Olho Tonto



—Capítulo 8—


Olho-Tonto


 


      


—Morgan? —Murmurou Sophia, fitando o primo com a testa ligeiramente franzida.


Mas as palavras da prima ainda ecoavam em sua mente como uma voz distante. Apesar da sucessão de memórias e fatos ter subitamente parado de correr diante de seus olhos, sua mente continuava fixada na imagem de um bebê deitado com a mãozinha esticada em sua direção. Seus pequenos olhos castanhos pareciam gritar algo para ele.


—Pedro? —Murmurou Sophia, inclinando-se na direção do primo antes de sentar-se ao seu lado. —Pedro? O que aconteceu?


Um estalo, como uma corrente elétrica, percorreu seu corpo. O garoto sacudiu a cabeça negativamente, como se tentasse espantar um enxame de abelhas antes de voltar o olhar para a prima. Por um instante sua boca moveu-se sem emitir som algum, antes que ele começasse a falar.


—Eu...aquela garotinha...no berço...


—Quem é ela, Pedro? —Murmurou Sophia, abaixando as sobrancelhas, inclinando-se contra os joelhos para poder olhar o primo melhor.


—Ela é minha irmã. —Disse Pedro, o olhar novamente vago e perdido entre os vincos do chão de pedra.


—Irmã? —Sophia franziu a testa de leve, lançando um rápido olhar para a penseira antes de voltar-se para o primo. —Eu nunca soube que você tinha uma irmã.


—Eu tinha...ou...tenho... —Pedro abaixou ainda mais o olhar, fixando agora nos próprios joelhos que estavam bastante juntos.


—E por que ninguém nunca soube dela? —Disse Sophia, tentando parecer compreensiva e não inquiridora. —Onde ela está?


As mãos do garoto se fecharam com força contra o tecido da calça. Mordeu suavemente o lábio inferior, o vinco em sua testa aumentando suavemente, antes que voltasse a falar.


—Quando...tudo terminou...eu meio que...fiquei em choque...eu não conseguia me mover. Nem quando os aurores chegaram. —Parou para pigarrear, sentindo a garganta incrivelmente seca. —Eu lembro...deles tentando me explicar o que havia acontecido...meus pais mortos...a casa destruída. Quando disseram que não sobrou nada, eu...pensei que a Morgan...estava morta...ela era tão pequena. E nunca acharam o corpo dela.


—Por Merlin... —Disse Sophia, deixando um ‘ah’ espantado escapar por seus lábios. —Mas então... —E virou o olhar mais uma vez para a penseira, os pensamentos começando a se encaixar em sua mente.


Mas não era preciso Pedro completar a frase. Os dois trocaram um breve olhar, quase que confirmando o que o outro estava pensando. Lentamente, escorregando mais um pouco em direção ao chão, Pedro virou o olhar para a penseira. O liquido perolado ainda girava como névoa liquida.


Então sua irmã ainda estava viva. Ao menos é o que parecia. Bellatrix havia dito que cuidaria dela, mas quem garante que ela realmente teria cuidado? Mas se ela realmente estava viva, onde estaria agora? Como ela estaria? Com o coração apertado, Pedro encolheu as pernas contra o peito, quase como uma criança desprotegida.


—Pedro... —Murmurou Sophia, pondo a mão em seu ombro, apertando de leve.


—Temos que sair daqui. —Apressou-se Pedro, já sentindo os olhos arderem. Levantou-se meio bruscamente, tropeçando um pouco para o lado antes de firmar-se.


Sophia fitou o primo por um instante, com certa pena, antes de levantar-se. Bateu o pó das vestes e ficou esperando que ele saísse da sala.


Porém, Pedro não saiu do lugar. Seu olhar agora estava fixo no liquido branco perolado que girava lentamente na penseira. Esticou a mão na direção da grande bacia de pedra, num momento de indecisão, antes de aproximar-se. Puxou a varinha do bolso e, num movimento rápido, convocou o frasquinho que estava no chão. Encostou a ponta da varinha no liquido e puxou-o como se fosse um fio de prata. Levou até o frasco e derramou-o. Depois de fechar o vidro, colocou-o no bolso e virou-se para a prima mais uma vez.


—E agora? Para onde vamos? —Murmurou Sophia, tentando manter o olhar compreensível.


—Eu não sei... —Murmurou Pedro, virando o olhar para a janela do outro lado do quarto.


