Capítulo 14



10/FEVEREIRO – 17:34 – DOMINGO – LIVRARIA
Estamos aqui na livraria do shopping, porque a Zora quer comprar um livro sobre política para a campanha da escola. Eu perambulei pelas prateleiras atrás de mangás e de livros-biografias (sim, adoro estes) e estou levando algumas edições de Black Jack (apesar de assistir o animê, pareço ser um dos únicos seres da Terra que além de ver, tenho de ler também o que está na TV. Não sei por que não me contento com os episódios que baixei da internet) e um livro chamado Minha Vida, que narra toda a trajetória de Charles Chaplin. Nem o estou levando porque o James me convidou para irmos assistir seus filmes mudos amanhã. O negócio é que eu nem sabia que existia um livro contando sobre a vida do Charles. Ainda assim, para alguém como eu – nerd, fã e abobada – é algo muito legal de se ter e de se ler.


Enfim, só estamos aqui para passar o tempo. Nem sei por que não convidamos os meninos. Tudo bem que podemos conversar sobre coisas que meninos não querem ouvir e sobre coisas que não queremos que eles ouçam, mas mesmo assim... Muitas vezes, como, por exemplo, agora, que todas me deixaram e estão mais preocupadas em ajudar a Zora em sua busca insaciável por cultura inútil de política, fico pensando que não seria muito ruim se o James estivesse aqui comigo, ao menos. O James, provavelmente, estaria conversando comigo - com o seu humor que me deixa realmente feliz - sobre qualquer coisa besta que compartilhamos em comum. Eu não estaria sentada aqui, como uma nerd, olhando o pouco movimento da loja e escrevendo sem parar, como sempre faço quando tenho uma brecha.


 10/FEVEREIRO – 19:33h – DOMINGO - DE VOLTA À CASA DE JAMES E ALEX
Acho que o James é outro que tem sérios probleminhas, exatamente como minha avó. Tem, porque ele simplesmente apareceu lá na livraria e disse que deveríamos comer uma tortinha de limão lá na praça de alimentação. Eu fiquei:


- De jeito algum. Não posso sair e deixar as meninas aqui, sem saber para onde fui.


Só que ele somente abanou a cabeça e sorriu daquele jeito que odeio, porque James sabe que, quando sorri daquele jeito, faço qualquer coisa. Até pular da ponte, se ele quiser. Então meramente apertei os olhos, enquanto sentia seus dedos puxar a minha blusa com maior vontade.


- Estou vendo o quanto você está se divertindo com as meninas – seu tom, claro, sugeria o máximo sarcasmo possível.


Fechei a cara, tentando não demonstrar o meu ânimo por ele ter me pegado.


Era mais do que claro que eu não estava nem um pouquinho me divertindo ali. Eu amo livrarias e revistarias – sou obcecada, sinceramente -, mas... só que naquele momento minha excitação pelas prateleiras com seus livros não estava sendo espalhada. Eu continuava sentada na mesma mesa, com o meu caderno – este aqui, claro -, olhando o movimento e tentando imaginar quando é que as meninas iriam aparecer para irmos embora, ou para qualquer outro ambiente.


E olha só que coisa do além: eu estava pensando tanto no James também – desejando que ele estivesse ali comigo para conversarmos sobre, sei lá, o filme que irão fazer sobre o Kurt Cobain (sério mesmo. Irão fazer *-* Estou morrendo aqui! Pena que o Johnny Depp não possa dar vida ao Kurt nas telonas...) -, que ele APARECEU para mim. Foi muita magia *-*. E claro que eu não estava me importando se teria de deixar as meninas ali, porque... bom, o James estava ali. Para mim, sair pelo shopping à procura de tortinha de limão, me pareceu uma diversão bem melhor do que ficar escrevendo sobre o quão entediada eu estava.


- Como você sabe que não estou me divertindo, Sr. Sabe Tudo? – me concentrei ao cubo para conseguir fazer somente uma das minhas sobrancelhas se arquearem. Eu não sou muito boa nisso, sabe. Então, preciso me concentrar muito. Mas funcionou, pela cara de James. Claro que eu não entendi se sua cara expressava riso súbito ou estranhamento.


James largou minha blusa e fechou o meu caderno, como se tivesse toda a permissão para tocá-lo. (Não, NINGUÉM, além de mim, tem a devida autorização para tocar em meu caderno. Porque sei que, se tocarem, irão querer abri-lo e lê-lo e aqui dentro está TODA a minha vida. Bem, uma parte dela, claro, porque 200 folhas somente duram por uns seis ou sete meses, mas enfim. Não quero que alguém leia nada que está contido aqui. É uma coisa pessoal, que só diz a respeito de mim mesma).


- Oras, Lily, você, com essa sua cara de velório, acha que vai me convencer de que está aproveitando estar aqui, sentada nessa mesa, largada por todas? – foi o que ele me atirou, na maior cara de pau e com seu tom impecável de você-sabe-o-quê. Ironia. Ou talvez fosse convencimento. Difícil discernir.


Só que eu não me irritei, nem o contradisse. Muito pelo contrário: eu ri. Ri, como se ele fosse o cara mais engraçado que conheço (na verdade, James é o segundo cara mais engraçado que conheço, porque o meu favorito é o Sirius). Acho que o peguei desprevenido, porque James meio que ficou confuso. Acho que ele esperava que eu o batesse ou lhe pedisse para ir embora e me deixar sozinha. Só que fazer qualquer uma dessas coisas é impossível quando percebo que quero sair por aí com ele e deixar minhas amigas para trás.


E foi exatamente isso que fizermos: colocamos meu caderno, meu novo mangá e o livro sobre a história do Charles Chaplin (depois que eu mostrei a James as minhas compras e falamos um pouco sobre algumas curiosidades sobre o Chaplin) e deixamos a livraria sem nem ao menos olhar para trás. Eu nem quis procurar alguma das meninas. Foi tão... não sei. Tão divertido.


Devo comentar que não sou muito fã de shoppings. Sempre tem alguém que não queremos encontrar e, pior do que isso, sempre tem muita gente. E as pessoas simplesmente seguem seus rumos sem olhar para os lados, passam por você e quase a derrubam. E não se desculpam. É como se fosse sua culpa por ter se atravessado na frente delas. Se algum dia eu for eleita dona do mundo vou colocar em vigor uma lei que obriga todo mundo a usar a palavra “desculpa”, no mínimo, uma vez por dia, porque eu peço desculpas a todo mundo e nunca ninguém retribui. Eu podia muito bem acotovelar aquela velhinha da bolsa e não me importar com mais nada, mas sei que gostaria que ela se desculpasse se por acaso fizesse a mesma coisa comigo. Então, meu lema é: não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você. E, sabe, se mais pessoas se habilitassem a seguir este mesmo lema, aposto como 70% do planeta estaria a salvo.


Apesar de todos os hematomas que toda aquela gente sem noção me deixou no corpo, encontramos o bistrô mais barato dali. Tudo bem que saímos do shopping (só porque implorei ao James que me levasse para longe daquela gente assassina), e provavelmente, as meninas ficariam furiosas comigo. Especialmente certa pessoa, que parece alimentar um ciúme doentio por mim. Ou quase doentio, considerando que ela não quis me bater por eu ter dançado juntinho com o James, ontem. Mas... eu não me importei. James apontou o bistrô, e concordei em pedir as tortinhas, quando vi duas mulheres concedendo uma mesa a nós.


A essa altura, James estava me contando sobre um documentário (nerds adoram documentário, aprendam) que viu semana passada sobre a matança de tubarões para cortar suas barbatanas (e esta prática leva o nome de “finning”), o que está ocasionando, estimativamente, a extinção de 100 milhões desses animais por ano. Sabe, acho que pessoas normais não gostam de tubarões, mas eles são seres vivos como os cachorros e os tigres, sabe. Além do mais, eu soube que a barbatana deles nem têm gosto; as pessoas as servem lá na costa leste da Ásia como uma iguaria em sopas; o mesmo ocorre com os pobres dos tigres, que têm seus testículos cortados pelos chineses por causa de seu poder “afrodisíaco”. É, seria bom se eles conhecessem o significado desta palavra e descobrissem o poder do chocolate, por exemplo. Acho que chocolate é bem mais “afrodisíaco” do que os pobres testículos de um tigre servidos em um chá (porque uma parte da população acredita que seja a cura para a impotência causada pela AIDS) por alguém. Nem preciso falar o quanto isso me indigna e me faz odiar a humanidade.


Mas, bom. Deixemos os tubarões e os tigres quietinhos (enquanto alguém ainda não os achou e os matou por qualquer motivo besta e desumano). Voltemos a mim e ao James.


A mulher toda simpática anotou nosso pedido, com o acréscimo de dois mocaccinos com chantilly.


É claro que não foi nada estranho estar lá fora, sob o céu pouco coberto de nuvens e muito azul, com o James. Eu me sinto bem com ele, como já devo ter escrito anteriormente em algum momento. O James me faz querer somente estar ali, naquele momento. Com ele definitivamente sinto que posso ser 100% eu mesma. Sei que tudo bem eu falar qualquer bobagem, porque ele não parece querer usar minhas palavras contra mim. A Taylor fazia muito isso. Era aterrorizante.


Nós ficamos meio que sem assunto, depois que comentei sobre a ligação esquisita que minha mãe atendeu da mãe da Taylor, no fim de semana passado, quando eu e ele estávamos em Beadlow. Então, eu quis saber:


- Mas, me diga: por que está aqui?


Por que, ACORDA, qual foi a dele? Ele sabia que eu estaria com as meninas e que ninguém o tinha convidado, porque meninas precisam ficar sozinhas às vezes, sabe. Mas ocasionalmente apareceu lá na lavraria. Aliás, como ele sabia que estaríamos lá?


- Vim dar uma passeada – ele me respondeu como se fosse a coisa mais óbvia.


Só que eu fiz uma cara de quem não tinha acreditado muito, e ele revirou os olhos, rindo, como se soubesse que não me convenceria desde o começo.


- Tuuudo bem. A verdade é que eu pensei que você precisaria da minha ajuda – ele continuou sorrindo.


Fiz uma careta de até parece que preciso da sua ajuda. Ele revidou a expressão, mas com humor.


- Bom, seja lá qual é a sua explicação, não foi ruim você ter aparecido e me tirado de lá – dei de ombros, agradecida ao cubo.


- Rá, então você admite que precisava da minha ajuda – sua voz estava muito convencida e vitoriosa. Eu ri, é claro.


- Siiiiim – entoei, fingindo estar entediada.


Fizemos mais caretas um para o outro, enquanto a tortinha e os cafés não chegavam.


- Precisamos ensaiar mais. Você treinou na guitarra por esses dias? – o James recomeçou a falar, porque estávamos em silêncio, mas não me incomodei com isso.


Parece que nunca ficamos sem assunto por muito tempo.


Só que, sabe, só para variar, eu não queria falar sobre a minha guitarra ou sobre a apresentação. Acho que já gastamos muitas horas discutindo sobre esses assuntos. Eu queria só... sei lá. Falar sobre a festa de ontem ou sobre o último episódio de Os Feiticeiros de Waverly Place que vi. Tudo bem, provavelmente seria um saco para ele falar sobre uma série bobinha de feiticeiros, já que James gasta o seu tempo assistindo ao Discovery Channel ou ao History Channel. E vamos combinar que, de jeito nenhum, um menino tão nerd falaria sobre um programa que a irmãzinha da Taylor, a Kitty, de três anos, adora. Mas tanto faz. Eu só gostaria que James me entrevisse de um modo diferente.


- É, terça você pode ir lá para casa, sem problemas. Amanhã, sabe como é, vou trabalhar... – eu respondi, mesmo desejando poder falar de algo que me deixasse menos enjoada, porque pensar nas apresentações estão me fazendo querer vomitar de nervoso. E isso não é nem um pouco bom, apesar de eu saber que o James vai me ajudar e tudo.


-... e sair comigo, à noite. Claro – ele complementou, como se essa fosse realmente a minha fala, mas não era.


Apertei os lábios. Não porque estivesse irritada, mas porque estava tentando esconder o meu sorriso.


James + Charles Chaplin + Pretzel só pode resultar em coisa boa. É uma equação que sei totalmente resolver.


- Você nasceu convencido assim ou só agora isso está se manifestando em você? – perguntei, brincando.


- Na verdade, a culpa é toda sua. Você me obriga a ser convencido, porque aparentemente quer escapar de mim e dos nossos programas legais – foi o que ele me falou, com as sobrancelhas lá em cima, com uma cara de Uh, Lady Gaga ao cubo e o meu sorriso favorito nos lábios.


Meu estômago se revirou de um jeito esquisito. Parecia fome, mas não ouvi meus roncos estomacais. Senti um frio nas mãos e puxei as mangas da blusa para meus dedos.


- Haha, engraçadinho. Nem estou fugindo de ninguém. Só que... – eu achei que não tinha mais palavras a dizer. Tudo parecia ter se esgotado do meu estoque pensante. Eu me calei, confusa. Sacudi a cabeça e inspirei fundo.


- É, você está mesmo fugindo de mim – ele riu, acho que realmente brincando, e então fechou a cara simulando decepção: – A sua avó não irá ficar nada feliz.


Não sabia se ria ou se fazia uma cara de quem não estava nem aí. Mas tudo o que consegui foi fechar a minha cara, de verdade. Não estava simulando nada, como o James. Eu fiquei irritada, como se estivesse me importando com a porcaria da minha felicidade com o James que minha avó está tanto obcecada.


- Eu odeio a minha avó por isso – deixei escapar, tremendo, possivelmente de raiva.


Acho que James se surpreendeu, porque sua falsa decepção foi dissolvida e remontada em uma expressão diferente.


- Ei, relaxa. Ela só quer pegar no seu pé – James me disse indiferente.


- É, e talvez esteja conseguindo – bufei, olhando feio para ele, mas mais por causa de minha avó mesmo.


James riu como se o modo em que eu estivesse agindo fosse ridículo ou inacreditável.


- Você vai ligar para isso? Quero dizer, nós sabemos o que é verdadeiro entre nós, até parece que vou deixar alguém me aborrecer só por conta de uma historinha boba – sua expressão ainda sustentava um pouco de incredulidade, mas sua voz estava bem suave, como se estivesse me consolando ou me dando algum conselho.


Aham, belo conselho, James.


Todavia, antes que eu pudesse retrucar alguma frase, meu pensamento trabalhou primeiro e chegou à frente.


“A minha mãe sempre me disse que se nos irritamos ou pensamos sobre algo é porque nos importamos e nos preocupamos com estas coisas. Talvez você só não queira ver o que está bem à sua frente”. Essa foi a primeira frase que me veio em mente. Uma das várias frases inúteis que Sr. Green, o Conselheiro da escola, me disse na sexta.


Só que... o que não quero ver que está bem à minha frente? Eu não gosto do James... portanto, não tenho nada para ver, caso seja essa a resposta equivocada.


“A negação é a forma mais rápida de afirmação inconsciente. Isso se chama mente mentira: a mente cria sua própria verdade”. E, como se um tapa invisível tivesse sido dado em meu inconsciente ou subconsciente, lembrei-me mais disso também. Acho que uma coisa puxou a outra, como um novelinho de lã mal enrolado.


Eu estou negando tanto uma coisa que nem sei se é verdade, que talvez essa coisa possa vir a acontecer de tanto que a ignoro. Será que isso pode mesmo acontecer ou é somente uma tática de tortura psicológica?


Mas eu n...


Ah, de novo.


Tá legal, vou parar de escrever essa frase. Vai que ela se concretize? Não, claro que não. Isso nunca vai acontecer, porque, apesar do último episódio, amo muito o meu namorado e quero passar o resto da minha vida ao lado dele.


De repente, algo – não sei o que – estava me incomodando. Não em minha pele, mas dentro de mim. Algo queria sair, mas estava trancado em minha garganta ou em meu coração.


Cocei a cabeça, só para tentar voltar à normalidade, só para ter o que fazer.


De repente eu queria estar em qualquer lugar menos ali com James. O que foi muito revelador para mim, porque o James agora é uma espécie de porto seguro para mim. Ou qualquer outra coisa que me faça me sentir feliz e verdadeiramente livre de preocupações.


No segundo em que eu iria falar qualquer coisa bem idiota, nossos pedidos, como por armação do destino, chegaram em uma bandeja verde, trazida pela garçonete simpática.


Agradeci a Alá, a Deus, a Merlin, a Jeová, a Moisés e ao Bule Voador por terem me impedido de ser uma completa babaca na frente de James. A última coisa que eu queria era que ele duvidasse da minha palavra. Da palavra “não”, contida na frase “Eu não gosto de você”. Quero dizer, gosto, claro que gosto dele, e muito, mas não daquele jeito especial que todos estão tentando nos convencer a sentir. E essa é mais pura verdade, já que não faria sentido eu estar mentindo para o meu próprio diário-caderno.


Depois que os cafés e a tortinha estavam ali na mesa, tudo ficou mais fácil. Minha avó com sua perseguição sentimental sobre James escapuliu de minha mente, e James me contou da vez em que foi picado por uma abelha e teve uma reação alérgica de três dias.


Claro que isso me fez lembrar o meu episódio com aquela abelha malvada do quintal. Acho que eu tinha uns três anos e estava brincando de jardinagem com a minha mãe (claro que eu só revolvia a terra com a colherona de jardim e ferrava com toda a grama em volta), quando senti uma coisa nas costas. Naquela época eu deixava a minha mãe comprar vestidos rosa para mim e sempre os usava em qualquer lugar. Só que depois da “brincadeira”, ela me levaria ao dentista para eu aprender a escovar os dentes com “alguém que tinha amiguinhos coloridos nas mãos” (vai saber, acho que é uma tática infantil). No meio do caminho para o consultório, eu praticamente morri. Como é que se chama aquilo? Asfixia? Sei lá, só sei que a minha garganta fechou e eu vi Jesus e quase fiquei lá nas nuvens o ajudando a olhar o mundo. Agora sei que se alguma água-viva me queimar, posso ir visitar O Cara de novo e definitivamente ficar por lá. As toxinas são bem parecidas, de modo que desencadeariam o mesmo processo de alergia. Ainda bem que não sou australiana, porque lá existem as Irukandji (que são praticamente imperceptíveis a olho nu, por serem quase tão menores quanto uma unha de um mindinho) e as Box Jellyfish (as famosas “águas-vivas gigantes”, podendo medir dois metros de largura e pesar 200 Kg) e eu já estaria falando com os anjinhos há muito tempo.


