O Casamento do Ontem e do Hoje



O avião pousou em Londres com o que pareceu para Susan Bones um excesso de nostalgia. As coisas haviam mudado, mesmo no pequeno pedaço de cidade que ela conseguiu enxergar através das janelas do aeroporto. Herriett era facilmente reconhecível por entre a multidão. Os cabelos brancos já brilhavam por entre os fios escuros do cabelo fino e levemente puxado em um coque. As rugas emolduravam seus olhos.


Susan colocou-se a andar em sua direção, assim que a percebeu por entre a multidão que buscava por entes queridos. Herriett buscava, assim como os outros, por um rosto reconhecível, mas o que viu lhe perturbou. Em um primeiro momento, Susan não soube exatamente o porquê de seu queixo ter caído e de seus olhos estarem arregalados. Ela apenas deu por si quando chegou perto o suficiente para escutar a mulher.


- Jesus Cristo! – A mulher exclamou por entre um suspiro sem fôlego.


A surpresa dela se referia ao fato de que nada na aparência de Susan havia mudado desde o momento em que a vira pela última vez há trinta anos atrás? Susan duvidou que fosse sobre outra coisa. Seus cabelos ruivos e compridos, a pele lisa e perfeita, o corpo escultural, os olhos oblíquos... Nada disso havia mudado. Era assustador, e para uma mulher na casa dos sessenta anos, como Herriett, era mais do que grave.


- Susan? – Ela perguntou, com a voz falha, segurando a bolsa com força.


- A própria. – Respondeu, levando a mulher para a saída. – Como você está, Herriett? E a maravilhosa Londres? Senti saudades desse lugar, tenho de admitir.


- Como você conseguiu? – Ela perguntou, depois de algum tempo sem ter falado nada, quando Susan descia do táxi na frente de sua casa. O lugar devia estar cheirando a qualquer coisa ruim. – O tempo não funcionou com você... Susan...


- Nós podemos conversar em outro momento.


Susan foi seca, fechando a porta do táxi sem esperar que a senhora lhe respondesse ou desse alguma confirmação para sua intenção de conversar em outro momento. Sua casa a estava esperando. Trinta anos de poeira e podridão a esperavam também. Trinta anos sem consultar o que se tornou o espelho dos efeitos do tempo.


Assim como imaginara, estavam as coisas. Sua casa permanecera fechada durante trinta anos e não havia sinais de arrombamento ou de algum tipo de roubo. Talvez as madeiras nas janelas e as muitas trancas nas portas tivessem servido para alguma coisa. Susan largou as duas malas que lhe restavam da viagem, sentindo um leve barulho lhe chegar aos ouvidos.


Levou as mãos às orelhas, sacudindo de leve a cabeça, como que para espantar os zumbidos, mas ainda assim eles persistiam em continuar em seus ouvidos. Ela cerrou os olhos, apertando a cabeça, enquanto tentava perceber de que lugar ele estava vindo. Não podia ser apenas o efeito do avião ou da chegada em casa.


- Por Merlin... – Ela sussurrou para si mesma, colocando pé ante pé ao andar em direção às escadas. Elas rangiam mais do que na última vez em que ela estivera em casa. Porém nada lhe impediu de descer os poucos degraus até o porão fechado com várias trancas. Por sorte, ou por puro cuidado, as chaves continuaram em seu pescoço.


A porta demorou-se a abrir, devido à falta de uso, mas um simples empurrão a separava do barulho engasgado e da revelação do tempo. Nada no mundo fazia com que seu coração batesse mais devagar. Pensar em suas experiências naqueles trinta anos fazia com que o barulho aumentasse ainda mais. A porta abriu-se com um rangido ao ser empurrada com força.


Na parede oposta repousava um grande retrato coberto. O medo agitou-se dentro de Susan, fazendo com que seus pés demorassem a se dar conta de que foram mandados andarem até a tal parede. O cheiro de alguma coisa apodrecida se misturava com o cheiro de velho e fechado do porão. A luz não tinha como chegar ali e a porta estivera fechado durante muito tempo. Havia ninhos de ratos espalhados pelo aposento.


Nada daquilo atrapalhou o objetivo principal de Susan. Sua mão se ergueu para tocar o tecido mal cortado e extremamente sujo que cobriam o quadro. Seu coração agora batia numa velocidade quase tão alta quanto o barulho engasgado que a incomodava. Sua mão desceu com uma rapidez que ela nunca imaginou que seria possível. Viu-se obrigada a recuar.


- Por Merlin! – Exclamou em uma voz um tanto alta para quem estava assustada como ela estava. Por mais que aquilo lhe deixasse intrigada e temerosa, não conseguia parar de olhar.


O retrato continha as mesmas feições e a mesma posição em que se encontrava há trinta anos atrás, mas não era o rosto de uma jovem de vinte anos que se era visto nele e sim o rosto marcado e mal cuidado de uma senhora de cinqüenta anos. Susan não conseguia deixar de associar o horror que via na fotografia com algo além dos trinta anos de envelhecimento.


Talvez suas ações e aventuras enquanto esteve fora tivesse algo a ver com os cabelos extremamente brancos e as rugas que deixavam o rosto no retrato parecendo um maracujá que ficara exposto ao sol durante muito tempo. Susan admirou-se ao notar as cicatrizes no rosto do retrato, causadas há muito tempo por taças quebradas e as outras tantas cicatrizes que o corpo no retrato carregava. Eles deveriam estar no corpo que observava o retrato agora.


Ela não pode deixar de levar a mão à boca e amaldiçoar a si mesma.


- Herriett disse que você havia voltado! – Uma voz masculina invadiu o porão, pouco antes do que pareceu ser um peso caindo ao chão. Susan virou-se, apavorada demais para tomar qualquer atitude em tempo recorde.


- Dino! – Susan admirou-se caindo ao chão, perto do homem.


Um Dino Thomas de cabelos esbranquiçados escondidos por uma boina tinha a mão sobre o peito, enquanto seu rosto estava colado no retrato na outra parede. Era mais do que natural que a expressão de seu rosto pudesse ser pior do que a expressão vista por Susan no rosto de Herriett mais cedo por conta do choque ao vê-la, porém a expressão que ela tinha em seu rosto agora era algo que ela nunca havia visto.


- Por Merlin! – Perguntou aflita, quando o homem começou a sufocar.


Susan sacou o telefone de dentro do bolso das calças para chamar uma ambulância ou pedir ajuda a qualquer um, mas ela não sabia ao certo para quem ligar. Os anos que passara fora haviam apagado completamente os números de telefone dos conhecidos trouxas e dos bruxos que poderiam ajudar Dino. Susan recuperou a varinha de dentro do bolso do blazer, sem saber ao certo o que fazer. Já nem conseguia responder se poderia conjurar algum feitiço.

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