Caindo na rotina




Capítulo 7

Caindo na rotina



O verso era pobre, a rima não existia e a vozinha cantarolando fazia Snape querer arranhar as paredes como um gato alpinista.


- Sevvie está namorando! Sevvie está namorando!


Brian gritou:


- Pequetito, todo mundo já ouviu!


Mas o pequeno só mudou o tom da cantiga:


- Sevvie e Martha, namorados! Namorados, Martha e Sevvie! Sevvie-wevvy!


Mais uma vez. Só mais uma vezinha apenas e ele iria jogar uma azaração naquele garoto que o faria voar pela chaminé.


Brian foi mais rápido, e sua voz trovejou pela casa:


- William Boney McTaggart, você vai fechar a matraca agora mesmo ou vai ficar um mês longe da Henriqueta!


Fez-se silêncio sepulcral. Billy correu para o seu quarto.


Snape ergueu uma sobrancelha. Brian cochichou para ele:


- Ehehehe. O guri adora aquela moto.


Grato pelo alívio momentâneo, Snape observou:


- Percebe-se.


Claro, o alívio não durou muito tempo. Eles estavam na sala, Edna e Brian no sofá, Snape numa poltrona, todos de frente para uma caixa colorida com imagens que se mexiam como fotografias bruxas. Bom, talvez não como fotografias bruxas, porque Snape tentou pedir a uma das mulheres na tela que chorasse mais baixo, e ela não atendeu. E as pessoas na tela continuavam a se mexer como se não estivessem vendo os três na sala. Ele descobriu que aquilo eram as letras T e V que Edna tanto falava. Parecia que grande parte da vida dela tinha a ver com coisas que aconteciam na tela.


Sev achava aquilo estranho.


Edna falou:


- Daqui a pouco vou colocar o batatinha para dormir.


Snape desejou que ela fizesse isso instantaneamente. Aliás, ele até ajudaria com o resto da solução de capuz-do-frade.


Mas aí ele sentiu um tapa na sua coxa. Brian sorria para ele largamente, mostrando todos os dentes amarelados.


- Mas me diz aí, você já tá com um broto mesmo, é Sev? - Brian assentiu, de maneira aprovadora. - Aí, garoto, mandou ver! Arrasando os coração das mina!


Snape inspirou profundamente, procurando paciência:


- Como eu já expliquei exaustivamente, a Srta. Scott é minha colega de trabalho. Nós sequer trabalhamos na mesma sala.


Brian riu-se e disse, afetado:


- É um amor proibido, Sevvie. Que liiiiindo!


Snape estava a ponto de se irritar:


- Nós somos apenas colegas de trabalho.


- Mas você levou ela para casa, não foi?


- Exato. Mas foi para proteção dela. Ela tem um namorado com tendências homicidas.


Edna estava de olho na caixa com imagens coloridas, mas comentou:


- Ih, cara assim é caixão. Essa sua mina precisa de uns conselhos. Tá na cara você vai precisar se livrar dele, Sevvie.


- Não será necessário. Ele não vai mais incomodar a Srta. Scott.


Brian se impressionou:


- Nossa, Sevvie! Você despachou o cara? Tu é um arraso, cara! Isso mesmo: o cara tá se engraçando com a tua gata, tu mete porrada!


- Não! Ele... fugiu quando nós nos confrontamos. Ele tentava agredir a Srta. Scott de maneira torpe e vil.


Edna disse:


- Então se ele se mandou, a costa tá limpa. Pode jogar seu charme para cima da mina.


- Isso não seria direito.


- Como não? Você acabou de dizer que o cara tá fora da jogada.


- Sim, mas...


- Então vai fundo, Sevvie - Brian passou um braço em volta do volumoso corpo de sua mulher. - Não tem nada melhor na vida do que uma bruzundunguinha só da gente.


Edna sorriu para o marido e eles se beijaram longamente. O estômago de Snape se embrulhou. Mas não por desgosto. É que Brian tinha falado algo que era bem certo, e tinha atingido Snape em cheio. Nada como uma bruzundunguinha. Seja lá o que isso significa.


