CAPÍTULO II



CAPÍTULO II

Uma criada aguardava Harry à entrada da casa dos Weasley. Ao vê-lo com seu fardo, ela levou a mão à boca e depois correu para a cozinha, gritando por lady Weasley.
Molly chegou apressadamente, as faces coradas pelo calor do fogo. Mas, à vista de seu filho, inconsciente nos braços de um estranho, empalideceu.
- Rony. Ele...
- Não, milady. Mas está muito ferido.
Com mão delicada, ela tocou o rosto do filho.
- Vamos levá-lo para o quarto. Por aqui, por favor.
Atravessaram o hall de entrada e depois galgaram uma reluzente escada de mogno, com Molly à frente iluminando o caminho com uma vela. Uma vez no quarto, Harry carregou seu amigo até a cama e o fez deitar. Enquanto lhe afrouxava a gola da camisa, uma jovem de compleição delicada chegou correndo.
- Mamãe...
- Gwen... Graças a Deus! - suspirou Molly. - Rony está muito ferido.
- Acenda as velas e os candeeiros, Fiona. - disse a jovem à criada que a seguira. - Vou precisar de muita luz.
Depois colocando a mão na testa do irmão, ela voltou-se para Harry.
- Ele está febril. Quer me ajudar a tirar-lhe as roupas?
Harry respondeu com um leve gesto de assentimento.
Enquanto as roupas de Rony caíam ao chão, Gwen deu breves instruções à criada para que providenciasse bacias de água, ataduras e ungüentos, e só então inclinou-se para examinar o ferimento. Quando Fiona voltou com o necessário, não perdeu tempo: limpou delicadamente o corte e aplicou-lhe os medicamentos que sua experiência prescrevera para tais casos.
Apesar de seus cuidados, Rony começou a queixar-se e a gemer. Ela despejou então um pouco de xarope de papoula numa taça de madeira, que introduziu por entre os lábios dele com a ajuda de Molly. Quando o viu mergulhar em leve sonolência, sentou-se na beirada da cama e pôs-se a costurar a ferida.
- Temos que fazer baixar a febre, mamãe. É perigoso, no estado dele.
- Rony é forte como um touro. - disse Molly calmamente. - Vai resistir.
Enquanto banhava a testa do rapaz com água fria, ela voltou-se para Harry e olhou-o com gratidão.
- Obrigada por tê-lo trazido para casa. Pode nos contar o que aconteceu?
- Naturalmente. Sofremos uma emboscada a algumas milhas ao sul de Glenroe. Rony acredita que os atacantes pertençam ao clã dos Campbell.
- Então foi isso... - Molly contraiu os lábios, mas prosseguiu, com voz tranqüila, educada: - Preciso me desculpar por não ter ainda me apresentado. Sou Molly Weasley, a mãe de Rony.
- E eu Harry Potter, grande amigo de seu filho.
Ela esboçou um leve sorriso.
- O conde de Ashburn, naturalmente. Rony escreveu-nos a seu respeito. Por favor, dê seu casaco a Fiona e fique à vontade.
- Ele é inglês! - explodiu Gina do umbral.
Harry virou-se para ela, surpreso. Havia desprezo em seus olhos verdes.
- Sei disso, Gina. - Molly voltou a sorrir para seu hóspede. - Seu casaco, lorde Harry. A jornada foi longa e acidentada. Tenho certeza de que gostaria de tomar uma refeição quente e de descansar um pouco.
Quando Harry levantou-se e tirou o grosso casacão de viagem, um grito abafado escapou dos lábios dela.
- Mas o senhor está ferido!
- Não é nada, senhora.
- Um simples arranhão. - observou Gina com desdém e tentou aproximar-se da irmã. Um olhar de Molly deteve-a.
- Leve nosso hóspede à cozinha e cuide de seu ferimento.
- Eu preferia cuidar de um rato! - exclamou a jovem, os olhos cintilando de ódio.
Molly ficou a olhá-la durante alguns segundos, o rosto como o de uma máscara de mármore.
- Você o fará. Está dito!
Harry interveio.
