Capítulo 7



1/ FEVEREIRO – 07:45h – SÁBADO – CASA
Praticamente acabei de acordar. Estou com a minha melhor cara de zumbi. Tinha me esquecido de que o trem sai às 09h. Na verdade, o James fez o favor de me ligar, e conseqüentemente, pulei da cama, extremamente assustada, achando que já eram, tipo, 08:45h. Ontem à noite, esqueci-me de programar o despertador do meu celular.


Agora, estou aqui na sala, comendo meu cereal com leite, assistindo a MTV e ganhando patadinhas do Flame, porque ele quer o leite da minha tigela. Minha avó acha que está fazendo o maior favor para mim catando suas maquiagens superimportantes, mas na verdade, foi só uma desculpa para conseguir assistir o clipe inteiro do Muse (Resistance). Ainda assim, pensando bem, é melhor que as maquiagens funcionem para esconderem essa minha cara de vivo-morta.


 1/FEVEREIRO – 08:06h – SÁBADO – CASA
Parece que as maquiagens surtiram algum efeito positivo em meu rosto, porque ao me olhar no espelho, estou começando a achar que estou extremamente saudável, e nem parece que estou morrendo de sono. Se enganar o James, já ficarei muito agradecida.


D. Julia não pára de me olhar acidamente. Na verdade, não pára de olhar assim para a minha calça vermelha. Ela diz que parece que vou a algum rodeio com touros. Eu só digo: “Aham, D. Julia, por que você não vai fazer um chazinho?”, mas daí ela me responde que é para eu fazer o chazinho e claro que não farei. Ainda bem que meu avô ainda está dormindo, porque se estivesse aqui, totalmente seria ele que D. Julia mandaria preparar o maldito chá. Até agora me pergunto como é que minha avó não o obrigou a se levantar com ela.


- A que horas ele disse que passaria daqui? – minha avó me perguntou.


Eu estava olhando a Gwen Stefani em uma entrevista no VH1, de modo que D. Julia teve de berrar meu nome para eu formular e me lembrar da resposta para a sua pergunta.


- Oito e pouco – minha voz estava rouca e não despreguei os olhos da TV.


- Ah, então ainda é cedo – ela comentou, olhando para o relógio ali perto.


Caramba, se fosse o Jason no lugar do James, aposto que ela começaria a falar um monte. Diria que ele é um imprestável e que nunca consegue chegar no horário marcado. Ou que deixar uma menina esperando é o fim do mundo. No momento, eu não me importei tanto com isso, mas, talvez, somente porque o sono ainda andava me envolvendo. E a voz da Gwen sempre me deixa um pouco absorta demais. Não é o meu tipo de voz preferida, mas nas canções não a acho tão insuportável. É como tentar gostar da voz da Avril Lavigne. Adoro as músicas, mas totalmente acho o saco ouvir a vozinha de menininha dela. Mas claro que a Gwen é mais velha do que a Avril. Bom, o que as duas têm a ver com o meu começo de manhã? Ah, nada. 


- Tanto faz. Já já ele está aí – falei monotonamente.


 1/FEVEREIRO – 15:17h – SÁBADO – BEADLOW MANOR HOTEL & GOLF CLUB
James chegou um pouco depois das 08:20h. A Sra Potter estava com ele, pois era quem estava dirigindo. Quando os vi, pensei que Alex também deveria estar no carro, mas não estava.


- Oi. Pronta? – James estava sorrindo, todo animado, batendo a porta do carro.


- Sim, apesar do sono – eu ri, fazendo uma careta muito retarda. Ainda bem que a minha mala é de rodinhas, porque posso deslizá-la pelo chão, ao invés de carregá-la nos braços. Talvez isso facilite a minha vida. Pelo menos por esse fim de semana.


- Olá, querida. Você é a Lily, não é? – a mãe do James saiu do carro e me cumprimentou muito simpática com um beijo estalado no rosto. Ela se parece muito com a Alex. Exceto pela cor dos cabelos um pouco caramelados – Você é muito bonitinha – ela me disse. Eu corei e sorri sem graça. James parecia querer vomitar o pulmão de tanto que ria.


- Obrigada – agradeci, olhando para James de um jeito perigoso. Nisso, minha avó e minha mãe saíram pela porta – Hum, essa é minha mãe, Kristen – e com irritação, acrescentei: - E essa, minha avó.


- Bom-dia, Kristen. Péssimo horário para se levantar, não é? – a mãe de James repetiu o mesmo gesto com mamãe. Beijou-a na bochecha. Minha avó apreciou o ato. É o tipo de coisa que ela faz quando encontra suas amigas velhas de andador por aí. Quero dizer, quando estamos em Londres – Olá, senhora. Tudo bem? – eu e James rimos pelo fato de a Sra. Potter falar quase gritando com D. Julia. Minha avó não é surda, só se faz de surda.