 


 


 


A noite já havia caído no vilarejo quando eles retornaram. Haviam trocado poucas palavras durante todo o caminho e Sophia procurava respeitar o silêncio do primo. Sabia que sua cabeça deveria estar cheia de mais para manter uma conversa.


O bar estava cheio como era costume. Os mesmos homens e mulheres do dia anterior sentavam-se ao redor de suas mesas, mais tranqüilos do que na noite anterior, assistindo ao jornal das sete. Conversas aqui e ali pontilhavam o ambiente que era cercado por uma atmosfera gordurosa com cheiro de fritura.


Deixando tudo aquilo para trás, subiram as escadas rumo ao quarto onde estavam. Sophia largou a mochila no chão e largou-se na cama, deixando os cabelos espalharem pelo travesseiro.


—Nossa. —Murmurou Sophia, deixando um suspiro cansado escapar por seus lábios. —Que dia.


Um resmungo baixo e distante indicou que Pedro havia concordado com a prima. Largou a mochila no chão, da mesma forma que ela, só que não jogou-se na cama ao lado. Abriu o zíper da bolsa e pegou uma toalha, jogando sobre o ombro.


—Vou tomar banho. —Disse num tom baixo, virando de costas e saindo do quarto.


Os corredores estavam vazios. Apenas a barulheira do andar de baixo indicava que o prédio estava lotado. Um estranho som de gemidos vinha do quarto ao lado, mas não parou para reparar nisso.


Por sorte, não havia fila para o banheiro. Entrou e fechou o trinco do lado de dentro.


O banheiro era pequeno, as paredes feitas de pedra como o restante da hospedaria. Um chuveiro velho pingava água e a encanação parecia gemer de tão antiga. Havia uma pia e um banco para colocar as roupas sujas.


Despiu-se lentamente antes de ir para debaixo do chuveiro. Abriu o registro e deixou a água cair em seu rosto. Fechou os olhos e deixou a água morna varrer para fora aquela enxurrada de emoções em seu corpo.


Então sua irmã poderia estar viva? A irmã que ele nem lembrava podia estar viva em algum lugar do mundo. Com a mulher que ele queria matar a todo custo.


De uma forma ou de outra, teria que encontrar Bellatrix.


Sentiu as entranhas revirarem como cobras, queimando como se tivesse engolido carvão em brasa. Fechou as mãos com força, sentindo o corpo tremer antes de soltar um grito frustrado e socar a parede.


Demorou para perceber que a água que caia do chuveiro evaporava antes mesmo de tocar seu corpo. Foi lentamente acalmando a respiração até que a aura laranja que envolvia seu corpo sumisse por completo. Com um suspiro cansado, deu um passo para frente, encostando a testa na pedra fria, ainda sentindo-se tremulo.


Só saiu do banheiro quando um homem embriagado começou a esmurrar a porta, querendo usar o vaso. Terminou de secar-se e vestiu a calça, jogando a toalha e a camisa sobre o ombro.


Sophia ainda estava deitada quando ele voltou. Olhava distraída para o teto, girando a varinha entre os dedos lentamente. Seu olhar parecia vago e um tanto disperso e só voltou à Terra quando Pedro bateu a porta.


—Ah. Hey. —Pigarreou de leve e ajeitou-se na cama, passando a mão pelos cabelos. —Me distraí.


—Algum problema? —Murmurou Pedro, indo até a mochila e pondo a toalha e a camisa dentro. Pegou uma camisa limpa e vestiu, antes de voltar-se para a prima.


—Nada de mais. Digo. —A garota sentou-se melhor na cama e pigarreou antes de falar. —Estava pensando...se o Ministério deve estar atrás de mim agora.


—E por que estaria? —Perguntou Pedro, franzindo a testa e sentando-se na outra cama, de frente para a prima.


—Eu usei magia lá na Mansão. —Disse Sophia, encolhendo os ombros de leve. —E ainda sou menor de idade.


—Não se preocupe. Você estava numa situação de perigo. —Disse Pedro, fazendo um gesto com a mão, como se dissesse para ela não se preocupar. —É justificável.


—É...tem razão.


Pedro olhou brevemente para a prima antes de virar o olhar para a janela que agora mostrava o céu estrelado, meio ofuscado pelas luzes da cidade. Ao longe, entrecortado pela luz pálida do luar, estava a Mansão Lestrange, parecendo um animal aninhado.


—Hey. —Murmurou Sophia, encostando o queixo em seu ombro, apertando o ombro do primo como se quisesse confortar-lo. —Não fica assim.


