No escuro



 



Abriu os olhos.


Era tudo muito branco, a luz brilhava logo acima dela. Lentamente, o teto do quarto foi entrando em foco, mas ela não pôde registrar muito mais do que isso. De repente, só o que conseguia ver era um nariz, tão próximo que quase tocava o seu, encimado por um par de estonteantes olhos azuis.


- Charles? – Lily perguntou com a voz fraca, tornando a fechar seus olhos. Charles estava tão próximo dela que se ela olhasse para ele, ficaria vesga.


- Graças a Deus você acordou! – exclamou ele. – Você quase nos matou, Lily! Espere, fique aqui!


- É, como se eu tivesse algum outro lugar para ir. – Lily respondeu com a voz entrecortada, vendo Charles sumir pela porta. Cinco segundos depois, ele voltou com o Sr. Evans, a Sra. Phillip e James em seu encalço. Eles todos pararam e deram uma boa olhada nela, antes de se acotovelarem para abraçá-la. A Sra. Phillip foi a primeira e agarrou Lily com tanta força que quase quebrou suas costelas. – Está tudo bem, Jane. Tudo bem. – tentou, em vão, tranquilizar sua velha governanta.


- Faça isso de novo, Lily Elizabeth Evans, e eu juro que mato você! – disse, com o rosto enterrado no pescoço de Lily. Ela olhou por cima do ombro da Sra. Phillip para os três homens parados à sua frente, fazendo um pedido mudo que Charles entendeu rapidinho.


- Mãe, mãe, solte a Lily. – disse ele, puxando a Sra. Phillip pelos ombros para longe de Lily. Ela olhou agradecida e deixou que seu pai se aproximasse.


- Você praticamente nos matou de preocupação, filha. – ele falou com carinho e, muito sem jeito, deu-lhe um abraço apertado.


Isso aí, ninguém leu errado. O Sr. Evans ficou PREOCUPADO, falou com CARINHO e ABRAÇOU sua filha. Se eu estou tonta, imagine a Lily.


Por um segundo, Lily cogitou a ideia de sair correndo e sofrer outro acidente só para ter o prazer de ser abraçada com tanto amor pelo pai novamente. Mas ao invés disso, ela, muito sensatamente, apenas se agarrou a ele e fechou os olhos, torcendo para que aquele abraço durasse uma eternidade.


- Eu estou bem, papai. – murmurou contra o ouvido dele. – Veja, estou inteira. Pronta para outra.


- Arrume outra encrenca dessas e eu me junto à Sra. Phillip para matar você. – disse o Sr. Evans, baixinho também. Lily se afastou dele e sorriu. E para seu pai, ela nunca parecera tão igual à Lizzie quanto naquele momento. Reunindo toda a sua coragem, completou muito baixo para que só ela ouvisse – Se algo acontecesse a você, eu jamais poderia me perdoar. Prometi à sua mãe que cuidaria de você. Eu não cumpri minha promessa, não cuidei de você, filha, e veja onde estamos agora.


U-a-u. Tipo, uau mesmo. Correr risco de vida realmente nos mostra quem nos ama de verdade.


- Pai, mesmo que você tivesse cuidado de mim – Lily murmurou em resposta. Percebam que ela não foi legal e não tentou fingir que o pai havia feito tudo o que estava ao alcance dele para protegê-la ou cuidá-la. Os dois sabiam que ele nunca erguera um dedo para perguntar se ela estava bem. Seria uma baita mentira se ela dissesse “você cuidou de mim, papai” e estava óbvio que ela não diria isso. – isso não teria impedido aquele carro de furar o sinal vermelho e bater na gente. Então, para não piorar essa situação já bastante ruim, não comece a se culpar pelo o que houve. Certo?


 - Certo. – seu pai falou razoavelmente envergonhado, o que Lily achou bom. Não era todo dia que ela conseguia dar uma liçãozinha no pai e deixá-lo com vergonha. Geralmente rolava aquela discussão homérica, da qual ela, invariavelmente, saía chorando.


Quando o Sr. Evans a largou e sentou numa cadeira ao lado da cama foi que Lily, finalmente, pôde abraçar James. Ele estava bem e, pelo o que ela podia ver, escapara completamente ileso do acidente. Ficou imensamente satisfeita por isso, mas estranhou o sorriso fraco que ele deu ao lhe beijar rapidamente nos lábios. Mas não precisaram dizer nada um ao outro quando se abraçaram.


