Em Tuas Pupilas



Novembro, fim de. Era simplesmente a época mais angustiante do ano, fosse pela expectativa do natal ou por aquela droga de neve que não parava de cair. Luna simplesmente odiava neve. Ela vestia seu novo adereço – pimentas enormes – nas orelhas, e estava deitada com a cabeça no colo de Ron, embaixo de uma árvore nos jardins da propriedade, mesmo que não houvesse mais ninguém nos jardins.

Ela às vezes olhava para aqueles olhos azuis, como os dela. Ela podia ver muitas coisas por um olhar. Sua incerteza, sua indecisão, sua ilusão. Ela de alguma maneira sombria gostava daquilo.

Por que amar Ron Weasley, item 57: Seus olhos são intermináveis. Não são profundos, mas simplesmente não tem como desprender seu olhar deles, uma vez já perdidamente apaixonada por ele.

-Luna? – Perguntou Ron, repentinamente.

-Ah, que foi? – Perguntou ela.

-Você estava lendo o diário para mim.

-Estava é?

-Sim. – Disse Ron, revirando os olhos. Aqueles olhos. Por que amar Ron Weasley, item 58: Por que as sardas abaixo do olho esquerdo formam um desenho que parece um Nundu apanhando um Fiuum. – Você parou na frase “foi quando as primeiras desavenças...”

-Ah sim, lembrei. “Foi quando as primeiras desavenças começaram a surgir.” - Leu Luna. – “Slytherin queria que fossem aceitos só os mais nobres, cujo sangue não havia sido diluído pelo matrimônio com a ralé. Hufflepuff ponderou sobre a proposta de Slytherin, e chegou a mera conclusão de que a fundação da escola devia ser simplesmente abortada.”
“Mas Godric, ah Godric. Ele não deixou, não deixaria! Hogwarts era seu filho, e ele era um pai obsessivo. ‘Vamos dividir Hogwarts em quatro’, disse ele. ‘Cada um tutorará quem lhes agradar.’”
“‘Ensinarei aos astutos e nobres em sangue.’ Disse Slytherin. ‘Ensinarei àqueles de mente sempre alerta, e com fome de conhecimento’, jurei a mim mesma. ‘Aceitarei ensinar àqueles cujo ímpeto e coragem predominam em seus corações’ disse Godric. ‘Resta a mim ensinar a todos que têm vontade de aprender!’ Declarou Hufflepuff por assim. Surgiram as casas, em Hogwarts, e portanto, a competição entre nós quatro. Câmaras secretas e desconhecidas por todos nós, ouso dizer que eu não conheço todos os segredos da escola que eu construí.”

-O resto é baboseira. – Disse Luna.

-Quer dizer, nada que a gente não soubesse, certo? – Confirmou Ron.

-Exato. – Disse Luna. – A não ser o fato que Ravenclawn se referia à Salazar como Slytherin, Helga como Hufflepuff, mas Godric ela tratava com o primeiro nome.

-O que não nos interessa em nada, eu acho. – Disse Ron, bocejando. Luna fechou o livro e se aconchegou em Ron, puxando o cobertor que eles puseram embaixo de si para não se encharcarem na neve.

-Está com frio? – Perguntou Ron.

-Um pouco. – Admitiu Luna. Ron pôs os braços em volta dela, e ela fez menção de resistir, mas não fez nada.

-Por que agora quem resiste é você?

-Por que eu fico atenta para que você não passe por nenhum dos limites. Eu digo, você ama Hermione. – Disse Luna. Luna ainda notava o quanto Ron se abalava por Hermione, e a maneira que ele a olhava, ansioso, quase esperançoso.

-Eu ainda defendo a minha tese de que você me fará esquecer dela.

-Eu ainda digo que se você acha que eu sou pancada na nuca você está tremendamente enganado. E eu estou satisfeita com o posto de sua melhor amiga.

-Você sabe que o resto de Hogwarts já não nos rotula mais como melhores amigos né? Quando Hermione era minha melhor amiga ela não se deitava no meu colo, por exemplo.

-Ron, quando você é eu... Reformulando a frase, quando alguém é como eu, esse alguém entende o quanto não é importante levar em consideração o que os outros acham.

-Mas como eu não sou você...

-Você está incomodado com os rumores? Se você está incomodado com os rumores, por que você quer namorar comigo mesmo?

-É que são rumores falsos! No caso dizem que nos namoramos, quando eu ainda não consegui essa proeza!

-Ah, namorar comigo seria uma proeza? Só alguém com coragem e força de Aquiles conseguiria?

