, não, não me sufoca. Nós nos demos bem desse jeito.


- Qual é. Você tinha parado com essa coisa ridícula de passar as noites junto a ele.


Apertei os olhos. O que ele queria sugerir? Que eu deixasse de ser a melhor amiga de James?


- Ele é o meu melhor amigo – falei.


- Lily, melhores amigos dormem juntos em uma casa da árvore quando têm dez anos, não quando estão prestes a entrar em faculdades – ele argumentou.


- E desde quando você tem a ver com o tipo de relação tenho com James? – indaguei, possessa.


Meu Deus, Sirius Black com ciúme do meu melhor amigo? Quero dizer, sério?


Ele se limitou a suspirar com desânimo.


Juntou os lábios, lambeu-os e tornou a questionar:


- Vai lá para casa?


- Não posso lhe prometer nada – garanti.


Então, Sirius resolveu sentar-se ao meu lado. Uma de suas mãos foram parar em meu pulso, mas com leveza, sem me machucar.


- Eu sinto a sua falta – ele disse.


Olhei para seus cabelos bagunçados.


- Se está carente, sugiro que corra para sua namorada – falei.


- Não quero a Marlene – ele balançou a cabeça - Quero você.


- Algum dia você irá se decidir? – perguntei.


Ele sorriu irônico e me beijou. Eu deixei, porque fazia mais de uma semana que não o beijava. Não que estivesse propriamente com saudade de seus lábios, mas estava com saudade da sensação de estar beijando alguém, qualquer um.


- Estarei lhe esperando a partir das nove – ele jogou uma piscadela para mim, levantou-se e passou as mãos pelo paletó cinza.


- Sirius... – tentei confrontá-lo, mas eu sabia que era tarde demais.


Ele não respondeu, e eu não terminei a frase. Aliás, eu não sabia o que lhe dizer.


Claro que muitas frases estavam engasgadas em minha garganta, como “Não posso mais me encontrar com você, sinto muito”, mas nada saía. Eu simplesmente achava que era covarde demais.


Antes que eu pudesse organizar minha mente e pensar seriamente em lhe proferir algo, ele se foi. Retornou para o final do corredor e desapareceu.


Os últimos minutos matando aula passaram ligeiros. Eu só fiquei pensando em maneiras de terminar o que tinha começado com Sirius e não me concentrei no livro. E ainda que eu soubesse que todas as minhas tentativas pensadas poderiam resultar em algo, suspirei assim que o sinal bateu e afugentei os pensamentos para longe, porque eu sabia que por mais que estivesse pensando em possibilidades, elas nunca se concretizariam. Isso porque eu era Lily Evans. Se eu fosse qualquer outra pessoa do planeta, talvez eu criasse coragem de fizesse algo.


Resolvi não matar o restante dos períodos antes do almoço, porque sabia que isso implicaria a algo bem maior do que podia suportar. Não que eu já não tivesse visto em minha ficha a frase “mata aula constantemente”, mas sabe como é, era melhor não arriscar. Além do mais, os períodos seguintes eram Cálculo Avançado, Química, Física e Francês, matérias as quais eu me dava muito mal e não podia me dar o luxo de faltar para não ter problemas posteriores com notas realmente baixas, como o último D em Física no semestre anterior.


Como não tinha nenhuma matéria junta com James antes do almoço, além de Literatura no primeiro período, as horas passaram vagarosas. Quando o sinal para o almoço finalmente soou, quase saí correndo porque A) estava morrendo de fome, porque não tinha ingerido nada no café da manhã além do suco de açaí e porque B) ficar perto de meus amigos, ainda que eu tivesse de aturar o Sirius beijando a Marlene e fingindo que ela era a única em sua vida e aturar também a Dorcas comentando algo sobre seu ex-namorado, era reconfortante.


Naquele dia, o almoço foi um pouco menos tenso, porque Dorcas almoçou rápido e foi ajudar a Morgan McCuddy a resolver uns exercícios de termoquímica na biblioteca, de modo que não precisei me estressar com ela falando sobre Remus e não fiquei enjoada uma só vez. Bem, só se contarmos todas as vezes que o Sirius agia de modo completamente – e fingidamente – apaixonado com Marlene, tipo, dividindo a sobremesa ou beijando-a no meio do refeitório. Porque todas as vezes que ele fazia aquilo, eu só conseguia pensar no quanto era a vadia que estava traindo uma das melhores amigas. Sem contar James, claro, já que ele e Sirius eram melhores amigos e, obviamente, esconder uma coisa dessas dele – que eu estava tendo um caso de apenas sexo casual com Sirius – era, tipo, uma coisa muito grave. Não que James ligasse muito para detalhes, mas convenhamos que eu já mentia para ele há um bocado de tempo, e se ele descobrisse que todas as noites sextas-feiras que me recusei a passar com ele para passar com Sirius, James não iria engolir. Eu já o fizera prometer aquele segredo e se eu lhe dissesse que tinha mais um, não sei, James não agüentaria. Às vezes eu entendia o porquê ele me achava uma esquisita.