- Não é necessário, lady Weasley.
- Desculpe, mas é necessário. O senhor está agora sob meu teto. - Ela virou-se para a filha. - Gina?
- Está bem, mamãe. Faço isso pela senho¬ra. - A jovem curvou-se com um sorriso forçado. - Queira ter a bondade de me acompanhar, lorde Harry.
Interessado em observá-la, Harry pareceu não notar a ironia e seguiu-a pelo corredor, e pelos dois lances de degraus estreitos da escada de serviço. A cozinha era aconchegante e recendia aos ricos aromas que evolavam de um caldeirão dependurado sobre o fogo e de uma assadeira cheia de tortas ainda quentes.
Gina indicou-lhe uma cadeira.
- Sente-se, my lord.
Ele a obedeceu.
- Espero que não desmaie à vista de sangue, srta. Weasley.
- E eu espero que o senhor não tenha um ataque de nervos, quando vir sua linda camisa arruinada!
Era mais do que um simples arranhão. Foi o que ela percebeu ao ver a mancha pegajosa a alargar-se sobre o ombro da camisa. E, embora o homem fosse inglês, sentiu-se um pouco envergonhada. Evidentemente, o corte abrira-se quando carregara Rony para dentro de casa.
Cortou-lhe a camisa junto ao ombro e lavou-lhe o ferimento. A carne dele era quente e macia sob seus dedos, e ele cheirava não a perfumes e a pó-de-arroz, como imaginava que todos os ingleses cheirassem, mas a cavalos, suor e sangue. Estranhamente, isso despertou-lhe uma certa piedade e tornou seus toques mais gentis do que ela pretendia.
"Ela tem o rosto de um anjo e a alma de um demônio. Uma combinação bastante interessante", pensou Harry, reprimindo a custo a vontade de enterrar os dedos naquela profusão de cabelos cor de fogo, encaracolados, que lhe desciam graciosamente pelo pescoço. "É um conjunto de encantos que nada fica a dever às mais formosas damas de Paris."
Sem perceber que estava sendo intensamente observada, Gina trabalhou com competência e rapidez, limpando a ferida e aplicando-lhe um dos ungüentos de ervas de Gwen. O odor era agradável e a fez pensar em bosques e flores. Mal notou que havia sangue inglês em seus dedos.
Ao alcançar as ataduras, ele ergueu a cabeça. De repente, viu-se tão perto dele quanto um homem e uma mulher poderiam ficar sem estar abraçados. Notou que seus olhos eram verdes, mais escuros do que quando haviam pousado nela. Sua boca, de lábios bem delineados, curvara-se agora num princípio de sorriso, que transformava suas feições angulosas, emprestando-lhes uma inesperada luminosidade. Por um segundo, talvez dois, ficou imóvel, a olhá-lo.
- Vou viver? - murmurou ele.
Aí estava! A voz inglesa, zombeteira, presunçosa! Não precisou de outra coisa para que desfizesse o clima de encantamento que começava a instalar-se. Sorriu e apertou as ataduras com tanta força que arrancou um gemido dos lábios dele.
- Oh! Desculpe, my lord. - disse então com fingida humildade. - Magoei-o?
Harry cruzou calmamente as pernas, pensando que seria um prazer estrangulá-la.
- Não se importe com isso.
- Não me importarei. - Gina levantou-se para remover a bacia. - É estranho, mas nunca imaginei que o sangue inglês fosse tão aguado.
- Não tão aguado quanto o sangue escocês que fiz correr hoje.
- Se era sangue dos Campbell, concordo. Mas não lhe fico grata por isso.
- Mylady me ofende, se pensa que é gratidão que eu espero de você.
Sem mais uma palavra, ela virou-se e tirou do armário uma tigela de madeira, ao invés de um prato de louça fina, encheu-a de ensopado e colocou-a com força sobre a mesa. A seguir, despejou um pouco de cerveja numa caneca de estanho, e jogou algumas bolachas de aveia num pratinho.
- Seu jantar, my lord. E tenha cuidado para não se engasgar!
Harry levantou-se em toda a sua estatura e, pela primeira vez, ela notou que ele era quase tão alto quanto Rony, embora fosse mais esguio.
