Coisas que acontecem em plena

Coisas que acontecem em plena




Capítulo 12

Coisas que acontecem em plena lua-de-mel



Snape estava amando. Apaixonado. Gamado.


Ele nunca tinha passado por isso na vida, mas agora não sabia viver sem pensar em Martha, sem olhar para ela durante o dia, concentrada na loja, com seus vestidos compridos e cabelos soltos, ou olhar para ela durante a noite, com os cabelos largados no travesseiro, o corpo bem-feito que parecia chamar pelo dele. Ele não sentiu os dias nem as semanas se passando, só o que ele sentia e queria sentir ainda mais era o calor que parecia aquecer até o fundo de sua alma.


O romance era acompanhado de perto pelos McTaggart, que sugeriam saídas com todos juntos. Quando o tempo permitia, a família toda se deslocava para um parque fazer piquenique na relva enquanto o Pequerrucho corria pelos campos verdes. Nessas ocasiões, eles geralmente reservavam um tempo para fazer algo que Martha adorava: dar comida aos peixes, patos e cisnes. Ela gastava a exorbitância de uma libra para comprar um saco de farelo para dar para os bichos. O pequeno Billy insistia em ir junto, e era preciso Brian ameaçar tirá-lo da Henriqueta para que a criança deixasse o casal ter um pouco de privacidade.


Mas nem as travessuras do menor dos McTaggart tiravam o encantamento de Snape, que parecia estar permanentemente numa espécie de transe. Ele não se lembrava quem era Dumbledore, o que era Hogwarts e que o mundo tinha alguém chamado Harry Potter, ou muito menos Lord Voldemort. Sentia-se livre, e era uma sensação da qual parecia não querer se desgrudar de jeito algum.


Foi numa noite, quando Martha cozinhava macarrão com queijo (ela não tinha muito jeito na cozinha), que esse mundo lhe apareceu de novo. Ela estava na cozinha, e ele a ajudava, cortando cebolas com a mesma precisão que cortava figos da Abissínia. Na diminuta janela da cozinha, que ficava sobre a pia, uma grande coruja apareceu, dando de cara com o vidro. Martha se assustou.


- O que foi isso? - Ela olhou para a janela e se agarrou a Snape. - Tem um bicho ali! Mata ele!


Snape gelou ao se dar conta de que a coruja tinha uma carta no bico. Não, não. Isso não podia estar acontecendo.


- Calma, querida - disse ele. - Está tudo bem.


A coruja bateu com o bico no vidro, exigindo poder entrar. Como se tratava de uma grande coruja de celeiro, Snape achou melhor deixar que ela entrasse antes que quebrasse a janela.


- Isso! - incentivou Martha, ao ver que ele estava abrindo a janela. - Enxota ela!


- Não posso - disse Snape, deixando a coruja entrar. - Ela tem uma carta para mim.


O animal sobrevoou a cozinha e alojou-se em cima da geladeira. A coruja virou a cabeça para olhar o pingüim de louça com curiosidade.


- Uma carta?


- Sim. Esse é o correio bruxo. É uma maneira comum de nos comunicarmos. Não temos telefones.


Martha sorriu, aliviada:


- Ah, bom. Puxa, e eu me assustei à toa. Tadinha. Ela deve estar cansada.


Sentindo que a trouxa estava mais calma, a coruja saiu da geladeira e pousou no ombro de Snape. Quando ele pegou a carta, ela abriu o bico, entregando-a. Assim que Snape tinha sua carta nas mãos, a coruja resolveu voltar para a geladeira e fazer companhia ao pingüim - que, estranhamente, não parecia impressionado.


Martha bateu palmas.


- Que gracinha!


Ao ver que a coruja não voou pela janela aberta, Snape franziu o cenho. Aquilo significava que ela esperava uma resposta. Ele viu a letra miúda e caprichada de Alvo Dumbledore, e seu coração se apertou. "Severo Snape - Mundo Trouxa" era todo o endereçamento que o envelope continha. Como nenhum sonserino que se preze é um procrastinador, o mestre de Poções de Hogwarts resolveu abrir logo a carta.


Martha não notou o estado de angústia do namorado, e olhou para a coruja em cima da geladeira:


- Será que ela quer comer alguma coisa? Eu acho que eu tenho um biscoitinho aqui... E se ela me morder? Você não vai me morder, vai?


A coruja voltou os olhos amarelos para a mulher e deu um pio.