Lily estava pronta para perguntar porque James estava com aquela cara quando um médico entrou na enfermaria e parou em frente à cama dela.


- Ahn, Lily Evans, correto? – disse ele, sem realmente olhá-la. Estava verificando o prontuário em suas mãos. Ficou murmurando um monte de coisas por um minuto enquanto passava os olhos pelas informações. – Hm, ok, você teve uma concussão ao bater no vidro do carro e por isso ficou desacordada por algumas horas. Já que acordou aparentemente bem, você deve estar recuperada. Em casos assim a pessoa não fica muito tempo inconsciente. Mas, obviamente, eu vou precisar examiná-la. – e sem pedir licença, o doutor Emmett Clarkson (ela leu o nome em seu jaleco quando ele se inclinou) começou a lhe examinar. Primeiro, ele auscutou seu coração e seus pulmões. Depois, mediu sua pressão arterial. Por fim, pegou algo como uma lanterna e examinou seus olhos. – Você está ótima, realmente bem para quem ficou sete horas desacordada. Sente alguma coisa?


- Só um pouco de dor de cabeça. – ela respondeu, mas só havia se dado conta de que estava com dor quando o médico lhe perguntou.


- É normal, por causa do trauma. Você está com um pequeno corte no lado direito da cabeça, um pouco acima do supercílio. Vou pedir para a enfermeira lhe dar uma aspirina. – disse o D. Emmett, sorrindo. – Você está falando normalmente, sem enrolar a língua. Muito bom. Só preciso agora testar sua memória. Nome?


- Lily Elizabeth Evans.


- Idade e data de nascimento?


- Dezoito anos. 30 de janeiro de 19921.


- Reconhece todas essas pessoas?


- Sim. Meu pai, John Evans. Nossa governanta e minha “mãe postiça”, Jane Phillip. Seu filho e meu amigo, Charles. E meu namorado, James Potter.


- Você está mesmo muito bem. Só que não vou te dar alta agora. – Lily abriu a boca para retrucar, mas o médico não deixou. – Não, não. É o correto a se fazer. Pacientes com trauma cerebral precisam ficar em observação por pelo menos 24 horas. Amanhã de manhã você poderá ir para casa se tudo estiver bem. – irritada, Lily assentiu. – Tudo bem? Ótimo. Já uma enfermeira traz sua aspirina. Com licença.


- Graças a Deus está tudo bem. – disse a Sra. Phillip, finalmente desfazendo a ruga de preocupação.


- Eu disse que estava bem. – riu Lily, sentindo-se aliviada. Na verdade, estava com medo de ter se machucado seriamente. Olhou para James e viu que ele parecia realmente aliviado, mas... – James, está tudo bem?


- Você está bem, isso é o que importa. – disse, sem parecer muito convincente. Era óbvio que ele estava feliz porque Lily estava bem, mas ainda tinha algo errado. Ele tentou sorrir, mas fez algo como uma careta. E naquele momento, Lily, se achando a pessoa mais egoísta desse mundo, lembrou que ela e James não estavam sozinhos no carro.


- James, onde estão Marlene e Sirius? – perguntou, subitamente desesperada. James olhou muito sério para ela e então desviou o olhar. – James! Onde eles estão?


- Acalme-se, Lily... – pediu Charles, mas foi completamente em vão.


- Nem comece, Charles! – brigou. Em seguida, voltou-se para James. – Pelo amor de Deus, James, me diga o que houve com eles, por favor.


- Marlene está bem, só machucou o ombro. Mas Sirius... – ele fez uma pausa e suspirou de forma tão angustiante que cortou o coração de Lily – está em coma.


- O quê? – ela sussurrou mortificada.


- Os médicos disseram que a atividade cerebral dele está muito baixa e não tem previsão de quando ele vai melhorar. Ou se... vai melhorar. – continuou James e sua voz falhou um pouco. Ninguém disse nada por alguns minutos, enquanto Lily tentava absorver aquela informação.