- Tudo bem, sim. Hum, minha audição está ótima, obrigada – D. Julia sorriu e falou baixinho consigo mesma: - Pelo menos estava ótima.


- Ah, que bom. Adorei conhecê-las. Sua família é muito simpática, Lily – a Sra. Potter me disse, agora tentando achar lugar no porta-malas para a minha bagagem.


- Obrigada – falei, mas por dentro eu estava tipo “Ah, só porque você não tem de conviver com a minha avó capeta”.


Ela fechou o porta-malas e nos olhos.


- Bem, acho melhor se despedir, bonitinha. O trem sai às 09h – ela me piscou de um jeito que juro que fiquei com medo.


- Certo – me virei para minha mãe e acenei – Tchau, mãe, quando chegarmos, eu ligo – e então olhei para uma D. Julia muito feliz e disse: - Tchau, D. Julia.


- Façam boa viagem e não se esqueça de me ligar – mamãe me falou e seus olhos procuraram o James: - James, a faça lembrar-se da ligação – ela lhe disse sorrindo e rindo.


- Sem problemas, Kristen – ele bateu continência, igualmente rindo e me olhando.


Eu e ele entramos no banco de trás do carro. Minha mãe e minha avó acenaram mais uma vez, enquanto a Sra. Potter colocava o cinto. Todos nós retribuímos o gesto, antes de darmos partida.


*


- Bom-dia, aceitam alguma bebida e aperitivo? – uma moça loira, bonita, com um terninho justo, azul celeste, parou entre as portas de nossa cabine.


O trem já maquinava a um bom tempo. O céu mudava de acordo com que as horas passavam. Nessa hora, havia algumas nuvens branquinhas que se dispersavam no meio do imenso azul claro. O dia estava muito bonito e agradável para uma viagem.


- Vou querer uma coca-cola e uma dessas cestas cheia de biscoitos de chocolate – James lhe disse, simpático, apontando para as cestinhas decoradas com cookies dentro. Virou-se para mim: - Vai querer o quê?


- Hum, um suco de caixinha de laranja e outra cestinha de biscoitos – sorri para a moça.


A loira tirou nossos pedidos do carrinho metálico e nos entregou.


- Prontinho. Aproveitem o restante da viagem – ela nos falou e seguiu para a próxima porta de correr.


- Estão bons esses biscoitos? – perguntei, assim que James mordeu um deles.


- Até agora, sim – ele enfiou o resto do cookie na boca, fazendo um sinal de positivo com o polegar direito.


Comecei a mordiscar um dos doces.


- Ei, tive uma idéia. Já jogamos truco, uno e dorminhoco. Que tal agora jogarmos algo que não tenha a ver com cartas? – James me perguntou, quando o silêncio já não parecia tão incômodo assim. Na verdade, nossos silêncios nunca me incomodam.


Acabei com o suco de laranja da minha caixinha, limpei a boca e perguntei:


- Tipo o quê? – porque eu não tinha a mínima idéia de que outro jogo poderíamos começar.


- Verdade ou mentira? – James arriscou, com as sobrancelhas erguidas. 


Eu ri. Nunca entrei nessas brincadeiras de “Verdade ou Mentira” ou então “Verdade ou Conseqüência”. É tão criança. E também a Taylor nunca apreciou, de modo que nunca “me deixou” jogar. Ainda assim, que mal faria? Tipo, é só o James.


- Nossa, vocês jogam isso? – ri novamente.


- Coisa da Alex – ele deu de ombros.


Parece mesmo ser coisa da Alex. Hahaha.


- Ok, vamos jogar. Eu acho – falei dispersiva.


- Certo, comece – ele me disse.


Me achei a maior estúpida. Que coisa mais esquisita, sabe. Eu nem queria começar nada, mas tudo bem. É só uma pergunta. Nada tão ruim. Exceto se ele me perguntasse algo que eu não quisesse responder. Daí é totalmente diferente. Mas deixa pra lá.


- Podíamos simplesmente conversar. Daria na mesma – falei. Ah, droga. Como eu sou chata, talvez esteja pegando a doença da minha avó.


- Ok, então vamos conversar. Por que você não pode cantar na nossa apresentação?


Aaah, estava demorando. Por que ele não consegue ser legal comigo? Quero dizer, é claro que o James já é megalegal comigo (principalmente se eu incluir o lance de toda a ajuda com a guitarra), mas ele sempre consegue me irritar, também. De verdade, não do tipo que me faz esquecer as suas insistências no minuto seguinte, porque eu passei de quinta até agora pensando sobre essa proposta absurda do Sr. Martin. Quero dizer, COMO é que ele me pede uma coisa dessas? Imagine, eu cantando.