-Não foi isso que eu quis dizer, Luna! – Disse Ron, arregalando os olhos.

-Eu sei que não. – Disse Luna, rindo. Luna de repente ficou séria e pensativa.

-O que houve?

-Nada.

-Qual é sua definição de nada?

-Ausência de matéria, ou seja, sem neurônios para produzir algum sentimento ou pensamento ou qualquer coisa para produzir um som. Nada.

-O que houve? – Repetiu Ron.

-Você é insistente quando quer. – Reparou Luna. – Papai me mandou uma carta. Eu conheço a caligrafia dele, ele estava nervoso. Ele falou que estava com problemas no trabalho, por isso a carta ia ser corrida. Papai estava com problemas no trabalho desde que vazou a informação de que ele entregou Harry pros comensais.

-Admita, aquilo foi sacanagem.

-Você não sei o quanto eu briguei com ele por causa disso. Mas de qualquer jeito, ele foi rotulado por leviano, infiel, traidor, essas coisas. Mas eu entendo ele, não que eu faria a mesma coisa que ele, mas eu o entendo. Eu sou a única pessoa que ele tem, seria... insuportável me perder. – Ron estremeceu com a hipótese, e Luna sentiu uma satisfação infantil com a reação de Ron. Ela se aconchegou mais um pouco. – Bem, o ministério estava começando a detonar O Pasquim. Quer dizer, o Profeta foi o primeiro a anunciar que Xenófilo Lovegood era um traidor. Papai foi a julgamento, você sabe.

-Sim, toda a comunidade bruxa sabe. – Concluiu Ron.

-É, bem, temo que O Pasquim tenha fechado as portas. Eu disse pra ele ir ao Alasca, se ele tivesse ido ele ia ter conseguido pelo menos fotos com os candeeiros que flutuam na Lua-Nova, e quem sabe uma entrevista! Ele ia lucrar como nunca!

Ron aprendera a não perguntar o que eram aquelas coisas e só assentir.

-De qualquer forma, você quer ajuda com o dever de transfiguração? – Perguntou Luna, girando a varinha entre os dedos.

-Não precisa. Ontem eu quase consegui transformar um vaso de flores em uma cesta de cobras, e você viu.

-Tirando o fato de que as cobras tinham pétalas, e que pra sobreviverem elas tiveram que ter ser plantadas na horta da Profa. Sprout, é, foi uma transformação quase perfeita!

-Háhá. – Riu Ron, sem forças. Ele parou quando viu que Pichi vinha até ele. A última carta que mandara para sua família fora para Bill, e ele geralmente esquecia de responder. O fato dele ter respondido tão prontamente não deu a Ron uma sensação boa. Pichi pousou no ombro de Luna dando-lhe uma bicadinha amorosa, e estendeu a pata para Ron. Ele desamarrou o pergaminho da pata do animal e acariciou suas plumas castanhas, abrindo e lendo em voz baixa – alta o suficiente pra Luna ouvir - a carta. Pichi, hiperativo como era, começou a voejar em volta de suas cabeças, soltando penas pra todos os lados.


 


“Caro e prezado Ronald Weasley,


 


Mais conhecido como Roniquinho.

Fico feliz em saber que você superou minhas expectativas e não cortou os pulsos por não ter agüentado a pressão de ser solteiro novamente. Eu é que atualmente ando afim de estrangular Fleur, mas eu penso no nosso pequeno filho que está por vir. Ele está previsto pra início de dezembro, você sabe, não? Estou muito, muito excitado.

Ah, mamãe está passando um tempo aqui em casa. Para cuidar da Fleur, ela diz, mas eu sei que é para não cuidar do Jorge. Ele está muito doente – gripe, eu acho - mas ele não quis ser levado ao Saint. Mungus. Você deve ter entendido que Jorge provavelmente estava mexendo em artigos ilegais, mas bem, ele foi para A Toca pra mamãe cuidar dele, mas quem está cuidando dele mesmo é papai.

Você já soube do Xenófilo? Luna provavelmente já contou pra você. O Profeta tanto cutucou que derrubou as vendas d’O Pasquim, e o Xenófilo está quase fechando as portas. A última vez que eu fui À Toca, eu vislumbrei ele de longe, e meu Deus, ele estava um lixo.

Voltando ao assunto, estou preocupado com mamãe. Peça à Gina para mandar uma carta pra ela, ou algo assim. Ela sabe tratar com a Sra. Weasley.

Bom, maninho, tenha um ótimo tempo aí – o céu está vomitando neve aqui – e aproveite suas aulas. Estou com saudades, quero te ver logo.