Ainda que eu fosse a maior mentirosa do mundo, uma coisa era engraçada. Eu me sentia bem em esconder as coisas. Não propriamente mentir, mas em apenas fingir que nada estava tão ruim assim. Sabe? E eu era boa naquilo. Tão boa que até ali nada estava dando errado em meus planos.


Sair do King Williams College era fácil. Era o que eu sempre queria depois de horas lá dentro. Naquela tarde, eu e James voltamos sozinhos, sem Peter – que morava a três ruas da nossa – porque este teria treino de futebol juntamente com Sirius, o que levou a Marlene ir para a casa de Dorcas fazer qualquer coisa não-produtiva, tipo, ficar na frente da TV assistindo a Hellcats.


James queria passar o resto da tarde toda na Casa da Árvore, já que era sexta-feira, mas eu fui mais comedida.


- Não sei – eu disse.


A minha melhor resposta era sempre “Não sei”. Percebi que essa resposta me livrava de muitas explicações.


- Posso lhe ajudar com as matérias que você odeia – James me falou, parecendo feliz, como um grande cão babão que estava contente por ver seus donos.


A verdade é que eu já não agüentava mais ir para a Casa da Árvore às sextas-feiras. Aquilo estava se tornando um saco, e James não entendia aquilo. Aliás, eu nem tinha pensado em explicar a ele uma coisa dessas, porque eu bem sabia que ele se ofenderia, já que fora ele que tivera a idéia, anos atrás, de guardarmos as sextas-feiras e os fins de semana para nós mesmos, na Casa da Árvore.


- É que... – pigarreei, tomando coragem – Hm, não vou ficar em casa hoje.


Àquele momento, eu não estava pensando em Sirius. Em ir para seu apartamento e passar a noite com ele. Não, eu só estava tentando fugir da maldita Casa da Árvore.


Aquilo fez James exterminar seu sorriso.


- Vai ficar onde? – ele quis saber, parecendo estar com raiva.


- Na casa... – fiz um esforço para mentir, para me lembrar de qualquer nome familiar o qual eu pudesse me agarrar -... de Dorcas – dei de ombros, odiando aquela mentira tão idiota – Ela me pediu ajuda em Política.


Isso fez James se acalmar.


- Ah, o Remus que costumava ajudá-la, não? – ele juntou os lábios em um gesto de lamento.


- Pois é – resmunguei.


Então naquele minuto decidi o que faria naquela noite.


O James nunca desconfiaria se eu ligasse para Dorcas e lhe dissesse que estava apenas fugindo da Casa da Árvore e que era para ela mentir por mim, dizendo que dormi em sua casa. Enquanto isso, eu ia para o apartamento de Sirius, já que Marlene, como nos disse no almoço, iria partir para Lewisham às seis da tarde.


Simples assim.


E por mais que eu me achasse uma mentirosa irritante e muito vagabunda, era o melhor que eu poderia fazer naquela noite.


Eu ainda estava pensando em um modo agradável de ligar para Dorcas e fazê-la mentir por mim quando pisei em casa. Notei que Petúnia ainda estava em casa, porque o seminário daquela semana era à noite, e conversava provavelmente com Doug, seu namorado, ao telefone. Meu pai não estava em casa – raramente, na verdade, ele ficava em casa à tarde, já que ele era professor de Literatura Medieval na UCL e seu turno era sempre por aquele período -, mas minha mãe estava e conversava com alguém na sala. Adentrei-me no recinto como sempre: jogando a mochila no sofá para ir pegar um copo de suco na geladeira. Mas parei ao dar de cara com o Sr. McCoy.


Sr. McCoy já tinha ido à minha casa diversas vezes. Muitas vezes apenas para me perguntar se eu tinha alguma informação nova sobre aquilo, e eu sempre lhe respondia a mesma coisa: “Não, sinto muito”.


Acho que ele já estava cansado dos meus “Não, sinto muito”.


- Oh – falei, gaguejando e sentindo-me quente, de repente – Olá.


O policial McCoy tirou das mãos a xícara de café, descansando-a na mesinha de centro, e acenou precariamente, levantando uma das mãos.


