Beijo



           Capítulo 3
  O dia amanheceu cinzento, assim como minha cabeça. Coloquei o rosto na janela coberta por uma fina camada de gelo e vi alguns carros passando pelas ruas. Voltei para o meu quarto, que por sinal era vazio demais para mim. Ouvi uns barulhos estranhos vindos do andar inferior, mais precisamente da cozinha. Desci as escadas rapidamente e quando coloquei os pés no último degrau o barulho parou.
  Aproximei da cozinha e senti um cheiro, um cheiro de panqueca de frango, a minha preferida e que só minha mãe sabia fazer. A mesa estava servida, só não sabia por quem. Nenhuma louça suja, parecia o café da minha mãe, olhei ao redor e lembranças pesadas demais pra mim vieram, as manhãs que meu pai descia aquela escada para ir ao trabalho, minha mãe estava com o café pronto e me esperava para tomarmos café juntas e depois eu ir para a escola do outro lado da cidade.
  Afinal, só havia eu dentro daquela casa... ou não?
  Meu corpo congelou, só consegui dar passos vagarosos em direção a porta e dar a partida no carro. Era incrível como meus pensamentos rodavam em minha cabeça, levando ou até bloqueando certas ações.
  Não sei ao certo se estou com medo. A única pessoa que faria aquilo é minha mãe, e eu não tenho medo dela.


  O dia estava soturno, talvez a tristeza que estava em meu coração tivesse passado a tudo. Mas por que eu estava assim? Acabo de conhecer Arthur e eu sinto algo por ele, talvez seja algo bem frágil, mas já é um começo. E Alex... que quando nossos olhos se encontram é uma sensação muito estranha, e como se ele tivesse um imã e fosse me puxando aos poucos.
  Ambos têm uma coisa muito misteriosa dentro de si. O comportamento denuncia algum segredo.
  Entrei na escola e a primeira coisa de diferente que vi foi uma faixa enorme que dizia: 3º Campeonato de Bandas Lutz.
  Os alunos estavam no pátio, um imenso palco estava montado. Caminhei até um banco vazio e me sentei. Eram tantos alunos que ficava quase impossível tentar achar Kath. Redirecionei meus olhos para o palco, os alunos estavam todos ao redor.
  _ Declaro aberta as inscrições. – disse uma mulher alta e magra, acho que aquela era a diretora da escola. Após dizer isso alguns alunos subiram no palco e preencheram uma espécie de formulário. Cada banda tinha sua torcida que gritava e aplaudia. – Espero todos vocês depois de amanhã à noite. – completou a diretora.
  Um vulto rápido se sentou ao meu lado, girei meu pescoço bruscamente para ver quem era. Alex Mewlight. Seu perfume me contagiou e como sempre meu sangue começou a ferver.


  _ Olá Jennifer Maddier. – penetrei em seus olhos e pensei em como ele sabia meu nome. Coloquei o olhar para frente e do outro lado estava Arthur, ele estava de pé, seus olhos pareciam nos corroer.
  _ Oi Alex. – disse voltando meus olhos para ele e desfazendo o cruzado dos braços.
  _ Queria saber se você não quer sair comigo. – sua boca se mexia perfeitamente e emitia aquela voz linda que entrava em meus ouvidos e tremia meu corpo. Prensei o pensamento na sua proposta, não acreditava no que ele havia dito.
  _ Sim, eu quero. – ele moveu suas mãos e segurou as minhas, uma espécie de choque rápido circulou. Olhei novamente para Arthur e este começou a vir em minha direção.
  É incrível como parece que os dois se odeiam, trocam olhares furiosos e isso me deixava nervosa. Arthur já estava chegando.
  _ Alex, vamos nos inscrever logo, para acabarmos de vez com a graça dessas pessoinhas. – voltei o olhar para a menina que disse isso. Beatriz Luctor. Seu cabelo negro com uma mecha branca assim como sua irmã era a coisa que mais chamava atenção. Ela jogou uma expressão de desprezo na minha direção e eu curvei os olhos mais uma vez para não ter que encarar os dela.