—A Morgan pode estar viva. —Disse Pedro, o olhar ainda olhando para a mansão. —E eu nem tenho idéia de onde ela possa estar.


—Você saiu de casa para caçar a Bellatrix. —Murmurou Sophia, o queixo ainda encostado no ombro do primo, olhando para a Mansão também. —Só ela sabe onde a Morgan está. De uma forma ou de outra...você vai encontrar-la. —Virou e beijou o rosto do primo, antes de afastar-se. —Eu vou descer e comer algo. Você vem?


—Não...eu vou ficar aqui. —Fixou seu olhar na mansão por alguns instantes, antes de virar-se para a prima. —Dormir um pouco.


Sophia deu dois passos para trás e inclinou a cabeça meio para o lado, olhando-o com uma certa pena. Murmurou um “tudo bem” antes de afastar-se na direção da porta. Ainda olhou para o primo por um instante, por cima do ombro, antes de fechar a porta com cuidado.


 


 


 


 


O dia mal havia começado quando os dois fecharam a conta da hospedaria. A vida ainda nem havia começado no pequeno vilarejo quando eles se embrenharam num beco escuro entre uma casa e o mercado local.


—Para onde vamos? —Perguntou Sophia, agarrando-se ao braço do primo.


—Não sei ainda...


E, com um suspiro demorado, girou no ar, desaparecendo com um “crack” alto.


Durante dois dias seguidos, os dois dormiram em hospedarias pequenas de vilarejos que margeavam a Grande Londres, aparentemente sem um destino fixo. Pedro cosutumava sumir o dia todo e sempre voltava com algo para despachar por Chronus. A coruja passava a maior parte do dia e da da tarde fora, só voltando à noite para descansar, alimentar-se e partir em uma nova viagem.


O quinto dia, após a saída de Dermontburg, começou ainda antes de o sol nascer. Fecharam a conta e saíram pelas ruas do vilarejo que ainda estava adormecido. Uma sonolenta Sophia seguia ao lado do primo, bocejando constantemente, coçando os olhos para tentar espantar o sono.


—Para onde vamos hoje? —Perguntou a garota, após um bocejo particularmente demorado.


—Little Whinging. —Respondeu Pedro, olhando por cima do ombro, como se quisesse ter certeza de que ninguém estava seguindo eles. —Quinn me disse que há uma chance de Comensais aparecerem por lá.


—E acha que ela vai estar lá? —Sophia olhou o primo de canto, uma sobrancelha ligeiramente erguida. Pedro seguiu andando em silêncio, o olhar fixo no chão. Por um instante a garota pensou que ele fosse ignorar sua pergunta.


—Há uma possibilidade. —Murmurou por fim, parando próximo à uma escola primária, vazia àquela hora do dia. Olhou para os lados como se quisesse confirmar que estavam sozinhos, antes de oferecer o braço para a prima.


Sophia olhou para o primo por um instante, com certa pena. Desde que descobriram que sua irmã mais nova estava viva, todas as noites a garota escutava o primo murmurar o nome de Morgan durante o sono, como se estivesse tendo pesadelos. Tentara conversar com ele sobre isso, mas Pedro sempre se esquivava do assunto. Inclinou a cabeça uma pouco para o lado, tentando captar o olhar do primo, que encarava o chão.


—Rápido...antes que alguém apareça. —Murmurou Pedro, sem erguer o olhar.


Com um suspiro resignado, Sophia esticou a mão e segurou a do primo, que girou no ar.


Quando por fim sentiu a pressão em seu crânio diminuir, Sophia viu-se em meio à uma rua de casas muito iguais, quadradas, com jardins bem cuidados e carros bem limpos em suas garagens. O céu era de um cinza claro, enquanto a claridade do sol tentava ultrapassar as nuvens que se avolumavam no céu, naquele fim de madrugada.


—E agora? O que fazemos? —Perguntou Sophia, sem atrever-se a andar. Ainda não estava acostumada à aparatar.


—Vamos arrumar um lugar para ficar. —Disse Pedro, ajeitando a mochila no ombro e virando para encarar a prima. —Não creio que eles apareçam hoje.


Sophia concordou com um aceno de cabeça e, ainda tentando espantar aquela incomoda tontura causada pela aparatação, ajeitou a mochila no ombro e seguiu logo atrás do primo. Pedro tinha as mãos bem dentro dos bolsos do casaco. Sophia tinha certeza que devia estar segurando a varinha.


