Rabastan Lestrange



—Capítulo 9—


Rabastan Lestrange


 


      


Por mais que o tempo passasse, o corpo do ex-auror não desaparecia. Foi só então que Pedro compreendeu. Moody também está morto pensou o garoto, sentindo a mente um tanto entorpecida. Aproximou-se do corpo de Olho-tonto, checando se ainda havia pulso ou batimento cardíaco.


—Não adianta... —murmurou Sophia, assim que o primo afastou o ouvido do peito do ex-auror. —Foi um Avada Kedavra. E mesmo que não tivesse pego em cheio, não teria sobrevivido à queda.


—Alguém chegou à ele antes. —Disse Pedro, observando a orbita vazia, onde costumava ficar o olho azul que girava em todas as direções.


—Devem ter aparatado. —Disse Sophia, ainda lívida pelo choque. —E o que diabos foi aquilo?! Voldemort agora pode voar?!


—Ele está ficando cada vez mais poderoso. —Murmurou o garoto, olhando para o céu. Se ainda era travada uma batalha ali, ele já não conseguia ver.


O farfalhar das folhas no chão chamou a atenção deles. Passos se aproximavam rapidamente e o arrastar de capas denunciava serem bruxos.


—Temos que sair daqui. —Disse Sophia, quase num sussurro. —Podem ser comensais!


Pedro concordo com um aceno, mas virou-se na direção de Moody. Apontou o dedo em sua direção e, no mesmo instante, chamas irromperam das folhas ao seu redor, rapidamente envolvendo o cadáver de Moody.


—Seu corpo não será maculado, Alastor. —Murmurou Pedro, antes de segurar o braço da prima e sumir no ar.


 


 


 


Praticamente não dormiram à noite. Pedro insistiu em montar guarda, caso ainda houvesse Comensais por perto. Sophia, que também não estava com sono, preparou uma xícara de café para ambos, sentando ao lado do primo, envolta por um grosso cobertor.


Uma linha rósea já surgia no horizonte, quando um vulto negro apareceu no céu. Puxaram rapidamente as varinhas e esperaram atentos. Só quando a figura estava bem perto é que viram tratar-se de uma coruja.


—Chronus. —Murmurou Pedro, guardando a varinha novamente e esticando o braço para a coruja pousar.


A ave pousou em seu braço, cansada, esticando a perna. Pedro pegou o pergaminho preso ali e a coruja rapidamente foi empoleirar-se em uma árvore próxima. O garoto agradeceu baixinho antes de abrir o pergaminho.


 


Caro Jude.


 


As ultimas informações garantem que RbL foi visto nos arredores de Great Hanmgleton. Visita constantemente a igreja local. Não sabemos com qual intenção.


Não poderei lhe enviar novas informações. O ministério está sendo vigiado de muito Pedro. Não podemos confiar em ninguém.


Espero que esteja bem. Tome cuidado. E boa sorte em sua busca.


 


Quinn.


 


—Jude? Quem é Jude? —Murmurou Sophia, que lia a carta por cima do ombro do primo.


—É meu nome. —Disse o garoto, relendo a carta. —Bem, meu segundo nome na verdade. Usamos como código. Mas, aparentemente, não vou mais poder usar-lo. —E olhou para a prima. —Meu pai era fã dos Beatles.


E, como se entrasse em combustão espontânea, o papel em sua mão pegou fogo. Sophia encarou o pergaminho até que só restassem cinzas voando com o sopro do vento.


—Chronus. Vá para a casa da Amanda. Fique lá. —Disse Pedro. A coruja olhou novamente, antes de piar aborrecida. —Também irei sentir saudades, amigão. Agora vá.


A coruja piou uma ultima vez, tristemente, antes de abrir as asas e ganhar os céus. Pedro observou a coruja por alguns minutos, até que essa sumisse entre algumas nuvens cinzentas, num céu que agora começava a ficar prateado, o sol já surgindo no horizonte. Então, virou-se para a prima, que o encarava curiosa.


—Vamos dormir um pouco. —Resumiu-se o garoto, indo até a própria mochila.