  _ Já estou indo. – disse Alex se curvando pra mim e selando um beijo afetuoso. – Passo pra te pegar as oito amanhã ok? – balancei a cabeça em gesto de sim e os três se viraram caminhando em direção ao palco.
  Arthur agora estava na minha frente e se sentou no lado oposto que Alex sentou.
  _ O que ele falou pra você? – perguntou ele fazendo minha cabeça pirar.
  _ Por que quer saber? – indaguei.
  _ Tenha cuidado com ele. – esta frase fez com que ficasse ainda mais curiosa. – Posso ir à sua casa hoje?
  _ S-sim. – gaguejei. Ele virou e foi embora em direção contrária a do palco.
  Os últimos minutos foram muito ligeiros e eu não sabia ao certo o que tinha feito. Balancei a cabeça com a intenção de arrumar minhas ideias.


  Avistei Kath na quadra assistindo um jogo de futsal. Levantei-me do banco que agora iria me trazer tantas lembranças a partir de hoje e caminhei em direção a ela.
  _ Jenny! Procurei você em todo lugar.
  _ Você não sabe o que aconteceu. – disse para Kathleen.
  _ Fala tudo menina, fala. – disse Kath apavorada com seus olhos brilhando.
  _ Arthur e Alex... - disse.
  _ Ah não. – pressentiu Kath balançando a cabeça abrindo um leve sorriso de perigo.
  _ Como ia dizendo. Alex me convidou para sair com ele amanhã e Arthur vai à minha casa hoje. – terminei a frase e refleti, quis me matar pensando na burrice que tinha feito.
  _ Não é muito ruim. Você vai sair com Arthur e Alex, os dois são lindos. – disse Kath tentando me acalmar.


 _ Este o problema... Os dois. – falei. – Que campeonato é esse?
  _ É um campeonato que vem acontecendo nos últimos anos. Os alunos montam bandas e disputam para ver quem vai tocar no baile das férias. Alex e as irmãs Luctor ganharam todos os campeonatos até hoje. Mas minha torcida não é para eles. A banda Groush fica em segundo lugar todo ano.
  _ Hum... Você vai vim? – perguntei.
  _ Claro. Você acha que eu vou perder isso? – respondeu Kath saltando do chão. – Vamos embora, hoje eles vão ficar só fazendo as inscrições, amanhã eles ensaiam e depois de amanhã é o show. Temos três dias livres.
  _ Ah ok. Vamos na minha casa, preciso me preparar, a noite Arthur vai pra lá esqueceu?
  _ Você está poderosa hein. Mal chegou ao colégio e já laçou dois. – brincou Kath.
  _ De certa forma sim. – disse as gargalhadas.


  Não sei se era exatamente o que eu queria, mas se não tivesse interesse não teria aceitado. Estou mais nervosa com o encontro com Alex, não sei a razão. Acho que Arthur me traz uma segurança e de certo modo eu confio nele, isso é bom ou ruim afinal?
  E uma dúvida que corrói por dentro, porque os dois parecem não se gostar?
  _ Kath... – disse tranquilamente ao caminho de casa – O que mais você sabe sobre o Arthur e o Alex?
  _ Bem, Alex Mewlight como eu já te disse estuda comigo há três anos consecutivos. Seu nome não é Jennifer Maddier?
  _ Sim, por quê? - respondi.
  _ É que eu te perguntei quem era ele, e você me respondeu Arthur Maddier. – eu não estava lembrada disso.
  _ Oh meu Deus. Devia estar meio hipnotizada. – estremeci.
  _ Pensa que me engana? Você o quer perto de você, fazendo parte da sua família. – Kath riu e abriu o vidro do meu carro fazendo com que a brisa leve esfriasse todo o meu corpo.
  _ Não seja tão profunda assim... Estamos nos conhecendo.
  _ E quanto a Alex Mewlight, meus pêsames. – Kath não tinha sido a primeira a me dar medo em relação a Alex.
  _ O que você quer dizer com isso Kathleen Dewas. – me lembrei de quando minha mãe ia me dar uma bronca e falava meu nome e sobrenome, assim como todas as outras quando estão preocupadas ou coisa do tipo.
  _ Arthur é melhor que Alex para você. – esta conversa estava me assustando e não fazia sentido, pelo menos pra mim.