- Seu irmão me avisou que a senhorita era geniosa.
Gina pôs as mãos nos quadris e olhou-o através das pálpebras semi-cerradas.
- Sorte sua, my lord. Assim não fará a tolice de me contrariar.
Ele deu um passo na direção dela.
- Se pretende correr atrás de mim ameaçando-me com a espada de seu avô, como fez com seu irmão, pense duas vezes.
Ela apertou os lábios, como se estivesse sufocando o riso.
- Por quê? Tem pés ligeiros; Sassenach? - perguntou, usando o termo gaélico para designar o odiado invasor inglês.
Harry sorriu e tomou-lhe a mão, levando-a aos lábios.
- Sou-lhe grato por seus cuidados e sua hospitalidade, srta. Weasley.
Em resposta, Gina virou-lhe as costas e saiu da cozinha esfregando a mão na saia.

Naquela noite, depois de uma ceia leve, mas satisfatória, Harry retirou-se para os aposentos que lhe haviam sido destinados. Enquanto descansava, pensou que seu amigo descrevera os Weasley com admirável exatidão.
Molly era uma mulher encantadora, bem educada, mas de pulso firme. A jovem Gwen, tão doce, discreta e envergonhada, possuía, no entanto, uma extraordinária capacidade para atender um leito de enfermo e cuidar de ferimentos. Quanto a Gina... Rony nada dissera, mas sua irmã era uma loba com um rosto que rivalizaria com o de Helena de Tróia. Ela tinha bons motivos para não gostar dos ingleses. Achava, porém, que devia julgar os homens pelo que eles eram, não por suas nacionalidades.
"Devo também julgá-la pelo que ela é e não por sua beleza?", pensou. Quando ela começara a correr na direção do irmão, os cabelos esvoaçando ao vento e o rosto refletindo intensa emoção, ele tivera a impressão de ter sido atingido por um raio. Felizmente, não era homem de se deixar seduzir por um belo par de olhos e um lindo corpo. Viera à Escócia para lutar pela causa em que acreditava e não tinha que se preocupar se uma garota mal educada que o considerava como pertencente a uma raça infame!
Levantou-se e, enquanto media o aposento com largas passadas, refletiu que, devido a seu alto nascimento, não tivera outro interesse na vida senão reverenciar o nome de sua família e cultuar a memória de seus antepassados.
Desde a mais tenra idade, aprendera que ser um Potter era não só um privilégio como uma responsabilidade. Não considerara nenhuma das duas coisas com leviandade. Se o tivesse feito, estaria agora em Paris, usufruindo dos prazeres e das extravagâncias de uma sociedade elegante, e não ali, nas montanhas da Escócia, arriscando tudo para apoiar um jovem príncipe em sua empresa. Debatia-se ainda com esse problema, quando uma batida na porta interrompeu suas reflexões.
- Sim? – perguntou, voltando-se.
A jovem criada que o recebera na chegada entrou e lançou-se em profunda reverência.
- Queira desculpar-me, Lorde Harry.
Harry suspirou impaciente.
- Posso saber do que está se desculpando?
- Lorde Weasley chegou e deseja vê-lo. Se for de sua conveniência, senhor. - disse a moça, ainda não se atrevendo a levantar a cabeça da humilde postura.
- Certamente. Descerei num minuto.
Quando ela saiu, Harry escovou cuidadosamente o casaco de seu único traje formal. Trouxera consigo apenas uma muda de roupas, deixando na carruagem, que devia chegar a Glenroe no dia seguinte, o grosso de seus pertences.
Mas isso não o aborreceu. E assim, minutos depois, desceu as escadas, esbelto e elegante num traje negro com botões prateados. Uma camisa branca, enfeitada com um jabô de rendas espumosas, complementava sua indumentária. Em Paris ou Londres, seguiria a moda empoando os cabelos. Mas ali, no campo, julgara de bom-tom dispensar tal cuidado e os penteara para trás simplesmente.