Sirius estava em coma. Coma. A palavra ecoava cruelmente em sua cabeça. Sirius estava em coma. Simplesmente não conseguia acreditar. Era mentira, ela tentava enfiar isso em seu cérebro. Sirius estava bem! A qualquer momento ele entraria pela porta da enfermaria, com Marlene pendurada em seu pescoço, e diria que estavam todos malucos por acharem que aquele acidente havia lhe derrubado. Sirius estava bem. Tinha que estar bem. Como o melhor amigo que alguém poderia ter na vida, como a pessoa mais alegre e mais maluca e mais fiel e mais maravilhosa que poderia existir estava em coma, preso a uma cama? Só podia ser mentira. James estava brincando com ela.


Mas não parecia que James estava de brincadeira. Ele jamais brincaria com algo sério assim e estava tão desamparado... Sirius era seu melhor amigo. James nunca, nunca mentiria sobre isso.


Então só podia ser verdade. Sirius Black, seu melhor amigo Sirius, estava em coma e ninguém sabia quando ou se ele ia melhorar.


Controlando a imensa vontade de chorar que se abatera sobre ela, Lily jogou os lençóis da cama para o lado e desceu. No mesmo instante, Charles, a Sra. Phillip e o Sr. Evans se levantaram.


- Onde você vai? – perguntou seu pai, preocupado.


- Quero vê-lo, James. – disse ela, ignorando completamente o pai. – Preciso vê-lo. Preciso ver a Marlene.


- Você não vai a lugar nenhum! Não pode sair da cama, tem que ficar em observação! – disse a Sra. Phillip. Os outros três assentiram.


- Eu estou ótima! Vejam! – e contrariando as ordens deles, Lily caminhou pela enfermaria, tomando todo o cuidado do mundo para não se desequilibrar por causa da tonteira que sentiu ao andar. Virou-se para eles, decidida. – Viram? Estou bem. James, por favor, leve-me até onde eles estão.


James olhou incerto para o Sr. Evans e a Sra. Phillip, pedindo permissão. Os dois trocaram um olhar e a Sra. Phillip disse:


- Espero não me arrepender disso. Tudo bem, Lily, vá com James. – e depois virou para ele – James, se ela sentir qualquer coisinha, traga-a de volta para cá imediatamente, está me entendendo?


- Sim, senhora. – ele respondeu de pronto, e ela pareceu um pouquinho satisfeita. – Lily, me dê o braço. Tudo bem? Sente alguma coisa?


- Não, James, eu estou bem. Só me leve para ver o Sirius. – respondeu cansada. James a encaminhou até o elevador e eles subiram até o sexto andar, onde ficava a UTI. Ela encostou a cabeça no ombro dele, se sentindo tremendamente infeliz – Não posso acreditar que isso esteja acontecendo. Não o Sirius. E se ele não acordar? – perguntou num sussurro triste.


- Ele vai acordar, Lily. Sei que vai. Sirius nunca desistiu de nada na vida, nunca fugiu de uma luta. Ele não vai desistir dessa. Vai voltar. Você vai ver, Sirius vai voltar.


- Tem que voltar. – ela completou. Chegaram à porta da enfermaria da UTI e a abriram. Havia bastantes leitos ali, com pessoas de todo os tipos, com os mais diversos ferimentos. Mas não foi difícil achar Marlene sentada ao lado da cama onde Sirius jazia inerte. Ela olhava para o rosto dele, mas parecia a quilômetros de distância dali. Lily pôs a mão em seu ombro e Marlene demorou alguns segundos para focar seus bonitos olhos azuis, outrora tão alegres e brilhantes, na amiga. Ela se levantou cambaleante e agarrou Lily num abraço sôfrego, chorando baixo, mas desesperadamente.


Lily apenas fazia um cafuné nos cabelos escuros de Marlene e as duas ficaram em silêncio por longos minutos. Lily queria dizer alguma coisa, alguma palavra reconfortante, mas sabia que nada naquele momento poderia reconfortar sua amiga ou James ou até ela própria. Na verdade, após vários minutos naquele silêncio pesado, Lily, com a voz falha, só conseguiu dizer:


- É minha culpa.


Marlene piscou os olhos azuis lentamente, fixando-os no rosto sardento de Lily. Depois, voltou a olhar inexpressivamente para o nada.


- Não se atreva. – disse ela. Lily abriu a boca, mas Marlene não deixou que ela falasse. – Não, Lily. Não se atreva a dizer que a culpa disso é sua.


- Mas é, Marlene. Eu passei dias com um pressentimento horrível e mesmo assim chamei vocês para irem àquela maldita festa comigo.


