Um dia depois daquele



26. Um dia depois daquele


 


Um corvo se aproximou, devagar, e pousou na janela ao lado da cama. “Péssimo sinal” pensou Luna, irritada, e tentou afastá-lo com a mão. O corvo, entretanto, se limitou a pousar um pouco mais pro lado, onde ela não ao alcançasse. Ela sentou-se na cama, tentando novamente. O corvo então, irritado e vencido, alçou vôo para longe, berrando “NUNCA MAIS. NUNCA MAIS”.

Luna bufou, exasperada e infeliz. O corvo havia ido embora, mas ela não conseguia se sentir melhor em relação a isso. Talvez fossem seus gritos agourentos, quase como uma ameaça...

Recostou no travesseiro. Um dia se passara, e outro, e outro, e outro e outro e outro e ela continuava ali, onde pareciam haver se passado muitos mais. Será que o tempo corria diferente dentro do quarto de um Hospital? Pegou o velho caderno de sua mãe, mas não conseguia se entender nada do que lia. Um pouco depois, percebeu que era por causa das lágrimas... limpou-as na manga da camisola, no exato momento em que a porta se abriu.

Uma enfermeira gorda e falsamente cheia de vida estava ali, ocupando todo o espaço de entrada.

- Boa tarde, Luna.


 


- Oi – disse ela, não muito alto. Tentou esboçar um sorriso.



- Assim que eu gosto de ver. Aqui estão seus remédios.


 


- Não quero tomar isso – Luna fez uma careta.


- Seja uma boa menina. É para o seu bem!

- Mas eu...

- Tome. Logo. – disse a enfermeira, perdendo um pouco de sua pose de tia-amiga-da-vizinhança. – tenho um pouco mais o que fazer.

- Er.., Draco! – disse Luna, arregalando os olhos e desviando-os do busto avantajado da mulher. Ela quase não conseguia ver Draco.

- Vê se a convence a tomar tudo – disse a enfermeira, irritada, enquanto saía do quarto. Aquela altura, não havia quem não soubesse quem era o menino Malfoy, e ela decididamente tinha mais o que fazer do que mimar uma menina doida. Além do quê, não estava a fim de discutir com Draco. De novo.


 


Ele sorriu para ela, e pela primeira vez em vários dias Luna abriu um sorriso sincero. Não o sorriso que oferecia para as enfermeiras, para o médico, nem mesmo para tia Guinevere (ela tentava, mas não podia). O sorriso que era só dele. Luminoso. E, infelizmente, com uma pequena marca de dor ali por trás, indisfarçável.

Draco aproximou-se da cama, abraçou-a, buscou seus lábios.


 


- Draco, eu... é melhor não...


 


- Como...?


 


- É que, bem – disse ela, envergonhada, olhando para os lençóis. Uma cena estranhamente familiar... – eu, sabe... minha contagem de leucócitos abaixou mais ainda. O médico diz que estou extremamente sensível e não é bom... sabe... me expor... e...


 


- Você estava melhorando – disse Draco, sentando-se na cama.


 


- Bem, acho que não – disse Luna, um pouco zangada. Ela também não gostava daquilo.


 


- Pensei que você estava andando...


 


- Dei seis passos outro dia, e doeram quase a ponto de que eu desejasse não ter pernas. Mas o sangue continua na mesma. Continuo fraca, muito fraca e OLHA SÓ – disse ela, enquanto pequenas lágrimas escorriam pelo seu roso – meu CABELO!! Ele está fino, mais fino, mais fino... é como se eu estivesse me desmontando aos poucos, de dentro pra fora, pareço um desenho feito com giz na chuva...

Ela segurava uma mecha dos delicados cabelos, muito loiros. Estavam evidentemente mais finos. Mesmo sem querer, Draco sentiu como se levasse uma lancetada no estômago, daquelas que nos deixam totalmente sem ar. Não era pelos seus cabelos, ou pelo fato de parecer tão magra que sobrasse mais espaço do que deveria naquela cama: era pela atitude. Ele nunca vira Luna tão transtornada. Nunca. Nem mesmo aquele dia, na biblioteca. Nem mesmo na enfermaria. Ele sabia que devia ser difícil pra ela, mas, por alguma razão, nem por isso era fácil para ele.


 


- Luna. Calma.

- NÃO SEI SE CONSIGO FICAR CALMA! ESTOU CANSADA DE FICAR CALMA! ESTOU EXAUSTA DE FICAR AQUI O DIA TODO, FINGINDO QUE ESTÁ TUDO BEM, FINGINDO QUE SOU FORTE PRO MEU PAI, PRA MINHA TIA, PRAS ENFERMEIRAS, PRO MÉDICO, PRA MINHA MÃE! PRA VOCÊ!! – ela disse, gritando (embora seus gritos fossem um pouco mais baixos do que deveriam). As lágrimas caíam, fartas, e ela se apoiou no ombro de Draco.

Ele acariciou seus cabelos.

- Luna, não acho que você esteja fingindo. Mas uma coisa é certa: você não devia carregar esse peso todo com você.