- Boa tarde, Srta. Evans – ele me disse.


Olhei para mim mãe, indagadora.


Seus cabelos loiro-arruivados se balançaram de modo tímido e ela bebeu mais um gole do café.


- Como está o King Williams? – o Sr. McCoy me perguntou.


Joey McCoy tinha entre vinte e um e vinte e oito anos. Eu ainda não tinha descoberto sua idade exata. Mas eu sabia que ele não era velho porque não tinha nenhum bigode e sua pele não apresentava rugas de expressão. E ele ainda carregava covinhas nas bochechas, como um grande bebezão fofo.


Sempre que eu o via, ele estava com aquele horroroso uniforme de policial, azul marinho desbotado. Sempre carregava as chaves em uma corrente pendurada no cós da calça apertada e nas mãos havia sempre sua papelada habitual. Casos de estupro, casos de briga conjugal, casos de furto, casos de assassinado. Uma vez eu lhe perguntei se ele não ficava um pouco traumatizado por ter de conviver com tanta tragédia e ele me respondeu que alguém tinha de fazer aquele trabalho. Eu achei sensato aquilo. Como se fosse por um bem maior ou algo assim.


E outro fato que já tinha conseguido arrancar dele era que Joey McCoy já fora aluno do King Williams College. Eu ainda não descobrira sua ficha na sala da secretaria, por isso não podia calcular com muita precisão quando estudara lá. Mas pelo o que ele me falava, adorara estudar no King Williams, bem ao contrário de mim. Eu quase odiava aquele lugar, porque todo mundo só sabia olhar para você e lhe nomear de algo. No meu caso era de “esquisita” ou “bizarra”.


Mas acho que Joey nunca teve esse tipo de problema por lá. Acho que ele era o capitão de algum time.


- Você sabe. A mesma porcaria – respondi, me permitindo soltar uma risadinha.


Minha mãe fez cara de reprovação e exclamou:


- Lily!


Dei de ombros e pedi licença, partindo para a cozinha.


Ali, desabei em uma cadeira e senti meu coração pulsando forte e minhas mãos trêmulas.


Okay. Acalme-se, Lily.


Talvez aquilo fosse meramente uma visita de rotina. Fazia tempo, aproximadamente dois meses, que o policial McCoy não aparecia em minha casa. Na verdade, ele deixara de importunar a mim e ao meu grupo assim que constatou que estávamos abalados demais para falarmos sobre o assunto de forma clara e coesa.


Segurei minha cabeça entre as mãos, tentando respirar normalmente.


Pesquei meu celular do bolso do casaco do Mickey e digitei nervosamente uma mensagem para James.




MCCOY ESTÁ AQUI EM CASA.


 


Coloquei o aparelho em cima da mesa, rezando para que James me respondesse rápido ou que viesse até mim.


Nisso, ouvi minha irmã suspirar atrás de mim e ouvi também os saltinhos do sapato de mamãe bater nas lajotas do chão quadriculado.


- Ah, você chegou – Petúnia me disse, encarando-me com indiferença.


Ela andou com suas pantufas até a geladeira e pegou uma cenoura de lá. Ela sempre fazia dietas idiotas como aquela de contar pontos ou aquela de etapas. Eu não sabia para quê, já que Petúnia tinha herdado toda a genética impecável da família. Não que eu fosse gorda, não era isso. Mas Petúnia ainda cabia em um jeans 36. Eu usava 38.


Petúnia logo se retirou novamente para o quarto e minha mãe começou a dizer:


- O policial McCoy está aqui para lhe indagar sobre, hm, você sabe – ela fez uma pausa. Minha mãe era uma graça de pessoa. Ela não proferia o nome dele para não me magoar – Sobre ele – eu assenti nervosamente e ela prosseguiu: - Sr. McCoy ficou sabendo que Peter está de volta do Centro Charles Hawkins.


- Então por que ele não está na casa de Peter? – perguntei com certa surpresa e frustração.


Minha mãe não soube responder essa pergunta, então ficou calada por alguns segundos.


- Vá para a sala e converse com ele, certo? – ela me pediu.


- Mãe, o que você acha que pode ter mudado todo esse tempo? – eu lhe indaguei.


- Lily, se ele está aqui é porque tem motivos – ela me disse, colocando uma de suas mãos em meu ombro.


Ela retornou à sala e eu pude ouvi-la perguntar para o Sr. McCoy se ele aceitava algum biscoito. Ele negou.


Olhei com raiva para meu celular, porque James ainda não tinha me respondido.