Abraços do seu obviamente mais querido irmão,


William Weasley


 

Silêncio. Quase deu para ouvir as engrenagens do cérebro de Luna mexendo e mexendo e mexendo.

-Sinto muito.

-Pelo que? – Perguntou ela quase que imediatamente

-Pelo seu pai.

-Ora, você não tem o que sentir. Eu sei o quanto você odeia – E quando Ron começou a falar ela continuou – e não o culpo por isso. Mas muito menos papai. Ãn... Tenho certeza que papai dará um jeito, eu confio nele. Você devia estar mais preocupado com Sra. Weasley.

-E estou. – Sussurrou Ron.



No terceiro andar do castelo, uma garota observava atentamente o casal no jardim da escola. Pudera, eram os únicos fora do castelo, e suas vestes negras de inverno se destacavam naquele plano branco que era o Jardim de Hogwarts. Seus olhos brilhavam, mas ela não queria chorar. Ela sentia remorso, saudades, mas maior que tudo isso, determinação. Sentir saudades não era sinônimo de forma alguma de sentir falta.

-O que você tá olhando, Hermione? – Perguntou uma voz arrastada atrás da garota, que se assustou e tentou disfarçar.

-Que susto, garoto! Não apareça mais do nada, assim!

Draco examinou os jardins e encontrou Ron e Luna. Seu semblante se transformou, mas não pra algo muito diferente do que era, mas para o antigo Draco.

-Por que está olhando aquele pobretão, Granger?

-Granger? – Perguntou Hermione, começando a andar atrás de Draco, que caminhava em passos rápidos escadaria acima. – Você não me chamava de Hermione?

-Eu... – Ele parou para se agarrar no corrimão quando a escada começou a se mover. Quando ela estacionou, ele entrou pela estreita passagem que se abrira na sua frente e continuou falando. – costumava te chamar de Hermione quando eu gostava de você.

-Você me viu olhando para o Ron, e daí? – Perguntou Hermione, o desafiando. – Isso é ciúme?

-E se for, Granger? – Disse ele, parando bruscamente e agarrando Hermione. Ele a empurrou até uma parede e a encarou. – Se eu te dissesse que eu te amo loucamente você diria o mesmo?

-N-não, ora, que impertinência! – Disse ela, corando instantaneamente.

-Sua boca diz uma coisa, seu sangue diz outra. – Ele tocou no peito de Hermione e sentiu seu coração acelerado. – Mas se “não” é sua palavra final... – E dizendo isso ele chegou perigosamente perto. O coração de Hermione disparou, e ela começou a suar frio. Suas mão se fecharam em um punho enquanto ela encarava aqueles olhos cinzentos que não paravam de se aproximar. -, isso é uma discussão perdida. – Dito isso ele deu as costas e seguiu andando determinado.

Hermione quase desabou ali mesmo. Ela respirou fraca e dificilmente, e quando achou sua voz novamente, gritou, chamando a atenção até de alguns Hufflepuff do terceiro ano que passavam por ali.

-Seu COVARDE!

-Covarde? – Perguntou ele, girando nos calcanhares.

-Você não vai nem... Insistir?! Você não acabou de me dizer que me ama loucamente? – Disse, notando logo após o quão idiota soaram aquelas palavras.


- Eu lembro de ter dito "e se eu te amasse loucamente". Mas não lembro é de ter dito que eu desistiria de você. – Ele sorriu do jeito mais charmoso que ela já vira alguém sorrir, para rasgar sua boca em um sorriso maldoso, completando: - Sangue-ruim!

Ele deu as costas e dobrou o corredor. Ela quase urrou de raiva, mas ao invés disso, o que saiu de sua boca foi uma risada. Um pouco mais histérica que o normal, mas uma risada.



A insônia andara sendo uma parceira fiel na cama de Ron Weasley. Há quantas noites não conseguia dormir direito? Por mais que se revirasse na cama, não adiantava. E quando ele estava disposto a dormir, seu próprio ronco costumava acordá-lo.

-Ah, não pode ser! – Sussurrou, se levantando da cama. Desta vez ele nem se prestou a se aquecer na lareira, por mais frio que estivesse, atravessou o quadro da Mulher Gorda imediatamente, e se esgueirou pelos corredores sorrateiramente até a Cozinha.

Não se surpreendeu ao ver uma vela acesa, e uma garota lendo um livro enquanto garfava uma torta.

-Você costuma dormir, Luna?

