O coração diferente



20. O coração diferente


 


Draco observava as paredes do St. Mungus, sentado e aguardando que alguém trouxesse notícias do estado do Ewan. A professora McGonagall não estava à vista. Tinha vindo com ele, como sua acompanhante e vigia habitual, mas ao chegar no hospital acabara por deixá-lo sozinho.


 


Ele desconfiava que isso tivesse alguma relação direta com o fato de ter visto aquele cara baixinho e com cara de nota falsa – Mendigo? Mundungo? Que diferença fazia? -, que saíra correndo ao acidentalmente avistá-la. Havia sido bastante engraçado, uma vez que ele tinha alguma coisa na perna que o impedia de andar normalmente – e a professora também não fazia um tipo exatamente atlético. Mesmo assim, havia conseguido apanhá-lo pela orelha, quase como faria com um aluno novo e travesso na escola, e o levado para fora junto com ela, avisando a Malfoy para se comportar se soubesse o que era bom para ele. Ela parecia tão irritada que, pela primeira vez, Draco teve medo dela.


 


As paredes vazias não estimulavam seus pensamentos, de modo que passou a observar o movimento. O hospital estava cheio, impressionando Draco pela quantidade de pessoas doentes ou feridas que transitavam. E então ele pareceu avistar alguém conhecido...


 


Quem poderia ser? A cabeleira loura estava um pouco sem brilho... ah, claro. Era o pai de Luna. Ele parecia muito mais cansado, esquelético e fraco do que na lareira, de modo que Draco sentiu algo parecido com vergonha. Ele deveria estar mal mesmo, e não apenas ser um hipocondríaco paranóico, como ele apostaria alguns meses atrás. Pensou em falar com ele, mas desistiu. Já havia conversado tudo o que precisava, e não queria mesmo repetir o feito.


 


Ainda não havia sinal da professora McGonagall quando a enfermeira disse que ele poderia entrar no quarto de Ewan. Draco levantou-se e seguiu a mulher. Melhor acabar logo com isso.


 


Entrou vagarosamente no quarto e  ficou surpreso de encontrar o menino acordado. Era a primeira vez que isso acontecia desde que ele fora internado. Ewan parecia, se é que era possível, ainda mais surpreso do que Draco. De olhos arregalados, um fio de suor escorrendo do alto de sua testa, a pele extremamente pálida – palidez de susto, e não de doenças. Ele parecia admiravelmente recuperado. Quase não haviam sinais das horríveis queimaduras em sua pele. Draco apostava que ele poderia voltar à escola muito em breve, e particularmente ficava muito feliz com isso – significaria o fim daquelas infrutíferas visitas, e uma outra parte de sua punição a ser cancelada.


 


Sentia-se desconfortável. Agora que afinal o via desperto, não sabia bem o que dizer. Já sentira raiva dele, culpando-o pela sua situação infeliz mesmo sabendo que o menino era inocente, mas esses dias já tinham passado. Estava aliviado por ele ter sobrevivido, na verdade. Somente se dera conta do perigo quando ele se internara e não queria saber de abrir os olhos, quando pela primeira vez Draco tivera a desconfiança que nunca poderia ser um assassino. A idéia de arrancar a vida de alguém com suas mãos não combinava com ele, ao contrário do que Tia Bellatrix pensava e normalmente dizia a ele em sonhos depois que seu pai voltava de Azkaban (ele nunca entendera realmente as razões de seu pai ir até lá). Mas como agir ainda parecia um mistério.


 


Ewan, com seu corpo frágil e olhos assustados. Com certeza haveriam maneiras melhores de tê-lo feito de calar sobre a Sonserina.


 


Draco pensava nisso, quando ouviu uma voz, que vinha da cama.


 


- Eu... eu... desculpe por deixá-lo me ver nessa situação ridícula e indigna – dizia Ewan – tenho certeza de que poderia ter feito direito... não sei o que houve, eu... eu achei que era uma outra pessoa... achei que era aquela menina esquisita que aparece aqui às vezes...


 


Ele parecia a ponto de chorar.


 


- Lacrimossa, esteve me enganando esse tempo todo? – perguntou Draco, pensando em todas aquelas visitas onde o menino estivera dormindo, apesar das informações chocadas as enfermeira de que ele estava ficando acordado cada vez mais tempo.