- James! Como você é insistente! – exclamei.


- Oras, quando se convive com o Sirius, você começa a adquirir algumas virtudes.


- Ah, sim, virtudes.


- Claro que depende do ponto de vista.


- Eu não vou cantar, certo? Não é porque eu sou a maior fresca ou sei lá, é porque a minha avó cantando aquelas músicas de igreja dela canta melhor do que eu, e olha que ela é muito muito ruim – falei, lembrando-me das vezes que ela me obrigava a ir nas missas aos fins de semana quando eu era criança.


- Não se subestime, Lily. Quem sabe você só precisa de duas ou três aulas de canto.


- James, você nunca me ouviu cantar!


- Claro que sim. Eu me lembro de você lá em cima do palco do auditório da escola há dois anos.


- Aah, beleza. Então você se lembra que eu era muit...


- Não estava ruim. Claro que a Sra. Jenkins não colocaria ninguém que fosse capaz de destruir a apresentação.


- Odeio você – falei.


Ele me olhou de um jeito que me fez sorrir sem propósito.


- Certo, vamos fazer um trato – ele me propôs. Franzi a testa, desconfiada. O que ele queria agora?


- Que tipo de trato?


- Eu prometo que não vai se arrepender de fazer o que quero que faça e não vou deixar você na mão.


- Sério? Só isso? – eu ri, ainda com a minha expressão retraída.


- Bem, acho que, na verdade, é muita coisa.


- E em troca tenho de cantar? Mas que tipo de confirmação tenho de você que nada vai dar errado?


- A minha palavra, oras!


- Ah, é. Palavras valem muito – zombei.


- A minha vale. E você acredita que o Jason te ama. Então, palavras valem algo a você.


- Mas ele é o meu namorado e nunca me pediu a ir à frente da escola toda cantar – analisei.  


- Mais um motivo para você confiar em mim.


- O quê? – ok, isso não fazia sentido algum. Ele não respondeu.


- Você vai ou não cantar? – ele me perguntou, enquanto eu o olhava tipo “você é maluco!”.


- Só se você me der uma camiseta escrita “Eu tenho um amigo idiota” com uma seta apontando para você – falei.


Ele começou a rir muito. Então eu ri também.


- Pode ser – ele concordou.


Fizemos um “bate aí” com as palmas das mãos, para selar o nosso trato.


Sério, se eu tivesse conhecido o James antes teria uma vida muito mais colorida e animada.


*


Perto das 14h o trem estacionou na plataforma. Eu e James estávamos deitados cada um em um sofazinho ouvindo Paramore no último volume. Não sei por que, mas eu ria toda hora e ele nunca ouvia uma música inteira. 


- Acha que os táxis ficam por aqui? – perguntei, quando já estávamos fora da estação.


- É ali na frente. Está vendo? – ele apontou para a próxima esquina.


- Ah, é verdade.


O Beadlow Manor Hotel & Golf Club era um tanto longe e demorou praticamente 45 minutos para atravessarmos cidade. Claro que era tudo por causa do show. Eu acho.


Alguns adultos que estavam no saguão do hotel nos olharam debochados ou com um absoluto nojo, mas eu simplesmente sorri como a Taylor me ensinou certa vez.


- Boa tarde, em que posso ajudá-los? – o atendente do balcão nos perguntou, assim que nós paramos em frente dele.


- Minha mãe fez duas reservas antes de ontem aqui. O nome dela é Missy Potter – o James lhe disse.


- Ok, você deve ser o Sr. James Potter, certo? – o homem verificou, olhando para a tela do computador freneticamente.


- Isso mesmo, e essa é Lily Evans. Não sei se as reservas estão em nosso nome ou em nome da minha mãe.


- Estão no seu – o outro respondeu entediado, e caçando algo atrás dele, nas portinhas com números, complementou:- Aqui está a chave da suíte. Façam bom proveito do hotel. Qualquer reclamação...


- Espere aí. Só tem uma chave. Cadê a minha? – atropelei-o, olhando para a chave. 


- Desculpe? A sua? Só há reversa para uma chave, Senhorita – o balconista me disse como se eu tivesse lepra ou sei lá.


- O quê? Não. Minha mãe deve ter reservado dois quartos – James protestou.


- Não, senhor. Somente um – o outro lhe falou.


Olhei para James.


- Então... vamos ter de dividir o quarto? – indaguei.


- Houve uma superlotação de hóspedes nesse fim de semana. Não havia dois quartos, então, conseguimos uma suíte.


- Suíte? Com uma cama só? – ah, como eu queria arremessar a minha bolsa de rodinhas bem no nariz macilento desse cara!


- Claro. Suíte é para casais. Mas não sabíamos que os hóspedes eram duas crianças – ele me devolveu. Acho que ele estava tirando com a minha cara.