 


 


 


O sol já estava em pico quando Sophia acordou. Sentiu o corpo um tanto dolorido por ter dormido no chão. Tirou algumas folhas do cabelo antes de olhar para os lados.


—Pedro? —Chamou ao ver que o primo não estava ali.


O som de passos chamou sua atenção. Levantou-se de um pulo, já puxando a varinha do bolso da calça. Pedro apareceu logo em seguida, carregando sacolas plásticas nas mãos. Olhou para a prima e logo para a varinha que ela começava a abaixar.


—Não abaixe a varinha. —Disse rapidamente. Sophia parou o movimento, olhando confusa para o primo. —Me pergunte algo.


—O que? —Do que está faland...


—Eu posso ser um Comensal disfarçado. —Disse Pedro, ainda segurando as sacolas. —Eu devia ter pensado nisso antes. Temos que ter perguntas para ter certeza de que somos nós mesmos.


—Eu acho que saberia se você fosse um Comensal. —Disse Sophia, aborrecida.


—Poção Polissuco, transfiguração ou até a maldição Imperius. —Enumerou o garoto, pondo as sacolas de plástico no chão. —Da próxima vez, pergunte a minha forma animaga. É uma águia.


—Espera...você é um animago?! —Perguntou Sophia, espantada.


—Isso não vem ao caso agora. —Disse Pedro, com impaciência.


—Mas se você é um animago...e existem infiltrados no ministério...eles não... —Começou Sophia, deixando a frase no ar, esperando que o primo entendesse.


—Ah... —Exclamou Pedro, balançando a cabeça negativamente. Já havia se abaixado para retirar as compras da sacola e guardar na mochila. —Não, não...eu não sou registrado no Ministério. Sempre achei que seria útil ser...bem...clandestino.


—Acho que tem razão. —Murmurou Sophia, guardando a varinha no bolso da calça, abaixando para ajudar o primo à guardar as coisas.


—Você ainda precisa me contar algo. — Murmurou Pedro, parecendo incrivelmente sem graça em perguntar algo particular para a prima. Sophia evitou o olhar do primo, fingindo procurar um lugar para guardar um pacote de biscoitos.


—Eu vou pensar nisso. —Murmurou Sophia, de má vontade, antes de enfiar o biscoito de qualquer jeito na mochila. Puxou uma das sacolas e, sem nem ver o que tinha dentro, foi colocando de qualquer maneira.


Pedro olhou demoradamente para a prima, com um ar que mesclava a curiosidade e a pena. Porém, achou que não era a hora de pressionar-la a contar algo. Puxou uma sacola para si e, com menos descaso, começou a arrumar as compras dentro da mochila.


Já passava um pouco do meio-dia quando fizeram a ultima refeição. Apagaram a fogueira e, com a ajuda da varinha, limparam todo o local, sem deixar vestígios da passagem deles. Quando, por fim, tudo estava limpo, Pedro postou-se ao lado da prima, que segurou em seu braço, fazendo uma careta resignada.


—Odeio aparatar. —Murmurou a garota, fechando os olhos com força. —Para onde vamos agora?


—Great Hanmgleton. —Disse Pedro, olhando para a prima, antes de fechar os próprios olhos. Concentrou-se bem em sua destinação e, girando no ar, desapareceu, espalhando um crack alto pelo local.


Antes que pudesse respirar novamente, sem a pressão em seu peito, sentiu os pés vacilarem sob uma superfície lisa e cair com um grande estrondo. Sentiu algo bater em sua cabeça, fazendo sua visão turvar-se e surgirem pequenos pontinhos brancos em sua visão.


—Auch! —Exclamou Sophia, ao seu lado. Pelo jeito, também havia caído.


—O que está acontecendo?? —Perguntou uma voz autoritária, vindo de algum lugar no prédio ao lado. Antes que os dois pudessem tomar consciência do que estava acontecendo, um vulto apareceu de uma porta lateral. Era alto e parecia usar vestes largas.