Lorde Weasley esperava-o na sala de jantar, junto à lareira, cujas chamas crepitavam, altas, às suas costas. Os cabelos vermelhos, abundantes e longos, caíam-lhe até os ombros e uma barba da mesma cor cobria-lhe as faces. Em homenagem ao ilustre hóspede, ele encontrara tempo para cuidar de sua pessoa. Estava irrepreensível no saiote pregueado que lhe assentava muito bem já que era tão alto e forte como seu filho. Como ele, usava um gibão de pele curtida, guarnecido com um broche de ouro representando uma cabeça de leão.
- Lorde Potter! O senhor é bem-vindo à Glenroe e à casa de Arthur Weasley!
O sorriso era cordial, os olhos desanuviados e a mão firme ao cumprimentar.
- Obrigado por acolher-me aqui! - Harry aceitou a cadeira e o porto que lhe eram gentilmente oferecidos. - Posso saber como está Rony?
- Mais descansado, embora minha filha Gwen afirme que ele terá uma noite difícil.
Arthur fez uma ligeira pausa.
- Rony escreveu-nos dizendo que o senhor é amigo dele. E mesmo que não tivesse dito, seria considerado como tal por trazê-lo de volta para nós.
- Obrigado, senhor.
- A sua saúde, my lord. - Ele sorveu um longo gole de vinho e depois continuou: - Soube que sua avó era uma MacDonald.
- Efetivamente, senhor. Uma MacDonald da ilha de Skye.
O rosto de Arthur, curtido pelo sol e pelo vento, abriu-se num largo sorriso.
- Nesse caso, é duplamente bem-vindo. – Ele ergueu novamente a taça e olhou para seu hospede com ar interrogativo. – Ao verdadeiro rei?
Harry retribuiu o brinde.
- Ao rei que está além-mar. - disse, sustentando com firmeza o olhar de Arthur. - E à rebelião que virá.
- Sim, bebamos a isso - respondeu seu anfitrião, e virou a taça de um só trago. - Agora, diga o que aconteceu ao meu rapaz.
Harry falou sobre a emboscada, descrevendo com pormenores os homens que os haviam atacado. Enquanto ele falava, Arthur inclinou-se para a frente, não perdendo uma só palavra do que era dito.
- Morte infame aos Campbell! - vociferou ele, dando um soco na mesa e fazendo os copos tilintarem.
- Conheço um pouco da rivalidade que impera entre os clãs e os feudos, lorde Weasley. E tudo leva a crer que a emboscada foi um simples caso de vingança pessoal. Mas não descarto a hipótese de que fomos o alvo de uma conspiração.
- Como assim?
- Os rumores sobre o apoio dos jacobitas ao legítimo rei podem ter chegado até aqui.
Arthur afagou a barba, pensativo.
- Quatro contra dois, não foi? Não é tão estranho assim, quando se trata dos Campbell. Disseram-me que também o senhor foi ferido.
- Um arranhão. - Harry encolheu os ombros. - Quanto a Rony, foi uma infelicidade. Se o cavalo dele não tivesse escorregado, seu adversário não o teria colhido fora de guarda. Seu filho é um espadachim de primeira, my lord!
- Ele diz a mesma coisa do senhor. - Arthur sorriu. Não havia nada que ele mais gostasse do que uma boa luta. - Não houve também uma escaramuça a caminho de Calais?
Harry sorriu à lembrança.
- Uma simples diversão.
- Gostaria de ouvir toda a história. Mas, antes, conte-me tudo a respeito do Príncipe Galante e de seus planos.
Conversaram durante horas, enquanto as velas pingavam gotas de cera. Esvaziaram a garrafa de porto e esqueceram as formalidades. Eram apenas dois homens unidos pelos mesmos ideais, ambos guerreiros por berço e temperamento. Poderiam lutar por razões diferentes, um numa desesperada tentativa de preservar seu modo de vida e suas terras, o outro por uma simples questão de justiça, mas lutariam sempre.
Quando se separaram, Arthur para ver seu filho e Harry para tomar um pouco de ar fresco e dar uma olhada em seus cavalos, sabiam tudo o que necessitavam saber um do outro.