 


- Ele é meu – disse ela, soluçando – eu tenho que carregar.


 


- Se dividir por dois, acho que pesa a metade. Costumava ser ótimo em matemática – disse ele, com um sorriso triste.


 


- Desculpe, eu... eu não sei porque não vai embora – disse Luna, envergonhada e assustada. Compreenderia se ele o fizesse, e no entanto morria de medo disso. Tinha certeza que seu coração, talvez a última parte forte de todo o seu corpo, iria se quebrar nesse momento.

- E eu já lhe disse que ninguém manda em mim.

- Desculpe, Draco – disse ela – eu, é só que... sabe... eu estou tão... cansada de ficar aqui. Acho que o hospital está me deixando doente.

- É? – perguntou ele.


 


- Sim, eu acho! Acho que eles vão tirando de mim de pouquinho em pouquinho talvez não a vida, mas a vontade de viver... eu não saio no sol, eu não tomo vento, eu não posso... posso beij... enfim... eu preciso tomar esse monte de remédios, eu odeio esses remédios – disse ela, apontando a bandeja com uma careta – eles me deixam enjoada, queimam meu estômago e não tenho certeza que estejam funcionando, e além disso tenho certeza que tem alguma coisa no ar desse hospital, meu pai disse que os trouxas chamam de “gérmen”, alguma coisa assim, eu fico aqui o dia todo é claro que esses “germens” vão me deixar cada vez mais doente, e...


 


Draco sentiu vontade de rir. Aquela sim era a sua Luna. Ela estava sempre ali, mesmo quando ficava coberta pela raiva e pela dor. Era sempre ela. Sempre a mesma. Sempre a sua. Sempre Luna.

- Isso... foi meio idiota, eu acho. Não foi? – perguntou ela.


 


- De modo algum – disse ele. – bom, talvez a parte de dar trela pras histórias de trouxas...


 


- Ei, eles inventaram um jeito de corrigir a visão sem magia! O que é legal, porque a magia não funciona pra melhorar a visão, só aquela tal operação de miopia, mesmo parecendo meio bárbaro você pegar a faca e ir pro olho e...


 


- Claro, claro.


 


Luna odiava a gangorra emocional em que estava. Odiava mesmo. Tentava sempre estar calma e serena, mas nem sempre conseguia, e nesses momentos se sentia um fracasso diante da mãe, que tinha certeza que estava por ali, ao lado dela. Odiava brigar com as pessoas só porque não sabia com quem brigar. E odiava principalmente quando agia daquele jeito com Draco – não que ele fosse o único.


 


Talvez o que ela precisasse fosse apenas de um pouco de esperança. Draco, com certeza, precisava também. Ele a perseguia em todos os pontos, em todos os buracos, em todas as brechas, em cada fala, em cada gesto, buscando freneticamente alguma coisa que pudesse fazer, que pudesse ajudar Luna, que trouxesse esperança e vida à ela, à ambos, sem nunca parar, se parasse caía, se caísse perdia. E ele nunca ia aceitar perder.

- Mas não foi por isso que vim aqui hoje – disse ele, interrompendo-a. Falar de sangue, cortes e medicamentos trouxas não era bem o que ele pretendia naquele momento.

Ele havia procurado, de forma insana, alguma coisa que pudesse fazer por Luna. A ponto de não dormir direito, de esquecer de raspar a barba, de comer, sempre buscando, enquanto trabalhava, enquanto estava nas aulas, até mesmo enquanto estava ali, com ela, naquele quarto, todas as vezes. Conseguia se lembrar da última.


 


Luna estava ali, cansada, meio entorpecida pelos remédios que estava tomando para tentar reverter o quadro das pernas.


 


- Cante para eu dormir – pedira ela, depois de se convencer que não conseguiria ficar acordada muito mais tempo, contra a sua vontade. Mas era bom saber que Draco estava ali, de qualquer forma...


 


E ele lera. Pegou qualquer livro que estava ali em sua cabeceira, não o caderno da mãe, claro. Contos de Beedle, o bardo. Um conto de inverno.

- E então os lobos, com a chegada da primavera, buscaram novamente seus pares. Aqueles cujos parceiros haviam morrido, ficaram observando o horizonte. Todos sabem que um casal de lobos é para sempre...


 


Aquilo estava MUITO deprimente. A sorte foi que ela já havia dormido nesse momento, deixando-o ali, segurando sua mão e percorrendo seus pensamentos. O quarto era branco e frio, mesmo com algumas flores junto dos livros. Uma janela que dava para a rua cinzenta. Uma porta tediosa. Nenhum móvel, nenhuma cor, nenhum som, nenhuma alegria. Antes mesmo de Luna dizer, ele soubera que aquele quarto não tinha nada a ver com ela. Nem com vida. Nem com nada.


Mandou uma coruja para casa assim que pode. Seu pai decidiu então falar com ele, na lareira de Dumbledore (naquele momento, a de Guinevere estava numa sala fechada cuja chave se perdera).

- Pai...

- Espero que seja urgente – disse Lucius, com sua frieza habitual. Draco decidiu não fazer rodeios.