Eu juro que ia abrir a boca para retrucar uma coisa muito feia, mas James colocou a mão em meu ombro.


- Ei, calma. Não vai ser o fim do mundo. Podemos comprar um colchão de solteiro e eu durmo nele – James me disse.


- O quê? É claro que não! Que injustiça com você! – me rebelei.


- Hum, os senhores irão ficar com o quarto ou preferem buscar compreensão em outro hotel? – o balconista perguntou.


- Ficamos com o quarto – falei com muita raiva.


- Ótimo, façam uma boa estadia – ele nos desejou e eu e James saímos da fila.


- Que porcaria é essa? Essa gente está brincando conosco ou o quê? – reagi, enquanto esperávamos o elevador.


- Deve ser mesmo verdade. A cidade está superlotada – James me respondeu.


- Que saco – falei mais comigo do que com ele.


O quarto era praticamente o triplo da nossa sala. Tudo era muito claro e de bom gosto. Acho que D. Julia adoraria se hospedar aqui. O local amplo assemelhava-se a qualquer quarto de realeza que já colocaram em cena em algum filme. Sem contar que o ambiente era muito intimista para casais em lua de mel. A primeira coisa que James fez ao analisar a cama foi rir. As pétalas de rosa sobre o lençol, provavelmente de cetim ou seda, realmente eram muito peculiares e desencaixadas. Eu quis morrer ao olhar para James. Mas o que podíamos fazer?


- Olha, tem um sofá gigante, eu posso ficar nele – James foi para perto do estofado com cara de quem achava que aquilo era o suficiente.


Mas claro que não era o suficiente para mim. Pobre James. O sofá? Como se ele fosse um grande Buldogue mal-criado? Não mesmo. Sem contar que é ele que me está proporcionando esse fim de semana incomum. Como posso fazê-lo dormir em um sofá? Eu não sou a minha avó!


- Não fala bobagem – rebati, não aceitando a idéia nem por um segundo – Não tem nada de errado dividir a cama. Só a minha avó não sabe que tudo vai ficar ótimo. Juro que não vou encostar em você nem babar no seu travesseiro.


- Ah é, tenho muito medo de você. Principalmente da sua baba descontrolada – ele me falou, rindo abertamente.


Corei. A minha baba noturna é realmente muito descontrolada.


Ah, que ótimo. Estou esperando quicando e sorrindo a noite acabar. Estou tão animada em dividir a minha baba com James que quero me atirar pela janela. Será que se o fizer, eu morro?


 1/FEVEREIRO – 17:09h – SÁBADO – BEADLOW MANOR HOTEL & GOLF CLUB
- Ei, podemos fazer uma coisa para passar o tempo. Quero dizer, se tudo bem para você – James me falou, desgrudando os olhos atentos do jogo da TV. O canal fechado tem muitas alternativas de diversão.


Eram quase 16h e estávamos quase mais entediados do que o Jason em uma festa de família.


- Qualquer coisa, sério – me rendi, esperando qualquer proposta.


- Quero visitar uma amiga; ela não mora longe. Quer ir comigo? – ele desligou a TV e recolheu o seu celular de cima de criado-mudo de marfim.


- Claro. Ela gosta do Oasis?


- Sim, Jen adora qualquer banda que produza um som que a faça balançar a cabeça – ele me respondeu, sorrindo feliz.


- Legal – comentei.


Saímos para o Lobby do Hotel e entramos em um táxi.


Em poucos minutos estávamos em frente a uma casinha um tanto precária cercada de grama e muitas flores. Parecia que os jardins eram a alma viva da morada em relação ao coração ali no centro. A madeira rústica e envelhecida estava com uns buracos e despedaçava. O lugar cheirava a orvalho amanhecido e a um depósito esquecido. Cheguei mais perto de James. O lugar era muito frio também.


- Ela mora aqui? – perguntei duvidosa, observando a pequena floresta rala. Tudo estava aquietado por ali. Nenhum animal, nenhum silvo, nenhum grunhido.


- Sim – ele me olhou e seus passos ficaram mais rápidos – Bom, mais ou menos. Na verdade, a casa é do Tom. Eles moram meio que juntos, apesar de não terem nada a sério.


- Ah, então eles são somente amigos?


- Humm, também não – ele esperou um pouco para responder, como se não fosse necessário eu saber sobre isso.


- Então...?


- Esqueça. Jen é um pouco complicada de se entender – James se cansou do assunto e sua voz se tingiu de um tom entediado.


- OK – desisti.


Quando pisamos na escadinha de três degraus e a madeira rangeu, ouvimos um latido que veio do interior da casa. Logo garras pareciam arranhar a porta.