Daí, começamos a falar sobre a campanha da Zora. Não que realmente nos interessemos por isso, porque, na verdade, não estamos nem aí para a eleição. Mas eu comecei a contar para ele que estávamos na livraria porque a Zora estava atrás de um livro sobre política nas escolas e afins. Esse assunto surgiu, porque sabia que se não me ocupasse iria recomeçar com a coisa da D. Julia. Eu sabia que iria falar e me aborrecer, daí o James iria me achar a maior ridícula e riria de mim. E, sabe, não quero que ele ria de mim. Não me importo quando as pessoas em geral riam de mim, mas o James não pode rir de mim. Amigos não riem um do outro, né? Quero dizer, riem, claro que riem, mas não para magoar. E se ele risse de mim iria me magoar um pouquinho, porque eu preciso vencer a minha avó. Preciso provar a ela que não existe nada entre mim e o James. E que nunca irá existir. Afinal, amigos são amigos por uma razão: não estão interessados sexualmente um no outro. Não tem nenhum pingo de atração sexual. E é assim que vejo o James: como meu amigo, porque, apesar de ele ser bastante fofo e legal, é só isso. Não sou que nem a Steph, no livro Como Ser Popular, da Meg Cabot, que acha o melhor amigo dela um gato e o espiona com um binóculo do banheiro para vê-lo sem roupa. Eu nem tenho um binóculo e mesmo se tivesse, nunca, nunca o usaria para ver um cara pelado. Só se esse cara fosse o Johnny Depp ou o ator que faz o Maxxie em Skins.


Ok, isso foi doentio. Que medo de mim mesma agora.


Quando eu paguei a conta – depois de brigar muito com o James para ele aceitar isso – é que começou a acontecer. O meu celular começou a tocar. Acho que eu já meio que adivinhava quem era. Era a Zora, claro.


- Oi, Zo – eu atendi com a minha melhor voz de inocente, de alguém que não tinha saído da livraria nem tinha acabado de fazer um lanchinho com o James.


- Não é a Zora, Lils – assim que reconheci a voz um tanto distorcida, pensei em um palavrão - É a Alex – sua voz estava um pouco aborrecida, dava para sentir - Cara, onde você está? – agora o pouco aborrecida passou para eu vou matar você.


- Porcaria, é a sua irmã – afastei o aparelho da minha orelha, de modo que Alex não pudesse ouvir a minha voz, e disse para o James.


- Ah, já estão atrás de você? – ele riu, mas acho que não estava muito feliz com isso.


Fiz cara de Pois é, que saco.


Voltei ao telefone mais uma vez:


- Oi, Al – tentei ganhar tempo para pensar em inventar algum lugar onde eu estivesse – Humm. Eu estou...


Olhei para James, pedindo ajuda com as mãos. Ele deu de ombros, não sabendo o que me falar. Bufei.


-... Estou aqui fora. Vim pegar um ar, sabe – finalizei, odiando a minha não-capacidade de pensar sob pressão.


Só que a Alex ficou ainda mais aborrecida. Pensei que se não mencionasse o James, as coisas não seriam tão ruins, mas acho que eu estava errada. A Alex igualmente não gostou da minha resposta.


- Poxa, Lily, não dava para nos esperar? Estamos aqui na praça de alimentação tentando pedir lanches no Mc Donald’s. Venha até aqui, então – ela falou com aquela voz de Estou muito decepcionada com você, mocinha.


- Aah. Certo, então – respondi. Ah, que legal. Teria de comer mais. Eu estava louca para devorar um lanche do Mc Donald’s (NÃO).


Desligamos.


Por que eu sempre estou ferrada?


Tornei a olhar para o James, que estava parado ainda na cadeira me observando falar ao telefone.


- Vamos? – ele me perguntou, agora se erguendo da cadeira e fazendo menção de carregar a minha sacola da livraria.


Eu franzi a testa como se ele tivesse muitos probleminhas. Na verdade, ele tem probleminhas. Ninguém normal se ofereceria por pura espontânea vontade para carregar a minha compra (bem, o Jason nunca faz uma coisa dessas, pelo menos) e voltaria comigo para dentro do shopping, correndo o risco de ser recebido com um pouco de inimizade por conta de ciúme bobo.


- Não. Você não vai. Você vai embora, lembra? – meu tom de voz estava muito incisivo, mas não o bastante para afetá-lo, porque James não parou de se esticar até a minha sacola.


- Imagina. Eu posso dar uma carona a vocês. O Sirius não irá vir aqui para levar todas vocês para suas casas, como se fosse um taxista ou um motorista particular. Na verdade, para ele, já foi sacrifício o bastante trazê-las até aqui. Sabe como ele é – foi o que o James me falou com a maior naturalidade.


Só que ele não podia aparecer para as meninas, sabe. A Alex iria falar e xingar. Que coisa doentia isso.


Mas o que ele falou é muita verdade. O Sirius não se prestaria para ir até o shopping de novo e ainda por cima nos deixar em casa. Então, depois disso eu meio que cedi. Até parece que tinha como convencê-lo.


E sabe de uma coisa? A Alex fez exatamente o que escrevi. Ela falou e xingou.


- O que você está fazendo aqui? – ela perguntou ao irmão, assim que levantou os olhos da comida – O que vocês estavam fazendo juntos?


- Nossa, James, você está seguindo a Lily, ou algo assim? – a Zora riu, mas dava para ver que seu comentariozinho tinha sido maldoso, só para me irritar mesmo.


- Na verdade, eu vim aqui propor à Lily uma aliança de assalto. Estou a fim que roubar uns CD’S lá da Top Story Cd’s e achei que a Lily estivesse a fim de me ajudar – o James respondeu, bem sério.


Ele podia estar sério, mas é claro que não estava falando a sério. Ironia é a palavra preferida do James, depois de Nirvana (a banda).


Por mais que eu tivesse prometido a mim mesma, lá na mesa do bistrô, que não iria fazer nada de suspeito (se bem que o que tem de suspeito em rir?), eu tive de rir. Não consegui segurar o riso dentro da boca. Simplesmente pulou para fora dos meus lábios. E ninguém fez isso, o que me fez achar que sou uma alien. Ou que sou a única que entendo ou aprecio a ironia de James. Tudo bem, ninguém riu porque estão em um complô contra mim e o James. Apesar da Nick não se manifestar ou se objetar à minha amizade muito próxima com o James. Ela somente fica na dela e não fica dando pitís à toa.


- Haha, muito engraçado, Sr. Hilário – Alex retrucou, fazendo uma cara feia para mim, porque eu tinha rido.


- É, eu sei, eu sou um piadista – James continuou, concluindo.


Desta vez pressionei meus lábios, para que não risse.


- Cala a boca – a irmã falou e se dirigindo a mim, perguntou: - Por que vocês estão juntos?


- Por que, na verd... – o James não podia perder outra resposta travessa. Claro que não. Mas eu me intrometi e o interpelei:


- O James me achou, do nada, lá na livraria, e fomos lá para fora tomar um...


-... café e comer uma torinha de limão – o James finalizou, como se precisasse ouvir sua voz explicar o ocorrido.


Eu devia ter batido nele. Devia mesmo. Como é que ele me fala aquilo? Elas – principalmente a Alex – não precisavam da verdade completa. A minha meia verdade parecia bem razoável. Eu só iria dizer que fomos lá para fora tomar um ar. Não pretendia mencionar a parte dos cafés e da torta.


A cara da Alex foi de chateada para furiosa em questão de segundos. E a da Zora de tédio para interessada também.


- Ah, você nos largou lá na livraria para sair com o meu irmão... É, vocês nem estão muito juntinhos. Imagina – a voz da Alex estava tão diferente que achei que não a conhecia. E tinha uma tonelada de sarcasmo e fúria nela muito anormais.


Ah, agora o meu boi vai virar churrasco!


Não tive tempo para me interpor ou negar, porque comecei a sentir minhas bochechas queimando.


- Você está corada, Lily. Acho que a Al tem razão, então – a Zora não ajudou em nada dizendo isso, porque vi o James olhando para mim para conferir se eu estava mesmo corada. E agora até mesmo a Nichole estava parecendo se importar com a coisa toda.


É uma droga ficar corada na frente de um monte de gente. Nós nunca conseguimos nos safar e agir de modo que desvie as atenções ou que faça algum sentido. Odeio ficar corada na frente das pessoas. Então, enquanto eu tentava desesperadamente aliviar a minha vermelhidão e achar palavras que desmentissem a Alex e a Zora, o James foi mais rápido e entendeu que devia me ajudar. Fechando a cara, falou:


- A Lily por acaso é escrava de vocês, que tem que fazer tudo o que vocês querem? Por que, sabe, quando a achei lá na livraria, ela não parecia nem um pouco feliz por estar com vocês. Principalmente porque estava sozinha e largada em um canto.


Ok, isso meio que foi golpe baixo. Mas acho que ajudou um pouco.


- Mas foi ela que quis ficar sentada lá, escrevendo naquele caderno idiota dela – a Zora disse com a voz alta.


Ai, essa doeu. O meu caderno não é idiota. Na verdade é muito valioso, caso eu o colocar à venda no e-bay e alguém o comprar. Ah, e caso me tornar uma pessoa famosa e interessante, claro, porque se eu continuar a mesma Lily nerd não vai ter graça.


- É, foi ela que não quis nos ajudar – a Alex contribuiu.


O James pareceu cansado da conversa e aborrecido.


- E o que tem de divertido em política? – ele quis saber.


- Não é necessariamente divertido, mas importante – a Zora retrucou.


- Tanto faz. Se você quisesse comer era só ter nos procurado, e não ter saído com o meu irmão – a Alex acabou com o papinho da Zora, dizendo isso a mim com um olhar muito estreito.


- Foi sem querer que nos encontramos, Alex. Eu não pedi a ele que viesse até aqui – falei, começando seriamente a me indignar, por mais que o meu rosto ainda estivesse quente.


- É, é quase uma surpresa que não – ela respondeu.


- O que é isso? Vocês estão fundando um partido com a avó da Lily contra a minha amizade com ela? – o James perguntou, com a face franzida e fechada.


- Por quê? A avó da Lily não quer que a neta ande com você? – a Zora agora pareceu surpresa.


- Não, muito pelo contrário – falei, minimamente.


- E o que ela pretende? – Zora quis saber.


Ai, caramba. Como é que eu iria sair daquela armadilha?


- Nada, ela não pretende nada – respondi tentando acabar com aquele pingue-pongue sonoro.


A Zora olhou para a Alex com uma cara de quem estava tramando. Maravilha. Agora além de ela querer acabar com a Taylor quer descobrir o que a minha avó quer com a minha amizade com o James. Eu preciso dizer que ela vai conseguir descobrir? É claro que não, porque sei que tipo de pessoa que ela é. Ela é um urubu devorador de informações e suspeitas.


- Sabe de uma coisa? – Zora perguntou a mim e ao James – Acho que vocês estão com uma cara de quem guarda segredos. E se vocês guardam segredos, é porque existe uma ligação muito esquisita entre vocês.


Desde quando dividir segredos é esquisito? Nunca soube disso. Achava que quando dividimos segredos é porque confiamos na pessoa receptora destes segredos. Minha mãe sempre me disse que é muito bom termos alguém para confiarmos os nossos segredos, porque isso quer dizer que estamos bem com nós mesmos e que estamos dispostos a arriscar parte da nossa integridade.


- Amigos contam seus segredos um para o outro. Mas essa não é a questão. Não estamos escondendo nada de vocês – o James falou a elas.


- É, claro que não – Alex zombou.


Por que eu nunca tendo a coragem de sair correndo sempre que sei que a coisa vai ferrar para o meu lado?


- Bom, nós podemos nos sentar e comer com vocês, ou preferem que voltemos lá para fora? – eu tive a grande idéia de jogar alguma coisa na cara delas, para que parassem com essa idiotice toda.


- Se vocês querem continuar a confabular entre vocês... – a Alex comentou com aquele ar de serpente pronta para dar o bote e me envenenar para sempre.


- Tudo bem, eu realmente prefiro falar somente com a Lily, porque pelo menos ela não é idiota como você – o James falou a irmã.


Meu boi amado. Isso não é muito bom.


- Tá bom, hã, vamos ir lá à fila pedir nossos lanches – rapidamente agarrei o pulso de James e o puxei em direção à casinha do Mc Donald’s – Quer fazer o favor de não retrucar? Não vê que só piora tudo? – perguntei a ele, quando estávamos um pouco longe da mesa das meninas e elas não podiam nos ouvir.


- Ah, você não pode me impedir de querer me divertir – James riu, aparentemente achando desnecessário o assunto.


- Divertir? – repeti demonstrando indignação leve.


James riu. Eu deixei quieto. Do que adiantava? Tenho que aprender que nunca vou ganhar nenhuma batalha contra ele, pelo simples fato de que ele é muito desinteressado em coisas sérias.


Infelizmente tivemos de comer os lanches e beber os sucos de laranja. Eu estava tendo uma overdose de coca-cola por causa da festa de ontem, sabe. Então, nada de coca-cola por um bom tempo. Além do mais, refrigerante dá celulite.


Bom, agora estou aqui de volta à casa dos Potter. A Alex não pára de me pedir para largar o caderno e ir assistir Aquamarine, mas já assisti a esse filme tantas vezes que acho que já sei todas as falas. Sem contar que sempre que me lembro dele, lembro-me também da Megan Fox em Garota Infernal, dizendo que a Aquamarine é uma menina metade sushi que transa através de um respiradouro.


Acho que eu deveria ir ver o que o James está fazendo em seu quarto, mas é claro que não posso. Estou sob os olhos da Alex, e se ela me perder de vista... Não quero nem pensar.


 10/FEVEREIRO – 22:21h – DOMINGO – CASA (SALA, PORQUE ESTOU ASSISTINDO À PROFISSÃO DE RISCO)
Estar em casa depois de um fim de semana tão legal é muito esquisito. Sem o James por perto para me fazer rir ou sem o Sirius para me fazer querer vomitar meu pulmão. Em compensação tenho a morcega velha da minha avó nos meus pés querendo saber segundo por segundo da festa de ontem. É realmente um fim de noite muito alegre (NÃO).


11/FEVEREIRO – 08:54h – SEGUNDA-FEIRA – ANTES DO SINAL BATER
Inacreditável. A Zora montou uma mesinha toda decorada e bonitinha para a sua campanha eleitoral. Até parece que caí em Eleição, aquele filme antigo com a Reese Witherspoon. Só que a Zora, diferentemente da plataforma das amigas da Taylor, não está distribuindo bolinhos recheados nem buttons. Ela só está fazendo como a Selena Gomez e a Demi Lovato em Programa de Proteção para Princesas: organizando grupinhos que ajudam as panelinhas excluídas da escola.


Pode ser que não me interesso por essa porcaria de eleição, mas com a Zora as coisas parecem bem agitadas.


Sem contar que as coisas estão bem tensas por aqui.


 11/FEVEREIRO – 11:16h – SEGUNDA-FEIRA – AULA DE GEOGRAFIA FÍSICA
Ok, matei aula de novo, mas com o James. Foi tão sem querer que mal acredito!


Aconteceu que entre a troca de períodos – de História Inglesa para Álgebra – eu dei uma corridinha até a biblioteca para pegar o livro Finnegans Wake, de James Joyce, um escritor irlandês. Só que quando saía da biblioteca, quase morri no encontrão que dei em James (o James mesmo).


- Au, você nunca pára de me bater? – ele reclamou, esfregando seu ombro.


Levei uma das mãos à boca, um tanto assustada com a repentina colisão.


- Desculpa, eu realmente não vi você – falei, me desculpando. Ou tentando, ao menos.


James pareceu não ligar, porque sorriu, demonstrando tranqüilidade.


- Ei, Finnegans Wake? Muito bom – ele olhava para a capa do livro que eu segurava.


- É, eu estava procurando um livro diferente...


- Já leu Ulisses?


- Já, sim. Legal, não? – perguntei.


- O episódio com o Ciclope é o mais legal do livro – ele comentou.


Tive de concordar.


- Que aula tem agora? – ele me perguntou, porque ainda estávamos parados na entrada da biblioteca e provavelmente o nosso intervalo entre as aulas estava se acabando.


- Álgebra – eu ri de modo nebuloso. Odeio qualquer coisa que tenha a ver com matemática.


- Eu tenho física. Estamos naquela parte sobre resistores em série e em paralelo. É bem legal, na verdade.


Eu até gosto dessa parte da matéria, apesar de não me dar muito bem em física.


- É mesmo.


- Então... você não quer ir ver um lugar? – o James me perguntou, assim que eu ia fazer menção de me despedir dele.


Olhei-o como se fosse um louco. Oi, teríamos aula em segundos! Ele não podia me chamar para ir ver um lugar.


- Não! Temos aula, lembra? Dã – respondi bastante surpresa.


O James é nerd. Nerds não matam aula. Pelo menos era isso que eu pensava.


- Depois eu posso ajudar você em álgebra, se quiser. Vem, você precisa ver – o James nem esperou mais nada e já foi logo puxando a minha mão livre.


- Mas... mas... James! – pensei em me soltar dele, mas comecei a rir feito uma retardada e estraguei o sermão que falaria. James me ignorou, somente com a missão de me arrastar para o tal lugar.


Subimos a escada para o terceiro andar. Andar e salas vazias. Silêncio absoluto e praticamente pressuroso.


- Pode me falar aonde vamos? – indaguei a ele, baixinho.


- Shhhhiu – ele fez, levando o dedo aos lábios.


Revirei os olhos. Odeio suspense.


Paramos em frente a uma porta, que deveria ser entrada para uma sala dos funcionários. O James a abriu, mas assim que não me deparei com materiais de limpeza e coisas do tipo, franzi a testa. O pequeno local era muito escuro, apesar da luminosidade do corredor, e havia uma escadinha tipo de sótão ali, que levava a uma porta no teto.


- O quê? Eu vou ter que escalar isso? Sem chances! Onde isso irá dar? – recuei até o corredor novamente.