  _ Não sei do que está falando. Alex tem um tipo de imã que me puxa pra ele e faz meu sangue ferver... Arthur, não consigo explicar, é uma sensação que vai ao fundo da minha alma e estabiliza meu corpo, tudo entra em harmonia e tudo ao redor perde o significado.
  _ Você está apaixonada Jennifer... Apaixonada. – essas frases entraram ao meu ouvido me fazendo acreditar nisso, era como se fosse o título perfeito para minha breve história. - Tome cuidado. – Estacionei o carro na garagem e desci deste.
  _ Sua casa é bonita. – falou Kath ao adentrar pela porta da sala assim como eu.
  _ Tudo esta como era há muito tempo atrás. – proferi – Ela se tornou vazia depois de meus pais falecerem. – Caminhamos em direção a escada e subimos nos deparando com as portas abertas do meu quarto.
  _ Vou arrumar tudo isso. – disse olhando para toda aquela bagunça.
  _ Eu te ajudo. Você vai precisar de um quarto bem limpo e aconchegante, uma cama bem arrumada e chamativa. – disse Kath me encarando com um sorriso malicioso.
  _ Você me assusta às vezes.
  _ Olha pra mim... Vê se encontra alguma auréola aqui. – brincou Kath. – Eu sou um pedaço de mal caminho, brincadeira.
  _ Você é demais mesmo. – disse enquanto arrumava as roupas jogadas pelo chão.


  Os ponteiros do relógio pareciam estar mais lentos que uma tartaruga, a hora não passava. Kath foi embora e me desejou boa sorte. O sol estava pousando por detrás das montanhas e dava boas vindas à noite. Uma escuridão perfeita, iluminada apenas com a forte luz da lua, esta parecia estar bem próxima de mim e me chama bastante atenção. Fitei aquele globo brilhante pela janela e fui aproximando cada vez mais, algumas letras começaram a surgir de dentro dela, como se estivesse escrito um nome, concentrei no centro e uma palavra de seis letras eclodiu em relevo: Arthur.
  Eu estava ficando louca, absurdamente alienada. Só podia ser coisa da minha imaginação, fixei ainda mais os olhos na lua e vi que esta hipótese estava errada. Realmente estava escrito Arthur, mas por que só fui enxergar isso agora?
  Toc toc. Ouvi um barulho vindo da porta, desci as escadas calmamente e girei a maçaneta esperando abri-la e ver ele, o mesmo que agora estava tomando conta do meu mundo.


  _ Boa Noite. – Arthur Mewlight acabara de chegar a minha casa, para muitos seria uma ocasião normal, mas para mim felizmente ou infelizmente não. – Posso entrar?
  _ Cla-claro. – assenti – Tudo bem?
  _ Sim. Fiquei o dia inteiro pensando em você. Contava os segundos para vir aqui. Isto é... – ele lançou os braços que até então estavam escondidos em sua cintura e confessou o enorme buquê de rosas vermelhas. – para você.
  _ Muito obrigada. – disse pegando cuidadosamente o buquê de suas mãos e recebendo o abraço forte e aquecido que Arthur ameaçou.
  _ E sem espinhos. – brincou. – Bela casa.
  _ Pertencia aos meus pais, era a casa aonde vínhamos passar todas as férias. – sem falar nada ele subiu as escadas e caminhou sobre o corredor como se já conhecesse a casa, o segui.
  _ É uma pena que tenham morrido. – comentou Arthur ao entrar no meu quarto e se sentando em minha cama.
  _ Como você sabe? – mais uma dúvida martelara em minha cabeça agora.
  _ Isto não vem ao caso. Você sabe por que estou aqui? – falou sem jeito tentando desviar o assunto.
  _ Não faço a mínima. Mas de todo modo, seja bem-vindo! – ele apontou o dedo indicador e o encurvando, me chamando com um gesto para se sentar ao seu lado. Eu dei três passos e sentei ao seu lado, ele jogou seus braços sobre minha cintura e puxou junto a teu corpo.
  _ Eu não devia estar fazendo isso... Mas estou.
  _ Não entendi.


 _ Não diga nada. – ele colocou dois dedos em minha boca fechando-a e deslizou a mão sobre minha face, levando até minha nuca e puxando meu rosto pelo cabelo cada vez mais perto do seu. Nossos lábios moviam-se de um lado para outro numa perfeita sincronização, uma sensação doce tomava conta do meu corpo. Abri os olhos por falta do contato labial e da respiração ofegante de Arthur e me dei por conta que ele já não estava mais lá. Antes de tirar conclusões, fui até a janela e fitei o olhar para a lua, esta estava ainda mais brilhante e o nome de Arthur, que agora soava como uma canção de ninar, estava ainda mais em destaque. E foi esta mesma canção, que me fez cair em sonhos, sem ao menos perceber o que tinha acontecido.

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