- Não, Lena! O que foi, garota? – uma voz de garota foi ecoada – Não, Jake, fique sentadinho. Vou ver quem é. Imagine se é o homem do saco e veio pegar você?


- Você é má, Jenny! – um garotinho berrou.


- Ah. Meu. Deus – Jennifer disse do outro lado.


- É o homem do saco? – Jake perguntou com uma voz sinuosa.


- Não, Jakezinho. É... um outro cara.


E então uma garota um pouco mais alta que eu, de cabelos castanhos claros, trajando calça jeans escura, camiseta do Chuck Berry, descalça e um tanto descabelada surgiu na nossa frente. Um Border Collie saiu e ficou pulando em James. O cão parecia muito feliz. Como se estivesse com saudades.


- Lena. Pare de ser oferecida – Jennifer riu, puxando o animal – Jaaames. Não acredito que é você, cara – ela disse e no segundo seguinte estava pendurada em seu pescoço. James é muito alto, realmente.


- Hum, vou ficar bem se você não me estrangular – James falou, rindo e passando as mãos pelo cabelo da garota de um jeito muito estranho.


- Ai, seu bobo – ela se fingiu de ofendida, desgarrando-se dele e virando para mim.


- Essa é a Lily. É uma amiga lá de Bedford – James lhe informou.


Jennifer me olhou de um jeito que gostei. Ela não me olhou de cima a baixo e fez uma cara de nojo. Somente olhou para a minha camiseta e sorriu.


- Oi, Lily. Eu também adoro o Oasis – Jen disse, fazendo um “High Five” comigo. Fiquei estupidamente surpresa.


- Viemos para o show – devolvi o sorriso.


- Aaah, eu me odeio por isso. Não vou poder ir – ela falou e olhou para dentro da casa, para o garotinho que estava sentado de frente à TV e cantava qualquer musiquinha besta para crianças – Venham, entrem.


Sinceramente, acho que tinha algo estranho nessa menina. Ela estava feliz demais e parecia um pouco sonolenta.


- Ei, Jake, esse é um amigo – Jennifer disse ao menino loirinho e fofo.


- Ah. Você é má. Ele nem se parece com o homem do saco. E a amiga dele nem parece com a ajudante – Jake lhe falou, mostrando-lhe a língua.


- Tá bem, tá bem. Porque você não vai lá para meu quarto brincar com a Lena para ela nos deixar em paz? – a menina se aproximou do loirinho e tirou o controle da TV de suas mãos.


- Por que você odeia a Lena? – ele lhe perguntou.


- Não a odeio, pequeno Jake. Agora vá – ela apontou os dedos para o final do corredor.


Pequeno Jake a obedeceu, arrastando a Border Collie, que totalmente ia a contragosto. Jennifer desligou a TV e sentou no sofazinho surrado.


- Querem alguma coisa para beber? – ela nos perguntou.


- Não, está tudo bem, Jen – James falou, sentando-se ao seu lado – Então, como estão as coisas?


- Na mesma porcaria – ela falou, mas não disse “porcaria” – Trabalho e de vez em quando apareço lá em casa. Quero dizer, na casa dos meus pais.


Sentei-me na poltrona. Acho que havia uma história conturbada por ali. Jennifer tinha um aspecto sofrido e abatido, apesar de toda a energia.


- Eles não a querem mais por lá, realmente? – James quis saber.


- Não sei se é bem assim. É só que... eles não conseguem mais ficar comigo.


- Bem, você tem o Tom. E a todo mundo. Você ainda nos tem.


- É. Isso é bom e reconfortante – então Jen sorriu para James e lhe lançou um olhar apagado: - Você deveria vir me visitar com mais freqüência. O verão já vai chegar. Podíamos ir ao lago todos os dias.


A saudade era claramente derramada por suas palavras. Ela parece ser o tipo de menina solitária que se contenta com um pouquinho de felicidade. Daquelas meninas que se alegram com as pequenas coisas.


- Não posso lhe prometer nada. Sabe que não. Mas é por isso que estou aqui. Quis falar um oi.


- Sinto falta de você, cara. A vida está tão vazia. E o Golly também já foi embora, então não me restam muitas opções.


Ai, coitadinha. Eu quis abraçá-la. Ela parecia tão desesperançosa. Espere, Lily. Você mal a conhece. E se ela for do tipo que anda de saiazinha por aí e acena para qualquer cara? Você nem sabe. Mas a julgar pela camiseta acho que não.


- Ai, Jennifer como você reclama de tudo – James riu e bagunçou mais ainda seus cabelos.


- Não me culpe. A minha vida pede para eu ser assim – Jennifer balançou os ombros.


- Eu ainda vou fazer você morar comigo e com o Sirius lá em Bedford – ele falou com um quê de orgulho e promessa.