- Se você não subir não vai descobrir. Venha, confia em mim – James pegou minha mão de novo, e eu gemi, cedendo.


Ele subiu primeiro. Abriu a tampa do teto e de repente a pequena salinha estava iluminada pelos raios do Sol. Fechei a porta que dava ao corredor e o segui.


- Meu Deus, como foi que descobriu isso daqui? – perguntei quando meus olhos viram o chão lá de cima. Concreto.


James me deu a mão para eu subir completamente.


E, se antes estávamos em uma salinha fedorenta e apertada, agora estávamos em um lugar que se assemelhava a um terraço. Dava para enxergar tudo lá de cima. A estátua do fundador da escola. O treinador lá no campo de basebol. A Emma Globby fumando sentada no banco perto da fonte. Tudo.


- O Sirius me trouxe aqui quando tínhamos uns 12 anos, depois que levei um fora da Chantal.


- Você levou um fora da Chantal? – eu ri, não acreditando.


Ele também riu, então isso significava que tudo bem eu rir.


- É, eu achava que estava apaixonado por ela... só porque ela me emprestava a borracha na aula de Estudos Sociais – James balançou a cabeça com a lembrança. Não parecia envergonhado ou algo assim.


- Nossa. Quando eu tinha 12 anos acho que era apaixonada pelo Tony Abby, lembra dele? O jogador de futebol?


- É, ele saiu da escola há uns anos, não?


- Sim, daí me apaixonei pelo Jason – não sei por que, mas minha voz não saiu feliz. Não parecia que eu estava feliz por ter dito isso, que me apaixonara pelo Jason.


- E está com ele até hoje. Vocês irão se casar ou algo assim?


Pensei na pergunta, enquanto procurava um lugar ao Sol para nos sentarmos.


- Acho que não. Sabe que tenho um trauma com casamentos – falei – Mas... mesmo se não tivesse... acho que não me casaria com ele. Sabe-se lá se até semana que vem ainda estarei apaixonada por ele...


- Uh, que revelação, hein? Acho que ele não iria querer ouvir isso.


Sentamo-nos no chão frio de concreto.


- É, não mesmo. Jason acha que ficaremos para sempre juntos e tudo o mais...


- E você não sabe mais de nada, é isso?


- Em relação ao Jason?


Ele afirmou.


- Possivelmente. Eu acho que isso não vai dar certo, sabe. É meio complicado e difícil de aceitar. Eu sempre tenho que ficar fazendo tudo o que ele quer. E ele nunca nem fica lá em casa para assistir a, sei lá, um episódio de House.


- Eu gosto de House. O cara é engraçado – James falou.


- Aham. Mas você entende?


- House? Entendo. Acho que é bem...


- Não! – neguei - Não a série... Só se você entende essa minha coisa com o Jason – expliquei.


- Ah, bom – ele riu, mas ficando sério, falou: - Sei lá, eu não entendo relacionamentos. Cada casal age de uma forma e tudo mais. Não tem como generalizar, por isso acho que não posso julgar o seu pensamento. Deve ser mesmo cansativo não ter a cumplicidade do Jason, mas se você está feliz assim...


- Não, não estou feliz. Deixei de ser feliz há muito tempo! – me ouvi dizer e me surpreendi. James também, por sua expressão – Bom, eu sei lá. Pensei que namorar uma pessoa não fosse tão difícil e chato.


- É, não deve ser a melhor coisa do mundo – comentou ele.


Silêncio. Ficamos em silêncio por um bom tempo. Mas não me incomodei. Se James estava ali comigo, não era tão ruim. Era aconchegante, até.


- E você e as garotas? – perguntei, rindo. James me olhou de forma esquisita. Como se me achasse esquisita. Em seguida, riu. Fiquei olhando para ele.


- Não, nada de garotas. É um assunto que não entendo e que meio que mantenho distância.


And I've always lived like this keeping a comfortable distance


Afugentei a letra da música de minha cabeça. Essa canção não me faz muito bem. Porque é meio que a minha vida também.


- Somos parecidos, então. Não em relação às garotas, sabe. Mas em relação ao amor – respondi.


- Ah, é mesmo. Bom, mas eu acredito no amor, não disse que não.


- Eu também acredito. Só, sabe como é... meio que fujo dele.


- Mas e o Jason? Você não está fugindo do amor.


- Acho que estou fugindo há um bom tempo, mas nunca tive a coragem de perceber – falei.


- Você não o ama mais, é isso?


- Não sei. Só estou entediada – suspirei.


Silêncio novamente, mas por poucos segundos.


- Você vai arranjar um meio de ser feliz de novo, você vai ver. Nunca sabemos o que o futuro nos reserva – o James me disse, com uma voz tão fofa que me deu vontade de encostar a minha cabeça em seu ombro e... chorar. Não queria estar sentimental (também porque quase nunca sou sentimental), mas simplesmente o momento se tornou necessário.


- É, tomara que encontremos pessoas legais e sejamos felizes. Talvez não para sempre, mas por um bom tempo.


- É, mas considerando que você já namorou pelo menos uma vez, você tem maiores probabilidade em ser mais feliz.


- Que tipo de probabilidade é essa? – eu ri, para espantar o meu estado repentinamente deprimido.


- Não sei – admitiu ele.


- Eu nem sei como chamar um cara pra sair, só para a sua informação. Então... temos a mesma probabilidade de errar ou acertar.


- Deve ser estranho só ter namorado um cara.


- Não. Por quê? Você quereria que eu fosse como a Taylor? Que saísse por aí e beijasse todo mundo?


- Eu não estou nem aí para o que você faz, oras.


- Hum.


- Só não imaginava que você fosse assim tão provinciana - ele me disse. Eu olhei pra ele e não soube o que pensar.


- Não sou provinciana! – neguei - Só... sei lá. Sou assim, diferente das meninas que acham legal ir para cama com alguém que não amam – falei, defendendo o meu jeito.


- Estava brincando, Lily - defendeu-se ele.


- Tá, mas só queria deixar isso claro - franzi a testa.


- É. É que às vezes esqueço que você não é como as outras meninas.


- Mas isso deve ser bom, não? Quero dizer, não devem ser todos os caras que gostam de meninas vadias.


- Eu não gosto de meninas vadias – James me informou, rindo.


- É, você está fadado a ficar procurando meninas certinhas para sempre, porque, sabe, hoje em dia, esse tipo de gente está em falta no mundo - eu disse pensativa.


Ele riu e disse:


- É verdade. Muita verdade.


Outro silêncio.


- Sabe, não que seja errado, longe disso. Ser provinciana ...


- Não sou provinciana! – exclamei, soltando um risinho.


- Tudo bem. Mas... aproveite a vida, Lily. A vida é curta para sermos provincianos e... – ele riu.


- Cala a boca, Sr. Sabe Tudo . O que você sabe sobre a vida? - eu disse, rindo – Você nem nunca namorou, então acho que não está aproveitando a sua o máximo possível.


- Quem disse que para eu ser feliz preciso ter alguém ao meu lado? – ele retrucou, com um ar de diversão.


Só que todo mundo quer ser feliz ao lado de alguém. Não pude deixar de me lembrar disso. Nada falei, porque... bem, até parece que sou a pessoa certa para julgar alguém.


Ficamos em silêncio e eu me peguei pensando no que ele tinha dito. Será mesmo que estou desperdiçando tempo? Não, claro que não. Eu estou namorando, não estou? Tudo bem que nunca vi o meu namorado sem roupas, mas isso não quer dizer que esteja desperdiçando o meu tempo com ele. Só quer dizer que sou uma pessoa consciente. Eu me levantei e fui para o parapeito do terraço. James me seguiu e me fitou.


- O que foi? - perguntou ele, num tom meio preocupado, acho.


- Você acha que eu sou assim? – perguntei.


- Assim como? - disse ele, confuso.


- Provinciana...


- Você pode ser o que quiser, Lily. Não estou aqui para julgar alguém, muito menos você - ele disse e cutucou a minha bochecha de modo amigo.


- Não quero ser como os outros - respondi.


- Não precisa ser – ele me falou, pensativo. Ele tirou uma mexa de cabelo dos meus olhos e deixou a mão ali - Não sei por que você luta para ser comum quando não precisa ser assim - continuou. Talvez fosse o modo de alguém que se importa que estivesse falando, mas quando ele se aproximou mais ainda de mim, senti-me nervosa, porém aliviada e segura. Algo dentro de mim gritou para eu abraçá-lo. E foi o que fiz. Abracei-o, repentinamente. Tão repentinamente que acho que no começo James não teve reação. Depois de uns segundos, senti seus dedos em minhas costas e em meus cabelos – Acho que estou pisando em seus pés - ele riu.


A tensão que se aprisionava em meu corpo foi embora como nunca tivesse existido. E depois percebi que não teria lugar melhor para estar do que ali, com ele. Talvez ele tivesse razão. Talvez eu esteja sendo boba, desperdiçando tempo. As coisas, quando estou perto dele, parecem bem mais fáceis e idiotas. E talvez sejam de fato.


 Separamo-nos e tornamos a nos sentar.


Deixei minha cabeça se aninhar em seu ombro. Era uma sensação tão boa. Boa mesmo.


- Lily? – chamou ele, depois de um tempinho.


- Humm? – resmunguei de olhos fechados.


- Não mude. Provinciana ou não, gosto de você assim... – ele me disse, sacudindo o ombro onde eu estava. Eu ri, concordando com ele. E depois fiquei fitando as poucas nuvens, totalmente de bem com a vida.


11/FEVEREIRO – 13:07h – SEGUNDA-FEIRA - ALMOÇO
- Você matou aula com o James? – a Nichole me perguntou, me olhando através do espelho. Sua expressão estava um pouco impressionada, mas acho que, no fundo, estava rindo de mim.


Estávamos no banheiro, esperando a Zora terminar de espalhar seu brilho labial sabor morango na boca. Hoje ela não almoçou; ficou lá em sua mesinha da campanha conversando com os excluídos e com as diversas panelinhas que não são aceitas pelos populares, como a dos emos. Zora não fica prometendo menos horário de aula ou novos materiais esportivos.


- Shiiu – pedi, caso a Zora estivesse com seus ouvidos em alerta.


Nick concordou e abaixou seu tom.


- Mas como foi isso? Aonde vocês foram? – ela quis saber.


- Ele me levou no terraço. Tem uma sala lá no último andar que leva ao terraço. Foi bem legal, na verdade.


- Humm. E vocês ficaram...


-... conversando – falei, lançando-lhe um olhar feio, para caso ela quisesse pensar bobagens.


Nichole não me disse nada por uns segundos. Ficou admirando seu reflexo no espelho e depois fez trancinhas espalhadas pelo cabelo negro.


- Você gosta dele, não é? – ela me perguntou com uma voz sonhadora.


- O quê?! É claro que não! – exclamei.


- É, Lily, nós sabemos que não – a Zora falou. Tinha até me esquecido dela.


- Vocês estão insuportáveis hoje, sabiam? – comentei, irritada.


- Você nega tanto essa verdade que uma hora vai se surpreender ao enxergá-la – Zora disse. Como se fosse a dona do mundo.


- Eu não estou negando nada, só estou dizendo a verdade! – expliquei, ficando mesmo aborrecida. Logo tão cedo e já tinha gente querendo acabar com o meu bom humor! Nem mesmo Alex mencionou qualquer coisa até agora! Mas a Zora... Ah! Essa TEM de ser mala! E a Nick deve estar aprendendo com ela! Acho que deveria escolher melhores amigas, sabe! Amigas que não ficam no meu pé, ao menos.


- Faça como quiser, Senhorita Esquentadinha – a Zora zombou, o que me fez, sinceramente, ter uma vontade imensa de largá-la ali e ir de uma vez para o refeitório.


Inspirei muito forte, tentando equilibrar minha mente e meus nervos.


Depois disso, eu e Nichole seguimos para o refeitório, para finalmente almoçarmos, e Zora voltou a se sentar na cadeira colorida, decorada especialmente para a mesa da campanha.


Sério, não sei o que farei se essa gente não sair de cima de mim. Não sei como o James consegue reagir tão bem à tudo isso! Simplesmente é tão irritante! A situação toda, quero dizer. Se bem que a forma tranqüila como está levando toda essa história também é irritante. Ainda que ele seja o James, e é o cara mais legal que conheço, devo dizer que é um pouco chatinho de vez em quando (não que eu me importe tanto assim com isso).


11/FEVEREIRO – 13:51h – SEGUNDA-FEIRA - ALMOÇO
Parece que eu e o James estamos começando a ter segredos. Tipo, DE VERDADE. Segredos que ele não conta ao Sirius, que é o seu melhor amigo e o qual que nunca deixa de dividir as coisas. Sei que parece idiota eu estar me importando tanto com isso, mas o negócio é que o James não contou ao Sirius que me mostrou seu lugarzinho secreto. O terraço, sabe. Achei que ele fez isso (não contou e tal), porque Sirius ficaria chateado por eu ter descoberto o lugar também, mas não. Não foi isso que James me respondeu quando lhe indaguei a respeito.


Ele me disse, enrolando o macarrão com tomates secos, já frio, e talvez sem o seu devido sabor:


- Eu não conto tudo ao Sirius. E ele não precisa saber que você foi lá. Faça de conta que é um segredo.


Mas daí lembrei que já contei sobre o terraço para a Nichole, e talvez para a Zora, se ela estava de ouvidos atentos à minha conversa lá no banheiro. Ainda assim, não me preocupo tanto. A Nick não é como a Zora. Não vai subir lá para desbravar o lugar, sozinha, ou espalhar para o mundo o segredo. Estou rezando para que Zora não tenha entreouvido a minha conversa com Nichole.


- Ou é um segredo ou não é. Na verdade, é bem um segredo, não acha? – respondi, olhando para ele e seu macarrão.


James pensou e sorriu.


- Tudo bem, é um segredo. Mas eu não me importo. Só o Sirius não saber que levei mais alguém para lá, que tudo ficará bem. Quem sabe, poderemos ir para lá mais vezes – ele me lançou uma piscadela, que fez com que meus olhos se revirassem, tentando não rir.


- Certo, matar aula de física e álgebra juntos – agora eu não pude reprimir o riso.


- Não é difícil, certo?


- Assim você vai me levar para o mau caminho – acusei-o, brincando.


- Acho que não tanto. Acho que ainda tenho uma boa perspectiva do que fazer.


- Eu não tenho boa perspectiva para nada.


- Tem, claro que tem.


- Tipo o quê? Matar aula? – eu ri.


- Não, mas talvez você só precise de um tempo para descobrir – o James me falou, com um ar misterioso, ainda que fosse quebrado pelo seu tom divertido – Além do mais, um dom você já tem. Ou mais de um dom, quem sabe.


Fiquei olhando para ele, consciente de alguns olhos em mim, um pouco perdida e surpresa. Talvez o James fale em códigos de guerra e ninguém o entenda direito. Que coisa chata.


E como assim? Que dom possuo? O de destruir amizade de anos? O de enganar meu namorado, fingindo ainda nutrir um sentimento por ele que provavelmente já morreu há um tempo? Não, claro que não. James não jogaria essas coisas em minha cara. O James falaria algo bem legal para mim, qualquer coisa positiva para me encorajar a continuar a fazer qualquer coisa babaca que seja meu passatempo favorito.


Que dom, ou dons tenho? E se eu mesma não sei esta resposta, como o James pode saber?


Esse cara é louco, sério mesmo.


- Do que você está falando, James? – meu riso saiu nervoso e confuso.


James sorriu de um modo como se dissesse “Não seja ingênua, Lily!”, largou o garfo e, com uma expressão de cachorrinho esperto, me disse:


- Você é boa em um monte de coisas.


- Nem sou. Só porque não preciso prestar atenção nas aulas de literatura, história e biologia, não quer dizer que tenho um dom. Além disso, se isso fosse bom mesmo, as pessoas não me xingariam de nerd ou de coisas bem piores – observei, tentando manter um raciocínio lógico e simples, para que ele entendesse o meu ponto de vista.


Ok, mentira: eu mesma me xingo de nerd e até parece que ligo para o que os meus colegas pensam ou dizem sobre mim. E me sinto verdadeiramente bem sendo uma nerd, ao menos sei o que foi a Revolução Russa.


- Você escreve, e isso é especial – James me falou, finalmente - Você já percebeu que cada vez mais as pessoas têm preguiça de fazer tal coisa?


Senti-me sem graça. Nunca ninguém me disse que escrever é algo especial. E tudo o que faço é escrever. Se pudesse, e se tivesse bastante assunto, passaria o dia todo grudada aqui, nesse caderno. Escrevendo, é claro. Não sei fazer nada melhor, além de ler, ouvir Paramore (e de vez em quando outras poucas bandas, como Metric ou Green Day), assistir minhas séries preferidas (House, Law&Order e Skins) e aprender coisas sobre literatura, história e biologia. Se pudesse faria todas essas coisas para sempre. E acho que seja por tudo isso que é meu destino fazer jornalismo. Quero dizer, todo mundo me diz que sou ótima em ficar ouvindo e dando conselhos aos problemas dos outros, mas tudo o que posso fazer com esse dom é psicologia. E psicologia não exige horas gastas em palavras escritas em papéis ou viagens a países pobres para relatar seus cotidianos (a menos que eu seja psicóloga comunitária ou das Nações Unidas).


- É verdade, mas... bem, isso não quer dizer que eu tenha um dom verdadeiro – neguei, rindo raso.


Sabe, aquilo estava parecendo o final do quarto livro do Diário da Princesa, quando o Michael diz para a Mia que ela tem um talento: é escritora, porque passa o dia todo enfiada em seu diário e tudo mais. Pensando bem, se a Mia existisse, acho que seria bem surpreendente se não fôssemos irmãs gêmeas bivitelinas. Só que pode ser que o James seja ainda mais fofo do que o Michael.


- Tudo bem, além de escrever, você sabe tocar violão e guitarra. Existem pessoas que não sabem nem mesmo como segurar um instrumento musical – parece que o James estava muito a fim de convencer a minha mente, só que não sei se estava funcionando.


Acho que estava começando a ficar muito sem graça e sem paciência.