Era tarde quando Harry voltou da estrebaria. A casa estava silenciosa, o fogo abafado. Fora, o vento fazia estalar os galhos, lembrando o quão distante se encontrava de Londres e de tudo que lhe era familiar.
Perto da porta, fora deixada uma vela acesa para guiá-lo na escada. Apanhou-a e começou a subir os degraus, embora não estivesse ainda com sono. Os Weasley haviam-no interessado desde a primeira vez em que partilhara com Rony uma garrafa de vinho e a história de suas vidas. Sabiam que eram unidos, não apenas por obrigações familiares, mas por inquestionáveis laços afetivos e um amor comum à terra onde haviam nascido.
Naquela tarde, tivera ocasião de verificar isso. Não houvera choros e gritos, quando ele carregava Rony para casa, nem desmaios femininos. Pelo contrário. Cada um fizera a sua parte. Era desse tipo de compromisso que o príncipe Charles necessitaria nos meses que viriam.
Ao chegar ao patamar, no topo da escada, não se dirigiu diretamente ao seu quarto, mas dobrou pelo corredor na direção do quarto de Rony. A porta estava aberta e as cortinas do leito corridas, deixando ver que seu amigo dormia sob o edredom de plumas. Sentada ao seu lado, Gina lia um livro à luz do castiçal.
Era a primeira vez que a via fazer jus a seu nome. A suave claridade, seu rosto calmo parecia extraordinariamente encantador. Ela trocara o vestido de casa por um chambre verde-escuro, fechado no pescoço, que acentuava a alvura de sua tez. Enquanto a observava de longe, com olhos especulativos, viu-a inclinar-se para o irmão e tomar-lhe o pulso.
- Como está ele?
Ela sobressaltou-se e, quando ergueu os olhos, sua expressão transformou-se de súbito, dando lugar a uma atitude reservada e fria.
- A febre está ainda alta. Mas Gwen acha que baixará pela manhã.
Harry deu alguns passos para a frente. O cheiro de remédios, misturado ao de papoulas, competia com o odor de resina das achas que ardiam na lareira.
- Coll me disse que ela sabe operar milagres com as ervas. Já vi médicos com mãos menos firmes do que as dela, no ato de coser uma ferida.
- Ela tem o dom de curar, além de um coração de ouro. Teria ficado a noite toda à cabeceira de Rony, se eu não a tivesse posto para fora do quarto.
- Então, a senhorita põe para fora todo mundo, não apenas os estranhos? - Ele a impediu de retrucar com um gesto de mão. - Acalme-se, minha querida, ou seus gritos irão acordar sua irmã e o resto da família.
- Não sou sua querida!
- Mera forma de expressão.
O enfermo mexeu-se no sono e Harry perguntou:
- Ele já voltou a si?
- Uma ou duas vezes, mas não está ainda plenamente consciente.
Gina umedeceu uma toalha e banhou com ela a testa febril de seu irmão.
- É melhor o senhor se retirar. Poderá vê-lo amanhã de manhã.
- E a senhorita?
As mãos dela eram gentis ao cuidarem do irmão, e ele imaginou como seriam acariciando-lhe o rosto.
- O que há comigo?
- Não tem ninguém que a leve para a cama?
Ela ergueu os olhos, plenamente consciente do significado daquelas palavras. Mas limitou-se a dizer:
- Sua vela está no fim, lorde Potter.
Harry assoprou-a, mergulhando-os na doce intimidade da luz do único castiçal.
- Uma vela é suficiente.
- Espero que ache o caminho para seu quarto no escuro.
- Tenho uma vista excelente. - Com gestos lânguidos, ele apanhou o livro que ela estivera lendo. - Macbeth?
- Está admirado? As senhoras de suas relações não costumam ler?
- Algumas.
Harry folheou rapidamente o livro, observando:
- É uma história de horror e de crime.
- E de poder. É a vida, my lord. Ela pode ser terrível, como os ingleses nos provam tão freqüentemente.
- Macbeth era escocês. - lembrou-a ele. - E essa história degradante, de infortúnio e desespero, nada tem a ver com a realidade! É assim que vê a vida?