—Ahm? —Perguntou Pedro, a visão ainda meio dificultada pelas estrelas que surgiam diante de seus olhos pela pancada.


—Por Deus! —Disse o vulto, indo até eles. Pedro sentiu mãos ásperas e calejadas em seu rosto, antes que o vulto se afastasse na direção de Sophia. —Vocês estão bem?


—Estou...acho... —Disse Sophia, e Pedro notou que a garota parecia tão confusa quanto ele.


—O que estão fazendo aqui? —Perguntou o homem desconhecido, com mais brandura na voz.


Aos poucos, a visão de Pedro foi voltando ao normal. Foi acostumando-se à escuridão do local e, lentamente, foi associando os fatos. Havia aparatado em um beco escuro, ao lado do que parecia ser uma igreja. Provavelmente aparecera em cima da lata de lixo que agora estava jogada no chão, espalhando lixo para todos os lados. A tampa devia ter voado e acertado sua cabeça na queda, o que explicava a pancada. Sophia estava sentada ao seu lado e um homem alto, de traços jovens, porém austeros, cabelos castanhos e curtos, trajando uma bata de padre, terminava de examinar-la.


—Nós...estávamos... —Começou Pedro, tentando pensar em algo que fosse convencer o homem.


—Perdidos. —Completou Sophia, já não tanto tonta. Olhou rapidamente para o primo antes de voltar o olhar para o padre. —Somos novos aqui...não sabíamos onde estávamos indo e...tropeçamos aqui.


—Santo Pai... —Disse o padre, ajudando Sophia a levantar, logo em seguida oferecendo a mão à Pedro, que levantou-se o mais rápido que seu corpo dolorido permitia. —Venham, venham...vamos para dentro...


Ainda sentindo-se tonto pela pancada na cabeça, Pedro acompanhou o padre que voltou até porta lateral, mantendo-a aberta para que os dois passassem. O garoto esperou a prima entrar antes de passar pelo padre, que fechou a porta logo em seguida.


A igreja era um local simples, sem grandes atrativos arquitetônicos. As paredes eram pintadas de um azul tranqüilo, mas escurecido pela falta de uma maior luminosidade. Do teto pendiam alguns candelabros não usados a anos. E as fileiras de bancos se estendiam na direção do altar, onde havia uma grande imagem de Jesus.


—De onde vocês são, meus filhos? —Perguntou o padre, enquanto andava por entre os bancos com uma facilidade invejável.


—Londres. —Apressou-se em dizer Sophia, sentindo um pouco de dificuldade em passar pelos bancos sem esbarrar neles.


—E o que fazem aqui em nosso humilde vilarejo? —Perguntou o padre, sem olhar para trás uma única vez. Seguia em seu passo enérgico, agora cortando a nave na direção do altar.


—Turismo. —Disse Pedro, apoiando-se no encosto do banco da frente, tropeçando nos pés do outro. —Só para...conhecer a região mesmo.


O padre murmurou um “entendo” meio vago, como se não estivesse prestando atenção no que era realmente dito. Passou ao lado da imagem de Cristo e entrou por uma ao lado, fazendo sinal para que os dois o seguissem. Pedro e Sophia trocaram um rápido olhar, antes de ir atrás do clérigo, que já mexia em um armário.


—Aqui deve ter algum curativo. —Disse o padre, abrindo uma série de gavetas. —Se não se importarem de esperar, logo as freiras irão terminar o almoço e podem juntar-se a nós.


Os primos trocaram um novo olhar antes de murmurar um “tudo bem, obrigado”, antes de sentarem em cadeiras apontadas pelo religioso. O padre seguia em seu abre e fecha de portas e gavetas, separando o que achava ser curativos e anticépticos.


—Ahm...desculpe padre...mas não perguntamos seu nome. —Disse Pedro, um tanto constrangido. O padre murmurou um “sim, sim”, meio distraído, ainda retirando frascos de dentro de uma gaveta.


—Padre Adam Mackenzie. —Disse Adam, depois de um bom tempo em silêncio, voltando a olhar para eles. —Esse é meu nome. E vocês? Como se chamam?