 


- Não! Isto é – desta vez ele realmente começou a chorar. – Eu, eu só tenho... vergonha, eu deveria ter conseguido cumprir a missão, eu não queria ter falhado, eu não sei como posso encarar o senhor, Malfoy, que me deu aquela chance depois de ter feito tudo errado, e, e... – ele não sabia como continuar. Draco percebeu, pela primeira vez, que ele tinha apenas onze anos.


 


Onze anos, uma criança. Uma criança que idolatrava seu nome puro de sonserino, que se sentia incapaz de culpá-lo mesmo estando no hospital, de cama, por meses. Que preferia rebaixar a si mesmo. Draco pensou que ele poderia ter sido bom ajudante, caso ele ainda se interessasse por isso, e depois pensou que ele não deveria.


 


Ewan não deveria querer se igualar aos irmãos Shwon, à Pansy, à ninguém, a nenhum deles que haviam destratado Draco na primeira oportunidade. Malfoy havia percebido que não eram boas pessoas, mesmo que tivesse sido à base de porrada, e agora que pensava nisso não sentia vontade alguma de fortalecer esse tipo de gente. Sangue puro ou não, ninguém deveria tratar um Malfoy assim. Ou a Lovegood. Na verdade, ninguém mesmo.


 


- Lacrimossa – disse Draco. – não faça isso. Você não fez o que eu pedi, mas talvez tenha sido melhor assim. Pare de se culpar. E pare de querer entrar na Sonserina.


 


Ewan ficou chocado.


 


- Eu destruí mesmo todas as minhas chances? Não tem mais nada que eu possa fazer? – pediu ele, tentando não ser histérico em meio às lágrimas.


 


- Não, não tem. Nunca teve, na verdade. – disse Draco, seco. – Se o chapéu escolheu você pra Lufa-Lufa, você é um Lufa-Lufa, não há o que possa mudar isso.


 


- Eu não quero ser da Lufa-Lufa – disse ele, trincando os dentes. – É uma porcaria de casa, que não serve para nada. Ninguém lembra quem foi a idiota da Helga. Só os inúteis ficam nela. Os bruxos de verdade são sempre da Sonserina.


 


Draco olhou para ele, intrigado. Ewan prosseguia.


 


- Sabe, as outras casas não são tão ruins, mas... mas a Sonserina é a única que reúne os bruxos de verdade, os mais fortes, os que sabem o que é magia. A Grifinória é fraca, mas faz sucesso por causa do Harry Potter pelo menos... a Corvinal também tem só gente desconhecida, mas pelo menos eles são espertos. O que que sobra pra Lufa-Lufa? Ser a casa mais idiota de todas. Eu não quero ser parte dessa porcaria. A Lufa-Lufa nunca ganha nada, ninguém dela nunca ganha nada. Salazar que era esperto de reunir para si os mais poderosos e fortes, eu sei que poderia ser assim...


 


- Mas nunca ouvi tanta bobagem, tinha que ser filhos de trouxas.


 


Ewan parou de falar para encarar Draco, curioso e sem compreender.


 


- Deixe de ser idiota e pare de ofender todo mundo da escola, que Hogwarts é muito melhor que aquela fresca da Beauxbatons e aqueles caras da Durmstrang, que ficam se preocupando com a força física como se fossem trouxas imbecis e incapazes de usar a magia. Tem pessoas legais e pessoas ridículas em todas as casas, até mesmo na Sonserina. A diferença é que essas tem o sangue bruxo mais tradicional.


 


- Mas eu...


 


- Cale a boca, Lacrimossa, e deixe que eu termine. Também acho que isso deveria significar muito, mas pelo visto a magia não é assim, já que a Sangue-ruim da Grifinória tem pais trouxas e é uma bruxa muito melhor que o Longbottom, de sangue bruxo e a mesma inteligência do chapéu daquela avó dele. O Crabe e o Goyle também não são exatamente exemplares perfeitos de Inteligência, mesmo sonserinos, e nem vamos falar falar da Corvinal.


 


“Não vamos mesmo”, pensou Draco, imaginando Luna. “Porque, se você fizer algum comentário indevido sobre ela, sou capaz de abrir todas aquelas cicatrizes de novo, de uma maneira em que nunca mais irão sair”. Ele estava cansado de todo mundo fazendo comentários sobre ela sem nem mesmo a conhecerem, e desde o caso das manchas andava meio sem paciência nesse sentido.


