As aparências enganam



06.01.10 - 3h:12min


Eu simplesmente não consigo dormir, pois não paro de pensar no que aconteceu na noite de ontem. Deu tudo errado, deu tudo muito errado e eu não entendi praticamente nada. Ontem durante o dia, eu fiquei pensando sobre como seria o encontro com o Nolan, até nem prestei muita atenção às aulas. Apesar de ele não ter especificado o horário (Nolan combinou comigo à noite), eu achei que uma meia-hora depois do jantar seria adequado. Bryana e eu escolhemos a roupa com muito cuidado e acabamos optando por uma calça jeans Skinni branca, uma blusa rosinha de manga comprida bem justa com listras horizontais e o meu All Star colorido, que é uma espécie de arco-íris ambulante. Achei o visual bem descontraído mas ao mesmo tempo estiloso.
Então, uns 35 minutos após o jantar (sim, eu contei os minutos pois sofro do mal da ansiedade, conhece?), eu fui em direção ao Salão Comunal da Corvinal, que é guardado por uma espécie de portal enfeitiçado, sendo ele uma porta de madeira não vinculada a nenhuma parede em nenhum dos lados, de modo que você pode dar a volta por ela, abri-la e atravessá-la, sem que chegue a lugar algum, a não ser, obviamente, o mesmo ambiente em que você estava.  A frente da porta, está localizado o analisador de varinha, que o único jeito de se entrar no Salão Comunal. É claro que existe a possibilidade de a sua varinha não ser aprovada e você não poder entrar caso não seja um membro da Corvinal, mas não se preocupe, pois isso só acontece com pessoas com más intenções para com aquela sala.
Como era de se esperar, minha varinha foi aprovada e eu pude abrir a porta de madeira e encontrar uma aconchegante sala decorada nos tons azul e bronze, e não uma parede (que é quando a sua varinha é negada), que por sinal, nem estava encostada a porta, já que a mesma é presa somente ao chão sem o apoio de nenhuma parede por meio de feitiços ultra avançados.
Quando entrei na sala, alguns poucos rostos se voltaram pra mim, mas só para ver quem havia chegado mesmo. As atividades no Salão Comunal da Corvinal eram as mesmas do que em qualquer outro: alguns alunos conversavam, jogavam cartas, comiam uns aperitivos conseguidos no frigobar, outros assistiam a nova temporada de Law & Order – SVU em uma televisão gigante de tela plana com imagem digital.
- Você está preso e tem direito a ficar calado, pois tudo o que disser poderá ver usado contra você no tribunal. Também tem direito a um advogado, e caso não possa pagar por um, o estado lhe concederá um advogado de defesa público. - dizia a detetive Olivia Benson enquanto algemava o criminoso profissionalmente.
Por último, havia um grupinho de sete alunos jogando verdade ou consequência, o que na minha opinião, é só um pretexto para meninos e meninas tirarem uma casquinha (ou uma cascona) uns dos outros.  O único problema foi que, ao analisar melhor as sete pessoas que estavam jogando, me dei conta que o Nolan era uma delas.
 Nolan? - chamei ao me aproximar dele e de seu grupinho composto por três meninas e três meninos, sem contar ele e a garrafa de coca-cola vazia que estava ao centro.
- Julia! Que bom que você veio! - disse Nolan sorrindo, porém não do modo lindo e carinhoso que ele havia sorrido para mim no porão. Aquele era definitivamente um sorriso muito malicioso – Galera, essa é Julia McBride.
Quase todos que estavam naquela rodinha acenaram para mim, exceto por uma garota morena de olhos cor de mel, que estava sentada bem ao lado de Nolan, com uma expressão carrancuda e gestos possessivos em relação a ele.
- Oi... - disse eu encabulada.
- Senta aqui do meu lado, - pediu Nolan indicando um lugar no lado oposto ao que a morena bonita e antipática estava sentada – estamos jogando um jogo super divertido e você não pode ficar de fora!
- Nolan, será que eu não poderia falar a sós com você um minutinho? - A minha vontade era sair correndo dali, porém eu ainda tinha uma mera esperança de que tudo aquilo era um mal entendido.
- Por que não fala com ele aqui mesmo? - retrucou a garota morena – É alguma coisa que nós não podemos ouvir, por acaso?
- Cala a boca Alyssa! - disse um garoto loiro e super forte, pela qual eu fiquei agradecida por alguns segundos por silenciar aquela garota insuportável – Se a Julia quer falar com o Nolan a sós, que mal tem isso? Vai ver hoje é dia de sorte dele! - foi por esse último comentário imbecil que a gratidão passou a ser nojo repulsivo.
- Mas... - tentou Alyssa por uma última vez.
- Sem mas Alyssa, - interrompeu Nolan grosseiro – vamos Julia. - E no instante seguinte, ele me puxou pelo braço e me conduziu até uma escada que dava para os dormitórios.
- Nolan, é minha impressão ou vocês estavam jogando verdade ou consequência? - perguntei enquanto subíamos as escadas.
- Não foi sua impressão. - respondeu ele quando chegamos ao topo da escada – Algum problema?
- Não. - É claro que havia um problema! Nós tínhamos combinado de sair para falar sobre clones, até aí tudo bem. Então eu chego e encontro ele jogando um jogo na qual meninos e meninas trocam saliva e outras coisas mais, e ele ainda fazia questão que eu entrasse na brincadeira. Agora eu pergunto, qual é o problema desse garoto? - Mas é que... nós não íamos conversar sobre... clones? - Era uma idiotice isso que eu havia acabado de dizer, porém não me veio nada melhor em mente.