Ela fez um sinal delicado para ele sentar-se ao seu lado, mas sem falar nada ou olhar para cima. Ela gesticulou, e ele entendeu que ela leria o diário para ele.

-“Nunca amei Slytherin tanto quanto eu aparentava amar. Ele era perdidamente apaixonado por mim, enquanto o homem por quem me apaixonara já era casado. O que não foi empecilho nenhum para que ele me engravidasse. Foi necessário que eu me casasse com Slytherin, e que minha filha aparentasse ser dele, para que nada mudasse em Hogwarts. Tudo bem que ele estranhou minha mudança de comportamento repentina, por que foram anos de rejeição, para eu aceitá-lo de uma hora para outra. Ele aos meus olhos era simplesmente repugnante. Por mais que o dono de meu coração insistisse para fugirmos para um lugar isolado, onde pudéssemos criar cabras e viver de amor, aquela proposta não me agradava de todo, mas Deus sabe o quanto eu queria assumir meu amor por Godric Griffindor.
“Helena nasceu uma garota linda. E era morena, para minha sorte. Minha sentença estaria decretada caso ela nascesse com alguma característica evidente de Godric, como seus cabelos cor de fogo. Neste meio tempo, quando eu vi o lado paternal de Slytherin, foi que eu notei a pessoa que ele realmente era. Ele era incrível, justo, adorável, e belo. E nós formávamos um casal perfeito, e seríamos um, caso Godric não existisse. Godric não me completava. Ele excedia todas as expectativas, tudo o que eu podia querer. Ele era meu tudo e muito mais ainda. Ele era minha existência, meu ser...”


-E eu traduzi até aí. – Disse Luna.


Ron ponderou sobre um bocado de coisas. Vendo Luna lendo aquele diário totalmente feito por códigos, por exemplo, ele finalmente entendeu por que aquela garota era uma Ravenclawn. Ele sentiu uma admiração instantânea por ela, naquele momento.

-Helena Ravenclawn, filha de Godric Griffindor... Eu não sabia nem que Rowena fora casada com Salazar Slytherin! – Disse Ron.

-E há algumas páginas, Rowena narra como ela construiu aquela sala que encontramos para se encontrar escondida com Godric. Romântico, não?

-Eles eram uns bons sacanas, isso sim! – Sussurrou Ron.

-Ah, eu entendo um pouco a Rowena. Quero dizer, Godric era seu sol, sua base, mesmo ele sendo casado. Tendo ela engravidado dele, ela precisava de alguém para assumir o seu bebê, ela não podia dizer que simplesmente engravidara do espírito santo. Logo, alguém que fosse apaixonado por ela era perfeito. Não tardou a casar-se com Slytherin, e fingiu ter engravidado dele. Você não lutaria com todas as armas para não ter seu sol eclipsado?

-Você lutaria? – Pergunto Ron.

-Com todas as armas. – Repetiu ela.

Ron sorriu e acariciou seu rosto.

-Você já faz isso?

-Ron, você é tão cego... – Disse Luna, fechando os olhos. Ela fez carinho no cabelo de Ron, e levou até a sua boca um pedaço de torta.

-Você vai engordar, Luna. – Disse Ron, de boca cheia.

-Não me importo. – Disse Luna, bocejando.

-Qual é o lance da Torta de Amora, afinal?

-Como assim?

-Sempre que você está aqui está comendo essa torta. – Reparou Ron. – Faz parte de alguma superstição? Preferência?

-Não, é que a torta que menos tem aceitação em Hogwarts. Sempre sobra dezenas delas, no fim do dia. Como você é prova viva disso, deve saber que eu me atraio facilmente por rejeitados.

-O que você quer dizer com isso? – Perguntou, meio ofendido.

-Citava como eu amei você quando você estava o mais deslocado possível, e como eu amei Neville.

-Você amou Neville? – Perguntou Ron, levantando uma sobrancelha. Não pelo fato dela ter amado Neville Longbottom, mas pelo fato dela contar a Ron com tanta naturalidade.

-É, mais eu conjuguei corretamente o verbo. Amei.

-Bem, você conjugou da mesma forma quando disse que me amou.

-Desta vez talvez eu tenha conjugado errado.

Mais uma vez aquela cozinha virava um inferno pessoal à Ron. Não que ele estivesse pior que da ultima vez, mas ele estava sim, sentindo-se mal. Quando Luna ia ceder? Quando ela admitiria a si mesmo que ela amava Ron, e que eles ficariam inevitavelmente juntos? Mas o que importava agora, é que ela estava ali agora, e enquanto ele pudesse fitar aqueles olhos azuis, ele estaria bem.

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