—Sophia Ravenclaw. —Disse a garota, olhando para um frasco com um liquido verde que lembrava à ela uma poção que havia feito quando ainda estava em Hogwarts. —E ele é meu primo. Pedro Ravenclaw.


Pedro cumprimentou o Pe. Adam com um leve aceno de cabeça, sentindo a região atingida pela tampa latejar de dor, seguida de uma leve tontura. Respirou fundo e passou a mão pelos olhos, antes de voltar a atenção para o padre, que reunia todo o medicamento que tinha numa bandeja, levando até eles.


—Usem o que precisarem. —Disse Adam, dando rapidamente as costas à eles. —Voltarei em breve. Não vou demorar.


E saiu pela mesma porta que havia entrado. Sophia fez menção de falar algo, mas Pedro levou um dedo até os lábios, em sinal de silêncio. Esperou os passos do padre sumirem no corredor, antes de voltar o olhar para a prima, fazendo sinal para ela falar.


—O que vai fazer agora? —Murmurou Sophia, franzindo a testa de leve.


—Procurar o Rabastan. —Disse Pedro, levando a mão até a cabeça, ainda sentindo o local da pancada meio dolorido. —Mas acho que podemos descansar um pouco. Merda... —Resmungou ao ver que havia sangue em sua cabeça.


—Isso parece ser feio. —Disse Sophia, fazendo uma careta de leve. —Quer que eu faça um curativo?


—Não precisa. — Disse Pedro, limpando a mão no tecido da calça. —Ser piromago.


Piromago? —Perguntou Sophia, franzindo a testa de leve.


—É...bem...alguns bruxos nascem com a capacidade de controlar um certo elemento da natureza. —Disse Pedro, franzindo a testa de leve, numa careta de concentração. —É como ser um metamorfomago. Você nasce assim.


Sophia murmurou um “hum” de entendimento, antes de olhar ao redor. Era um aposento pequeno, com uma mesa de comprida, mas com poucas cadeiras. Havia um armário de madeira simples encostado na parede oposta à porta e uma janela alta ao seu lado.


—Você está ferida? — Perguntou Pedro, chamando a atenção da prima mais uma vez. A garota parou um instante, como se pensasse naquilo pela primeira vez, antes de olhar o próprio corpo.


—Não. Acho que só um pouco dolorida. —Murmurou Sophia, passando a mão pelos braços, tentando sentir algo.


Pedro seguiu olhando para a prima, com as sobrancelhas ligeiramente erguidas. Parecia querer perguntar algo, mas não sabia quais palavras usar. Quando, por fim, abriu a boca para perguntar algo, a porta abriu-se. Pe. Mackenzie voltava carregando uma bandeja de madeira com dois copos, uma jarra de suco e um prato com sanduiches.


—Espero que estejam com fome. As freiras preparam especialmente para vocês. —Disse o padre, de maneira enérgica, levando a bandeja até a mesa.


Pedro lançou um breve olhar na direção da prima, como se não tivesse desistido de falar, seja lá o que fosse. Levantou-se e foi até a mesa onde o padre continuava a falar, mesmo que eles não estivessem escutando.


 


 


 


O sol já estava baixo e a claridade gostosa do verão já entrava por entre os vitrais das janelas, quando Pe. Mackenzie pediu licença para ir receber os fieis no confessionário. Ambos permaneceram na sacristia, sentindo-se sonolentos pela refeição.


—Bem...ao menos um dia a mais de suprimentos. —Disse Pedro, dando um tapinha amigável na mochila que estava escorada na parede ao seu lado.


Sophia meramente concordou com um aceno de cabeça. Estava escorada na cadeira, quase deitava, os pés colocados sobre outra cadeira mais à frente. Seu olhar estava meio perdido no teto branco e sem decoração, como se estivesse perdida em pensamentos. Pedro ficou olhando a prima por um instante, com as sobrancelhas erguidas, antes de deixar um suspiro pesado escapar por entre seus lábios, inclinando-se para frente, apoiando o corpo sobre os joelhos.