Nunca ninguém me convence de que sou boa em alguma coisa. Nem mesmo a minha mãe. Quero dizer, ela sabe que sei tocar bem violão e guitarra, mas não fica se gabando por aí, dizendo que tem uma filha que vai ser rockstar ou folkstar. Ela simplesmente ignora o fato de eu fazer aulas extras. Mas, sabe, nunca me importei com isso.


- James... – pausei, procurando aos arrancos qualquer desculpa em meu cérebro – Coma aí e esqueça isso – falei, balançando a cabeça como uma esquisita ao cubo.


Acho que, por mais que James não tivesse se contentado com o meu corte, quis ser educado, porque me deu um empurrãozinho de leve e tornou a enfiar comida na boca, ocupando-se com algo.


Fiquei observando seus cabelos lisos e rebeldes se chacoalharem de acordo com seus movimentos e então me perdi nas toneladas de novos pensamentos que se infiltraram em minha mente já muito ocupada e desesperada.


Mas, mesmo que eu não saiba quais são os meus dons verdadeiros, de uma coisa tenho a maior absoluta certeza:


O JAMES É O CARA MAIS ESQUISITO E FOFO QUE CONHEÇO.


Pronto, falei. Ou escrevi, como é o caso.


11/FEVEREIRO – 13:12h – SEGUNDA-FEIRA – AULA DE FÍSICA
A pior coisa da segunda-feira não é os períodos que não gosto e por isso fico escrevendo coisas aleatórias em meu caderno. Como a letra de Looking Up, que acabei de finalizar aqui. Na verdade, faço coisas como essa (escrever músicas aleatórias em meu caderno ou em qualquer folha por perto) para desestressar (?) e para me sentir melhor. Se fosse somente para passar o tempo, poderia escrever coisas muito mais importantes, ainda que eu acredite que canções façam milagres em nosso estado emocional. Não que eu esteja me sentindo depressiva, porque nem tenho motivos para isso, o que explicaria o fato de eu ter escrito uma canção tão pra cima nesse momento, porém é o que posso estar fazendo por enquanto. A Sra. Kran me deixa irritada, com a sua vozinha de desenho animado fanho. Sem contar que ela deveria cortar a franja e repicar mais o cabelo. E trocar essas roupas de madame Clotilde. Mas tudo bem. O que ela está ensinando – ou tentando ensinar aos poucos que ainda não caíram no sono e que não estão conversando – é energia cinética, potencial e conservação de energia. Até parece que eu já não sei sobre isso. Provavelmente é a parte mais restrita de Física que realmente me sinto bem ao fazer exercícios.


Mas enfim. Como eu ia dizendo... a pior coisa da segunda-feira não é ter de assistir a Sra. Kran, ou o Sr. Ellis (que é depois, também com Física – alguém me mate. Acho que vou procurar o James e fazê-lo matar aula de novo, TRI). Ou o francês, que é no último tempo. Mas quanto ao Francês não tenho tantas objeções. Não que eu me dê muito bem nessa língua. A menos que eu vá morar na França, é meio inútil ficar aprendendo a dizer “Salut, mon nom est Lily, pourriez-vous me dire où est la saison?” (“Oi, meu nome é Lily, poderia me dizer onde é a estação?”). Claro, tem também o Canadá, que é pra onde a maioria das pessoas vai para aprender e aperfeiçoar essa língua, mas ainda assim, por que eu iria para o Canadá? Nem tenho família lá, ou dinheiro para a passagem.


Então, FINALMENTE, a pior coisa da segunda-feira é que o James e eu não fazemos nenhuma aula conjunta. Daí, não converso com ninguém e preciso me afundar aqui, onde fico escrevendo sobre coisas nerds e babacas e inúteis.


 11/FEVEREIRO – 13:03h – SEGUNDA-FEIRA – AULA DE FÍSICA
Mandei uma mensagem para o James agora a pouco:


Vamos fugir?


Só que ele me respondeu:


Para uma provinciana até que você é bem fora da lei, hein?


Daí, desisti de matar aula com ele, porque COMO É que posso querer passar 45 minutos na presença de um cara que fica me chamando de provinciana, sendo que eu nem seja tanto assim? Não TANTO assim, porque eu mato aula, namoro e às vezes não faça nada que as pessoas querem, tipo o dever de casa ou arrumar a minha cama.


Então, ficarei aqui ouvindo o Sr. Ellis falar sobre ondas magnéticas e blábláblá. Não gosto dessa parte da matéria, hahaha. Me pergunte se gosto de Física. Claro que não. E o mais legal é que não me esforço para compreender os conteúdos, por isso sempre estou como uma doida nas vésperas de provas de Física.


11/FEVEREIRO – 17:38h – SEGUNDA-FEIRA – NO TRABALHO
Awn, que BOI DE AMOR!


O James realmente é muito fofo, sério.


Você não vai acreditar no que esse doente fez.


Na saída, claro, eu me despedi de todo mundo, por causa do trabalho. Eu tinha de ir ao trabalho. Só que o James fez uma coisa que quase fez a Alex e todo mundo – até mesmo o Remus, o Peter e a Nichole – ter uma embolia. Ele disse:


- Ei, quer uma carona?


Só que, sabe, não preciso de carona quase nunca, porque os ônibus estão por aí para isso.


Eu só ri, mas ele insistiu:


- Você vai chegar mais rápido.


Tudo bem, é uma baita verdade, mas, ainda assim... O James tem carro? Desde quando?


- Pensei que vocês nem tivessem carro – comentei, achando tudo muito esquisito, mas não o suficiente para não pensar sobre a proposta.


- Na verdade temos, sim – Alex me disse em um tom de voz alto - E você tem que me levar para casa, James – agora sua voz estava muito aborrecida, quase raivosa. Acho que eles têm de dividir o carro.


- Sem problemas, levo você para casa e depois levo a Lily – o James disse com seu bom humor de sempre.


Eu levantei as mãos, de modo que minhas palmas ficassem para fora.


- Ei, ei, ei, não, não precisa, gente. Eu adoro ônibus – falei. Só mais um pouquinho e eu iria aceitar a carona.


E que coisa foi essa do “eu adoro ônibus”? Eu simplesmente odeio me enfiar nesses veículos fedorentos e fechados. Sem contar o tumulto de pessoas ingratas.


- Seu voto não conta, Lily – o James me disse praticamente me dando um cortezão bonito. Claro que tentei me opor e falar alguma coisa, mas não deu muito certo, porque a Alex virou um furação de ódio mortal pra cima de mim e do irmão, fazendo-nos logo se enfiar no carro deles, que é um Porsche Cayman 2007 negro, que dá muito bem para ser unissex.


Foi a viagem mais tensa da minha vida, porque não falamos nada. Nadinha. A Alex ficava me olhando pelo retrovisor com uma cara de inimiga número 1, enquanto o James ficava trocando de música. E o pior é que só ficava tocando Ramones. Nada contra, claro que não, mas não é o meu tipo de música. Ou de banda, pra falar a verdade. Tudo o que eu disse foi:


- Tchau, Al – isso quando a Alex já saltava do carro com uma velocidade apavorante. Só que ela não me respondeu muito bem. Só murmurou um “Tchau” com muito mau humor e má educação.


- Não esquenta. A Alex está muito estranha ultimamente – o James falou, acho que para me tranqüilizar, assim que passei para o banco da carona.


- É – concordei, e daí me lembrei do lance dela com o Remus. Acho que isso a está fazendo pirar. De verdade. Acho que ela precisa de ajuda e nem posso PENSAR em comunicar isso ao James. Porque ele acha que somente há uma relação platônica entre a irmã e o amigo. Como é que eu vou chegar e falar que está errado e que eles até SE BEIJARAM? Não, não rola. Temo pela vida de Alex e de Remus, apesar do James ter me dito que ela tem maturidade suficiente para decidir o que quer e quem quer. Só que acho que ele não vai aceitar muito bem se a Alex decidir que quer o REMUS. Tudo bem que o Remus é a pessoa mais certinha de todas e de total confiança, mas... Deve ser estranho ver a irmã beijando um dos seus amigos.


Silêncio.


- Por que você se preocupa tanto com isso? – a voz de James interrompeu os meus pensamentos sobre a Alex e o Remus. Fiz uma cara confusa. Eu não estou preocupada se a Alex gosta do Remus. Todos têm o direito de procurar a felicidade, não é? Mesmo que a felicidade esteja com um amigo. Quem disse que isso é errado?


Só que algo fez com que minha mente se tocasse que talvez ele não estivesse falando de Al nem de Remus, porque como é que saberia o que eu estava pensando? Até agora ninguém conseguiu ler a mente de alguém. Ninguém que eu saiba.


- Tanto com o quê? – tive de perguntar, só para ter certeza sobre o que falávamos.


Acho que ele ficou impaciente, ainda que de modo gentil.


- Com o fato de a Alex estar com ciúme de nós – ele explicou.


Pensando bem... não estou ligando para isso. Ok, mentira. Estou sim. Mas não é bem para o ciúme, é para a coisa toda de ela transformar esse ciúme bobo em teorias. Como a teoria da minha avó, de que um dia eu vá me apaixonar pelo James. Mas tenho a constante sensação de que a Alex JÁ pensa que ESTOU apaixonada pelo James, o que é ridículo. Eu ainda amo o Jason. Bem fraquinho, mas o amor está aqui em mim. Eu sinto.


- Ah. Não me importo com isso. Tanto faz. Só que... é chato. Penso que se fosse famosa, odiaria que as pessoas ficassem dando pitaco na minha vida – falei, mesmo sem vontade.


- Hummm. Tem certeza?


- Claro que tenho – acho que foi aí que menti. Porque, sabe, eu não sabia se tinha certeza. Mal sabia o que estava falando, para falar a verdade. Só queria escapar daquele assunto.


- Bem, não parece – o James me disse, o que me fez corar e tenho muita certeza de que ele percebeu o meu rosto vermelho.


- Tanto faz. Pense o que quiser – nossa, como fui má educada. Mas o James merecia. Ele tinha que calar a boca.


James olhou para mim como se estivesse confuso. Ignorei-o.


Quando estacionamos em frente ao shopping e me despedi, o James saltou do carro também.


- Por que v...


- Eu gosto de petshops. Posso ir lá com você? – o James me perguntou, mas pelo visto não queria necessariamente uma autorização.


- Hum, pode, mas... – respondi, confusa.


Bom, e daí que o James está aqui até agora. Ele não foi embora depois de eu mostrar a ele cada centímetro do pet.


Mas era claro que ele tinha um plano. Ninguém entra em um petshop para ficar observando a secretária atender telefones e passar os cartões de crédito dos clientes nas maquininhas.


Ele veio aqui para pedir encarecidamente à minha chefa que me deixasse sair do expediente mais cedo. Mais ou menos lá pelas seis. Já que o cinema mudo da Alameda começa às oito. Ele foi tão sorrateiro! Mas que coisa, estou péssima em adivinhar quais são os passos das pessoas.


E sabe de uma coisa IMPRESSIONANTE? A Dra. disse:


- Tudo bem.


TUDO BEM? TUDO BEM AGORA SE EU QUISER ROUBAR UMA ARMA E ATIRAR NA TAYLOR? NÃO!


- O quê? – coloquei as mãos na cintura, não acreditando, mas não com uma cara de felicidade.


- Bem, eu estava mesmo pensando em fechar a loja mais cedo. Além do mais, preciso treinar a Danny como sua ajudante – a Dra. me disse com um sorriso tão convencido que quase me matou.


Ah, a Danny. Aparentemente precisamos de mais atendentes aqui. E a Danny vai ser o que a minha mãe chama de “braço-direito”. É só uma ajudante, na verdade. Além de atender os clientes pela loja, também ficará responsável pelo balcão de vez em quando. De verdade, isso é muito bom.


- Mas... – eu tentei pensar em algo para me prender ali. Mas não encontrei nada.


É claro que quero sair com o James. O James é tão legal e amigo. Como não quererei sair com ele? Principalmente para ir assistir a filmes mudos? Como é que posso negar um convite para uma noite tão mágica? Quero dizer, se compararmos aos convites que o Jason me faz, esta noite será, definitivamente, uma das melhores há muito tempo. Há aproximadamente três anos, porque faz quase três anos que estou com o Jason. Além do mais... Bem, não posso escrever isso; ao menos não deveria, mas quem se importa? Esse diário é meu e como somente eu o leio, posso escrever o quiser que tudo fica bem.


É que tem uma coisa. Uma coisa que acho que estou com medo de admitir. Acho que é...


Ah, o James está me chamando. Está na hora de deixarmos para trás o cheiro de cachorro que se alastrou por nossas narinas e que é quase impossível de esquecer.


A Danny chegou, de modo que posso ir embora com o James. A Dra. disse que tudo bem. Ele está sorrindo de um jeito que está me fazendo... hum, querer ir embora para sempre com ele. Então, aqui vou eu.


11/FEVEREIRO – 19:12h – SEGUNDA-FEIRA – CASA (MEU QUARTO)
Certo, o que a minha família (até o meu avô, que é o meu parente mais indiferente que tenho) tem a ver com o meu vestido vintage? Na verdade, ele nem é propriamente meu. Foi da minha mãe, quando esta tinha uns quinze anos, mas como sou baixinha e tudo, serve direitinho.


Minha avó não pára de dizer o quanto a presença dela está me fazendo bem, por causa da minha repentina vontade de começar a me vestir bem. Só que é a maior mentira. Eu sempre me vesti bem. De acordo com a minha personalidade e humor do dia. Não é sempre que encontro meus vestidos fofos e tenho vontade de usá-los. Isso quase nunca acontece, realmente.


E, mais uma vez, tudo foi como um dejavu da manhã de sábado. D. Julia voltou a estar encantada com a minha aparência e minha mãe fez de novo aquela cara de surpresa. A novidade foi o meu avô entrar no jogo, arregalando os olhos e perguntando:


- De que coleção você saiu, Barbie?


Claro que ele estava sendo irônico, ainda que estivesse igualmente embasbacado.


- Ah, não, não comecem de novo – pedi, ajeitando a minha tiara de princesa nos cabelos. Sim, aquela mesma tiara de sábado, a cravejada com cristais swarovski. Não faço idéia do por que a quis novamente no alto de minha cabeça. Simplesmente porque combina com o resto. Ainda que eu não use rosa e seus derivados, estou me sentindo tão fofa. Não como uma princesa, e não como a Andy em A Garota de Rosa Shocking. Mas fofa sendo eu mesma com roupas diferentes. Não sei se isso faz algum sentido.


- Você vai sair de novo com o James? – a minha mãe perguntou, mas acho que já sabia a resposta.


- Vou – falei em tom cansado, porque esse assunto me deixa entediada.


A minha família é obcecada pelo James! Quer algo pior?


- Logo percebi. Aliás, é muito bom que você se vista assim para ele e não para o insuportável do seu namoradinho sem cérebro – não posso dizer que fiquei completamente ensandecida quando ouvi a minha avó dizer isso. Eu só deixei passar, sem me importar em sentir alguma reação.


- Ceeerto – cantei, fingindo estar ocupada demais passando um silicone nos meus cabelos.


- Aonde vocês vão? – a minha mãe quis saber.


Aqui em casa não avisamos com antecedência se iremos sair. Geralmente quando estou pronta e tudo é que digo a minha mãe que vou a algum lugar. Mas como essas saídas só acontecem de fim de semana – por causa do Jason -, ela já decorou a minha rotina. E as festas que eu ia com a Taylor, em geral, eram de sexta-feira ou de sábado... de modo que tudo bem.


- Lá na Alameda assistir a uns filmes do Charles Chaplin – fiquei atenta os movimentos de D. Julia através do espelho.


Ela parou de modo brusco e afetado e separou muito os lábios. Disse:


- Não acredito que ele chamou você para esse tipo de encontro!


A minha única vontade foi rir. E foi o que fiz. Não pude evitar.


- Não é um encontro. É só... – tudo bem, a quem eu queria enganar? Não conseguia encontrar palavra melhor para descrever o que faremos -... Certo, é um encontro, mas um encontro entre amigos. Nada de mais. E que tipo de encontro é esse? – eu quis saber, curiosa. A visão de mundo dessa mulher é uma loucura. Até hoje, ela acha que o sistema africano casamenteiro é o que deve ser vigente. Sabe como é, a menina nem conversa com o cara com quem vai se casar. E, além do mais, depois da escolha do marido perfeito, eles já correm pra cabaninha para desfrutarem do amor de mentira que viverão. Isso sim é uma insanidade completa. Minha avó não acredita no amor. De certo modo é até bom – porque daí a pessoa não corre o risco de ser magoada e tal -, mas quem quer viver uma vida solitária? Eu, definitivamente, não quero.


- O Sir Boomer Jaffar me levou a um encontro no cinema, quando eu tinha dezenove anos e pediu a minha mão em casamento. É claro que não aceitei, porque não queria largar a minha vida de anarquista – D. Julia em respondeu, não de forma nostálgica nem sonhadora, apenas entretida na lembrança.


- Ah, que ótimo – comentei de modo vago - Mas o James não vai pedir a minha mão, D. Julia. Provavelmente ele tem outras coisas a conquistar.


- Como o quê? O posto de guitarrista em uma banda decadente de rock ou sei lá? – ela comentou ferina.


Dessa vez tive de assumir posição. Não gostei da brincadeira.


- Não, mas o de um engenheiro famoso ou algo assim – neguei.


- Ele quer ser famoso? – minha mãe perguntou.


- Não, mas ele é tão nerd que não será um espanto se, de tão bom que for na profissão, começar a ter destaque e fique famoso – expliquei. Ei, isso é muita verdade.


- Quem sabe você poderia seguir o exemplo dele e fazer algo da vida também – D. Julia me disse.


E foi nessa hora que me cansei.


- É, vou seguir, sim – minha voz saiu tão zombeteira que quase feriu meus ouvidos – Vou voltar lá pro meu quarto. Se o James chegar, me chamem – falei com a cara fechada.


Então, estou aqui. O James deveria chegar rápido.


Ah, acho que ele acabou de chegar, porque estou ouvindo a minha avó falar muito animadamente com alguém. Ela nunca fica tão animada com alguém quanto fica com a presença de James. Vou descer, agora.


12/FEVEREIRO – 00:46h – TERÇA-FEIRA – MORRENDO NO MEU QUARTO
Sabe, eu queria ter um namorado tão legal e fofo quanto o James. Por que o Jason não pode ser como ele? Aliás, falando no Jason, caramba. TINHA de ser ele – depois da Taylor – para destruir a minha felicidade da noite. Não acredito que ele...