- Vocês me tirariam do inferno – ela suspirou e então me olhou: - Ei, Lily, quer um cookie?


- Jennifer – James assinalou, com uma voz suplicante.


- Ai, credo, eu não ofereceria pó para a garota, James! – a garota riu de modo impiedoso e complementou: - Ela deve ser como você – seu tom estava provocativo e desdenhoso, agora.


Ele a olhou um tanto raivoso e decepcionado. Humm, dá licença, mas o que está acontecendo?


- O que você quer dizer com isso? – eu perguntei para Jennifer com a testa enrugada.


Ela me olhou e olhou James e então riu.


- Nada. Só que... todos vocês são iguais. Exceto o Sirius, talvez.


- Iguais como? – ergui as sobrancelhas.


- Tipo...


Mas James a interrompeu:


- Como vai a escola?


Isso lhe pareceu ainda mais engraçado, porque ela rolou os olhos castanhos e disse um palavrão que minha avó teria arrancado a minha língua se eu o proferisse.


- Não existe mais o termo “escola” no meu dicionário. Além do mais, fui expulsa por explodir o banheiro feminino e por colocar anfetamina no ponche do último baile – ela respondeu.


- Ah, Jennifer – a voz de James estava muito desgostosa.


- E daí? Grande porcaria – novamente não foi “porcaria” que Jennifer disse – Mas se vocês vieram me chamar para qualquer tipo de coisa de ajuda, esqueçam. Não vou a lugar algum. Não posso nem ao menos ir ao show hoje à noite. Tenho que ficar cuidado do Jacob até segunda, porque os avós dele foram para Londres.


- É uma pena, realmente. Em todo caso, já vamos embora amanhã – James falou.


- É, mais uma vez você irá me deixar. Já estou acostumada com isso – Jennifer ficou irritadiça e foi para a cozinha.


- Qual é o lance com ela? Ela é como um dos personagens de Skins? – aproveitei que a garota tinha se afastado de nós e perguntei baixinho para James.


- O que é Skins?


- Uma série. Todo mundo é fumado e errado lá – expliquei.


- Não, Jen é umas das minhas melhores amigas. Ela não é errada, só tem problemas e se mete em confusões demais – acho que ele se ofendeu.


- Sei. Ela me parece bastante... – eu tentei achar a palavra certa, mas Jennifer voltou para o sofá com uma garrafa com um líquido escuro dentro.


- Eu perdi os meus cigarros – ela comentou com cara de alguém muito chateado.


- Isso é ótimo – James disse.


- Não, é péssimo. Eu fico muito ansiosa e complexada sem nicotina.


James não disse nada. Jennifer começou a chacoalhar a garrafa de um modo lento para ver o líquido se balançar, de um modo muito alienado.


- Hum, então, Jacob é seu primo ou algo assim? – achei melhor quebrar o silêncio.


Jen pulou os olhos de sua diversão para mim no mesmo segundo.


- Hã, não. Sou babá dele. Tenho de levá-lo para a aula, para o futebol, para a natação e para casa, no final de tudo. E quando os avós dele têm algo para fazer, fico com ele, como esse fim de semana. Jake é bem bonzinho, apesar de ser medroso ao cubo. Tem medo até do Barney – ela riu.


- Ah. Legal – eu não sabia que palavra lhe dizer direito. Jennifer é tão errada e ainda sim tem a confiança de um casal de velhinhos para cuidar de seu neto? Nossa. É realmente um mundo totalmente paralelo ao meu.


- É. Ele adora a Disney – Jennifer comentou.


- Jeeeenny, posso sair do quarto agora? Acho que a Lena não está muito bem comigo. Ela está ficando um pouco demoníaca aqui – ouvimos uma vozinha fina de criança gritar, lá do fim da casa.


Jennifer riu, largou a garrafa no sofá e foi até o quarto. Abriu a porta e deixou a cadela sair.


- Ei, Jake, quer jogar futebol? – ela lhe perguntou.


- Não! Você nunca joga comigo! – ele lhe retrucou.


- Hoje eu vou jogar, eu prometo. Então, vá indo lá para fora e ache a nossa bola. Em um minuto começará o seu massacre – Jen disse com a voz alegre.


- Ah, Jenny, você é tão legal! – o garotinho abraçou as pernas da garota e saiu correndo para o jardim, juntamente com a cachorra.


- Ele vive dizendo que quer ser meu namorado quando crescer – ela nos disse, rindo.


Eu e James também rimos.


- Ei, agora eu tenho que trabalhar – ela informou, com uma expressão séria, mais ainda debilitada.


- Você vai jogar futebol com ele? – eu fiz uma cara surpresa.


- Se ele fosse uma menina, teria de brincar de boneca e de chazinho – Jennifer fez um gesto com as mãos de descaso.


- É mesmo – falei.