- Eu sei. James me contou. Mas não é culpa sua, Lily. Você não podia saber.


- Podia sim. Eu tive um sonho, um pesadelo, sei lá. Estávamos nós quatro e, de repente, você sumiu. Assim, puf, sumiu. E depois, James se foi também. E por último, Sirius. – Lily suspirou e olhou para o rosto sereno de Sirius. – Mas com ele foi diferente. Ele não simplesmente sumiu como você e James, na verdade, ficou por mais tempo e foi se desvanecendo lentamente e ele sorria um sorriso tão frio, tão sem vida. Era como se fizesse muito esforço para ficar aqui, mas uma força maior o puxasse para longe.


- É mesmo? – Marlene perguntou, sem parecer realmente interessada na resposta. – De qualquer forma, Lily, não é culpa sua. Não importa se você sonhou, teve pressentimento ou o caramba. Não. Foi. Culpa. Sua. Entendeu?


- Mas, Marlene...


- Sem “mas, Marlene”. – interrompeu James, que até então estivera calado ao lado da cama de Sirius. – Como você mesma disse para o seu pai, a situação já é bastante ruim sem você se culpar.


- Exatamente. – concordou Marlene. – Você também se machucou, Lily. Eu não aguentaria se você estivesse como... – sem aviso, ela recomeçou a chorar, soluçando entre as palavras – S-Sirius. O carro pegou vocês dois em c-cheio. E se você estivesse machucada como ele está, eu e James não poderíamos a-aguentar. Então, p-por favor, não se culpe. Só vai tornar tudo pior.


- Tudo bem. – Lily respondeu baixinho, mas não estava mais falando da culpa que realmente sentia. Passou os braços pelos ombros de Marlene e a puxou para seu peito, consolando-a. – Está tudo bem, Lene.


Lily se sentou toda torta para aconchegar Marlene, mas não ligou. Só queria fazê-la se sentir melhor, embora soubesse que não conseguiria. Apenas a recuperação de Sirius devolveria o brilho aos olhos dela, mas não seria tão simples assim. Ela amava tanto, tanto, tanto sua amiga e vê-la tão triste maltratava seu próprio coração. Se pudesse, arrancaria Sirius de onde quer que ele estivesse só para que pudesse ver Marlene rir de novo.


E ainda tinha James. Ele estava abatido e sério como Lily nunca o vira antes. Mirava em silêncio o rosto de Sirius, como se tentasse trazê-lo de volta com a força do olhar. Eles eram melhores amigos e, mesmo que torcessem o nariz para essa hipótese, se amavam como dois irmãos. Sirius não poderia simplesmente ir embora. Se ele fosse, arrastaria James junto.


E Marlene, obviamente. Ela seria a primeira da fila, se jogando para onde Sirius fosse.


E Lily também. Mas ela faria tudo que fosse possível para puxar os amigos de volta. E puxaria até conseguir.


Essa foi uma das coisas que aprendeu com os três: não desistir da vida. Não deixaria que Marlene desistisse. Nem que James desistisse. E muito menos, que Sirius desistisse.


Pensando nisso, Lily chamou James e pediu que ele trocasse de lugar com ela. Quando Marlene estava devidamente acomodada no abraço de James, Lily se levantou e foi para o lado da cama de Sirius. Olhando ali, tão de perto, ela poderia jurar que seu amigo estava dormindo serenamente. Mas os muitos fios que saíam pela camisola de paciente que ele usava indicavam o contrário. Abaixou-se até ficar com a boca bem próxima ao ouvido dele e falou baixo:


- Oi, Sirius. Embora você não possa me responder, eu sei que pode me ouvir. Tenho certeza que em algum lugar aí dentro, você consegue ouvir a minha vozinha chata e impertinente perturbando seu sono. Mas meu objetivo é te perturbar mesmo. – começou. – Eu aposto o que você quiser que isso não está te deixando feliz. Eu tenho certeza, Sirius, de que você não quer ficar aí. Aposto que está escuro e eu sei que você odeia escuro. Por isso, escuta a sua amiga aqui: volta para gente. James precisa de você, eu preciso de você... e a Marlene precisa de você. Volte, Sirius. Não nos deixe aqui, por favor. Sai desse escuro que deve estar te cercando e volta para cá. Volta para nós podermos correr na chuva, comer cachorro-quente, farrear, ir para parques de diversões, sorrir, brincar... é impossível fazer isso sem você. Volta e devolve o sorriso da Marlene, porque você sabe que ela só vai sorrir de novo se você voltar. E ela fica tão bonita quando sorri, não é? Então, presta atenção na minha voz chata que deve estar zumbindo aí na sua cabeça e faz uma forcinha para voltar. Nós vamos te esperar aqui, pelo tempo que for. Mas não demora, ok? Queremos que você volte o mais rápido possível, lindo e charmoso como você sempre foi, arrancando suspiros de toda a população feminina desse planeta. Inclusive meus, mas não conte para o James. Nem para a Marlene. Eles ficariam com ciúmes de nós dois e aí já viu o problema. Tudo bem, Sirius? Estamos combinados, não é? Ótimo, acho que você já está tonto de ouvir minha falação. Só volte, ok? Estaremos aqui, amigo. Sempre. – e, dando um carinhoso beijo na testa de Sirius, Lily finalizou seu discurso.


Talvez ele tivesse ouvido, ela pensou, e naquele instante mesmo estivesse fazendo força para acordar. James estava certo: Sirius não desistiria da luta.


Lily se sentou do outro lado de Marlene e segurou sua mão, fazendo carinho. E assim os três permaneceram quietos, amparando uns aos outros e pedindo com todas as forças que Sirius abrisse os olhos e voltasse para eles.


- Lily, - chamou James depois de mais de uma hora de total silêncio. – já ficamos aqui muito tempo. Você precisa voltar para a sua enfermaria e descansar um pouco.


- Não quero ir.


- Não importa se você não quer ir. – disse Marlene erguendo a cabeça do colo de James. – Nós não vamos a lugar nenhum. Depois você pode voltar. James, fique com ela.


- Tem certeza? – perguntou Lily, aceitando relutantemente a mão que James, já de pé, lhe estendia. – Tem muita gente lá para ficar comigo. Se você quiser, James pode te fazer companhia.


- Tenho certeza. Eu só quero ficar um pouco sozinha com o Sirius. – forçando um sorriso sem vida, Marlene respondeu. Lily se abaixou e lhe beijou a testa carinhosamente.


- Voltaremos depois, então. – disse e, de braço dado a James, saiu da enfermaria. O Sr. Evans, a Sra. Phillip e Charles estavam conversando quando eles chegaram, mas logo se calaram quando viram as expressões sombrias nos rostos de Lily e James. Menos a Sra. Phillip. Ela era incapaz de ficar em silêncio.


Lily foi praticamente jogada na cama pela governanta, ouvindo calada às reclamações dela. Bom, não estava realmente ouvindo. Na verdade, ela se desligou do mundo real no momento em que deitou a cabeça no travesseiro e se fechou com seus próprios pensamentos, numa tentativa vã de ordená-los.


Era muito para a sua cabeça, agora que parara para pensar. Um ano antes ela era uma adolescente solitária e vazia. Sua única companhia era uma governanta de quase 50 anos e nem seu próprio pai se dignava a tratá-la com respeito e amor. E de repente tudo virou de cabeça para baixo. E meses depois ela estava ali, deitada numa cama de hospital, sofrendo em silêncio pelo grande amigo que se encontrava preso dentro da própria mente.  E simplesmente não conseguia se livrar da culpa, afinal partira dela o convite para saírem.


Mas mesmo com tudo o que estava acontecendo, ela não podia se arrepender. Não quando tantas coisas boas aconteceram na vida dela desde que entrara naquela cafeteria. Na verdade, Lily só poderia agradecer. Mesmo que naquele momento quisesse se socar por meter os amigos em tamanho problema.


O Sr. Evans precisou ir ao trabalho e, atendendo ao pedido de Lily, acabou levando a Sra. Phillip junto. Não que ela tenha ido calada... na realidade, os protestos dela foram ouvidos até que eles entrassem no elevador no fim do corredor. Depois que os dois saíram, Lily ficou sozinha com James e Charles.


Situação confortável, hã.


Os dois rapazes praticamente passaram a tarde disputando a atenção dela. E Lily tinha certeza de que os dois não partiram para cima um do outro porque estavam dentro de um hospital. As brincadeirinhas de Charles estavam passando dos limites, mas James precisava ser parabenizado pela paciência. Embora estivesse visivelmente irritado, ele fazia força para não responder às provocações. E isso estava deixando Lily realmente orgulhosa dele, o que pareceu motivar ainda mais Charles a tentar fazê-lo partir para a briga.