- Clones? - ele parou de caminhar e ficou parado no meio do corredor me fitando – Acho que nós não vamos conversar sobre clones.
- Escuta Nolan, - comecei temerosa, porém confiante de que era melhor esclarecermos toda essa história – eu não vou jogar verdade ou consequência.
- Quem disse que você precisava jogar? - perguntou Nolan voltando a caminhar em direção a uma porta.
- Bem, você disse. - respondi confusa. O menino a minha frente naquele momento não era o mesmo que eu conheci em São Francisco nem o mesmo com quem eu conversei no porão. Não podia ser.
- Não se preocupe Julia. - disse Nolan parando e afagando o meu rosto – Aquele jogo é passado. Agora vem que eu vou te mostrar o meu quarto e aí nós conversamos melhor.
Eu assenti meio tonta pelo fato de ele ter encostado em mim. A mão dele era tão macia, tão cheirosa. Assim que Nolan abriu a porta, me deparei com um quarto razoavelmente grande, com duas escrivaninhas, dois guarda-roupas, duas camas, algumas malas e algumas coisas pessoais espalhadas, mas no geral, o quarto continuava organizado.
- Comparado com o quarto da maioria dos meninos que eu conheço, o seu é bem organizado. - comentei ainda perpassando os olhos pelo local.
- Obrigada. - agradeceu ele sorrindo do jeito que eu gostava – Mas o quarto só está assim porque eu e o Adam ainda não tivemos muito tempo para bagunçá-lo.
Nós dois rimos. Parecia que tudo estava voltando ao normal e que nós poderíamos ter uma noite super legal afinal. Nolan sentou em sua cama e fez menção para que eu me sentasse também. Obedeci mais tranquila, pois tudo estava começando a dar certo.
- Então, o que queria me dizer? - perguntou Nolan com um sorriso discreto e o olhar fixo em mim.
- Na verdade eu já disse. - respondi sinceramente.
- Então era aquilo sobre o jogo? - questionou ele.
- É, mais ou menos. - Era sobre o jogo e sobre o fato de que ele estava agindo como um idiota, mas agora já passou. Nolan franziu o cenho e encarou por alguns momentos o chão.
- O que houve? - perguntei preocupada.
- Jurava que você queria falar sobre outro assunto. - respondeu.
- Como assim? - Várias alternativas me vieram a mente em questão de segundos, desde as mais idiotas como as malas que eu deixei cair até as mais sérias como o Ryan.
De repente, Nolan parou de encarar o chão e se virou para mim. Em uma fração de segundo, ele grudou sua boca na minha e começou a me beijar. Foi estranho no início, porque eu realmente não esperava por aquilo, mas a medida que fomos indo, relaxei e comecei a retribuir com mais fervor.
- Você pensou que eu ia te beijar? - perguntei ofegante assim que consegui me desvencilhar um pouco dele.
- Nem sei mais o que eu pensei. - respondeu ele voltando para cima de mim, só que com muito mais vontade. Começou a beijar o meu pescoço e ir calmamente para boca. Nós dois não respirávamos direito e ofegávamos muito. Nem era o beijo do Nolan que me deixava sem ar, mas sim a sua pegada. Era como se ele me controlasse, porém eu gostava, de modo que nem me preocupei com o que ele faria em seguida e só me deixei levar. Ele me deitou na cama e voltou a beijar o meu pescoço. Pude sentir o cabelo cheiroso e macio dele e também notei que eu já estava toda amassada, literalmente. Tudo bem que essa estava sendo a ficada mais forte que eu já tive em toda a minha vida porque número um: ele me deixava louca. Número dois: ele me beijava com muita vontade e não só na minha boca... e número três: nós estávamos em uma cama e Nolan estava em cima de mim! Não era para isso estar acontecendo, mais enquanto estivéssemos “comportados” (seja lá o que confortado signifique) estava tudo certo. No entanto, ele não queria continuar comportado e tentou abrir o meu sutiã.
- Ei Nolan! - eu ofegava e as palavras não tinham saído muito claras, mas considerando que havia alguém em cima de mim e me abafando, acho que deu para entender o recado – O que pensa que está fazendo? Nós só temos 14 anos e eu mal te conheço!
- Isso é um problema pra você? - perguntou ele nem se dando ao trabalho de parar de tentar tirar a minha blusa.
Aquele comentário havia sido a gota d'água. Eu simplesmente reuni toda força que podia e me virei de barriga para baixo, de modo que Nolan caísse para fora da cama.
- O que foi isso Julia? - reclamou ele se levantando da cama e tentando amenizar a dor na cabeça que estava sentindo.
- Isso foi um fora. - respondi irritada – Não vou transar com você.
- Você não vai me dar um fora. - interrompeu ele voltando a se sentando na cama – Você não vai resistir. Volta aqui, vem.
Eu nem me prestei a responder. Dei as costas para ele e sai porta a fora. Assim que desci as escadas, me deparei com os amigos de Nolan subindo para cima.
- A farra foi boa é Júlia? - comentou aquele loiro fortão ao me vislumbrar de cima a baixo. Eu estava com o cabelo mais armado e desajeitado do que nunca, e com a roupa toda amassada, sem contar os meus tênis  que estavam meio fora do pé.
- Cala boca. - murmurei passando reto por eles. Ouvi algumas vaias atrás de mim, mas quer saber? Não estou nem aí! O que aconteceu hoje nunca poderia ter se quer começado e é bom que o Nolan nunca mais venha falar comigo.

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