- Eu a vejo como ela pode ser.
Harry encostou-se à mesa. O ponto de vista dela o interessava.
- Não vê Macbeth como um vilão?
- Por quê? Ele se apoderou do que, no seu entender, lhe pertencia.
- E seus métodos?
- Eram rudes, brutais. Talvez os reis devam ser rudes. O príncipe Charles não conquistará o trono pedindo por favor.
- Não. - Ele fechou o livro com um golpe seco. - Mas não se pode comparar traição com uma luta leal.
- Uma espada é uma espada, seja lançada pelas costas, seja no coração.
Harry fitou-a. Os olhos verdes brilhavam como chamas à luz da vela, quando ela continuou:
- Se eu fosse homem, lutaria para vencer. E, para tal, usaria qualquer método.
- E a honra?
- Há mais honra na vitória!
- Acredita mesmo nisso?
- Houve uma época em que os Weasley eram caçados como animais. E quando se é caçado como um animal, aprende-se a lutar como ele. Não esquecemos, lorde Potter. E não esqueceremos jamais!
- Estamos em outra época, Gina.
- E ainda assim o sangue de meu irmão foi derramado!
Num impulso, ele cobriu-lhe a mão com a dele.
- Dentro de alguns meses, muitos irão derramar seu sangue. Infelizmente, não por justiça, mas por vingança.
- Tanto melhor, se nos for dada uma oportunidade para a desforra! O senhor pode dar-se ao luxo da justiça, my lord. Nós, não!
Rony gemeu e começou a mexer-se e Gina voltou sua atenção para ele.
- A ferida irá abrir-se novamente. Segure- o, por favor, my lord.
Ela despejou um pouco de uma poção calmante e narcótica numa taça de madeira e levou-a aos lábios do irmão.
- Beba isso, querido.
Sua mão tremia e ela não se opôs, quando Harry tirou o casaco e enrolou as mangas de punhos rendados, disposto a ajudá-la. Juntos, banharam o enfermo com água fria e o forçaram a tomar mais um pouco da poção de Gwen. Depois, permaneceram de vigília.
Harry observava-a, enquanto ela se debruçava sobre a cama, ajeitando a cabeça ruiva de Rony nos travesseiros, ou falando-lhe em gaélico. Os sons, por mais ásperos que pudessem ser, tinham, vindos daquela bela jovem, um efeito romântico e agradável. Tocavam-lhe o coração pela doçura com que eram proferidos e pela expressão de bondade de quem os dizia.
Gina olhava-o de quando em quando, furtivamente. Ele estava obviamente preocupado com a saúde de seu irmão. Sem sua ajuda, ela seria forçada a acordar sua irmã ou a sua mãe. Assim, por algumas horas, procurou esquecer que lorde Potter representava tudo o que desprezava no mundo e aceitou sua presença no quarto.
De vez em quando, sobre a cama ou a mesa, suas mãos se roçavam. Porém, ambos procuravam ignorar essa pequena intimidade. "Ele pode estar preocupado por Rony, mas, ainda assim, é um inglês", pensava Gina. "Ela tem mais inteligência e coragem do que qualquer mulher que já conheci, mas é o terror dos jovens escoceses", pensava Harry.
Ao amanhecer, Rony havia superado a crise. Gina engoliu as lágrimas de alívio e ajeitou-o bem na cama.
- A febre cedeu. Acho que o pior já passou, mas é melhor que Gwen verifique se as ligaduras estão no lugar e se os ferimentos apresentam melhoras.
- E quase dia. Agora, ele vai dormir um sono tranqüilo e reparador.
Harry endireitou-se. O fogo, que havia alimentado durante a noite, ainda ardia na lareira. Ele desabotoara a camisa, para seu maior conforto, e Gina teve, nesse instante, a visão de um peito amplo e musculoso.
- Sim, já é dia. - disse ela, caminhando para a janela a fim de esconder sua perturbação.
Harry voltou-se para olhá-la: Os primeiros clarões do amanhecer tingiam o horizonte, envolvendo-a em dourada opalescência. Os cabelos vermelhos pareciam uma coroa real. O rosto, pálido de cansaço, era dominado pelos olhos, que pareciam maiores, mais escuros e mais misteriosos.