Mas quando Charles finalmente percebeu que sua infantilidade estava rendendo mais pontos a James do que a ele com Lily, resolveu calar a boca e sair para tomar um café. Assim que a porta do quarto bateu atrás dele, Lily suspirou cansada e esperou James começar a esbravejar. Observou-o andar de um lado para o outro por alguns segundos e se largar na cadeira ao lado da cama.


- Minha paciência está no limite. É bom esse metido a playboy parar de bancar o engraçadinho para cima de você, Lily, ou nós dois teremos um problema. – falou em tom irritado.


- Ignore-o, James. Você tem se saído bem até agora.


- Não é tão simples assim. Não é fácil ignorar o fato de que um cara está a fim da sua namorada.


- Quem disse que ele está a fim de mim? – Lily perguntou, erguendo uma das sobrancelhas.


- Está estampado no meio da testa dele. Ele é claramente a fim de você.


- Charles não é a fim de mim. – ela começou, ignorando o olhar teimoso de James. – Provavelmente, ele nunca recebeu “não” de alguma garota e fica fazendo essas provocações para provar que pode ter qualquer uma. Ele não sente nada por mim, mas talvez pense que vá me vencer pelo cansaço e me incluir na sua lista de conquistas se ficar me provocando.


- Não acho que seja isso. Esse cara até pode fingir que só quer te conquistar para provar que tem qualquer garota, mas a mim ele não engana. Escreve aí, Lily, Charles gosta de você e está tentando te ganhar.


- Mesmo que esteja, ele chegou atrasado. Você já tinha me conquistado há muito tempo. Charles não pode me ganhar porque você me ganhou primeiro. E eu amo só você, James. Não interessa o que Charles ache ou deixe de achar, se gosta de mim ou não. É você quem eu amo e é isso que importa. – Lily disse e James a beijou longamente.


- Hum-hum. – o pigarro de Charles interrompeu o beijo deles. Eles se separaram e o viram encostado à porta, com um sorrisinho irônico. – Desculpe interromper as suas adoráveis especulações sobre meus sentimentos por você, Lily – ela olhou para baixo sem acreditar que ele estivera ouvindo a conversa, mas se sentindo um pouco mal por ter desdenhado do que quer que Charles sentisse. James, porém, sustentou o olhar dele. – mas acabei de conhecer uma linda enfermeira que está saindo do plantão agora e vou levá-la para um café. Embora a companhia de vocês dois seja agradabílissima, acho que tenho mais a ganhar com a moça. – ele pegou o casaco, sorriu um tanto fraco e completou saindo porta afora – Então, até mais tarde.


Lily observou Charles sumir, pensando que ele parecia esquisito. Embora sorrisse aquele sorriso que ela odiava, percebeu que não parecia verdadeiro, como se ele estivesse sorrindo daquele jeito para esconder alguma coisa. Ela sabia que Charles podia ser um bom ator. De repente, um pensamento lhe ocorreu. Preocupada, imaginou se James estava certo. E se Charles gostasse dela de verdade? Provavelmente acabara de magoá-lo e já estava se sentindo culpada. Mas não podia pensar naquilo agora, tinha outro problema para resolver. Chamava-se Marlene McKinnon e estava a três andares deles, sozinha e desolada encarando o rosto inexpressivo do namorado. Lily estava realmente preocupada com ela.


Quando a noite caiu, o Sr. Evans e a Sra. Phillip voltaram ao hospital e se encarregaram de expulsar James. Ele precisava falar com o pai e o irmão, que não tiveram muitas notícias sobre o acidente, e precisava de um bom banho, um prato de comida e cama. O rapaz estava nitidamente esgotado e pareceu agradecer por poder descansar. Ao se despedir de Lily, ela lhe deu um beijinho e falou ao seu ouvido, embora soubesse ser em vão:


- Passe lá em cima e tente levar Marlene com você. Ela precisa descansar. – ele concordou fracamente e saiu, deixando os três sozinhos.


Depois que James foi embora, Lily percebeu o quanto estava cansanda e, seguindo ordens da Sra. Phillip, virou-se para o lado e dormiu. Teve um sono sem sonhos, como se estivesse mergulhada em escuridão. O que era uma surpresa, já que ela estava cheia de pensamentos confusos circulando pela mente.