- Hum, eu acho que isso é um sim. Será que ela come queijo? - Ela pegou um pedacinho e colocou na palma da mão - Acho que assim não tem perigo dela me bicar.


Assim que localizou o queijo na mão de Martha, a coruja abriu as asas e piou alto, avisando que estava a caminho. Depois, pousou no ombro de Martha. A moça se riu:


- Ai, que bonitinha! - Ela levantou a mão para a coruja pegar o queijo. - Tá com fome, tá, lindinha? - A coruja piou, e Martha andou com cuidado para pegar um outro pedaço de queijo. - Pronto, pronto. Aqui tem mais queijinho. Se o meu senhorio sonha que eu tenho um bicho desses aqui... Não pode ter animais no prédio.


Snape não ouvia o que Martha tagarelava de modo tão alegre. Ele sentiu um peso no estômago ao ler a carta de Alvo. Era tudo que ele não queria ler naquele momento.



"Querido Severo,

É com satisfação que escrevo para lhe informar que os problemas responsáveis pelo seu afastamento foram totalmente sanados. Você pode reassumir suas funções sem qualquer temor de represálias. Aguardo sua resposta com alegria e ansiedade.


Alvo Dumbledore

Diretor de Hogwarts."



A voz de Severo Snape sofreu uma transformação radical quando ele se virou para Martha e perguntou:


- Você tem papel e caneta? Eu preciso responder a isso.


Ela continuava com a coruja no ombro, e a ave parecia ter gostado da dieta de queijo, pois abriu as asas pedindo mais:


- Sim, naquela gaveta. Só não repara a bagunça.


A coruja ainda teve tempo de comer mais dois pedaços de queijo enquanto Snape escrevia uma resposta curta e quase enigmática. A ave deixou o ombro de Martha e ficou encarapitada na pia, ao lado do pedaço de queijo, esperando ser alimentada.



"Alvo,

A situação aqui é complicada. Levarei alguns dias para resolver a situação aqui. Mandarei uma coruja quando tudo estiver solucionado.

SS"



Martha já estava tão íntima que até passava a mão na cabeça da coruja, quando Snape se aproximou. A coruja esticou a patinha e ele amarrou o bilhetinho.


- Ah, você já vai! - disse Martha à ave - Espero que agora pelo menos não esteja com tanta fome.


A coruja piou em agradecimento e foi até a janela, onde esticou as asas e levantou vôo na noite. Snape tinha um ar sombrio quando observou a ave se afastar.


Martha indagou:


- Quando você vai voltar?


- Como você sa-


- Ora, Sev, eu posso parecer burra, mas até eu sei o que aquela coruja veio fazer aqui. Eles te chamaram de volta, né?


- Sim - ele disse pesadamente - O bilhete era do diretor da escola, informando que eu já posso reassumir minhas funções.


Martha assentiu:


- Sei. E quando você vai?


- Eu pedi alguns dias, para... deixar tudo em ordem.


- Ah, tá - ela disse, sem demonstrar emoção alguma - Sev, eu quero fazer uma pergunta.


- Pois não.


Com o ar mais natural do mundo, ela perguntou:


- O que você quer fazer sobre nós?


Essa era a pergunta que ele absolutamente mais temia. Não havia sido nem uma nem duas vezes que ele tinha refletido sobre o assunto, e ele simplesmente não tinha encontrado resposta para aquela pergunta. Não era nada simples.


O que ele queria era agarrar Martha e não largar nunca mais, talvez até viver como um trouxa tranqüilamente. Mas ele não podia fazer isso. Ele tinha responsabilidades e compromissos no mundo bruxo. Menos por causa de Hogwarts e algum compromisso acadêmico e mais devido à iminente batalha entre o Mal e a Luz.


O trabalho dele como espião não havia terminado, e Voldemort ainda era uma ameaça. Omitir-se nessa hora seria ainda pior do que virar um Comensal da Morte em tempo integral. Era uma atitude covarde, e Snape podia ter muitos defeitos, mas não era nem um covarde nem um omisso. Mas deixar Martha definitivamente era uma perspectiva que o desagradava. Mais que isso: ela o apavorava.


- Eu... não sei - respondeu sinceramente.


Ela chegou perto dele e indagou:


- Sev, você é sincero em gostar de mim?


Snape a apertou contra si, fechando os olhos, inalando o aroma que tanto o inebriava, e sussurrou, emocionado:


- Eu nunca senti por outra pessoa o que sinto por você, Martha. Acredite nisso.