—Soh...quanto à pergunta...acho melhor esquecermos isso...


—Não. —Disse Sophia, meio bruscamente. —Não, você tem razão. Não podemos arriscar.


Pedro ficou observando a prima com as sobrancelhas ligeiramente erguidas, um silêncio respeitoso, como se não quisesse interromper a prima, para que ela não perdesse a coragem. Sophia parecia pesar cada palavra, as vezes franzindo a testa em sinal de concentração. Quando, por fim, abriu a boca para falar, um estalo alto chamou a atenção de ambos.


O silêncio que se seguiu fez aquele estalo ecoar fortemente no ouvido de ambos, antes de tornar-se um zumbido irritante. Pedro levantou-se lentamente e foi até a janela, abrindo uma fresta na cortina e olhando para o beco onde haviam aparatado, minutos atrás. Estava vazio, exceto por um gato que procurava comida na lata de lixo.


—Alguém aparatou. —Disse Sophia, num tom tão baixo, como se houvesse alguém por perto, que não podia ouvir.


Pedro concordou com um aceno de cabeça, ainda olhando para o beco. Fechou a cortina mais uma vez e foi dando passos cuidadoso para trás, antes de sentar-se mais uma vez ao lado da prima. O som de passos chamou sua atenção. Vinha da igreja. Ouviram a saudação de Pe. Mackenzie  antes de uma voz masculina, rouca e grave, começar a falar rapidamente.


Ainda fazendo sinal de silêncio, Pedro levantou-se e foi na direção da porta da sacristia. Empurrou-a alguns centímetros para frente e colocou o rosto para fora com cuidado, tentando ver algo. Uma voz grossa e baixa reboava pelas paredes da igreja vazia, tornando-a incompreensível.


—Fique aqui. —Disse para a prima, fazendo um sinal com a mão antes de sair pela porta, fechando-a com cuidado.


A voz do homem parou por um instante. Parecia que Pe. Mackenzie estava falando algo num tom de voz baixo. Pedro esgueirou-se por trás de uma pilastra e tentou ver o homem que falava com o padre. A voz grave voltou a falar, com um ar frustrado dessa vez. Ouviu uma pancada seca na madeira e logo em seguida o silêncio. Pedro ficou parado por um instante, mantendo os ouvidos bem atentos para algum tipo de movimento. Quando, por fim, ouviu o murmúrio enérgico do Padre Adam, voltou a caminhar em passos lentos na direção do altar.


Por trás do altar, tudo o que conseguia ver era a longa capa negra que espalhava-se pelo chão, enquanto uma figura agachada murmurava para Adam Mackenzie, que estava dentro do confessionário. Não conseguia ver seu rosto, oculto entre as sombras da igreja.


—Comensal da Morte. —Murmurou Pedro, franzindo a testa de leve, esticando o corpo um pouco mais para o lado, para tentar ver          o rosto do homem.


Como que atraído por um imã, o Comensal virou bruscamente o olhar em sua direção. Pedro apressou em esconder-se mais uma vez atrás do altar, sentindo o coração bater fortemente contra o peito. Como se fossem lasers, sentiu que o olhar do Comensal continuava fixo onde sua cabeça estava minutos antes. Por fim, ouviu a voz dele ecoar novamente pela igreja e sentiu-se seguro em olhar mais uma vez.


—Obrigado, padre. —Ouviu o homem levantar e fazer o sinal da cruz. Escondeu-se mais uma vez por trás da mesa e ouviu os passos do Comensal se afastando.


Já se preparava para voltar à sacristia, quando ouviu os passos aproximando mais uma vez. Arriscou uma breve olhada e, arregalando os olhos, viu que o Comensal aproximava-se das primeiras fileiras. Um pouco atrapalhado, arrastou-se rapidamente até a parte do altar de costas para a igreja.


—Pai nosso que estás no céu... —Começou o Comensal, ajoelhando-se aos pés do altar.