James se levantou do sofá e nós três fomos lá para fora. Jake não estava à vista, mas os latidos ecoados ali perto eram um sinal de que ele não fugira.


- Falamo-nos por telefone? – James quis saber.


- Claro. Agora tenho um celular só para mim, que mágico – ela deu uns pulinhos.


- Vai facilitar a nossa relação – James lhe piscou de modo protetor.


Não sei por que, mas sempre que alguém diz “relação” para mim, acho que essa “relação” é muito mais profunda do que somente uma amizade ou algo assim. Sempre acho que rola beijos ou sexo. Mas sei lá.


- Tomara que sim – Jennifer o abraçou pela cintura e ele retribuiu o gesto.


Desviei os olhos. É tão estranho assistir uma menina totalmente enfraquecida e desconhecida agarrar um dos seus amigos. Senti-me um pouco invadida.


James registrou o número do celular de Jennifer na sua agenda do mesmo aparelho e ela o abraçou novamente. Não faço idéia do por que, mas quis dizer: “Bom, é melhor irmos, não é?”.


- Se cuida, Jen – James acenou.


- Tchau, hum, fique bem – falei, totalmente estúpida.


- Ficarei, obrigada – ela nos sorriu e então saiu correndo para sei lá onde para jogar, provavelmente, futebol com Jacob.


Olhei para James com uma cara divertida, como se fosse rir, mas ele somente se limitou a continuar a observar a clareira por onde Jennifer desaparecera.


Alguns minutos depois, estávamos retrocedendo e pisando no caminho ralo de pedra. James estava muito calado, coisa que agora que o conheço é totalmente anormal. Ele não pára de falar e fala só por falar. Era a conseqüência de Jennifer.


E Jennifer não é somente aquela que pode conseguir o que quiser, como também derrubar os que estão à sua volta. 


Odiei-me por ser tão pré-conceituosa.


- Por que você não me contou que tem uma amiga drogada? – finalmente deixei escapar, porque minha idéia inicial era não tocar no assunto.


- Não achei que você fosse gostar de conversar sobre isso considerando que... – ele começou a dizer com voz de quem se desculpa, mas eu o interrompi descrente:


- Por que você ainda mantém contato com ela? Quero dizer, vocês serem amigos é insano. É a mesma coisa que a Taylor Swift ser amiga da Amy Winehouse – falei, mostrando que meu exemplo não era somente um mero exemplo. Era praticamente a realidade. Isso se James fosse menina e fosse loira.


- Ah é? – ele se virou para mim, com um olhar de aço - Bem, acho que a Taylor Swift não liga para o que a Amy Winehouse faz ou deixa de fazer. Mas e o que dizer da sua amizade com a Taylor do colégio? – ele me desafiou.


- Bem, é completamente diferente... – respondi, achando que pudesse vencer algo com essa frase.


- Diferente? Você sabe qual é o significado dessa palavra ao menos? – ele riu de um modo que eu não gostei.


- Claro que sei – retruquei.


- Então, ou você acha que pode me enrolar ou não sabe o que está dizendo – James falou.


- O que quer dizer com isso?


- Bem, não se abandona os amigos na hora que eles mais precisam de apoio, não é? – agora sua voz estava sentida.


- Isso é uma indireta? – eu quis saber, com a testa franzida.


- Depende da forma como você vê esta indireta e a forma como ela a afeta – respondeu-me simplesmente.


O quê? Que tipo de conselho era esse? Quero dizer, se era mesmo um conselho, porque na verdade acho que era mais uma repreensão. Mas eu entendi. Entendi totalmente a indireta dele. E, se quer saber, era o tipo de indireta que eu precisava há muito tempo. Porque, vamos analisar a situação dele: James tem essa amiga toda drogada (que consegue ser pior do que a Taylor, porque parece que a Jen é drogada o tempo inteiro, não somente entre o primeiro e segundo período de aula, ou depois de algumas festas), mas não cogitou largá-la por meio de uma denúncia de um jornal. James simplesmente não se importa se Jennifer é drogada, porque é amiga dele, acima de tudo, e ele sabe que ela precisa de ajuda, apesar de talvez tentar ajudá-la e ela recusar. Agora vamos analisar a minha situação: eu me afastei da Taylor porque ela é drogada e talvez não queira me relacionar com pessoas assim. Ainda que, claro, esse buraco entre nós foi concedido por ela, uma vez que foi a Taylor que se indignou comigo e me tirou de sua vida perfeita e drogada.


Uau. Eu sou a pior amiga do mundo. Eu totalmente devia ter feito o que James faz. Ele não releva as atitudes de Jennifer, mas tão pouco aprova. Ainda que não consiga um resultado positivo nela, de certo modo, aos poucos, tenta recompô-la (como nessa visita rápida).