Ah, vou começar do começo. Acho melhor.


Bem, quando eu cheguei à sala, o James realmente estava ali. Estava contando ao meu avô sobre a sua coleção de moedas antigas, enquanto a D. Julia tentava chamar sua atenção para falar sobre qualquer coisa besta. O meu nervosismo idiota e inexplicável se dissipou assim que percebi que ele se esqueceu sobre o que falava com o meu avô. Isso, porque ele sorriu para mim e seus olhos me acompanharam descer os degraus. Não que ele estivesse maravilhado, exatamente como minha avó, ou algo assim, mas percebi que algo mudou. A atmosfera pareceu bem mais leve e graciosa.


- Ei, eu não me lembro de vir até aqui para apanhar a Barbie na Terra dos Sonhos – o James brincou, ainda sorrindo e olhando para mim.


Tá aí uma coisa estranha. Desde quando recebo um elogio? Por que aquilo foi um elogio, não foi? E, tudo bem, eu detesto a Barbie - porque ela é raquítica demais e tem muito peito e cabelos perfeitos -, mas foi um comentário bem fofo, ainda assim. E isso fez a minha avó pirar e estar ainda mais animadinha. Segundo ela, amigos não se elogiam. Mas, claro, isso é no mundo dela. Porque, no meu mundo, as pessoas se elogiam, independentemente se são amigas ou não.


E, bom, depois de reparar no elogio, a segunda coisa que começou a acontecer foi que meu rosto ficou também rosa. Ou vermelho. Não sei, já que não vi meu reflexo no espelho. Mas o fato de eu estar me sentindo no inferno, de repente, apesar do frizinho gostoso da noite, era só uma conseqüência do fator elogio. Eu acho.


Então, me emparelhei ao James, sorrindo também. E percebi que ele tinha deixado um buquezinho de flores – acho que eram rosas vermelhas – na mesinha de pedra que sustenta nosso mini-aquário e o abajur que mamãe ganhou de uma amiga.


- Nunca vi uma Barbie ruiva – comentei.


- Eu estou vendo uma agora – ele continuou.


E dessa vez eu senti alguma coisa que não era para sentir. Senti-me realmente sem graça. E terminantemente envergonhada. Envergonhada de um jeito que não me sentia desde... sei lá. Desde a primeira vez que o Jason me deu oi, no meu primeiro ano. Ou talvez eu esteja enlouquecendo. Muito.


Ainda bem que a minha mãe me salvou da situação toda, antes que minha avó dissesse algo que me envergonhasse ainda mais.


- Olha, Lily: flores – ela apontou para o buquê de rosas.


- A minha mãe as me deu antes de eu sair de casa. Ela diz que traz boas energias e que prolonga uma coisa lá que não me lembro mais – o James falou, com uma cara e voz de quem se desculpa e de quem não estava muito a vontade.


Awwnn. Que amor.


- Obrigada – agradeci, tocando de novo meus cabelos. Sempre que estou nervosa fico obcecada por meu cabelo – É... vamos? – perguntei.


- Claro, acho que ainda podemos comer alguma coisa antes. O horário do primeiro filme é às oito. O Cronograma é: A Dog's Life, Nice and Friendly, Triple Trouble, Twenty Minutes of Love, The Vagabond e Caught in the Rain. É um pouco mais de duas horas, mas farão um intervalo de quinze minutos – o James explicou, acho que para afastar toda a coisa estranha de antes. O negócio das flores.


- Maravilha. Parece que a minha noite será bem legal – admiti, já puxando a manga direta da jaqueta de couro do James.


- É, com sorte, vocês se divertirão mais do que imaginam – D. Julia nos disse como se tivesse um plano.


O James olhou para mim de um jeito que me fez querer rir, mesmo sem saber o que ele pensava.


Despedimos-nos rapidamente e logo estávamos lá fora, no ventinho gelado que me obrigou a me encolher.


- Quer pegar outro casaco? – James quis saber, já que o meu casaquinho de caxemira rosinha não estava funcionando como o esperado.


Só que eu neguei e entramos em seu carro. Ainda bem que a Alex não estava ali, porque se estivesse, falaria do meu vestido lilás, da minha meia calça rosa rendada e da sapatilha preta. Sem esquecer a bolsinha de contas e a tiara fofa. Ah, e a maquiagem. Mas, contando que quase sempre estou com ao menos base e corretivo, não fiquei tão diferente assim. Só se acrescentarmos a sombra perolada, o rímel, o lápis de olho e o gloss. Nossa. Acho que qualquer um que me visse naquele look diria que deixei de ser eu mesma.


- Eu não estou muito como a Barbie, não é? Porque eu a odeio – de repente as palavras que não eram para escapar, simplesmente pularam da minha língua.


James, que estava concentrado em ligar o carro, tirou os olhos da embreagem e me olhou com olhos de alguém que gosta de detalhes.


- Bem, não diria que está como a Barbie. Mas você está... bem diferente do que o normal – James resumiu, fingindo não olhar muito para mim. Digo, de verdade.


- Hum. É, não sou boa com essas coisas – resmunguei, quando andamos o primeiro metro.


- Você está ótima para alguém que não é boa com “essas coisas” – James riu, sorrindo torto – Escolhe uma banda aí – daí indicou o porta-luvas.


No porta-luvas tinha muitos CDS. U2. Billy Idol. The Shadows. The Kinks, The Who, The Doors, Fairport Convention, Pink Floyd, Moody Blues, T. Rex, Roxy Music, Deep Purple, Queen, Alice Cooper, Kiss, The Beatles, The Rolling Stones, Doom, The Smiths, The Runaways, The Pixies, Nirvana, R.E.M., Smashing Pumpkins, Alice In Chains, Deftones, Korn, Coldplay, Sum 41, No Doubt, The Vines, The Hives, Yeah Yeah Yeahs, The Almost, 30 Seconds To Mars, Paramore


Ei, o James nem ouve Paramore. Não que ele deteste, só que o lance dele é mais o Kurt Cobain do que uma menina de cabelos coloridos. E, tudo bem, Smells Like Teen Spirit é um hino, muita verdade. E, provavelmente, o último grande movimento musical da história aconteceu com o grunge. E parece que depois que o Kurt morreu... bem, nada mais presta muito. Claro que existem exceções, mas não são o que chamamos de fenômeno histórico musical. Tipo, a Lady Gaga. Tudo bem que ela é muito futurista e tudo, mas não vemos as pessoas com vestidos transparentes e com lagostas nas cabeças por aí, não é?


- O que o Brand New Eyes está fazendo aqui? Você é muito mais o Nirvana – comentei rindo, porque era mesmo engraçado.


- Eu... peguei emprestado sem permissão da Alex. Mas só por hoje. Achei que você iria querer esse – ele também riu.


Awnn. Tomara que a Al não dê falta do CD.


- Não, acho que vou querer Sum 41 – respondi ainda um pouco perdida com tantos CDS tão perto de mim - O som dos caras é quase tão épico quanto o do Green Day.


Mas, sabe, o que eu falei é decididamente um fato. Pelo menos em minha mente. Sum 41 é quase melhor do que Green Day, sério.


O James, enquanto estávamos estacionados aguardando o sinal abrir, colocou o CD para rodar. Dez minutos depois, voltei atrás e achei o Paramore de novo e o coloquei para a gente ouvir. É, eu sou doente. Preciso de internação.


A Alameda não é longe. Tudo bem que não fica no mesmo bairro que o meu, ou que o do James; na verdade, é quase perto da estrada, se você pensar bem, mas até que a viagem não demorou muito. Acho que foi porque eu e James não paramos de falar e de rir.


Nós andamos até a Feira Anual das Crianças, que está acontecendo aqui desde segunda passada, mas como não sou mais criança e não tenho ninguém para me acompanhar até lá, faz uns cinco anos que não passeava pelas ruelas apinhadas de barraquinhas de comida ou de jogos infantis. A feira é quase como um parque de diversões, só que sem os brinquedos gigantescos, tipo, roda-gigante, trem fantasma, escorregador-gigante e tudo mais. Só montam algumas camas-elásticas, algumas piscinas de bolinhas e um escalador. A prefeitura não gosta de gastar muito com diversão por aqui, porque lugar de criança é na escola e não em um pula-pula.


Gastamos nosso tempo comendo pipoca doce, tomando sorvete de coca-cola (sim! Existe!) e acertando os bonequinhos na barraquinha de tiro-ao-alvo. Até ganhei um cavalo de pelúcia. Na verdade, é o cavalinho da amiguinha ruiva e vaqueira do Woody no filme Toy Story 2. Ele é tão bonitinho, com os olhinhos de cachorrinho arrependido.


Bom, daí entramos no cinema antigo (tem até o lanterninha, cara! Tão divertido!). O James já tinha comprado as minhas entradas, de modo que tive de ressarci-lo depois. Mas eu nem me importei, porque estava tão empolgada por estar fora de casa em uma segunda-feira à noite, com o meu vestido fofo e a minha tiara de cristais, que acho que podia fazer uma coisa dessas todos os dias. Tipo, sair de casa com o James e fazer qualquer coisa que temos em comum.


Nem preciso escrever que Charles Chaplin é um clássico. Ou um herói. Ou uma lenda. Não sei como as pessoas não conseguem se interessar por filmes mudos. Filmes mudos são bem mais legais, porque tem que trabalhar a imaginação e realmente mergulhar no filme pra entender tudo. Sem contar que as musiquinhas são muito fofas.


Na verdade, o mais legal de tudo isso é que encontrei alguém que divide esse mesmo gosto comigo. O Jason só assiste a filmes de luta, de guerra e de esportes. Sem contar que ele odeia piratas. Já o James... bem, parece que ele gosta de tudo o que gosto, exceto Paramore. Pelo menos não é tão fanático. É realmente muito legal que ele goste de filmes mudos, porque ninguém que conheço gosta. Quero dizer, a Al já me disse que também gosta, mas... sei lá. O James não a convidou, e eu nem me lembrei dela. Coitadinha.


Depois dos filmes, claro que estávamos com fome. As pipocas foram bem poucas para as duas horas dentro do cinema. Então, tornamos a voltar para a Feira Anual das Crianças. Mas dessa vez comemos Pretzel e torta de chocolate.


Sabe, por todo aquele tempo fora de casa com o James, nas ruas ou lá no antigo prédio, eu me senti bem. Bem mesmo. De um jeito que não me sentia há algum tempo. E acho que não tem muito a ver com o que a Taylor me causou há três semanas. Nem com o fato de que os filmes em questão eram estrelados pelo Chaplin. Ali, com James, rindo e conversando sobre a nova temporada de House ou sobre a Courtney Love, tudo pareceu tão melhor. Como se a minha vida estivesse se estabilizado. Não pensei na aposta idiota que fiz com Taylor nem em nosso livro secreto. Não pensei nas teorias da minha avó ou nos ataques de ciúmes da Alex. Ou nos comentariozinhos irritantes da Zora. Não pensei – nem me lembrei – das coisas que me estressam ou me deixam para baixo. Eu simplesmente estava naquele momento maravilhoso com James. Eu me sentia capaz de superar qualquer coisa. Ele estava me fazendo sentir inexplicavelmente melhor. Melhor como pessoa, entende. O James me faz querer sorrir sem motivos e acho que estou começando a enlouquecer quanto a isso. Ao mesmo tempo em que tudo parece bem, estou me sentindo confusa. Levemente perdida também. Como se estivesse no meio de uma guerra e não soubesse para que lado correr. Não sei se isso vai me tornar uma pessoa mais completa ou se está contribuindo para o meu fracasso pessoal.


Eu só sei que poderia passar o resto da minha vida ao lado do James. Ele é como aquele tipo de pessoa que passamos cinco minutos em sua presença e já queremos dividir a nossa vida com ela. Como... como... não sei. Mas geralmente quando penso em pessoas assim, a vocalista do Paramore e a Taylor Swift vêm à minha mente. Porque estou tão acostumada com elas em minha vida, em minha rotina, que parece que de fato as conheço, o que é insano, considerando que nunca fui a nem um show de nenhuma das duas. Vai me entender. Normalmente eu nunca faço sentido.


Sabe, eu meio que estava pensando em tudo isso enquanto tomávamos um chocolate quente em copos descartáveis e andávamos novamente pela ruelas sujas, quando senti meu chocolate quente se despejando quase por inteiro pelo asfalto. Eu estava lá, bem feliz, pensando e pensando - como sempre faço, porque se eu paro de pensar é porque estou muito mal, mal mesmo -, quando percebi uma menininha de cabelos cor mel, de aproximadamente oito anos, me abraçando. O que, claro, causou todo o derramamento do meu chocolate quente pela rua.


- Lily! Lily! Eu ganhei uma ovelha, você viu? – ela berrava para mim.


Annabelle. Ela é uma das minhas preferidas. Tão teimosa e tão grudenta. Sempre entra nos cômodos sem bater e gritando “Lily, Lily!”. Se ela não fosse tão irritantezinha de vez em quando – tipo, quando eu e o Jason estamos num momento raro de saudade física -, poderia ser encantadora. Na verdade, ela é, mas não tanto quanto a Kitty, a irmãzinha toda fofinha da Taylor. Kitty é uma boneca em tamanho real. Não me resta dúvidas que quando crescer será exatamente uma cópia da irmã.


- Ai, caramba, Belle – exclamei surpresa e irritada.


- Por que você está aqui? Você nem é criança! Hahahahaha – sua vozinha tintirilou em minha cabeça.


O James olhava de Annabelle para mim com uma expressão absolutamente confusa e assustada.


- Só estou passeando por aqui. E você? Sua mãe geralmente a coloca na cama a essa hora! – falei, analisando minhas roupas na pouca luz dos postes para averiguar se não tinha me sujado. Mas não, meu vestido estava intacto. Obrigada Ratinhos Falantes!


- É a festa das crianças! Todo mundo está aqui. O Jason também – Annabelle parecia uma pipoquinha ali no meio da rua, à minha frente, com suas trancinhas.


Então, gelei. Gelei mesmo. Não me senti fria por fora. O gelo se alastrou por meu estômago e por tudo dentro de mim.


Ai, meu boizinho. Tudo acabou. O Jason também estava ali. Era o meu fim.


- Ah, verd... – não consegui finalizar a minha frase, porque logo uma sombra realmente conhecida e grande me fez querer ter uma capa da invisibilidade.


- Annabelle! Mas o que voc... – ele também não terminou seu pensamento, porque logo então reconheceu os nossos perfis. O meu e do James – Lily? – sua voz incerta ecoou em meus ouvidos.


Hum, não, na verdade é o Coelhinho da Páscoa! Surpresa! Vim mais cedo! Que notícia ótima, não é? Qual era mesmo o seu ovo escolhido?


Droga, infelizmente àquela hora eu não estava nem de longe parecida com o Coelhinho da Páscoa. Mas se Jason estivesse procurando uma Barbie Ruiva e Sofisticada, ali estava eu, segurando o meu copinho praticamente já vazio com cara de a tela O Grito, mas sem as mãos nas bochechas.


Acho que nunca fiquei tão corada em toda a minha vida. Sério mesmo. Parecia que eu era a raposa tentando pular o galinheiro e que fui pega no ato. E pior: não sabia como reagir.


- Hum. Oi. Jason – não faço a menos idéia do por que a minha voz tão fraca saiu fragmentada. Eu estava apavorada.


- Ei, cara. E aí? – não acreditei quando distingui a voz do James falando assim com o Jason. Olhei para ele, acho que com meus olhos arregalados. Sorte a minha que quase não existisse luminosidade por perto.


- Não falei com você, cara – o Jason respondeu, acho que já contorcendo o rosto atlético.


- Jason, você viu? A Lily está aqui e nem é criancinha! – a Annabelle falou para o irmão naquela voz ingênua de criança de oito anos.


- Eu percebi, Belle. Agora... Vá lá para a pescaria. Acho que estão dando bonecas da Hannah Montana – o Jason disse para a irmãzinha, numa voz quase calma. E, tudo bem, a Belle totalmente acreditou na história das bonecas da Hannah Montana e saiu correndo desembestada por onde surgiu correndo depois de me dar um abraço.


Mexi em meus cabelos. Eu estava de novo nervosa.


- Hum, Lily, o que você faz aqui? Ou melhor, o que vocês fazem aqui? – foi a primeira coisa que Jason questionou com uma voz realmente raivosa. Tá vendo? É isso que dá ser capitão do time de Basquete. Ele acha que tudo merece raiva. Os olhos de Jason pularam de mim para James, revelando litros e litros de desprezo.


- Viemos ver uns filmes ali na Alameda. Do Charles Chaplin, sabe – o James se adiantou e falou por mim.


Eu só pensava “Cala a boca, James. Cala a boca. Cala a boca. Cala a boca. Por favor”.  Só que o James não parecia estar levando aquilo a sério. Nem parecia que sabia que meu namorado estava muito a fim de bater nele mais uma vez.


- Ah, é? Filmes? Que mágico – sabe, o Jason odeia ironia e não sabe ser irônico, mas acho que os filmes do Jim Carrey estão fazendo algum tipo de efeito em sua mente.


- Jason, nós só... – engoli a saliva, que desceu seca por minha garganta -... só estamos passeando. Como amigos.


Eu sou uma idiota mesmo. Tenho que parar de me desculpar por ser vista com o James. Tipo, oi, ele é meu amigo! Andamos com os amigos por aí e não nos importamos se sei lá quem vai falar bem ou mal sobre nós.


Acho que foi naquela hora que tudo o que ingeri durante a noite toda quis voltar rapidamente.


- Sei. Como amigos. Sabe o que o pessoal da escola está falando sobre vocês? – o Jason me perguntou com uma voz não muito legal.


Só que eu não queria saber o que o pessoal da escola está falando sobre mim e James. Não me importo com aquelas pessoas. Quero dizer, até parece que a Kesha se importa com todas as críticas negativas sobre ela. A Kesha finge que não sabe de nada e sai para beber com os amigos. É assim que tudo deveria funcionar. As pessoas deveriam se importar menos com coisas bobas, que não levam a lugar algum.


- Não – respondi simplesmente.