Depositei o aparelho de volta ao bolso do casaco e me levantei da cadeira.


Travando o maxilar, fui para a sala.


- O que você quer de mim agora? – perguntei para o policial McCoy.


Acho que fui um pouco grossa, porque mamãe me lançou um olhar de censura. Mas antes que ela pudesse me dizer algo como “Lily, comporte-se!”, segurou sua língua e disse:


- Bem, vou pegar um pouco mais de café – e levantando-se do sofá vermelho, dirigiu-se com a bandeja com as xícaras para a cozinha.


Imediatamente ficou um silêncio incômodo ali.


Pressionei meus lábios, irrequieta.


- Eu soube que Peter Pettigrew teve alta do Centro CH – ele comentou.


- É, já faz alguns dias – confirmei, sem olhar para ele – Peter parece bem.


- É normal enlouquecer psicologicamente depois de uma tragédia – o policial McCoy disse.


- Peter não enlouqueceu. Ele só fez uma besteira – meus olhos se apertaram com raiva para o Joey.


O policial ficou em silêncio, como se eu o tivesse insultado.


Juntou as mãos e se recostou no sofá.


- Tentei falar com ele, mas sua mãe me disse que ele não parece pronto a dar respostas – ele me falou.


- Obviamente ele não quer falar sobre isso – ri, revirando os olhos.


- Você sabe por quê?


Tornei a rir. Aquele cara estava brincando comigo, não?


- Hm, por que, talvez, a morte ainda esteja recente em sua memória? – arrisquei com um que de sarcasmo.


- Não creio que este apenas seja o único motivo, Srta.


Fiquei quieta e depois perguntei:


- O quê? – fiz um gesto com as mãos, levantando-as para cima – Você acha que Peter fez algo contra o melhor amigo? Acha que ele está escondendo detalhes daquela noite?


Agora eu estava furiosa.


- Uma vez você me disse que assiste Law & Order com bastante freqüência – ele me relembrou – Ainda que todos os casos não tenham de fato acontecido no mundo real, eles ainda são possíveis. Você deve se lembrar de um episódio cuja amiga de quarto da vítima a matou puramente por inveja.


Ergui as sobrancelhas.


Oi?


- Peter nunca teve motivos para odiar Remus, okay? – falei alto.


- Ele parece ter bastante problema para se controlar.


- Tudo bem, ele tentou se matar – concordei – Mas só porque se viu sem chão. Ele nunca tentaria algo contra Remus.


O policial McCoy estalou os lábios.


- Lily, todos temos um lado que nunca revelamos ao mundo – ele me comunicou.


Engoli em seco. Senti-me enjoada e mordi a pelezinha do dedo.


- Olha, Peter não é, assim, o meu melhor amigo, mas eu o conheço o suficiente para jurar que ele nunca faria mal a ninguém, okay? – minha voz estava febril.


- Nós só achamos que conhecemos de fato as pessoas – Joey completou.


Aquilo em irritou de verdade.


Por que ele sempre me contra-atacava? Que porcaria era aquela?


- Se veio aqui para conversar sobre Peter perdeu seu tempo – exclamei.


O policial sorriu.


- Você não tem nenhuma notícia nova para mim, Evans? – ele me inquiriu.


- Não – falei com firmeza.


- Tem certeza? – ele tentou.


Fiz um barulhinho com a língua e grunhi:


- Sim.


Ele passou uma das mãos pelo cabelo escuro.


- Certo. Muito bem – Joey falou, de modo devagar.


Nisso, minha mãe entrou na sala com mais café.


- Opa – o policial riu para minha mãe – Não sei se vou poder aceitar mais uma xícara, Sra.


- Ora! – mamãe exclamou, penalizada – Apenas mais uma.


- Fica para a próxima – ele sorriu – Tenho de ir, realmente. Lily já respondeu a todas as minhas perguntas.


Então, eu e minha mãe o assistimos levantar-se do sofá, agradecer o café, sair de casa e entrar na viatura, que estava estacionada na rua de cima da minha, por causa da quantidade de carros parados no meio fio.


Meu celular recebeu alerta de mensagem assim que peguei o carro do Sr. McCoy desapareceu rua abaixo.


“Tarde demais”, pensei.




FIQUE CALMA. ELE NÃO PODE LHE FAZER NADA DE TÃO RUIM.


 


“Oh, ótima resposta, James”, repliquei com sarcasmo.


- Como foi? – minha mãe quis saber.


- O quê? A conversa? – franzi a testa. Ela assentiu – Ah, normal.


Mamãe suspirou.


- Vocês vão superar isso, Lily – ela me disse, fechando a porta.