Acordou de manhã com a porta do quarto abrindo. Sonolenta, visualizou uma silhueta branca: era o médico que lhe examinara na tarde anterior.


- Veio me dar alta? – perguntou com a voz engrolada de sono.


- Vamos com calma, Srta. Evans. – disse ele com um sorrisinho. – Sente-se bem?


- Ótima. E antes que pergunte, não estou tonta, consigo me lembrar das coisas... se você quiser, eu posso até desfilar pelo quarto para provar que meu equilíbrio está muito bom. – disse ela de pronto, jogando as cobertas para o lado.


- Não precisa. – o Dr. Clarkson disse, pousando delicadamente a mão no ombro dela e a impedindo de levantar. – Sei que está ansiosa para sair daqui, mas antes nós vamos fazer uma tomografia computadorizada.


- Por quê? – Lily perguntou subitamente assustada.


- Você bateu a cabeça e sofreu uma concussão. Eu tenho certeza de que está tudo bem com você, mas precisamos fazer o exame para confirmar. É um processo rápido, dura de dez a quinze minutos. Já está tudo pronto na sala de exame. Vamos? – ele deu o braço à Lily, que acenou um tchauzinho ao pai e à Sra. Phillip, e os dois caminharam até o andar das salas de exames.


O médico explicou o que Lily deveria fazer e ela deitou na cama do tomógrafo. Fechou os olhos, pedindo para que acabasse logo, porque estava odiando entrar naquele tubo apertado e claustrofóbico. Respirando fundo, ela se distraiu com o bip bip ritmado da máquina e conseguiu não contar o tempo em que estava no tubo. Mas como o prometido, a tomografia durara apenas dez minutos e logo Lily estava de volta ao quarto aguardando o médico com as imagens.


- Muito bem, Srta. Evans. – disse o Dr. Clarkson entrando novamente no quarto. Segurava uma prancheta e alguns papéis. – Aqui estão as imagens da sua tomografia e você está ótima. Está tudo certo com seu cérebro. Por isso, já pode ir para casa. – ele assinou o papel na prancheta e deu a ela. – Esta é sua alta. Espero não vê-la novamente. – eles riram um para o outro e o médico pediu licença, saindo do quarto.


Animada por estar indo embora, Lily tomou um banho e colocou as roupas limpas que a Sra. Phillip havia lhe trazido. Estava quase pronta quando James chegou.


- Não consegui fazer Marlene arredar o pé daquela enfermaria, Lily. – disse ele logo depois de lhe cumprimentar com um beijo. – Ainda liguei para os pais dela, que não estavam sabendo de nada e eles vieram para cá, mas nada a tirou do lado de Sirius.


- Imaginei que ela não sairia de lá de jeito nenhum. – apoiou-se nele para calçar os sapatos e se virou para o pai e a Sra. Phillip. – Papai, Jane, vocês podem ir. Eu quero ver como está a Marlene e vou tentar tirá-la daquela enfermaria. Estou preocupada com ela. Por isso podem ir andando, James me deixa em casa depois. – ambos abriram a boca para protestar, mas ela não deixou que falassem. – Eu estou bem, vocês ouviram o médico. Não se preocupem comigo, ok? Daqui a pouco estarei em casa.


- Não pretendo discutir com você. Vá cuidar de sua amiga, então, ela precisa de apoio. – disse a Sra. Phillip, apesar da cara feia que fazia. O Sr. Evans nada disse, mas se aproximou e deu um rápido abraço em Lily antes dos dois saírem porta afora.


Quando Lily e James entraram na enfermaria do sexto andar, encontraram Marlene fitando o nada, os olhos azuis, sempre tão brilhantes, vazios e fundos. Completamente inexpressivos. Aquela imagem partiu o coração de Lily. Ela e James se largaram nas cadeiras ao lado de Marlene e lhe deram as mãos como haviam feito no dia anterior.


- Onde estão seus pais? – perguntou James.


- Foram embora há alguns minutos. Disseram que voltam mais tarde. – ela respondeu com a voz fraca. Então, se é que era possível, baixou o tom mais ainda – Eles não estão felizes.


- É claro que não estão, Lene. – Lily falou, compreensiva. – Nós sofremos um acidente e Sirius está mal. Não dá para estar feliz numa situação dessas.