- Tenho bastante certeza de que, seja lá o que estiverem falando, isso não irá nos afetar, Jason. Você pode não perceber, mas a sua namorada é uma pessoa muito superior às meninas do colégio – James falou com uma voz tão diferente. Era uma voz que tentava estar à altura da do Jason, mas, que o mesmo tempo, não se permitia descer tanto o nível.


Bom, foi exatamente nessa hora que pensei que a Guerra Nuclear iria se romper. Achei mesmo que o Jason iria mais uma vez se atirar contra o James. Mas... Não. O Jason ficou ali parado, me olhando.


- Eu sou o namorado dela. Eu conheço a Lily, seu idiota – foi tudo o que o Jason conseguiu falar entre dentes.


E eu fiz uma coisa insana:


- Não – falei, sentindo-me muito enjoada – Você não me conhece, Jason.


O Jason se aproximou de mim, confuso, muito confuso. Como se não estivesse mais em frente à namorada.


- O quê? Lily, do que está falando? – o Jason me perguntou, olhando de esguelha para o James.


- Jason, você nunca soube que sou fã do Charles Chaplin, por exemplo. Você nunca me trouxe a uma feira de rua. E sempre está dizendo alguma coisa muito ruim da vocalista que mais amo no planeta – meus nervos estavam à flor da pele. Eu queria muito chorar, ali, na frente de quem quer que fosse. Eu só queria jogar na cara do meu namorado o quanto ele não é mais a pessoa que amo. E, a triste realidade, é que acho que nunca foi essa pessoa que eu tanto gostava no começo do namoro.


- Ah, cara, então é por isso? Só porque eu não gosto daquela menininha colorida? – o Jason parecia não acreditar. Nem eu, porque ele acabou de me ofender MAIS UMA VEZ.


- Jason – respirei fundo uma vez – Boa noite – respirei fundo uma segunda vez – Vamos, James – daí comecei a andar para o começo da rua principal.


- Lily! Você é uma covarde mesmo! – meus olhos ficaram tão pequenos de ódio quando ouvi o Jason berrar isso, que dei meia volta para encará-lo.


O James continuava no lugar onde estava desde a trombada amorosa com a Annabelle. Acho que seu rosto não estava muito calmo, mas não parecia querer dar algum soco no meu namorado.


Ao invés de somente encarar o Jason e chamar de novo o James, caminhei muito lentamente para o lado deste, com um ódio ardente na garganta. Cara, nunca me senti tão furiosa em toda a minha vida.


- Jason, vá gastar o resto da sua noite com o time. É o melhor que você consegue fazer – meu maxilar estava tão tenso que achei que não fosse conseguir falar – Vamos, James. Agora – olhei para James como se fosse capaz de fazê-lo se mover só com a intensidade de meu olhar raivoso.


Dessa vez, o James me seguiu. Em passos muito lentos. E toda hora olhava para trás, para averiguar se o Jason não estava correndo até nós com uma faca ou se ainda permanecia no mesmo ponto.


Passamos pela rua principal e vi, distante, a Annabelle bem felizona escolhendo o seu prêmio por ter participado da guerra de travesseiros. Ela escolheu um Pikachu de pelúcia. Olhei para o meu cavalinho e o torci em minhas mãos. Queria que ele fosse de verdade para eu poder montar nele e fugir para longe, para bem longe. Para algum lugar onde tivesse a certeza de que seria feliz, ao lado de alguém que realmente valesse à pena. E não, não estou falando da Hayley ou da Taylor Swift. Eu só queria, realmente, realmente, estar em paz. Queria urgentemente recuperar a minha felicidade recém destruída.


O James abriu a porta de seu carro para eu entrar. Eu sentia frio. Um frio muito estranho. E acho que ele notou isso, já que estendeu suas mãos até o banco traseiro e me ofereceu seu casaco de flanela que usara na festa de sábado. Coloquei-o por cima de meus ombros e mordi os lábios.


Não falamos definitivamente nada durante todo o percurso. Ainda que ele tivesse ligado o som novamente e a voz da Hayley estivesse baixinha nas caixas de som, não consegui fingir que tudo estava bem. Por que daquela vez, eu sabia que nada estava bem.


- Não quer mudar para alguma música mais feliz? – o James me perguntou a certa hora, porque ecoava The Only Exception. Só que eu não me importei.


- Não. Assim está bom – respondi em um tom de voz tão baixo que mal escutei a minha própria voz.


Então comecei a me perguntar onde estávamos indo, porque não precisamos pegar a Queen Park para irmos para a minha casa. Mas acho que descobri rapidinho para onde estávamos indo. Quando James estacionou ao meio-fio, reconheci sua própria casa. Uau, o que eu estava fazendo na casa dos Potter quase às onze e meia da noite?


- O qu... – minha garganta travou quando tentei perguntar qualquer coisa.


- Minha mãe sempre prepara chá para nós quando estamos com problemas – James me disse, sem sorrir ou esboçar qualquer tipo de sentimento feliz.


- Eu não gosto de chás – falei.


- Você precisa se acalmar – ele me explicou, com um olhar muito, muito solidário.


Não tive vontade de negar ou de dizer qualquer coisa. Saímos do carro e entramos na casa. Tudo estava apagado e silencioso.


- Cadê todo mundo? – eu quis saber, sussurrando para não acordar ninguém, caso alguém já estivesse dormindo, mas considerando que a casa estava nas sombras, era bem provável que todos já estivessem desfrutando de um sono.


- Meu pai foi viajar para Liverpool hoje à tarde. Minha mãe está em um jantar beneficente, que vai durar a noite inteira; sempre dura. E a Alex foi dormir na casa da Zora – James me disse, acendendo as luzes fosforescentes da sala imensa.


Meus olhos sofreram um choque no início, mas logo se acostumaram à presença de luz.


Ao invés de ele preparar um chá, preparou mais chocolate quente. Eu já estava enjoada de chocolate, mas apesar de tudo, o frio ainda não cessara, portanto aceitei a xícara.


Sentamo-nos nas banquetinhas da mesa de café da manhã da cozinha branca. Ficamos em silêncio por vários segundos, até eu aceitar a segunda xícara do líquido quente.


- Você não quer ligar para a sua mãe, para avisá-la que irá chegar um pouco mais tarde do que o previsto? – ele me perguntou.


- Não. Ela sabe que estou bem – ok, que tipo de frase idiota foi essa?


- Hum. Sabe o que eu acho? – ele me perguntou e eu sacudi a cabeça, negando – Acho que você precisa de descanso. Tirar férias ou algo assim.


- É, acho que sim – concordei, deixando a xícara de lado, porque além do enjôo, estava sentindo uma onda de algo muito decepcionante. Algo que mal estava suportando.


- Olha, todo mundo briga. Todos os casais brigam. Não é só porq... – o James queria mesmo me fazer sentir melhor, mas eu coloquei a mão na boca dele. Eu simplesmente não estava no clima de ouvir o que quer que ele tivesse a me dizer.


- Não fala nada, por favor – pedi, retirando meus dedos dele. Acho que James não ficou tão abalado assim. Nem ofendido ou surpreso. Somente concordou com a cabeça.


E, então – pasme e queira me bater -, de repente descobri o que sentia. E era uma coisa muito, muito, muito ruim. Assim que ofeguei ao me dar conta que sentimento sentia, minhas lágrimas, que outra ora seriam de raiva, escapuliram, agora relevando dor. Não dor física, porque eu nem tinha me machucado ou algo assim. Mas dor sentimental. Acho que dor sentimental é ao cubo pior do que um braço quebrado ou um corte.


Senti dedos que não eram meus pousarem levemente em meu ombro.


- Ei, ei, era para você se acalmar, não para ficar ainda mais triste – o dono dos dedos em meu ombro me disse, com uma voz tão fofa que quase me fez rir da situação toda.


- Não, você não entende. Não estou triste. Estou acabada. Estou me sentindo ridícula – entre minhas lágrimas, expliquei.


- Tudo bem, pode ser ridícula na minha frente, eu não importo – não sei o que me deu, só sei que após ouvir isso (COMO ele pode ser tão legal e fofo e compreensivo e amigo e TUDO?), me estiquei até ele, ainda que a distância entre nós fosse pouca, e agarrei seu suéter e sua jaqueta de couro. E fiquei ali, chorando feito uma criancinha de dez anos.


E, mais uma vez, o James foi muito legal comigo. Ele não me empurrou para longe, como provavelmente o Jason ou qualquer outro menino faria. Somente me envolveu em seus braços como se pudesse afugentar toda a dor que eu sentia. Não me senti muito melhor, desculpe a franqueza, mas uma coisinha em mim se acendeu, bem lá no fundo da minha alma. Não sei o que era. Mas era um sentimento bom, apesar de fraquinho. Tentei me apegar a ele ao máximo possível, tentando não me afogar em minhas lágrimas, mas por mais esforço que fizesse, não adiantava. O sentimento não explodiu em mim nem se manifestou com maior intensidade.  


- Eu não agüento mais. A Taylor, a escola, a Zora, essa porcaria de eleição, a minha avó. Parece que todo mundo está contra mim. É muita pressão, muita coisa para uma só pessoa. Eu não consigo mais suportar – acho que falei isso tudo muito rápido, porque não entendi quase nada do que saiu pela minha boca.


- Tudo bem, tudo bem. Isso vai passar. Você vai para casa, vai dormir e amanhã vai estar melhor. Você vai ver – ele me disse, afagando meu pescoço.


Pensei em retrucar “Duvido”, mas não achei muito educado, porque ele estava totalmente me ajudando. Ou tentando.


Afastei-me dele e apoiei minha testa em minhas mãos, onde meus cotovelos as suportavam. Eu deveria estar um horror, nem queria me olhar ao espelho. Sentia minhas bochechas dormentes e meus olhos pesados e encharcados.


- Você não deveria se deixar influenciar tão fácil pelas pessoas – ele me disse, colocando um punhado do meu cabelo, que caía em meu rosto todo molhado, atrás de minha orelha. Em seguida passou a costas das mãos por minha bochecha de modo gentil.


- O Jason é insuportável. Nem sei como consegui ficar com ele por tanto tempo – admiti.


- Onde há amor, ainda resta esperança – James me explicou.


Fazia certo sentido, se você parar para pensar. Funguei alto.


- Você me leva pra casa? – perguntei olhando de canto de olho para ele.


- Claro – percebi seu sorriso. Quis também sorrir, mas não consegui. Meus lábios pareciam pesados demais.


Enquanto ele recolhia as xícaras e as colocava dentro da pia, num gesto realmente legal para me dar tempo de secar minha face, olhei para seu cabelo tão cintilante sob as luzes frias. Eles dançavam de um modo quase hipnotizante. Então, antes que me desse conta, desci do banquinho e parei ao seu lado. Fiquei nas pontas dos pés e afundei uma das minhas mãos em seus cabelos escuros.


- Você já percebeu que seu cabelo brilha? É sério. É tão... – apertei os olhos -... diferente.


- O seu também brilha – ele observou, olhando para o alto da minha cabeça. Agora eu sorri. Mesmo, mesmo, mesmo.


- Você promete que não vai me magoar? – perguntei.


Não pensei na pergunta nem antes nem depois que a proferi. Meus pensamentos estavam paralisados e intrafegáveis em meu cérebro. Já James ergueu as sobrancelhas de modo comedido, mas incrédulo. Acho que o ofendi.


- Sabe, Lily, quando você ama uma pessoa, você não fica pensando nas coisas que podem fazer. Você fica pensando nas coisas que nunca podem acontecer, porque se acontecerem acaba qualquer tipo de confiança e amizade – ele me falou. Eu quis entender e acompanhar seu raciocínio, mas algo me deteve. Não sei. Eu olhei para seus olhos e simplesmente me esqueci do que ele tinha me dito.


- E isso significa que não vai me magoar? – quis saber, ansiosa.


- Isso significa que vou estar sempre ao seu lado, porque é para isso que os amigos servem – resumiu ele.


Senti um baque surdo no estômago. Parecia decepção. Mas não como a que senti antes de chorar. Era muito menos intensa, ainda que muito presente.


Sorri, totalmente trôpega. Peguei seus dedos e voltamos para seu carro. Dessa vez não quis ouvir nada melancólico. Escutamos cinco vezes Smells Like Teen Spirit no mais alto volume. Aquela energia... eu a queria para mim. Queria ser capaz de cantar uma música tão explosiva.


James me deixou na porta de minha casa.


- Fique bem. E se quiser conversar às quatro da manhã, você tem o meu número – ele sorriu para mim, muito próximo de meu rosto frio.


Eu ri, ainda que sem emoção.


- Eu não seria tão má com você, Jay – falei.


- Boa noite – ele me disse, ajeitando a minha tiara.


- Eu adoro você – falei e, ficando nas pontas dos pés, beijei seu rosto. Ele também estava frio exatamente como eu. Não foi tão estranho quanto imaginei que seria.


- Hum, ok. Eu também – ele ficou sem jeito e logo acenou, preparando sua partida.


Então ele foi embora.


E eu estou aqui, à luz do meu abajur de sapos, chorando feito uma idiota e tentando colocar meus pensamentos em gavetinhas para me organizar melhor.


Não sei se vou conseguir dormir. A minha sorte foi que apenas a minha mãe estava desperta, ainda no sofá da sala. Ela estava com um balde de cereal no colo, enquanto assistia a reprise de One Three Hill.


- Ah, Lily, como foi a noite? – ela me indagou com uma cara feliz.


Isso me fez ter uma recapitulação de todos os segundos lá na Feira da Criança na velocidade da luz. Fiquei tonta.


- Humm – tentei colocar foco em meus olhos, piscando forte – Foi inesperada – falei a verdade, considerando as verdades por trás desta pergunta.


- Que bom, talvez vocês possam sair mais vezes.


- Acho que não, porque senão o Jason vai acabar com o James.


Minha mãe uniu as sobrancelhas.


- O Jason odeia o James, porque todo mundo na escola está falando que gostamos um do outro – expliquei.


- O Jason sempre foi um pouco ciumento, não?


- Eu sei lá. Sei que foi uma catástrofe o final da noite. E o James me levou pra casa dele e me fez beber mais chocolate quente, então acho que vou vomitar pra sempre.


- Ewww – ela fez.


- Vou tentar dormir agora. Boa noite, mãe – eu não estava com ânimo algum de prolongar aquela conversa, de modo que o melhor que puder dizer era que precisava da minha cama. Só que não sabia se ela me serviria para dormir. Talvez para abrigar todas as minhas mágoas, sim.


- Boa noite, amor – seus olhos voltaram para a tela da TV.


Ai, caramba. Acho que vou MESMO vomitar todo o chocolate quente que bebi lá na casa do James.


Que saco que é ser eu.


12/FEVEREIRO – 08:36h – TERÇA-FEIRA – CASA (COZINHA)
Sinto-me um queijinho processado e embalado. Não dormi quase nada. Se dormi, acho que mal percebi. E o pior é que agora estou MORRENDO do sono. E a minha cara parece que foi feita para interpretar uma zumbi. Que porcaria.


E o pior é que a minha avó levou um susto ENORME quando me viu aqui, quando eu tentava engolir algum cereal para não ir para a aula de estômago vazio. Ela disse que vai pegar as maquiagens de marca dela para tentar reparar o estrago de uma noite em claro chorando fez com o meu rosto. Só que não quero maquiagem. Só quero ficar na cama mais um pouco, mas acho que não posso fazer isso.


Tudo bem: é essa a hora. Vou dar o fora daqui antes que ela venha com tudo aquilo.


12/FEVEREIRO – 09:12h – TERÇA-FEIRA – AULA DE INGLÊS
A Alex pode estar chateada comigo, mas é uma boa amiga. Ela totalmente escondeu o seu espanto quando me viu sentada em minha mesa, antes da aula começar. Eu estava olhando para o quadro, mas não o via de verdade. Meus pensamentos entrecortados e lentos vagavam pela sala quase parando. Acho que eu estava dormindo de olhos abertos, se é que isso seja possível.


- Meu Deus, Lily. Está tudo bem? – ela fingiu que só estava preocupada e não surpresa.


- Ah, oi. Alguém aí tem algum remédio que me faça acordar? – perguntei, ignorando sua pergunta. Que bom que o James não contou o que rolou ontem para a Alex. Não sei como ela reagiria.


O James sacudiu a cabeça, negando, mas percebi que seus olhos estavam muito atentos. Quis sumir.


- Vá até a enfermaria, sua louca. Acha que está ficando gripada? – Alex estava ansiosa.


Segurei a minha cabeça com as mãos como se ela fosse tombar para o lado.


- É, deve ser isso – falei.


Agora me lembro. O James nem disse a Alex que iria sair comigo ontem. Na verdade não dissemos a ninguém. Só se ele contou ao Sirius. Mas acho que não, caso contrário a Zora já estava me perturbando. E sabe de uma coisa? Realmente parece que sou a fofoca da vez. Como se já não bastasse ser apontada pelo o que fiz com a Taylor. Ah, não. Quando entrei no corredor, parecia que eu era, tipo, a Lady Gaga, mas sem a correria para pedir autógrafo e essas coisas. Todo mundo começou a cochichar e a olhar pra mim com uma cara tipo “Ooolha quem é. É a Lily Evans. Sabia que ela e o James Potter estão juntos?”. Só que, dã, nem é verdade. Eu nem gosto dele daquele jeito especial. Só como amigo, mesmo. Porque ele é um bom amigo.


O James me olhou como se quisesse falar alguma coisa, mas que não podia, porque a irmã estava ali. Quando a Alex desviou um pouco da atenção de mim, perguntei a ele o que queria, somente com a linguagem facial, sabe como é. Só levantei as sobrancelhas tipo O que é?, só que ele fez que não com a cabeça e foi se sentar.


- Cara, você nem vai acreditar – a Alex, do nada, virou para mim com uma cara não muito feliz. Eu já comecei a entrar em pânico. O que ela descobriu agora? Será que queria falar do que todo mundo tá falando sobre mim e o James? Se fosse isso, desculpe, mas eu iria começar a chorar. Ou então sairia correndo para algum lugar longe dela – O meu CD do Paramore sumiu. É um absurdo.


Se em um segundo, antes da Alex falar seu verdadeiro motivo para aquela cara, eu estava querendo morrer, em outro, eu comecei a rir. Sério. Acho que alguém deveria ter me impedido. Tipo, o James. Porque, oi, foi ele que roubou o CD da irmã. E ainda não devolveu, pelo jeito.