 


- Bom, talvez. Mas só a Lufa-Lufa não tem nada...


 


- Pare de colocar a culpa da sua incompetência na sua casa! – disse Draco, nervoso. – O chapéu deveria ter é era te dado um chute pra fora de Hogwarts. Se você vai ser bom ou não depende só do seu esforço, mais que de qualquer outra coisa. Você nunca vai ser da Sonserina, mas não quer dizer que não possa fazer magias e ser um bruxo tão bom que Salazar ficaria orgulhoso. O Diggory é da Lufa-Lufa. Ele foi o único campeão escolhido por Hogwarts. Nosso representante no Tri-Bruxo era da Lufa-Lufa, mas garanto que não foi por ficar se lamentando sem se esforçar.


 


- Parece que o Harry também foi...


 


- Trapaceando como era de se esperar daquele moleque aparecido – concluiu Draco, nervoso. Seu alívio pela recuperação de Ewan estava momentaneamente esquecido.


 


Um som parecido com passos no corredor chamou a atenção de Malfoy, que se dirigiu até a porta, mas não conseguiu ver ninguém.


 


- Deve ser aquela menina estranha, só ela mesmo para vir até aqui e não entrar – disse Ewan. – ela vem aqui de vez em quando me deixar revistas e uns livros, isso quando não pedem que ela traga lição da escola ou coisa do tipo – ele fez uma careta – parece que querem que eu faça um intensivão nas férias e reforço o segundo ano todo para não me atrasar.


 


- Se fosse esperto, faria isso mesmo. – disse Draco. Conseguia imaginar a única pessoa que entregaria “O Pasquim” para Ewan, como aquele em que encontrara a flor favorita de Luna tempos atrás. Pensando bem, a única pessoa gentil o bastante para estar ali com o mala sem alça do Ewan, passando lições fora da escola e se preocupando em ajudá-lo a passar o tempo sem ser obrigada a isso. Sorriu. Ela era mesmo muito especial.


 


No saguão do hospital, meio escondida por uma coluna, Luna Lovegood respirava com dificuldade e pensava no que acabara de ouvir, acidentalmente. E seu pai, pela primeira vez, pensava que talvez Malfoy poderia ser um bom rapaz. Ou poderia estar enfeitiçado com ervas do demônio, é claro. Sentiu-se num misto de felicidade e tristeza.


 


Quando McGonagall pegou Draco, não havia sinal de Luna Lovegood em parte alguma. Minerva murmurava alguma coisa sobre um boato que ouvira de Mundungo Fletcher, que covardemente fugira de seu serviço como espião de Dumbledore, e parecia preocupada.


 


Não precisava, pois a nova tentativa do Lorde das Trevas acabou falhando de novo. Não que isso interessasse especialmente à Draco, na ocasião.


 


 


 


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Só citei Voldemort porque duvido que ele se aquietaria num fracasso do Torneio Tri-Bruxo, mas isso não faz a menor diferença pra minha história. Por isso que nem perdi tempo pensando nos detalhes deste plano. Já que o Dumbledore também percebeu que Draco não é um assassino, preferi fazer com que ele descobrisse isso sem se tornar comensal =D mesmo que isso não importe lhufas pra história... hehe.


 


Finalmente escrevi esse capítulo, que mostra uma mudança sincera e demorada no coração do Draco. Demorou, mas saiu! Do jeito Malfoy, é claro, mas saiu! Eu acho que ele se tornou uma pessoa muito melhor e mais inteligente agora, sem no entanto trair seus princípios... espero que esteja assim mesmo! =D


 


E agora também fechei algumas pontas soltas da história, o que acho ótimo. Esse capítulo não tem Luna e Draco, mas é um dos que eu sempre considerei mais importantes. Mais até do que as fofurices que ele faz pra Luna (porque ele ama ela, ora bolas, é justificado!), eu acho que essa cena é uma que mostra um “novo Draco”.


 


E pra ser sincera, sempre odiei todo mundo tirando um sarro da Lufa-Lufa. É a casa que menos tem papel na saga da Rowling, mas não é uma casa de idiotas, poxa vida!


 


No próximo capítulo, a passagem do cometa Haley! Mais explicações, e dores no meu coração.

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