—Você não acha perigoso ficar trocando informações por coruja? —Perguntou a garota, querendo quebrar um pouco aquele silêncio entre os dois. —Alguém pode interceptar.


—Eu sei...por isso só despacho o Chronus à noite. —Respondeu Pedro, o olhar sempre atento à frente. —A plumagem dele se confunde com o céu noturno, então fica difícil alguém identificar-lo.


—E o que ela faz de manhã? —Sophia franziu a testa de leve, olhando para a nuca do primo. —Digo, ela só retorna a noite, nunca vi ela de manhã ou de tarde.


—Fica na casa da Amanda. —Disse Pedro, meio vagamente. —Uma amiga minha de Hogwarts. —Completou, ao notar que a prima olhava meio confusa para ele.


—E como sabe que ela não está repassando essas informações para alguém?


O garoto virou o olhar por cima do ombro, sem parar de andar. Encarou a prima por um instante antes de soltar um suspiro demorado pelo nariz, voltando a olhar para frente.


—Confiaria minha vida à Amanda. —Respondeu Pedro, sentindo um aperto no coração.


Havia um tempo que não tinha noticias de seus amigos. Exceto o fato de Chronus estar sempre bem alimentado e bem cuidado, não tinha como saber como eles estavam. Seguiu o resto do caminho pedindo mentalmente para que todos estivessem bem.


A caminhada durou um pouco mais de duas horas. Foram afastando-se das casas, atravessando um grande parque vazio, embrenhando-se num matagal. Subiam uma encosta onde podiam ver toda a Little Whinging e parte do próximo bairro. O sol já estava alto e banhava o local com um calor abafado. Armaram um pequeno acampamento e tomaram café com o que restava da comida que Jinx havia dado a eles.


—Temos que comprar comida. —Anunciou Pedro, enquanto acendia o fogo para esquentar a água. Sophia estava sentada do outro lado, seus olhos claros refletindo as chamas, meio distante. —Ah, claro! Quase esqueci.


E virou-se para a mochila, começando a revirar as roupas e outros objetos que havia dentro. Sophia ergueu o olhar para o primo, a testa ligeiramente franzida, uma certa curiosidade no modo como inclinava a cabeça para o lado. Depois de quase dois minutos, o garoto retirou uma pacotinho de formado quadrangular, envolto por um embrulho azul, meio amassado, como se tivesse sido enfiado de qualquer jeito entre as roupas. Virou-se mais uma vez para a prima, estendendo o braço em sua direção, entregando o pacote.


—Feliz aniversário!


—Ah... —Deixou escapar Sophia, sem conseguir falar mais nada, como se sua voz estivesse travada na garganta pela surpresa e pela confusão. Havia acontecido tanta coisa nos últimos dias que tinha esquecido do próprio aniversário. Esticou a mão para frente e pegou o embrulho, ainda incerta. —O...obrigada...


—Não é grande coisa. —Disse Pedro, encolhendo os ombros de leve, sentando-se do outro lado da fogueira. Pegou uma panela de cobre, de aparência envelhecida, apontando a varinha para dentro. —Aquamenti! —Um jorro de água encheu a panela rapidamente. Colocou-a sobre o fogo e murmurou um feitiço, fazendo-a flutuar a poucos centímetros da chama. —Não tinha muito dinheiro. Nem sei se você gosta dessas coisas...


A garota olhou para o primo com a testa ligeiramente franzida enquanto desembrulhava o pacotinho. Era uma caixinha de papelão, reta. A tampa estampava o logo da loja exotérica. Sophia abriu e viu a pedrinha de cor dourada, imitando ouro, em meio ao veludo branco, com uma corda negra enrolada ao seu redor.


—É do seu signo. —Pedro encolheu ainda mais os ombros, enquanto atiçava o fogo com movimentos suaves dos dedos. —Não é grande coisa, mas...é uma forma de agradecer a companhia. E a ajuda, claro.


Sophia pegou a cordinha e desenrolou lentamente, deixando a pedra dourada pender diante de seus olhos. Sorriu suavemente antes de pôr o colar no pescoço.


—É lindo. Obrigada.


Pedro sorriu de leve, murmurando um “não precisa agradecer”. Quando água a sua frente começou a ferver, pegou o pacote de comida instantânea e despejou na água fervente. Sophia ficou um instante brincando com a pedrinha dançando entre seus dedos, antes de voltar a falar.