- Ei, não é engraçado. Não gosto de perder os meus CDS – a Alex fechou a cara e cruzou os braços, transformando sua expressão não muito feliz em chateação.


Só que eu não parei. Fiquei lá rindo sozinha, feito a uma abobada. O James até olhou pra mim com olhos de Jack, O Estripador, tentando me controlar, mas simplesmente não consegui parar.


- Cara, você está muito estranha hoje – a Alex declarou, agora ficando seriamente brava comigo.


- D-desculpa, mas acho que é o efeito da aspirina que tive de tomar antes de sair de casa – menti, ainda dando risadinhas irritantes.


Alex revirou os olhos verdes e logo se levantou.


- Aonde vai? – quis saber.


- Procurar a Zora; é melhor do que ficar com uma hiena maluca – ela me respondeu.


Ri novamente.


Olha, Lily, é o Hitler. Quer rir também, sua idiota? Melhor não, consciência, ele pode querer me jogar numa câmara de gás tóxico e me matar em um minuto. Tá bom, vou ficar quietinha. Pronto.


A Alex saiu da sala e o James logo sentou ao meu lado, na cadeira da irmã.


- Você não dormiu, não é mesmo? – ele me indagou.


Parei de encarar as folhas das árvores lá fora e olhei para ele, distante:


- Hum? Acho que não. Não me lembro, sério. Amnésia – falei, querendo rir de novo, mas engoli a vontade.


Ele fez uma cara entediada, como se não estivesse feliz com o meu comportamento noturno.


- Devolva a CD para ela. Já já Alex vai me acusar de tê-lo roubado – incitei com o mesmo ar cansado de antes.


- Não vai. Na verdade, já o tirei do carro. Coloquei-o em cima da mesinha de centro, mas acho que ela ainda não o viu – James me explicou.


- Hummm – resmunguei, quase fechando os olhos na frente dele e babando.


- Você não está nada bem mesmo – comentou ele.


- Aham. Acho que vou dormir na aula do Sr. Hugh – falei.


- Não sei se é uma boa idéia.


- Tanto faz – dei de ombros e coloquei a minha cabeça em cima dos braços, tentando descansar enquanto a aula ainda não começava.


Sério. Acho que fui picada por um tsé-tsé e estou com a doença do sono. Mas acho que não existe esse tipo de mosca aqui na Inglaterra.


12/FEVEREIRO – 09:35h – TERÇA-FEIRA – AULA DE INGLÊS
Você conversou com o Jason depois de ontem? – J


 Presta a atenção na aula (: Até parece que quero falar com ele


 Ele só estava de cabeça quente, dá um desconto


 Ele está SEMPRE de cabeça quente, é esse o problema dele. E você viu que é MESMO verdade que todo mundo está falando de nós?


 Sim. Me perguntaram se eu vou pedir você em casamento, mas eu disse que você ainda não tinha se decidido se moraríamos em Londres ou em Liverpool


 Coloquei a mão na boca, para evitar que meu ronco risadinha fosse ouvido pela turma.


 Você está me fazendo rir, pára com isso!


 Você sabe, quando nos casarmos não podemos nos esquecer de convidar toda essa gente. E o Sirius tem que ser o nosso padrinho!


 O Sirius vai desaparecer na véspera do casamento! Ele não serve!


 É mesmo. Mas, em todo caso, teremos de pedir um presente muito caro a ele, para que nunca mais se esqueça. O que você quer?


 Ele podia roubar a Hayley Williams pra mim por um dia e depois ressuscitar o Kurt Cobain pra você! (: Imagina que dia mais maravilhoso!


 Eu disse que deveria ser um presente CARO, não IMPOSSÍVEL.


 Ah, droga! Tá bom, vou querer um I-pad, porque no momento não tenho esse dinheiro.


 Hahahaha. Eu vou querer uma guitarra com cheiro de chocolate.


 Ai, não me fale em chocolate! Fico enjoada só de pensar.


 Mas foi você que disse que não gosta de chá, oras!


 É, mas não...


 YEEY. Fomos pegos MAIS UMA VEZ! O Sr. Hugh me obrigou a ler a redação vencedora da semana em voz alta, na frente de todos. Ainda que não seja ele que nos ensine a como fazer uma redação, acho que estava bastante a fim de me torturar ao me fazer levantar e ficar de frente para toda essa gente estúpida (exceto a Alex e o James).


12/FEVEREIRO – 10:37h – TERÇA-FEIRA – AULA DE LITERATURA
Tudo bem, eu tinha jurado que não dormiria na aula da Sra. Skohg (de química). E tudo bem mais uma vez: eu não dormi. E assim acabei aprendendo como se classifica ácidos. Não sei por que não me prestei para dar a devida atenção a este assunto lá no primeiro ano, quando o Sr. Lewis, o professor mais novo da escola, naquela época (porque agora ele não faz mais parte do corpo docente, já que recebeu proposta de emprego lá em Londres), nos ensinou. Mas enfim. O fato de eu ter me comprometido com o meu sono, há exatamente 51 minutos, não quer dizer que não posso quebrar esse meu juramento. Quero dizer, não prometi a paz universal nem amar pra sempre a Dakota Fanning. Portanto, posso dormir a hora que quiser. Pode ser agora, no período de literatura, uma vez que não tenho mais nada a aprender sobre o Romance de 30, que é o que o Sr. Avezed está dando à turma. Acho que vou dormir realmente. Nada contra literatura, também porque leio muito e sempre me dou muito bem nas provas, mas o negócio é que simplesmente não dá para eu ter foco agora. Sem chances. O meu cérebro só me diz: “Vá dormir, Lily. Vá dormir”. Então o que posso fazer? Dizer “Não, obrigada”? Claro que não! O seu cérebro sabe o que é melhor para você (ao menos deveria saber). Não se pode ignorá-lo. Vai que ele se revolta e decide fazer uma autólise de si mesmo? Daí eu vou começar a ter convulsões no meio da aula, o que não será nada bom, considerando que ninguém aqui (talvez exceto o James, mas ele não está nessa aula) assiste a House e nunca viu como salvar alguém de uma convulsão, e então vou morrer por causa da incapacidade dos meus colegas.


Certo, daqui a pouco acordo, porque tem Inglês com a Sra. Prince, e a Alex e o James irão estar comigo, e Deus sabe o quanto é impossível ignorar aqueles dois, principalmente se decidirem conversar comigo por bilhetinhos.


P.S.: O Sítio do Pica-Pau Amerelo, de Monteiro Lobato, deve ser muito chato. Quem quer ter uma boneca FALANTE e IRRITANTE por perto? Prefiro os crocodilos, me desculpe.


12/FEVEREIRO – 11:31h – TERÇA-FEIRA – AULA DE INGLÊS
Oi. Por que você não me contou que foi na Alameda com o meu irmão? – A


Quando a Alex me jogou esse papelzinho eu estava copiando as regras dos Por quês. E quando olhei para ela, depois de ter lido sua pergunta, sua cara não estava aborrecida, como eu esperava. Estava sentida, como que magoada.


 Oi. O James contou a você sobre isso?


 Não. Ninguém me contou. Eu ouvi o seu namorado conversando com o Theo, do time, sobre isso. Ele dizia que vocês estavam lá na Feira da Criança e que você estava muito diferente. De vestido e de tiara.


 Ah. Pois é. Nós fomos passear um pouco.


É. PASSEAR. Só que se você quisesse só PASSEAR podia ter me chamado. Meninas chamam outras MENINAS para passearem. E sabe do que me lembrei? Que toda segunda-feira à noite, lá na Alameda, tem sessões de cinema com filmes antigos ou clássicos. E que essa semana era a vez dos filmes do Charles Chaplin.


 Humm. É. Nós fomos ir ver os filmes.


 Droga. Por que eu me sinto tão culpada? Quero dizer... eram somente filmes. Tudo bem, não a convidamos, mas só porque talvez nos esquecemos mesmo. Eu estava tão animada por ter a chance de sair com o James em dia de semana, que acabei me esquecendo de comentar com alguém. Não que eu fosse comentar com a Alex que iria sair com o irmão dela, mas podia, sim, ter comentado sobre os filmes.


 Por que não me chamou para ir também?


 Me esqueci, desculpe.


 Tudo bem, vou me esquecer também de chamar você para fazer alguma coisa comigo.


 Revirei os olhos. Fala sério! Por que ela é tão CRIANÇA de vez em quando? Eu nunca fiquei com ciúme de dividir a Taylor com as outras meninas iguais a ela (populares, pulantes e obcecadas por maquiagem).


 Tudo bem.


 Então ela não escreveu mais. E eu estou aqui até agora sem entender nada.


Por que a minha vida é tão idiota?


12/FEVEREIRO – 12:25h – TERÇA-FEIRA - ALMOÇO
Eu queria aprender a fingir que não ouço as pessoas cochicharem a meu respeito ou aprender a fingir que não vejo as pessoas olhando para mim com cara de Sabe-Tudo. Mas acho que se isso começasse a acontecer, eu não seria mais eu. Sei que sempre digo que não me importo com a opinião das pessoas, mas acho que é uma mentira. Quem é que não se importa com a opinião dos outros? Até a Taylor Swift deve ser importar!


Tipo, como não vou me importar com esse surto de boatos sobre mim e o James? TODO MUNDO está comentando. E daí ficam: “Ei, Lily, é verdade que você já foi dar um tour pelo quarto do James?”, e eu fico: “Não! E sai daqui!”. Quero dizer, nem é mentira. Até hoje não entrei no quarto do James. Só no da Alex.


Eu só tenho uma pergunta. COMO É QUE AS CELEBRIDADES NÃO SURTAM QUANDO ESTOURA ALGUM BOATO BESTA SOBRE ELAS? Eu não iria agüentar. Capaz de eu largar a carreira se algo do gênero me acontecesse. Agora estou pensando que estou com muita pena da Britney Spears. Coitadinha. E é por isso que nunca vou raspar o cabelo.


Tudo bem, vou ignorar todo mundo. Uma hora eles têm de parar. Certo?


O James diz para eu me divertir com isso, porque se eu me aborrecer, só vou piorar tudo. Agora me diga como é que ele consegue ser tão inerte a tudo isso! Eu estou quase querendo me jogar pra cima de alguns, e ele fica lá desmentindo tudo com a melhor cara do mundo. Como é que ele pode SORRIR e RIR disso quando deveria estar surtando junto comigo?


Não entendo este cara. Sinceramente não entendo.


12/FEVEREIRO – 14:12h – TERÇA-FEIRA – AULA DE BIOLOGIA
O James disse que eu perguntar a você se vocês irão ensaiar hoje – S


Aaah. É verdade. Até tinha me esquecido. Acho que sim. Mas você acha mesmo que a Zora pode vencer as populares?


O Sirius pegou seu celular e digitou algo. Acho que estava mandando uma mensagem para o James, avisando-o sobre o ensaio. Daí voltou a atenção à folha que estava à sua frente.


Hahahaha. ATÉ PARECE. Eu só disse aquilo para ela, porque não queria ter meus ossos esfacelados nas próximas horas! Todo mundo sabe que os populares SEMPRE ganham. Só porque a Zora está dando auxilio aos rejeitados não significa que tem alguma chance.


 Que positivo que o Sirus é, gente! Estou até emocionada!


 É, mas não se esqueça que existem muito mais rejeitados e impopulares do que populares por aqui.


 É, mas todos são facilmente manipulados, o que quer dizer que podem até não querer que a chapa da amiga da Taylor vença, mas sabem que terão de votar nela de qualquer forma.


 Qual é. Está me dizendo que irá votar na OUTRA chapa?


 Não. Ainda que os votos não sejam identificados por nomes, não irei fingir que não quero que os populares ganhem.


 A Zora obrigaria todos nós a votar nela.


 É, isso também. E ela é muito esquisita também. As pessoas não gostam de líderes esquisitos.


 Todos somos esquisitos de alguma maneira. Não é só a Zora.


 É, mas ela não é loura e idiota.


 Isso é bom. Pelo menos, DEVERIA ser bom.


 Pensa: entre a Heather Matarazzo e a Megan Fox, em quem você votaria?


 Mas nenhuma das duas estudam aqui.


 FINGE QUE SIM E RESPONDE.


 Ai, nossa, quanto amor. Tudo bem. Sempre achei a Heather meio esquisitinha. Mas, ei!, a Zora não tem uma cara de buldogue francês!


 É, mas entre a Zora e a outra garota que está competindo... quem você acha que ganha?


 Cala a boca, Sirius. Você não pode rebaixar uma pessoa só porque ela não é loura ou porque não tem peitão.


 Não, eu não. Mas é o que o mundo faz.


 Tá, tudo bem. Só que aqui não é o mundo, é só a escola. Que pensa como o mundo. Ah, entendi. Mas, bom, isso não quer dizer que a Zora irá perder. Ela ainda tem até quinta para desistir TRI


 Ela não vai desistir. É como dizer que o Jack Bauer está cansado da vida de matador profissional.


 Bem. Mas ela pode ganhar. Total pode.


 Se isso acontecer, eu faço as pazes com a minha mãe.


12/FEVEREIRO – 14:47h – TERÇA-FEIRA – AULA DE PSICOLOGIA
Alguém sabe me dizer POR QUE temos aula de psicologia? No que isto será útil? Além do mais, já sei tudo sobre quadros psicológicos: minha mãe é psiquiatra. Quer coisa mais fácil?


12/FEVEREIRO – 20:04h – TERÇA-FEIRA – CASA (MEU QUARTO)
Ok, eu estou bem. Sinceramente estou. NÃO estou surtando. NÃO irei surtar. Não vou.


Já faz um tempinho que o James foi para sua casa. Mas eu ainda estou pensando no que rolou. E quero enfiar a minha cabeça no forno por isso. Porque foi errado. Eu sei que foi. Oi, eu tenho namorado, ainda que o esteja odiando no prezado momento.


Tipo, tudo estava ótimo. Nós tínhamos tocado um pouco e visto TV (Cidade das Sombras). Conversamos sobre as apresentações. Sobre Harry Potter. Sobre a nova temporada pornográfica de True Blood. E sobre almas-gêmeas.


Não me lembro por que começamos a falar sobre isso, um assunto tão besta e tão nunca falado por mim, mas sei que começamos a discutir acerca disso.


À essa hora, já tínhamos largado a TV e a guitarra. Meus dedos se sentiam escravizados e minha cabeça doía. Na verdade, tudo veio à tona quando James me perguntou se eu não agi mal quando passei por Jason lá na escola e fingi que não o vi. E, sim, eu fiz isso mesmo, e daí? Estou com a minha consciência limpa, porque ELE MERECIA E ACABOU. Ainda que James não concorde muito com esse meu ponto de vista. Acho que NA VERDADE, estávamos mais falando sobre amor do que sobre qualquer outra coisa. É o tipo de assunto que não converso nem mesmo comigo mesma.


Estávamos deitados na minha cama observando o teto, que é branco, totalmente contrastando com o resto do meu quarto, que é vermelho. Do nada e James quis saber:


- Você não acha que o Jason ficou meio sem entender nada depois que você passou reto por ele, lá no corredor da escola?


Eu tive de rir, sabe. Porque é o tipo de coisa que o Jason faz comigo. Passa reto por mim e me ignora dentro da escola. Ele simplesmente não gosta de ser visto trocando carinho com a namorada - que por sinal é uma nerd musical e totalmente impopular.


- Até parece que estou ligando – resmunguei.


- Deveria. Ele é seu namorado.


- Era. Só que ele ainda não sabe disso – minha voz saiu tão calma e tão decidida que achei que não estivesse falando coisa com coisa.


- Você não pode terminar com ele só porque o mundo acha que temos algo.


- Não vou terminar porque o mundo acha que temos algo. Vou terminar por ele achar que temos algo. Quero dizer, supostamente deveríamos confiar um no outro.


- Mas ciúme é uma coisa boa. Claro, quando ele é moderado.


- É, e acho que os ataques de ciúme do Jason deixaram de ser moderados há algum tempo.


- Mas... você ainda o ama. Você não pode negar o amor.


- Do que você sabe sobre o amor?


- Bem, nada, pra falar a verdade, mas amor à primeira vista é uma coisa bonita. Pelo menos é isso que a Alex me diz.


- Amor à primeira vista? O quê? – eu me sentei de tão surpresa que fiquei. E comecei a rir, porque, sério, não tive como me deter.


- Não? Você não se apaixonou por ele à primeira vista?


Eu nunca acreditei em esse tipo de amor. Nem sei se acredito de fato no amor. Quero dizer, acredito, mas sabe como é. Ele nos faz sofrer tanto... Não é o tipo de coisa que deveríamos amar conquistar. Mas, bom, isso só revela o quanto os humanos são masoquistas.


- Não... Acho que não. Quero dizer, se assim fosse, eu teria que dizer que o amo há 12 anos, desde que estou na Bedford High School. Mas, não. Eu só o amo há três anos.


- Você não acredita nisso? Em amor à primeira vista?


- Nem um pouco. Quero dizer, como é que você pode ser capaz de olhar para uma pessoa e saber que deve ficar com ela pra sempre ou que serão muito felizes? É inexplicável. Não tem como.


- Possível deve ser. Muitas pessoas por aí sentem isso.


- É, mas não eu. Quero dizer, não é como se eu estivesse renunciando o amor. De modo algum. Eu gosto do amor, apesar de tudo. Mas é babaca isso.


- Humm. Mas como você se sente com ele? As sensações devem contar.


- Sei lá. Só me sinto bem. Me sentia bem, porque agora não consigo sentir nada. Ou estou sentindo muito pouco. Nem a falta dele estou sentindo. Isso deve ser ruim. Acho que meu amor está acabando.


- O amor não acaba assim.


- Totalmente acaba. Eu parei de amar a Taylor, por exemplo.


- Mas é um amor diferente.


- Ah, sim – concordei – Sabe, às vezes, eu fico pensando o que leva as pessoas a se casarem. Não deve ser só o amor.


- Um futuro juntos. As pessoas pensam no futuro.


- Eu não penso no futuro ao lado do Jason. Acho que ao lado de ninguém. Eu mal me lembro como foi que me apaixonei. Não me lembro da sensação. Só me lembro que uma hora eu queria ficar com o Jason. E você? Se lembra da sensação?