- Eu quero que você use esta mesma sinceridade para saber o que você quer fazer.


- Não é tanto uma questão de querer...


- Eu não acredito nisso - disse a moça, agora séria - Não entende que se você fizer o que não quer fazer, isso vai lhe causar um dano muito grande?


Ele quase riu, de maneira triste:


- Essa é a história da minha vida, Martha. Toda a minha vida eu fiz coisas que os outros queriam. Há coisas sobre mim que você não sabe.


Suavemente, Martha disse:


- Você vive dizendo isso para mim. Não acha que já pode falar dessas coisas comigo? Ou você ainda não confia em mim?


- Não é isso, meu amor. É claro que eu confio em você.


Ela pegou as mãos dele entre as suas e as beijou, dizendo:


- Então deixe eu lhe dizer uma coisa sobre mim que você não sabe - Ela ergueu a cabeça para olhar dentro dos olhos dele. - Eu amo você. Nunca disse isso para ninguém antes, mas eu amo você demais.


Snape arregalou os olhos. Ele jamais esperaria uma coisa dessas. Mas Martha não tinha terminado:


- Você é a coisa mais importante da minha vida nesse momento, Sev. Mas se você não quiser ficar comigo, pode me dizer.


- Querida, eu...


- Não, espera eu falar uma coisa. Eu sei que você pode não se sentir do mesmo jeito e que para você, eu fui apenas um passatempo até que esse chamado chegasse. Se for esse o caso, então eu gostaria de terminar tudo agora mesmo, porque se não eu vou me sentir ainda mais ferida.


- Martha, por favor...


- Só mais um pouco, Sev - Ela continuou com as mãos dele entre as dela e de vez em quando os olhos dela se enchiam de lágrimas - É que eu gostaria que você soubesse também que eu estou disposta a ir com você para onde for. Desculpe ir me atirando dessa maneira, mas se você se sentir aberto a isso, eu também sou. Essa é outra coisa que eu nunca imaginei fazer com ninguém, só com você. Eu nasci e cresci em Londres, nunca saí daqui para outro lugar nem nunca deixei ninguém morar comigo. Se você quisesse ficar, eu convidaria você para morar comigo. Mas eu sei que você vai embora. Eu sinto isso, aquela minha coisa amalucada de premonição, sabe? E se você quiser ir embora sozinho, eu vou ficar muito triste, mas eu vou entender. Só porque eu gosto de você, não quer dizer que você goste de mim - e mesmo se gostar, talvez não seja o suficiente para me levar com você.


Das muitas reações que Snape tinha esperado de Martha, aquela certamente não era uma delas. Ele viu uma lágrima escorrer de um olho verde que o encarava, e aparou-a com a ponta de seus longos dedos. Ela fechou os olhos e inclinou-se na direção da mão dele, para senti-la em seu rosto.


- Agora pode dizer o que quiser.


Ele quase riu:


- Você... me deixou sem palavras - Ela riu - Eu não sei o que dizer.


- Primeiro você tem que saber aonde pisa. O que você quer realmente?


Num impulso, Snape a apertou ainda mais contra si:


- O que eu quero eu não posso ter.


- Isso é bobagem, Sev - Ela se afastou - Acho que você precisa decidir o que quer fazer. E eu quero dizer o que você quer fazer, não o que você precisa fazer. Só assim você vai poder tomar uma decisão com a qual poderá viver.


Uma decisão com a qual poderei viver, repetiu Snape para si mentalmente. Nada poderia ser mais difícil.


Por outro lado, o rosto de Martha, tão cheia de confiança e tão aberta e vulnerável, o fez apaixonar-se totalmente mais uma vez. E como ela tinha dito coisas profundas com graça e simplicidade ao mesmo tempo.


Mas Snape sentiu seu peito se apertar. Ele resolveu colocar para fora seus medos:


- Eu gostaria de não ter que deixar você. Mas como posso pedir que você me acompanhe? Isso exigiria que você abandonasse tudo, amigos, família, para se trancar num castelo antigo num lugar frio e longe. Sem contar que eu não sei se isso é permitido.
- Você não sabe se você pode viver com alguém?


- Eu moro na escola. Há regras. Mas eu dizia quanto a uma trouxa saber sobre o mundo mágico... Eu não sei isso é perm-


Ela se afastou dele mais ainda, magoada:


- Você me chamou do quê?