—Quando tudo isso acabar...o que vai fazer? —Perguntou Sophia, o olhar ainda fixo na pedra.


—Isso tudo o que? —Perguntou Pedro, despejando o segundo pacote na água antes de voltar a sentar-se do outro lado da fogueira, olhando para a prima por cima da panela de água fervente.


—Isso tudo...sua vingança... —Disse Sophia, fazendo um gesto breve com a mão. —O que vai fazer?


—Seguir minha vida, provavelmente. —Murmurou o garoto, meio casualmente.


—Então é isso? —A garota soltou a pedra e voltou a olhar para ele. —Você consegue sua vingança e nada muda? Então qual o objetivo disso?


O garoto olhou para um instante para o vapor que se erguia rumo aos céus, como se medisse cada palavra. Por fim, com um suspiro demorado, voltou a olhar para Sophia, o olhar pesado e cansado, como se ele tivesse envelhecido rapidamente.


—Eu não vou ter sossego até o dia em que tiver minha vingança... —Murmurou o garoto, deixando seus longos cabelos negros caírem por sobre o rosto. —Não é algo que espero que entenda...na verdade nem eu entendo na maioria das vezes. Mas eu sinto que nunca vou conseguir relaxar completamente se eu não terminar isso...ou ao menos tentar até o fim.


—Pedro... —Murmurou Sophia, observando o primo do outro lado da fogueira. —Será que vale a pena desperdiçar seu tempo com isso? Você já perdeu tanto tempo pensando nisso...


—Eu não sei... —Murmurou Pedro, abaixando o olhar, fazendo com que mais cabelo caísse diante de seu rosto, quase como uma cortina. —esse tem sido o único objetivo da minha vida nos últimos quinze anos. —E voltou a erguer o olhar até a prima. —E agora que eu sei da Morgan...eu tenho um motivo a mais para ir atrás daquela maldita. —E virou o olhar rapidamente na direção da panela. —Está pronto.


E, sem dar espaços para Sophia continuar a conversa, levantou-se para pegar os pratos, deixando a garota para trás, olhando para as costas do primo.


 


 


 


O restante do dia passou sem muita alteração. Sophia pediu à Pedro para retirar sua moto da mochila e, como “inauguração” de sua recém chegada maioridade, executou o feitiço para retornar-la ao tamanho normal. Enquanto Pedro esquadrinhava a área de dez em dez minutos, procurando algum tipo de movimentação, Sophia usava magia para limpar sua moto.


O sol já se punha no horizonte, lançando uma sombra crepuscular sobre o local. Uma a uma as luzes nas casas foram acendendo. To topo da encosta, por entre as árvores, o bairro se assemelhava ao céu estrelado.


Pedro estava sentado ao pé de uma árvore, o olhar atento ao céu. Sophia, que já havia guardado a moto na mochila mais uma vez, agora brincava de puxar e empurrar uma pedra, com simples movimentos da varinha.


—Demorou muito até você parar de usar magia para tudo? —Perguntou Sophia, enquanto fazia a pedra rolar para longe mais uma vez.


—Alguns meses...vivi entre os trouxas por tanto tempo...acabei acostumado ao método deles. —Respondeu Pedro, o olhar ainda fixo entre a copa das árvores.


—Acho que vai ser difícil acostumar com outra coisa. —Riu a garota, murmurando accio e fazendo a pedrinha voar diretamente para sua mão.


Pedro olhou para a prima e sorriu de leve. A escuridão começava a envolver os dois. Por fim, a linha alaranjada no horizonte sumiu. Pedro levantou-se e subiu um pouco mais a encosta, como se quisesse ter uma visão melhor. Ficou um instante olhando para todo o bairro ao seu redor, antes de sentar-se no toco de uma árvore cortada.


—Se ela estiver aqui hoje... —A voz de Sophia chamou sua atenção. Pedro olhou por cima do ombro e fitou ela demoradamente. —como vai matar-la?


—Lenta e dolorosamente. —Murmurou o garoto, de modo casual, como se estivesse comentando um piquenique para um dia ensolarado.


—Nunca te imaginei usando uma maldição imperdoável. —Disse Sophia, rindo meio desanimada.


—Existem outras formas de causar dor e até de matar... —Disse Pedro, pensando alto. Sophia olhou para o primo mais uma vez, dessa vez um tanto atônita.


—Você fala como se já tivesse matado alguém... —Disse a garota, tentando forçar um tom irônico na voz.