"Terá consciência da visão encantadora que proporciona?", perguntou-se.
Gina sentiu um calor estranho invadir-lhe o corpo, enquanto ele a fitava. Queria que ele parasse com isso. Fazia-a sentir-se... fraca, vulnerável. Subitamente medrosa, desviou os olhos.
- Não há mais necessidade que o senhor permaneça aqui.
- Não, não há.
Ela deu-lhe as costas e Harry tomou isso como uma ordem para que ele se retirasse. Fez uma curvatura irônica, e caminhou para a porta, mas parou no limiar, quando a ouviu soluçar.
- Não há necessidade de lágrimas. Rony está melhor.
Gina enxugou os olhos com a ponta dos dedos, envergonhada.
- Só percebi que estava com medo que ele fosse morrer agora que a crise passou.
Harry ofereceu-lhe seu lenço.
- Enxugue as lágrimas.
- Obrigada.
- Melhor, agora?
- Sim. - Ela respirou fundo. - Mas gostaria que o senhor se retirasse.
- Para onde quer que eu vá? Para o meu quarto ou para o diabo?
Os lábios dela curvaram-se num sorriso.
- Para onde quiser, my lord.
Ele sentiu a tentação de beijá-los e a consciência disso espantou-o tanto quanto o sorriso dela. Queria sentir os lábios macios, entreabertos e cálidos sob os seus! Num impulso, alcançou-a e mergulhou os dedos naqueles cabelos que pareciam feitos de luz, à claridade do sol nascente.
- Não. - disse Gina, admirada de que sua negação soasse tão pouco convincente.
Ele tomou-lhe a mão e beijou-a.
- Você está tremendo.
- Não devia deixar que me tocasse.
Sem forças para evitar as sensações que a sufocavam, ela apoiou-se contra aquele peito forte e vigoroso, arquejando. Quando o viu abaixar a cabeça, fechou os olhos e entreabriu instintivamente os lábios.
- Gina?
Ela virou-se abruptamente e seu rosto ardeu de vergonha ao ver-se diante de Gwen, que se debruçava sobre a figura adormecida de Rony.
- Pensei que estivesse ainda na cama. - murmurou, aproximando-se. - Você dormiu apenas algumas horas.
- Foram suficientes? E Rony?
- A febre cedeu.
- Graças a Deus!
Envolta num chambre azul, com os cabelos dourados a lhe emoldurarem o rosto de feições delicadas, Gwen parecia realmente o anjo que Rony descrevera.
- Ele está dormindo e vai dormir por mais algumas horas. - afirmou ela, quando se certificou de que o irmão estava inteiramente livre dos sintomas febris.
Ao erguer os olhos, viu Harry junto à janela e surpreendeu-se.
- Lorde Potter! O senhor passou a noite em claro?
- Ele já ia se recolher. - interveio Gina nervosa.
- O senhor precisa descansar. Lembre-se de seu ferimento.
Harry fez uma leve inclinação de cabeça.
- Eu a agradeço por seu interesse. Mas não se preocupe. Vou direto para a cama. - Os olhos dele deslizaram para Gina irônicos. - Seu criado, senhora.
Gwen sorriu, sonhadora, quando ele desapareceu nas sombras do corredor.
- Tão bonito...
A irmã encolheu expressivamente os ombros.
- Para um inglês...
- Foi muita gentileza da parte dele ficar à cabeceira de Rony, não acha?
- Não! E quero que ele apodreça numa fossa!


N/A: Pessoal, segundo capitulo postado, espero que gostem.
Agradecimentos Especiais:
'Guinhaah B.: que bom que gostou da fic, espero que continue lendo, Abraços.
Thamis No mundo ........: Realmente, ela é boa, fico muito contente de contar com sua presença, Beijos.
Bianca: Que bom que gostou, ela é realmente muito geniosa, uma verdadeira Rebelde, a capa nem ta la essas coisas, mas fico feliz por ter gostado. Beijos.




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