Ainda com o coração aos pulos, Pedro inclinou o corpo um pouco para o lado. O Comensal estava absorto em sua reza, o rosto escondido entre as mãos que estavam bem juntas.


Depois de três “pai nosso”, o Comensal fez o sinal da cruz e ergueu o olhar. Por um breve instante, os olhos acinzentados do homem encontraram os de Pedro. O tempo ao redor deles pareceu congelar. Então, quando tomou consciência das marteladas de seu coração contra seu peito, tratou de arrastar-se mais uma vez para trás do altar, longe do olhar dele.


 


 


 


—Como assim ele está aqui?! —Perguntou Sophia, assim que o primo entrou na sacristia mais uma vez, parecendo afobado.


—Estando! —Disse Pedro, um tanto exasperado, pegando a mochila rapidamente. —Temos que sair daqui.


—Que? Ahm? Por que? —Disse Sophia, inclinando a cabeça ligeiramente para o lado, confusa.


—Ele me viu. —Disse Pedro, olhando ao redor até encontrar a mochila da prima. Pegou-a com a mão livre e ofereceu o braço para ela.


—Nós vamos aparatar?! —Perguntou Sophia, arregalando os olhos na direção do primo.


—Não temos tempo! Anda!! —Exclamou Pedro, sacudindo o braço na direção dela.


Sophia olhou para o primo por um instante, levando a mão até o cotovelo arranhado, numa clara lembrança da ultima aparatação. Porém, com um ar resignado, segurou o braço do primo e, sem tempo para se preparar, sentiu barras de ferro comprimindo sobre seu peito e a incomoda sensação de estar sendo empurrada contra uma mangueira de borracha.


Quando a pressão em seu peito diminuiu, a garota sentiu a claridade do sol-poente arder em seus olhos. Demorou um pouco até conseguir observar a paisagem ao seu redor.


Estavam no coreto de uma pequena praça. Algumas crianças brincavam no escorregador ali ao lado, mas nenhuma delas parecia ter notado a aparição repentina dos dois. Casais passeavam de mãos dadas pela calçada e, não muito longe, Sophia pôde ver a fachada da igreja onde estavam minutos antes.


—Pedro, afinal de contas, o que está acontecendo? —Perguntou Sophia, ainda confusa e sentindo-se tonta pela aparatação.


—Rabastan estava lá. —Disse o garoto, largando as duas mochilas no chão e encostando-se no cercado do coreto. Seu rosto foi parcialmente coberto pela sombra de uma árvore que balançava alegremente seus ramos na brisa de verão.


—Mas o que diabos ele estava fazendo lá?! —Disse Sophia, olhando para o primo com incredulidade.


—Aparentemente, se confessando. —Disse Pedro, levando as mãos ao rosto, esfregando-o dolorosamente. Quando afastou, a pele estava vermelha e sua sobrancelhas bagunçadas. —Aparentemente, Comensais também se arrependem.


Sophia manteve o olhar sobre o primo por alguns instantes, antes de voltar o olhar para a igreja. Parecia tão pacifica quanto antes. Era difícil acreditar que um Comensal da Morte estava ou estivera ali dentro. Por fim, voltou a olhar para o primo, que encarava as árvores, meio distante.


—Eu sei que parece mentira. Mas ele estava lá. Eu sei. —Disse Pedro, franzindo a testa de leve.


 


 


 


Uma semana inteira se passou, sem que Rabastan retornasse. Pedro e Sophia se revezavam para vigiar a igreja em busca de algum movimento, sempre disfarçados, mas nenhum Comensal entrou ou saiu do local. Sophia já começava a se mostrar aborrecida, apesar de tentar não demonstrar. Pedro procurava ficar mais tempo vigiando, para dar mais tempo livre para ela.


O dia já começava a se pôr quando uma mulher de meia-idade, cabelos castanhos e curtos entrou no quarto de um pequeno hotel. Livrou-se rapidamente da pesada jaqueta de couro e foi para o espelho.


—Alguma novidade? —Perguntou Pedro, saindo do banheiro, terminando de pôr a camisa.