O silêncio do primo fez uma pedra de gelo cair no estomago de Sophia. Porém, antes que ela pudesse perguntar algo, o garoto levantou-se bruscamente. Seu olhar correu de um lado a outro, como se estivesse visto algo.


—O que aconteceu? —Perguntou Sophia, subitamente esquecendo aquela conversa.


—Magia das Trevas...tem magia das trevas por todos os lados. —Murmurou Pedro, girando em torno do próprio eixo. —E está se aproximando rapidamente.


Um ronco ensurdecedor chamou sua atenção. Virou seu olhar a tempo de ver sete vultos cortando a luz do bairro antes de sumir na escuridão. Pedro virou o olhar para o lado, sentindo o suor escorrendo por sua têmpora.


—Ele está aqui. —Murmurou, a respiração mais rápida que o normal.


—Ele? Ele quem? Pedro, do que está falando?! —Perguntou Sophia, sentindo-se um pouco incomodada.


—Voldemort. —Disse Pedro, sussurrando. —Como eu pude esquecer!! O Potter mora aqui!


Tão subitamente quanto os sete vultos apareceram, uns outros 30 vultos apareceram, cercando o primeiro grupo. O céu encheu-se com estampidos e jorros de luz num duelo intenso, como se fossem fogos de artifício. O primeiro grupo dispersou-se, forçando os Comensais da Morte a se separarem para seguir-los. Um vulto cortava os céus, aparentemente sem usar vassoura ou qualquer outro tipo de transporte. Parecia muito com um enorme morcego plainando de uma forma intimidante pelos céus. À sua frente uma vassoura cortava o ar velozmente, tentando ganhar distância.


—É ele...Voldemort... —Disse Pedro, franzindo a testa de leve, acompanhando o movimento do enorme vulto à cima.


—Voldemort?! Mas...ele...ele não parece estar usando uma vassoura... —Disse Sophia, sentindo um certo arrepio de medo passar por seu corpo em pensar que o lorde das trevas estava ali. —Ele está...!


—Voando... —Completou Pedro. Sua boca abriu-se para falar mais algo, porém, um estalo alto preencheu toda a escuridão.


Alguém havia aparatado. No mesmo instante um flash verde encheu o céu e quem estava na vassoura escorregou para o lado, despencando de mais de duzentos metros de altura.


—Temos que ir! —Disse Pedro, um tanto exasperado.


—Espera! —Sophia esticou o braço e segurou o primo. —Ele caiu longe. Vai demorar muito até você chegar.


—E o que você quer que eu faça?! —Perguntou Pedro, exasperado.


—Eu tenho uma idéia...


 


 


 


A moto cortava o matagal rapidamente, parecendo ignorar o terreno esburacado. Os flashes prosseguiam no céu, mas agora eles pareciam se distanciar da confusão.


—O corpo deve ter caído por aqui! —Disse Pedro, um pouco alto, tentando sobressair-se ao forte deslocamento de ar. Estava sentado na parte de trás da moto, os braços firmemente passados pela cintura da prima, que parecia divertir-se em acelerar cada vez mais a moto.


—Ok! —Gritou ela de volta, desacelerando a moto.


Pararam próximo à um pequeno bosque que ficava do outro lado do parque que eles passaram antes. Sophia reduziu novamente a moto e colocou-a com cuidado no bolso. Pularam a grade e embrenharam-se por entre as árvores, mantendo a varinha em mãos e os olhos e ouvidos atentos.


—Deve estar em algum lugar por aqui... —Disse Pedro, apontando a varinha para o chão e murmurando “Lumus”.


Sophia imitou o primo e logo dois fachos de luz iluminavam o chão cheio de folhas e pequenos animais selvagens que haviam saído de suas tocas para checar a repentina agitação. Seguiram no mais absoluto silêncio, o que fazia seus passos ou qualquer outro ruído parecer dez vezes maior.


—Aqui! —Sussurrou Sophia, agitada. —Tem algo aqui!


Pedro virou o olhar e apontou a varinha na direção onde Sophia apontava a dela. Um corpo estava jogado no chão. Faltava-lhe uma pena e seus braços estavam estirados em ângulos estranhos. Seu cabelo era grisalho e desalinhado e faltava-lhe um pedaço do nariz. Haviam varias cicatrizes em seu rosto, dando à sua pele a aparência de uma árvore velha. Um olho castanho olhava aterrorizado para cima, mas a outra órbita estava vazia.


—Moody... —Murmurou Pedro, sentindo um repentino aperto no peito.


 

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