 


- Eu quero que me dê uma coisa.


 


- Prossiga.


 


- Quero que pague um tratamento para mim.


 


- Como?


 


- Você ouviu. Eu devolverei um dia. Ela está morrendo, e eu quero tirá-la de lá, que ela não merece isso.


 


- Quem?


 


- Luna Lovegood.


 


- O que você tem a ver com Luna Lovegood?


 


- É complicado. Ouça, pai...


 


- Não pense que terá meu apoio só porque se enrabichou pela pobretona. Você é um Malfoy!


 


- Escute aqui, eu GOSTO dela. Na verdade, eu a AMO.


 


- Amor não quer dizer nada na nossa família. Não vamos nos envolver nisto.


 


- Eu estou pedindo! – disse ele. – faça isso por mim!


 


- Não sei como isso aconteceu, Draco, mas ordeno que pare já. Isso vai passar. Não há a menor chance de fazer isso, ou apoiar esse romancezinho falso...


 


- Pai – Draco estava ficando irritado – você não pode mandar NISTO. Aliás, estou de saco cheio de fazer tudo o que você quer. Fiz isso a vida inteira. Está na hora de fazer alguma coisa por mim. Pensei que pudesse me ajudar. Mas darei um jeito. Adeus.., - completou ele. Não estava a fim de discutir com o pai. Todas as suas energias estavam direcionadas para Luna, sua Luna, e o que ele poderia fazer, então, já que esta falhara.


 


- DRACO, PARE! – berrou uma outra voz. Ele se virou, curioso. Era sua mãe, Narcisa.


 


- Lucius, você também. Pare. Imediatamente!


 


- Não se meta, Narcisa.


 


- Ah, me meto SIM! Ele é meu filho, meu ÚNICO filho, e eu não vou deixar que você o afaste por essa bobagem!


 


- Isso não pode continuar, Narcisa, e você sabe.


 


- Tudo que sei é que não vou deixar que aconteça com ele o mesmo que aconteceu com a Andrômeda – sua mãe estava histérica. – Você não se esqueceu dela, esqueceu? ESQUECEU, LUCIUS? ELA FOI EMBORA E NUNCA MAIS SE SOUBE DELA! NÃO FAÇA ISSO COM NOSSO FILHO! DEIXE ELE! É UMA BRUXA, É PURA, É SANGUE-PURO, PODIA SER MUITO PIOR!


 


Lucius deu um suspiro, cansado e consternado.


 


- Draco, vamos conversar sobre isso novamente assim que você voltar pra casa.


 


- DÊ A ELE O QUE ELE QUER! – berrou Narcisa.


 


- Por ora – disse Lucius a ele – e apenas porque me preocupo com sua mãe. Que fique claro que não compactuo com nada disso. E discutiremos novamente essa sua paixonite insensata. Tem certeza que ela não enfeitiçou você?


 


- Não, não discutiremos isso – disse Draco, saindo da lareira.


 


- NÃO ME DEIXE FALANDO SOZINHO!


 


Mas ele deixara. E nesse momento, todos os diretores o encaravam. Ele enfrentara Lucius Malfoy? O próprio pai? Até o velho Demétrio parecia considerar Draco um Homem, nesse momento.


 


Eles não haviam voltado a se falar desde então, mas Draco recebera uma coruja alguns dias depois, com permissão para que mexesse em sua própria conta no Gringotes, que tinha desde que nascera. “Faça o que quiser”, era a mensagem do pai. Estava claro que ele continuava sem aprovar nada daquilo, mas Draco decidiu que isso ia passar. Sua mãe o ajudaria. E se não passasse, azar deles.

Preparou tudo.


 


Deu a notícia a Luna.


 


E carregou-a nos braços para fora daquela cama de hospital. Ela estava tão leve como uma criança.


 


 


 


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Este capítulo ficou com várias coisas que eu queria muito por desde o começo: a briga do Draco com o pai (intermediado pela Narcisa) e o piripaque da Luna, que tá numa gangorra emocional intensa – compreensível, né?


 


No começo, a Narcisa ia ser menos histérica e mais romântica, mas achei que ficou melhor assim. Sempre a imaginei meio doida de amor pelo filho e desequilibrada. O Lucius, no começo, ia aceitar, mas depois pensei que isso não tinha nada a ver. Talvez ele fique mais resignado e conformado com o tempo... talvez...


 


Consegui tirar a Luna do hospital, e isso é muito importante pra uma coisa depois. Ainda não decidi o final (eu tinha decidido, mas estou com dó...), mas essa cena terá que entrar, de qualquer jeito! Acho que depois do próximo cap. ...

Mas acho lindo que a Luna tenha feito tanto pelo Draco, e agora ele faça o mesmo por ela. E esse amor todo, não é lindo?

Espero não demorar com o seguinte!

Um beijo,

Ariadne

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Comentários (1)

  • Anul Doogevol

    Por favor, não me diga que vai matar Luna.Tá muito legal a fic. Esperando ansiosamente o próximo. :) 

    2012-10-16
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