- Olha, Jen é uma das pessoas mais legais que já conheci. Não posso simplesmente não me importar com ela. Não sou nada além de um amigo para ela, portanto não acho que tenho o controle suficiente para fazê-la largar seu escape. Ela tem muitos problemas familiares e pessoais. Vive enrascada com todo mundo e acaba achando que seu único momento de felicidade é um pouco de drogas – James me explicou com uma voz agora mais forte, como se quisesse que eu prestasse muita atenção.


- A Taylor tem a vida perfeita e acha que não, e faz isso também. Não acho que exista tanta diferença entre as duas – assinalei.


- Cada um tem direito às próprias escolhas. Tanto elas quanto nós – ele me disse, dando de ombros.


É verdade. A Taylor escolheu as drogas e me expeliu de seu círculo de amizades. E eu escolhi me ausentar da minha antiga vida e procurar um novo começo.


E o novo começo está surtindo efeitos que nunca cogitei querer vivenciar.


 2/FEVEREIRO – 01:13h – DOMINGO - BEADLOW MANOR HOTEL & GOLF CLUB
Alguém já viveu um dos minutos mais felizes da vida e, no dia seguinte, totalmente não se lembrava do ocorrido? Alguém já sofreu um apagão mental pela euforia? Cara, não dá uma frustração?


Assim que saímos do show, já não sabia o que tinha sido real. Já não sabia o que realmente ouvira ou sentira. De fato não me lembro nem da metade daquelas quase duas horas de pura agitação. O que sei é que o Oasis entrou tocando "Rock Roll Star". Um tempo depois me lembro de escutar todas aquelas pessoas entoando o refrão de “Lyla”. O setlist se encerrou com “Wonderwall”, a música mais clássica de todas deles, certamente. Ah, e juro que me esqueci da letra de “Supersonic”. Foi um desastre. Ainda assim, foram as duas horas mais felizes das últimas semanas. Nada como um show para refrescar a mente e deixar fluir tudo de ruim. Mas ainda será um mistério descobrir porque os irmãos Gallagher são tão estranhos. Quero dizer, tanto faz. Música é música. Música não tem cara nem cheiro nem roupas. Isso é puro markenting. Tanto é que, se as músicas de todas essas pessoas lindas e que nos fazem querer ser iguais a elas fossem tão boas quanto os artistas, o mundo estaria salvo de bandas como My Chemical Romance (desculpe, pessoal. Nada contra eles, mas é o tipo de coisa que a Taylor diria. Aliás, adoro as músicas “Helena” e “I Don’t Love You”).


Mas, enfim. Deixemos tudo isso para trás. Não muito, claro, porque sei que nunca recuperarei esse momento, de modo que de nada adianta de fato, uma vez que já o perdi quando deixei o mini-estádio.


(N/A 1 – Eu tive de compartilhar um dos momentos mais frustrantes de 2008 com vocês. Eu totalmente fui ao show do Paramore e totalmente esqueci praticamente tudo. Sabe aquele choque de emoção que nos faz esquecer as lembranças? #oifuieu. Que droga, cara ;/)


(N/A 2 – Gente, eu não odeio o My Chemical Romance, ok? E é sério, eu realmente gosto daquelas músicas ;))


Eu e James estávamos completamente loucos e doloridos e cansados. A minha vontade era me deitar sem tomar banho, mas daí me lembrei que a cama não é só minha, o que quer dizer que um banho caía muito bem. O James totalmente parecia ainda com toda a energia quando saí do banheiro com os cabelos molhados em um abrigo de lã. Ele estava lendo a última edição da Kerrang!, onde o Green Day e o Paramore estavam na capa.


- Eu vou dormir – avisei, sentando-me na cama e colocando o despertador do celular em modo ativo.


- É uma boa idéia – ele me disse sem olhar para mim.


Abriguei-me debaixo das cobertas e me virei para a janela. Uau, como eu estava acabada. Acabada, mas feliz, claro.


Não me lembro se dormi antes de James largar a revista.



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N/A: Oii, meus amores! Eeeu volteii! Desculpa tanto tempo sem um novo cap :/ Também fico triste com isso, mas fiquei ausente nesses dias porque estava me preparando para o vestibular de inverno que prestei nesse fim de semana.
E, gente, desculpa por colocar a Jennifer na história, é que quando escrevi essa parte do cap eu tinha acabado de ver
Férias Frustradas de Verão e a personagem da Kristen Stewart me inspirou. E desculpa também por não descrever todo o show. É que eu estava meio sem saco e aproveitei a minha frustração e felicidade do show de 2008 do Paramore. Reclamações, sugestões, ataques de felicidade nos comentários, ok? 
Espero que tenham gostado e até o próximo cap!
Beeijos <3 

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