—Nenhuma. —Respondeu a mulher com azedume. Encarou a própria imagem por alguns instantes antes de puxar a varinha do bolso da calça. Com movimentos rápidos, seus cabelos foram lentamente escurecendo e ganhando tamanho. Os olhos foram descolorindo até ficarem muito azuis e sua pele rejuvenesceu até os dezessete anos de idade mais uma vez.


Pedro soltou um suspiro demorado e socou de leve a parede. Dando as costas para a prima, foi até a mochila e começou a revirar alguma coisa. Sophia encarou o primo por um instante, antes de pegar uma toalha no armário e ir até o banheiro, fechando a porta com vigor.


—Me desculpe... —Murmurou Pedro, baixinho, antes de pegar uma casaca velha e caminhar em passos rápidos na direção da saída, com a varinha já em mãos.


 


 


 


A tarde daquele domingo chegou morna e agradável.   A praça do vilarejo estava completamente vazia. Nem o coreto que costumava abrigar jovens durante a tarde, apenas para conversar, estava ocupado. Os recentes assassinatos no local havia espantados os moradores que se trancavam em suas casas ou se mudavam para outros locais.


Um estalo alto quebrou o monótono silêncio do local. Uma figura vestida de negro cruzou rapidamente o gramado coberto de folhas secas que caiam das árvores.  O vento cortante jogava sua capa para trás suavemente, num movimento quase automático.


Não deteve-se ali. Atravessou a rua na direção da pequena igreja do vilarejo. Era uma construção simples, com apenas uma torre no centro, onde ficava o sino.  Subiu os degraus rapidamente, olhando brevemente por cima do ombro. Parou um instante no corredor principal da nave, antes de ajoelhar-se e fazer o sinal da cruz.


Seus passos robóticos ecoaram pelo local enquanto se dirigia até o confessionário.  Sentou-se no banquinho que ficava ao lado e fez o sinal da cruz mais uma vez, juntando as mãos como se fosse orar.


 —Padre, eu tornei a pecar. —Disse Rabastan Lestrange, abaixando o capuz de suas vestes, revelando o rosto marcado por inúmeras cicatrizes e pela insanidade.


—Conte-me seus tormentos, filho. —Murmurou uma voz jovial e energica.


—Eu matei mais três hoje, padre. —Disse Rabastan, a voz tão fria e dura que era difícil acreditar que ele estava arrependido. —Todos da mesma família. Pai, mãe e filho.


— Isso é muito grave, meu filho. —Respondeu a voz, mostrando-se impassível.


—Eu preciso de seu perdão, padre. —Disse o comensal , sem mudar o tom de sua voz.


—Não sei se poderei perdoa-lhe, meu filho. Teu erro é grave de mais.


—Você precisa me perdoar, padre! —Vociferou Rabastan, socando o confessionário.


Por um instante, um silêncio aterrador pairou sobre eles. Então, com um gemido de leve, a porta do confessionário abriu-se. O padre saiu arrastando sua batina no chão. Seu rosto bondoso, de olhos castanhos, da cor do chocolate, fitou o comensal por um instante.


—Você se arrepende, meu filho? —Murmurou, fazendo um sinal para ele se levantar. O comensal franziu a testa de leve, mas obedeceu ao padre.


—Sim. —Respondeu simplesmente.


—Venha cá, meu filho. —Murmurou, abrindo os braços. O comensal aproximou-se e deixou o padre abraçar-lo. —Você realmente se arrepende?


—Sim, padre. —Murmurou Rabastan, a voz já não tão dura. —O senhor irá me perdoar?


—Não, meu filho. —Disse o padre, afastando uma mão das costas dele e levando até o bolso da batina. —Eu lhe darei sua extrema unção.


Rabastan franziu a testa, mas logo arregalou os olhos ao sentir algo pontudo encostando em seu abdômen. Num movimento lento, viu os cabelos do padre crescer magicamente, até o meio das costas.


—Vá com Deus... —Sussurrou Pedro Ravenclaw, no ouvido de Rabastan. —Avada Kedavra!


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.