Um Incentivo para o Tédio



As vozes aos poucos se perdiam à medida que o corredor de embarque chegava ao seu final. As aeromoças já haviam desejado boa viagem e as crianças já havia sido colocadas em suas cadeiras e regadas com amendoim e algum tipo de doce que as mantivesse quietas. As poltronas já estavam, em sua maioria, ocupadas por idosos e alguns homens e mulheres em roupas de trabalho, carregando a tiracolo seus computadores portáteis.


Susan Bones andou despreocupada até sua poltrona, ao lado da janela, carregando sua bolsa, um nécessaire e a pasta onde carregava seu próprio computador. Ela sentou-se, imediatamente abrindo o tal sobre seu colo, enquanto a poltrona ao seu lado era ocupada por um homem de terno, de aparência flatulenta. Ele deitou a cabeça para trás e colocou fones de ouvido. Melhor, porque o que ela faria em seu computador era mais do que pessoal. 


“Querido Dino, sei que deveria haver muito mais nessa mensagem do que apenas uma explicação que parecerá pouca perto das perguntas que você pode ter. Em primeiro lugar, gostaria de me desculpar pela atitude suspeita que tomei. Eu apenas tinha que sair da cidade e me afastar daquela vida que eu levava. A juventude e a beleza não duram para sempre, em alguns casos, e eu preciso aproveitá-la ao máximo. Não se preocupe comigo, apenas prometa que continuará se comunicando comigo... Cartas precisam de endereços físicos, enquanto e-mails são práticos e nada reveladores. Desculpe. Susan” 


Escreveu, usando os dedos com uma rapidez nunca antes usada. O barulho das teclas a incomodava, mas não havia como ela deixar aquilo para quando pisasse no Japão. A urgência de tentar se explicar estava a enlouquecendo desde o momento em que saíra correndo da galeria de arte com um quadro roubado em seus braços. Os jornais haviam publicado o roubo e seu telefone não parara de tocar.


Ela enviou o e-mail, sorrindo para si mesma. Havia mais do que um mundo enorme a esperando. Havia, principalmente, a oportunidade de testar seus atributos longe da Londres que a conhecia muito bem. Estava na hora de conhecer e experimentar tudo que pudesse. O homem ao seu lado havia dormido em sua poltrona quando o avião estava a meio caminho de Tóquio, Susan retirou um papel do bolso da jaqueta pesada e recomeçou a escrever. 


21/10/2010 - “Cara Herriett, estou seguindo algumas das idéias que você colocou em minha cabeça naquela noite na galeria. Não adianta argumentar que aquelas eram apenas coisas que se diz, mas que não se faz... Eu sei o quão hipócrita você é, o que me leva, automaticamente a decidir que não quero ser como você. Se algum dia eu indicar alguma coisa à alguém e insinuar que coisas maravilhosas eu faria se fosse tão bela e jovem como esse alguém, eu vou me lembrar de que preciso já ter experimentado tudo que eu indicar. Eu sei, você não deixou nada explícito, mas é claro que eu captei as palavras nas entrelinhas. Se você não se importar, vou lhe manter informada... Muito obrigada, mesmo que inconscientemente (ou conscientemente) você me mostrou que a vida pode ser mais do que envelhecer. Susan.” 


06/02/2016 – “Cara Herriett, as Ilhas Maldivas são o que eu pedi como paraíso. Depois da boa temporada no Japão e logo depois na China, já tendo aprendido a falar as duas línguas, só tenho a me perguntar: Porque não cheguei aqui antes? Não pedirei noticias de Londres, pois tão cedo não pretendo voltar à terra da Rainha, mesmo assim, a Rainha ainda vive? Brincadeira... Sei que há algum tempo não mando notícias, mas estava ocupada demais me preocupando em satisfazer meu corpo entre os bares e as noites de Tóquio. Não me pergunte quanto a minha alma, apenas o que poderei lhe responder é que ela está muito bem trancada. Chaves e pouco bom senso a separam dos prazeres... Escrevi demais sobre algo que não importa, certo? Quer algumas informações mais importantes? Os boatos sobre os “pequenos dotes masculinos” dos orientais não passam de mentiras e as mulheres sabem fazer uma massagem, nem que seja uma massagem em lugares que parecem inapropriados. Você deveria estar experimentando isso aqui... Susan” 


13/09/2025 – “Cara Herriett, se eu começar as escrever como estão as coisas aqui em Colômbia, eu teria que riscar desse diário virtual que meu paraíso era localizado nas Ilhas Maldivas. A Colômbia pertence agora ao meu hall da fama de paraísos. Ainda não perguntarei como estão as coisas em Londres, mas aposto que a essa altura você já deve ter tomado um rumo na sua vida de alcoviteira de idéias, estou certa? Nunca antes eu havia experimentado as coisas que experimentei aqui (Ou que imaginei que encontraria aqui). Mesmo tendo passado por México e Alasca, imaginei que as melhores viagens seriam dentro desse país, sem nem mesmo precisar andar. Conheci algumas pessoas e os melhores dopantes... Você realmente precisava estar aqui... Susan.” 


31/12/2039 – “Cara Herriett, dessa vez me vejo obrigada a perguntar como as coisas estão em Londres... Parece bobagem, mas estou voltando para minha pátria assim que 2040 chegar aos calendários da população. Você está em comemoração nesse instante, tenho quase certeza, mas comigo, apenas o que está acontecendo é a chegada de uma nostalgia que me deixa com uma vontade irresistível de voltar. Sei que muita coisa não poderá ser recuperada, mas o que eu consegui nesses trinta anos de viagem pelo mundo, gastando o que eu conseguia ganhar, me deixam com a vontade de voltar para os braços do passado. Nada mudou realmente, Herriett. Nada mesmo, continuo sendo a mesma... Estou ansiosa para vê-la. Busca-me no aeroporto? Susan.”

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