- Não é disso que eu estou falando. – ela continuou a falar em voz muito baixa. E de repente abriu a boca para chorar mais uma vez. – Não é justo. Não é! Sirius não pode me deixar. Muito menos agora!


- Do que você está falando, Marlene? – James perguntou receoso. Nem ele nem Lily tinham certeza se queriam saber a resposta.


Marlene puxou fôlego e, sem olhar para eles, disse de uma vez:


- Estou grávida.


Lily teve que se segurar para não cair da cadeira, mas não pôde evitar arregalar os olhos. E James também estava atônito quando perguntou:


- Você tem certeza?


- Quando chegamos ao hospital depois do acidente, foram me examinar. Eu expliquei minhas suspeitas e eles fizeram um exame de sangue confirmando.


- Quanto tempo? – Lily perguntou hesitante.


- Oito semanas e meia. Depois que confirmaram a gravidez, eu fui fazer um ultrassom. Está tudo bem com nós dois.


- Uau. Você acha que é o que?


- Não dá para saber ainda, mas eu tenho certeza de que é uma menina. Eu sinto isso. – por um segundo, Lily viu o brilho voltar aos olhos de Marlene. Ela jurou que ajudaria a amiga a sorrir de novo.


- Coração de mãe não se engana. – ela disse sorrindo. Marlene conseguiu sorrir minimamente.


- Mãe... soa bonito, não é?


- Muito. – disse James, concordando. Mas ele parecia atordoado ainda. – Ainda estou chocado.


- Não era para ser agora, óbvio. Eu tenho 19 anos, pelo amor de Deus. Mas aconteceu e não dá para mudar esse fato. Só que era para o Sirius estar comigo, segurando a minha mão enquanto eu fizesse o exame. Era para ele ser o primeiro a saber. E agora eu não sei nem se ele acordará a tempo de ver nosso bebê nascer. – ela soluçou alto. – Não era para eu estar sozinha.


- Quem te falou que você está sozinha? – disse Lily, enxugando as lágrimas dela. – Nem nos seus sonhos. Você uma vez me disse que amigas de Marlene McKinnon são para sempre. Estamos juntas, ok? Sempre. Não vou te abandonar nessa.


- Ei, não me excluam. – resmungou James. – Não vamos te deixar sozinha, Lene. Estaremos aqui para tudo, vamos te ajudar. E o Sirius vai ter um belo motivo para acordar.


Marlene sorriu chorosa e agarrou os dois num abraço apertado.


- Obrigada. Vocês são as melhores pessoas que existem nesse mundo e eu os amo tanto. – os dois sorriram para ela, que os soltou e voltou a fitar o rosto de Sirius. Mas agora seus olhos estavam mais calorosos que antes. – Ele vai acordar, não vai?


- É claro que vai. – disse James.


- Sirius nunca desistiu de uma luta. Não vai começar a fazer isso agora. – Lily respondeu dando um apertão encorajador na mão de Marlene. Era isso que ela esperava e era por isso que ela rezaria.


Para que Sirius vencesse a luta contra a escuridão de sua própria mente e voltasse para eles. 
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N/A: Alô, pipol. Capítulo dez postadíssimo. Cheio de emoções, hã? Sirius em coma, Marlene - Oh God - grávida e todos eles tentando achar um jeito de superar a tristeza e seguir em frente. Estou morta de pena do Sirius e sei que as meninas vão querer me matar, mas acontece. Por isso vocês tem que comentar muito. Eu preciso saber o que vocês acharam desse dez, ok? Então, façam-me feliz :)
Mais uma coisinha, eu coloquei o ano de nascimento da Lily como 1992 (embora saibamos que ela nasceu em 1960) porque a história se passa nos dias de hoje. Fora isso, o dia e o mês em que ela nasceu permanecem os mesmos.
É isso, gente. Um beijo e um queijo pra vocês. :*
Liv 

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Comentários (1)

  • Lana Silva

    Ahhhhhhhhhh que triste :/ capitulo muito triste. Nossa, acho que se fosse algum amigo meu eu piraria. Serio, é horrivel! Bem eu amei o capitulo, que apesar de triste foi lindo. Poxa fiquei triste pelo Sirius. Coitado dele. O.O beijooooos *-* 

    2012-07-24
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