“Duvido”, pensei.


- Claro – respondi para ela.


Parti para meu quarto e telefonei para James. Ele atendeu no segundo toque.


- Como foi? – ele quis saber, com a voz ansiosa.


- Não sei. Foi esquisito –falei com sinceridade - McCoy acha que o Peter está envolvido na coisa toda.


- Imaginei que isso fosse acontecer – James confessou.


- James, e agora? – minha voz estava em pânico.


- Acho que agora o McCoy vai ficar bem mais em cima do Peter, o que é meio bom, não?


- Mas Peter não fez nada! Peter nunca faria nada contra ninguém! – tive vontade de berrar.


- Eu sei – admitiu ele – Mas não podemos fazer nada. A menos que... você sabe. Faça aquilo.


- De jeito nenhum! – agora eu realmente gritei.


- Okay – James disse e ficou em silêncio – Hm, você não vai passar a noite na Casa da Árvore, vai?


Senti minha cabeça dar uma pirueta.


- Não – falei – Daqui a pouco vai para a casa de Dorcas – menti.


- Certo – ele balbuciou – Então, falamo-nos amanhã, tudo bem?


- Okay – concordei e desliguei.


Fase um: completa.


Fase dois: a caminho de estar completa.


Depois de falar com James liguei para Dorcas.


- Tudo bem? – perguntei, depois que contei para ela todo o meu plano.


Dorcas riu.


- Uau, por que está fugindo do James? – ela quis saber.


Fiz uma careta. Eu não estava bem fugindo do James.


- Só não agüento mais a Casa da Árvore – eu disse.


- Oras, então conte para ele!


- Não posso. Ele vai me odiar. Nós fazemos isso desde crianças.


- Mas agora vocês não são mais crianças – Dorcas me lembrou.


Fiquei calada. Eu não sabia se aquilo era uma verdade absoluta.


- Bem, preciso ir – menti, mas não me senti mal por aquilo.


- Certo – ela disse e desligamos.


Perto das oito, tomei banho – a Petúnia não estava em casa, então não precisei ficar gritando com ela para sair do chuveiro rápido - e me vesti com maior decência. Não que tivesse parecendo aquelas meninas da escola. Eu só estava com um vestido jeans, curto, e uma jaqueta também jeans.


Como meu pai ainda não tinha chegado da faculdade, avisei à minha mãe:


- Vou para a casa de Dorcas.


Meus pais nesse sentido não eram chatos. Se eu dizia que estaria entre amigos, para eles tudo bem.


- Não se esqueça que amanhã temos o almoço beneficente dos Stewarts – minha mãe me falou – Então, nada de chegar atrasada, okay?


- Certo, vou chegar na hora, prometo – eu disse.


O ruim de nós morarmos quase todos na mesma rua era que ir para o apartamento de Sirius era um pouco complicado.


Ainda que o prédio pequeno e compacto fosse a alguns metros de distância da casa de Peter, eu corria o risco de ele me ver. E o fato de eles morarem apenas três ruas da minha rua e de James, não ajudava em nada. Se James saísse por aí para caminhar, ele totalmente podia me pegar no pulo.


Mas eu tinha meus cuidados, claro.


- Alô? – Sirius atendeu ao interfone com uma voz cautelosa.


- Sou eu. Abre logo a porta! – mandei, olhando ao redor para averiguar se alguém me vira.


- Ah, oi, Lily – a julgar sua voz, ele estava sorrindo.


Eu entrei rapidamente.


Sirius me esperava na porta do apartamento.


- Achei que você não vinha – ele comentou.


Rolei os olhos e nada disse.


Passei por ele e fui para a cozinha em busca de um copo de água.


- Agora eu posso dizer que a noite está perfeita – ele me disse, indo me agarrar.


Deixei o copo de água em cima da bancada e me arrepiei quando ele beijou meu pescoço.


É, além de mentirosa, eu era uma baita de uma vadia.


Nossa, Lily Evans, por que você não morre?






:::

N/a: hey hey, amores! *-* dessa vez eu consegui terminar a tempo o capítulo. Até o estou postando antes do prazo, yeey. Bem, como vocês podem perceber as coisas estão tensas para a Lily, haha. Mas não se preocupem, só vai piorar, hohou 8)
Muito obrigada hell yeah, Domi (AMEI AS NOVAS CAPAS, FLOR *-*), eugênio (eu sei que você ainda vai ler isso daqui u.u), a Luna Volturi (você quase acertou, hohou) e Caroline Black Malfoy pelos comentários (:

Nina H.


16/06/2011

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