Ele se deu conta do que havia dito:


- Não é o que você está pensando! É assim que chamamos pessoas não-mágicas no nosso mundo. Viu? São essas coisas que podem deixar você em desvantagem. Sem mencionar que você não tem magia... não tem como se defender.


- É um lugar tão perigoso assim?


- Não, mas você não ter magia é uma desvantagem imensa. Por exemplo, você não anda de vassoura e uma vassoura não agüenta duas pessoas.


Ela tentou disfarçar uma risada:


- Você anda de vassoura? No ar, voando?


- Eu prefiro Aparatar, claro.


- Mas você anda de vassoura? - Ela já estava com um sorriso aberto. - Com essas suas roupas?


- O que têm minhas roupas?


- Nada. Elas só não parecem próprias para andar de vassoura.


- Viu como você estaria em desvantagem?


Martha encarou Snape:


- Você não me protegeria?


Ele disse:


- Claro que sim, mas você é uma mulher inteligente, que tem condição de se defender sozinha.


- Eu não tive muita sorte com Eddie.


- Bom, ele foi embora, não foi? - Snape nem ficou vermelho, ele trazia Eddie transfigurado dentro do bolso o tempo todo - De uma forma ou de outra, você se defendeu dele como pôde. Mas você não pode se defender de um feitiço.


- Sev - ela chegou perto dele -, eu não tenho mais ninguém no mundo. Não tenho muitos amigos e minha família toda morreu. Nada me prende aqui. Se eu não voltar nunca, ninguém vai sentir minha falta.


- O Sr. Winthrop discordaria de você. Ele aprecia muito seu trabalho.


- É, eu sentiria falta dele. E dos seus amigos também, se quer saber. Você também vai sentir a falta deles, né?


Snape empalideceu. Isso não lhe passara pela cabeça. Como ele daria essa notícia aos McTaggart?


- Ah - ela notou. - Vejo que você não tinha pensado nisso.


- Realmente - ele admitiu. - Eu disse que a situação é complicada.


Martha disse, de repente parecendo preocupada:


- Sev, por favor, não me entenda mal. Eu não quero pressioná-lo. Não tome nada do que eu falei como uma forma de pressão. Eu só quero que saiba como eu me sinto. É só isso.


- Eu também não queria que houvesse mal-entendidos - disse ele. - Eu temo por você, Martha. Você não me conhece direito. Eu acho que você sofreria por minha causa. E não estou nem falando sobre eu magoá-la, o que eu jamais faria de modo consciente. Mas as pessoas... não gostam muito de mim. Podem descontar em você. Eu odiaria se isso acontecesse.


- E elas não poderiam também ficar ressentidas porque eu não tenho poderes mágicos?


Snape pensou em seus alunos sonserinos e colegas de sangue puro.


- Sim, alguns podem, mas não todos. Há muitas pessoas que têm origem trouxa.


Ela estreitou os olhos, irritada:


- Vocês não podiam ter escolhido uma palavra mais simpática? Quem sabe uma que não existisse?


Snape sorriu pela simplicidade dela:


- Desculpe, mas não há muita coisa que eu possa fazer. Eu... acho melhor voltar para casa.


- Mas já? - Martha pareceu magoada. - Não vai jantar?


- Eu... preciso pensar. Por favor, Martha, eu não quero magoá-la. E você teve trabalho de preparar o jantar. Desculpe por isso, mas... eu tenho que ir.


Ela olhou para a pia e disse:


- Tudo bem. A coruja já comeu a maior parte do queijo, mesmo. Não se preocupe com isso, Sev. Aliás, eu queria perguntar: você quer que eu te chame de outra coisa?


Snape a encarou:


- Depois de todo esse tempo, você acha que eu me importo com o que você me chama?


- Não, eu quero saber de que nome você prefere ser chamado - Ela pareceu constrangida - Desculpe nunca ter perguntado.


- Meu nome é Severo.


Martha sorriu e o abraçou:


- E eu gosto de chamá-lo de meu amor. Mas já que pediu, eu vou passar a chamá-lo de Severo.


- Obrigado. Agora eu realmente devo ir.


- Vá com cuidado - Ela o beijou - Amanhã a gente se vê na loja.


- Boa noite.


Ele deixou o prédio dela com grande dificuldade. Aliás, foi tão difícil sair do prédio dela que ele voltou imediatamente, tomou-a nos braços e levou-a para o quarto. De lá, só saiu na manhã seguinte, com uma decisão tomada.



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