Uma Elegância há muito Perdida



O porão da casa quase abandonada era uma cena difícil de se acreditar e parecia algo preparado para qualquer cena de algum filme sangrento, mesmo que o sangue que pudesse haver naquela cena real já houvesse secado. Os policiais andavam de um lado para o outro analisando qualquer coisa que os pudesse levar a uma resolução de crime cometido ali.


Os dois corpos que jaziam no chão estavam secos. Já não havia sangue neles e as evidências de que já haviam se passado cerca de dois anos desde o acontecido estavam presentes, principalmente no fato de um dos corpos já haver sido reconhecido como o corpo de um jornalista freelancer de nome Dino Thomas.


A única coisa que parecia viva no porão era o quadro faiscante pendurado na parede.


- Senhor? – Chamou um homem muito jovem, usando o uniforme da polícia. Seu chefe virou-se rapidamente. – Sra. Warrior está aqui.


- Herriett Warrior? Mande que ela desça e traga a carta endereçada a ela. – O chefe mandou e o jovem obedeceu imediatamente. – Rápido!


Poucos minutos depois, Herriett Warrior desceu as escadas. Era uma mulher pequena, mas dotada de um porte único. Seus cabelos estavam presos em um coque apertado, emoldurando um rosto cansado. O chefe de polícia agitou-se ao entregar a carta para a mulher.


- Foi deixava perto do corpo da mulher que ainda não reconhecemos. – Ele explicou. – Não encontramos nada que nos levasse até ela. Não há nada na casa e a carta não está assinada, porém está endereçada a você.


Herriett abriu a carta sem responder nada aos homens. O envelope já estava aberto, o que era óbvio em uma investigação de assassinato. Ou suicídio, ela pensou consigo mesma enquanto abria o pedaço de papel envelhecido e escrito com muita pressa. Reconheceu no primeiro instante a regência de palavras.


 


“Cara Herriett, lhe confidencio que não gostaria que estivesse aqui nesse momento. Apenas o que posso dizer é que aproveitei enquanto pude. E ainda mais do que isso por um preço que não é recomendado para ninguém. Como me deixei levar por suas palavras doces e idéias hipócritas, mas deliciosas, ainda não compreendi, ainda mais agora que estou jazendo ao lado... Não. Já estou jazendo há algum tempo, mas só agora percebo que algumas coisas são bonitas justamente por não durarem muito tempo.”


 


- Susan Bones. – Herriett disse, fechando a carta e chegando mais perto do corpo caído no chão. Um dos policiais anotou o nome em um bloco de papel e correu porão a fora. – Ela teve tempo de perceber um erro.


- Como?


- Nada. – Herriett disse para o Chefe de Polícia, encarando o corpo da mulher jogado ao chão, em frente ao quadro chamativo.


Os tons de vermelho e rosa pareciam iluminar o porão, mais ainda do que os holofotes e as tantas luzes espalhadas pelo aposento. O quadro ainda tinha a mesma expressão pedinte, mas agora parecia menos expressivo do que quando ainda habitava a exposição de Basílio. O policial virou-se para o quadro também.


- É uma jovem muito bonita. – Elogiou.


- Foi uma jovem muito bonita.


Ela refletiu, virando para o corpo decrépito e extremamente envelhecido em frente de si. As rugas evidenciavam as cicatrizes de cortes e as tantas marcas deixadas pelo tempo, e pelas ações irresponsáveis, no corpo enrugado que ela encarava. Uma grande faca de cozinha estava enfiada em seu peito, na altura de seu coração.


A mulher começou a andar para fora do aposento, carregando consigo a carta endereçada para si. O policial não fez questão de pará-la, já que estava ocupado demais tentando achar alguma coisa que ligasse o corpo enrugado com o quadro esplêndido. Provavelmente começaria um inquérito ligando Basílio, Dino, Susan e ela mesma, Herriett.


Antes de sair do porão e trancar para sempre as lembranças daqueles momentos em sua memória, Herriett virou-se para o quadro. Ninguém estava por perto para salvá-lo. Terminaria em uma sala de provas juntamente com outras coisas quaisquer. Não havia uma assinatura de Basílio Hurshey e nada que o levasse de volta às galerias.


- Pobre Susan, quem vai olhar para você agora? – Disse, franzindo o cenho.

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