- De estar apaixonado?


- Sim.


- Não.


- Não?


- Não. Porque nunca me senti assim.


Fiquei olhando para ele. James também se sentara e agora a luz do Sol estava desaparecendo. O meu quarto estava ficando escuro.


- De verdade? Mas você me disse ontem que tinha se apaixonado pela Chantal!


- Ah, eu era criança. Não sabia o que era o amor. Na verdade, ainda não sei como é. Como é estar apaixonado?


- Sei lá, você se sente confortável e bem e mudaria por aquela pessoa.


- Não concordo, acho que não sabemos imediatamente que estávamos apaixonados. Uma hora você está perdida e em outra, de repente, sabe que está completa de um jeito que não era até então.


Pensei na perspectiva dele. Até que é um ponto de vista bastante fofo.


- Você não acredita no amor, não é?


- Acredito, acredito. Mas não o amor abrupto. Acho que o amor verdadeiro está nas entrelinhas, sabe. Você o vai sentindo aos poucos, até que uma hora reconhece o sentimento e tenta lutar por ele.


- É – concordei. As coisas vistas pelos olhos de James parecem muito fofas e fáceis.


Então, deitei mais uma vez. Esse papo foi esquisito, porque meu coração, que estava quieto até então, agora estava se manifestando de um modo alarmante. Eu o ouvia em meus ouvidos. James virou o pescoço e ficou me olhando. Muito. Até a hora que comecei a ficar seriamente confusa e sem graça.


- O que foi? – ergui as sobrancelhas.


- Nada. O quarto está ficando escuro – achei o comentário mais aleatório do mundo. Quero dizer, eu via, ok. Ele não estava observando o meu quarto. Ele estava me observando. Com olhos de alguém que queria dizer algo.


- Hum. Sei – fiz uma careta.


Levantei-me mais uma vez. Estiquei-me vagarosamente, com preguiça. Acho que eu estava ficando sonolenta.


Fui para o pé da cama e fiquei observando o pôster gigante que tenho da Hayley pregado na parede oposta à minha cama. Não a enxergava com muito foco, por causa da pouca luz, mas fiquei tentando imaginar o que farei com o meu talento. Quero dizer, ela fez alguma coisa com o talento dela. Então, isso quer dizer que consigo também fazer algo com o meu. Tudo bem que não sei cantar nem sei ser tão fofa com as pessoas, mas eu escrevo, e segundo o James, esse é um dos meus dons. Talvez o meu dom verdadeiro. Só que não sei o que faço com ele. Não sei se quero aproveitá-lo para passar a minha vida escrevendo livros românticos. Pra falar a verdade, não sei o que se pode fazer com o dom da escrita. Quero dizer, existem tantos e tantos caminhos! Não sei em que sou melhor, porque só fico escrevendo aqui no meu diário sobre a minha vida. Tudo bem que escrevo para o jornal também, mas sério que fazer isso me eleva para algo muito legal? Acho que não. Além do mais, não sei se sou uma boa ou ótima escritora.


Tive a vaga sensação de que James se aproximou de mim. Acho que se sentara ao meu lado. Mas acho que não estava olhando para a Hayley. Acho que estava olhando para mim.


E de repente, muito de repente MESMO, aquilo aconteceu.


Não me lembro o que me fez aproximar de seu rosto tão expressivo e intenso. Só sei que em um momento, minhas mãos acompanhavam o ritmo de That’s What You Get que estava em minha cabeça e meus olhos procuravam os dele, e em outro, nossos narizes estavam tão próximos que dava para sentir o cheiro de seu hálito agradável. Acho que meus lábios se abriram para pronunciar algum tipo de frase babaca, mas ao invés de sair qualquer som por entre eles, tudo o que senti foi pele úmida e macia tocá-los. Esse contato me fez instintivamente fechar os olhos. Opa, o que eu estava fazendo? Que modo estranho de tentar me recompor. Meus pensamentos se afogaram no turbilhão confuso e emaranhado que subiu pelo meu corpo e percebi que tudo sumira. Sumira a minha mágoa para com Taylor, sumira o problema com a guitarra, sumira a minha irritação para com todos, inclusive para com Jason, sumira todos os gritos que D. Julia tem feito ecoar desde que chegou aqui e sumira até mesmo o meu auto-controle. Quando realmente me dei conta, percebi que estava beijando James. Beijando! Aquele gosto de menta invadia a minha boca e tudo o que eu queria era mais. Um sentimento desconhecido tomou conta de meu coração e parecia que o espaço ao redor girava.


Oh, não.


But can you feel this magic in the air? It must have been the way you kissed me.


Por que essa música tinha de vir justo agora na minha cabeça? Nem foi minha culpa! Eu simplesmente estava ali com ele, no meio de toda aquela coisa doce do beijo, e a Taylor apareceu com o seu rosto lindo, cantando-me aos sussurros esses versos de sua canção.


Ok, Lily, concentre-se. Esforce-se. Não cante mentalmente. Ignore. Isso. Mais uma vez. Exatamente. Boa menina.


Ufa.


Minhas mãos desajeitadas foram parar em seu cabelo negro, distraidamente. Aquilo era tão bom. Podia durar para sempre. Senti seus dedos gelados encontrarem a pele de meu pescoço e percebi que fazia tempo que eu não me sentia daquele jeito tão estuporado e alienado. Era tão profundo. Quando minha mente se clareou por completa, não me desvencilhei de seus lábios e mãos. Afastar-me deles parecia muito difícil e completamente insano, como tentar viver sem minhas músicas preferidas. Vagarosa e inexplicavelmente, meus lábios foram parando com os movimentos sintonizados que mantinham com os de James. Com cuidado, deixei meus dedos de sua nuca e o beijo parou totalmente. Não abri os olhos de imediato. Aquela sensação que me atacara representou um elevado nível de êxtase e me perguntei por que ao beijar Jason pela primeira vez minha mente não detectou nem a metade de estupor que meu corpo experimentou nesse momento com James. Esse foi o melhor beijo de toda a minha vida, disso eu tenho absoluta certeza. Sorri pequeno, ainda muito próxima do rosto dele. Minhas idéias em colisão ainda espiralavam lentamente e achei melhor abrir os olhos. A primeira coisa que contemplei foram mais olhos verdes. Mas esses olhos pareciam estar banhados de insegurança e me encaravam com extrema minúcia. Inspirei profundamente, agora, finalmente procurando me recompor. Pendi um pouco a cabeça para o lado esquerdo e abri a boca. Dessa vez, minha voz se pronunciou, ainda que baixa e preguiçosa.


All that I can say is it's getting so much clearer. Nothing made sense until the time I saw your face. Today was a fairytale. Time slows down whenever you're around.


Ah, não, Taylor. Por favor, cale a boca. Só dessa vez. Eu juro.


- O que acabamos de fazer? – foi tudo o que me ouvi falar.


Seus olhos agora, além de estarem inseguros, expressaram preocupação.


- Não faço idéia – James me respondeu, com uma voz rouca.


- Wooo, aposto como a minha avó nos fez tomar algum tipo de droga junto com a limonada – falei, tentando afugentar aquela sensação esquisita de desconforto que brotou em mim.


Ele uniu as sobrancelhas, muito sério.


- Acho que a sua avó não tem a ver com isso – assinalou ele, impaciente.


- Certo. Me Desculpe – pedi, agora com os olhos baixos. Agora existia alguma coisa nos olhos dele que me impedia de encará-los. Algo que me fez sentir culpada e... decepcionada.


- Não sei como isso...


- Tá tudo bem, não se...


- Acho que nós...


- James, olha...


- Isso não faz sentido nenhum, principalmente por que...


- James! – exclamei, agora um pouco mais centrada. Ele se calou. Seus olhos estavam arredios e desesperados – Só aconteceu, certo? Não planejamos ou previmos isso. Não há porque você se sentir estranho, porque nada vai mudar entre nós.


Sério que eu falei isso? Por que nunca tem uma mão gigante perto de mim para me derrubar da cama e me fazer parar de falar?


- Ok. Você tem razão. Não significou nada esse beijo. Nossa amizade não vai se abalar só por uma coisa estúpida que fizemos porque estávamos cansados de ficar em silêncio. Quero dizer, foi só um momento de retardadice da nossa parte. Nunca daríamos certo e até parece que há algum outro tipo de sentimento além da amizade entre nós – ele pareceu encontrar seu eixo.


Eu só fiquei olhando para ele e imaginando o que D. Julia e meu namorado e todo o pessoal da escola diriam se tivessem visto o que fizemos. Pigarreei e senti meu estômago afundar. Sorri sem graça, não tenho a mínina idéia do por quê.


Today was a fairytale.


- É – eu disse com uma dificuldade estúpida.


- Humm... mais guitarra, ou por hoje chega? – ele me perguntou, trazendo de volta sua habitual voz de alguém muito despreocupado.


- Acho que não consigo segurar minha guitarra por mais tempo. Meus dedos estão um tanto adormecidos – falei, olhando para minhas mãos.


- Certo, acho melhor eu ir para casa. Acho que era hoje que minha mãe iria dar um jantar para as mulheres da empresa e disse que queria que eu e Alex comparecêssemos – ele me disse, em um tom indiferente, levantando-se da minha cama.


- Ah, boa sorte, então – desejei, tentando sorrir, mas não foi possível, porque meus lábios pareciam pesados demais.


- Vou precisar – ele riu, agarrando seu violão.


Silêncio, enquanto olhávamos um para o outro.


- Eu levo você até a porta – praticamente corri para o corredor.


- É bom, não posso sair pela janela, não é? – brincou ele.


Estiquei minha boca em uma linha um pouco acentuada, tentando fingir um sorriso sem os dentes.


- Ah, aleluia, esse barulho acabou. Como vocês conseguem ficar tanto tempo fazendo isso? – minha avó nos perguntou da poltrona que dividia com Flame enquanto assistia a “Anjos da Noite”.


- Prática – James respondeu, sorrindo feliz.


- Vocês são esquisitos – ela decretou e tornou a contemplar a tela da TV.


- Talvez sejamos extraterrestres – ele me disse, rindo. Eu somente sorri como antes.


- Certo, tente descansar os dedos por hoje, porque amanhã estarei de novo aqui para incomodarmos a sua avó um pouquinho mais – ele falou já na soleira da porta.


- É, certo – eu disse.


Ele abanou para mim e se virou para a rua. Foi até sua bicicleta e começou a pedalar para longe de minha casa. Não sei por que, mas eu desejava que ele voltasse. Retrocedi em passos pequenos e movimentos atrofiados.


- O que aconteceu, Lily? – ouvi a voz da D. Julia chegar a meus ouvidos, distante.


- O que você quer dizer com isso? – reagi, mas de um modo atrasado.


- Você está com cara de alguém que levou um susto – explicou-me.


- Ah – pisquei – Só estou cansada – resumi.


- Eu realmente não sei por que vocês dois têm de ficar trancados tocando essa porcaria. Vocês poderiam muito bem agir como adolescentes normais e ir ao shopping ou ao cinema – ela rolou os olhos, insatisfeita.


- Eu já lhe disse sobre a apresentação. E o James não é muito de ir a shoppings – falei impaciente. Como ela consegue ser tão chata?


- Vocês são iguaizinhos. É tão... – ela parou, procurando a palavra apropriada. Fiz uma cara feia, para o caso de ela falar alguma coisa que não devia. Tipo, que eu e o James somos fofos o bastante para estarmos juntos - ... Assustador – sua expressão realmente fazia jus à palavra pronunciada.


- Só gostamos de música – eu suspirei, porque sei que D. Julia, nem em um milhão de anos, vai entender o que é apreciar mais as notas musicais do que um vestido xadrez da última coleção da Armani.


- Odeio essa geração de vocês – declarou e, ignorando qualquer comentário que eu quisesse falar, prendeu-se novamente aos vampiros e lobisomens do filme.


Não atirei nenhuma resposta ácida (também porque não estava a fim de discutir) a ela e me encaminhei novamente para meu quarto. O desespero e a ânsia não me largaram ali, até mesmo porque parecia que não tinha como expulsá-los de minha mente, que continuava a girar de um modo irregular e disperso. O que eu tinha, meu Deus? Eu parecia uma retardada, daquelas retardadas-mór do mundo. Daquelas que dizem “porque ela é gaga, você não sabia?”, quando é questionada sobre o significado do nome da Lady Gaga.


Não sei o que me fez discar o número do telefone da Nichole, mas só tive consciência disso quando ouvi cair na caixa de mensagens. Torci para que ela estivesse online no MSN e que não estivesse fazendo um ritual ao Deus da Morte. Ela estava conectada ao MSN, mas não como “online”. Dizia-se “ocupado”, mas sabia que podia falar com ela. Nichole provavelmente estava assistindo a algum filme de terror que envolvesse vampiros ou morte ou então estava cantando junto com a Amy Lee em qualquer DVD do Evanescence


 Lily :) says:
Por favor, me ajude! OOOO:


 Nichole não demorou muito para responder e eu me senti definitivamente aliviada quanto a isso.


 Nick La La La says:
A Amy estava cantando “Whisper” e você acabou com a minha animação. Mas fala, o que aconteceu? A sua avó tentou dar um sumiço aos seus All Stars? O:


 Lily :) says:
Desculpe estar arrancando você do seu mundo Evanescentista. Preciso contar uma coisa a você, mas você tem que jurar pela Amy ou por sei lá quem que não vai contar à Zora, porque ela contaria ao Sirius, que contaria para quem quisesse e não quisesse ouvir.


 Nick La La La says:
Tá bom, não vou contar, eu juro.


 Fico me perguntando o que eu seria sem a Nick. Ela é a pessoa mais guardadora de segredos do mundo, apesar de toda a esquisitice gótica, mas isso, agora, é totalmente insignificante.


 Lily :) says:
Certo: eu beijei o James :x


 Nick La La La says:
O QUÊ? TEM CERTEZA?


 Lily :) says
Não, na verdade eu beijei a monga e achei que fosse o James. CLARO QUE TENHO CERTEZA, NICK!


 Nick La La La says:
Quem é a monga?


 Lily :) says:
¬¬ Esquece a monga e foca em mim!


 Nick La La La:
OK. Mas depois do seu relatório, você me conta quem é a monga?


 Lily :) says:
Conto, Nick, juro que sim. Mas, tipo, o que eu faço agora?


 Nick La La La says:
Como foi a coisa toda e o que aconteceu depois?


 Lily :) says:
Estávamos sentados olhando para a parede e de repente nos beijamos. Foi muito do nada. Depois ele disse que o beijo não significou nada e que nunca daríamos certo como casal, porque nem estamos apaixonados um pelo outro. Daí ele se lembrou que a mãe dele vai dar uma festa e foi embora :S


 Nick La La La says:
E você está tão desesperada só porque ele disse que vocês não dariam certo?


 Lily :) says:
O quê? Não, claro que não é por causa disso. É que geralmente você não sai por aí beijando seus amigos na boca, não é? E por mais que a minha relação com o Jason esteja totalmente abalada, ele continua sendo o meu namorado!


 Nick La La La says:
Mas se ele disse que a amizade de vocês não vai mudar por conta desse beijo, por que você está ligando?


 Lily :) says:
Não estou ligando. Só achei que precisava contar isso a alguém.


 Nick La La La says:
Então tá, já contou. Mas tem certeza de que isso não significou nada para você?


 Nick La La La says:
O quê, o beijo? Claro que não significou nada! Foi só um beijo.


 Nick La La La says:
É que pode não ter significado nada para ele, mas e se, mesmo sem saber, significou algo para você?


 Lily :) says:
Bom, eu SABERIA ou SENTIRIA isso, não é?


 Nick La La La says:
Nem sempre. Existem sentimentos que entendemos muito depois de senti-los.


 Lily :) says:
Nichole, o que você quer dizer? Que eu estou apaixonada por ele?


 Nick La La La says:
Bem, o que impediria você disso?


 Lily :) says:
Hum... deixa eu pensar... A) eu tenho namorado e B) ele é só meu amigo! Não estou apaixonada por ele! Você está imaginando coisas, exatamente como a doida da minha avó. Tem certeza de que está sóbria? De que não fumou alguma ervinha só para entrar no clima gótico da coisa?


 Nick La La La says:
Bem, é você quem sabe. E eu posso ser gótica, mas não sou drogada, beleza?


 Lily :) says:
Ok, desculpe. Mas e agora? Como ficam as coisas?


 Nick La La La says:
Como sempre, oras. Se esse beijo não significou nada para ambos, vocês irão relevar a situação e continuar como sempre. Por que está perguntando isso para mim, se você já disse que não está a fim dele?


 Lily :) says:
Só é estranho. Ah, e monga é uma mulher-macaco. Aquelas mulheres que não se depilam ;)


 Nick La La La says:
Eca, que nojo. Hum, posso voltar para a TV?


 Lily :) says:
Pode, sim. Obrigada por me ajudar ;)


 Nick La La La says:
De nada :D


 Nick La La La parece estar offline.


 Acho que a música lírica da Amy Lee fundiu o cérebro da Nichole e ela está imaginando sentimentos onde não existem. Quero dizer, o que foi aquilo? Se eu estou apaixonada pelo James como não saberia? Porque geralmente, quando uma pessoa fica apaixonada, ela SABE que está apaixonada.


Eu estou apaixonada pelo James?


Não, não estou. Claro que não. Claro que não. Claro que não.


Estou?


You lift my feet off the ground


you spin me around


you make me crazier, crazier


Feels like I'm falling and I,


I'm lost in your eyes


you make me crazier, crazier, crazier


Certo, agora me internem, por favor. E em algum quarto separado de minha avó, se não é pedir muito.



***************************

N/A: Oi, amores! Acho que a FEB está tendo algum conflito com esse cap, porque essa é a terceira vez que o posto! Obrigada LuuhBlack por me avisar. Mas o negócio é que antes, quando eu o conferia e tudo, ele estava inteiro e direitinho. Não sei o que acontece, que depois de um tempo some metade dele! Bem, estou postando-o novamente, para aqueles que não conseguiram vê-lo. E desculpem pelo transtorno, porque sei o quanto isso é desesperador! Agora, tá aí Luh! (: Espero que goste dele! Beijinhos! 

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