No dia seguinte, Snape chegou cedo ao trabalho. Martha já estava no local, e cumprimentou-o com um sorriso. Ela lhe passou os pedidos que deveriam ficar prontos pela manhã - e foi gentil e cortês.


Snape esperava que Martha mostrasse alguma mágoa ou raiva com relação a ele. Contudo, ela tratou-o com muita cortesia. Cumprindo o que prometera, ela parecia fingir que nada tinha acontecido no dia anterior. De alguma forma, ao invés de tranqüilizar Snape, isso o angustiou. Os dois trabalharam trocando palavras apenas sobre amenidades.


Até a metade da tarde.


Snape trabalhava numa loção de proteção solar, imaginando que tipo de pessoa faria uma encomenda dessas em plena chuvosa Inglaterra, quando viu Martha parada à porta, e parecia encabulada:


- Sim, Srta. Scott?


- Sev, eu... estou sem jeito, mas queria lhe pedir uma coisa - Ela parecia nervosa. - Será que você se incomodaria de me levar para casa hoje? Sabe, como você fez ontem?


- Algo errado? Eddie... ele não voltou. Voltou?


- Não, não, ele não voltou. Mas eu estou com medo que ele volte. Que ele esteja me esperando de novo. Se ele estiver lá, e me pegar sozinha....


- Ele não vai estar, fique descansada.


Ela tremia:


- Sev, eu acho que ele vai me matar. Eu estou com tanto medo... Por favor... Eu ficaria tão mais tranqüila se você fosse.


Snape sentiu algo no estômago dele ao vê-la tão nervosa.


- Se isso a fará se sentir melhor...


- Sim, por favor. Obrigada, Sev. Isso significa muito para mim.


Aquelas palavras o deixaram mais leve o dia inteiro.


Snape não esquecera o que tinha feito com Eddie. A pequena cegonha de prata ainda estava no seu bolso desde a noite anterior. Pretendia deixá-lo transfigurado até Martha se sentir confiante, depois ele retornaria o canalha ao normal. Não que Eddie merecesse, mas ele não iria matar ninguém, se pudesse evitar. Mas ele não deixaria que aquele homem maltratasse Martha nem mais um minuto.


Naquela noite, os dois foram para o apartamento de Martha comentando sobre suas atividades do dia. Snape atreveu-se a indagar algumas coisas que não entendia do mundo trouxa, com cuidado para não chamar a atenção. Martha parecia gostar de responder.


Quando chegaram ao prédio, Martha insistiu que ele subisse. Ela realmente parecia tão assustada que ele aquiesceu, mas Eddie não apareceu, e ele recusou o convite para entrar. Martha não insistiu.


No dia seguinte, Martha mais uma vez pediu que ele a acompanhasse até em casa. Eles tinham saído do metrô e caminhavam rumo ao apartamento quando Martha disse:


- Sabe, Sev, andei pensando sobre você. Você não é um cara comum.


- Mesmo?


- Então, eu estive pensando que, se você estiver dizendo a verdade e não estiver fugindo da justiça, você pode até mesmo não ser estrangeiro.


- O que a faz você pensar assim?


- Você fala bem a nossa língua. Bem demais. Aí eu fui pesquisar na Internet.


Internet? Snape sabia o que era aquilo.


- Eu acho que você é um nobre do condado de Suffolk.


Snape ficou pálido. Como...


- Lá tem uma cidade com seu nome.


Era verdade. Uma cidadezinha de onde vieram seus antepassados, e na verdade, ali ficava ainda a Mansão Snape, guardada por dezenas de feitiços protetores antitrouxas.


Martha continuou:


- Eu acho que você viveu lá até agora, isolado de muitas coisas e das grandes cidades, talvez dedicado às suas ervas e receitas. Mas alguma coisa aconteceu e você precisou vir para Londres. Talvez eles o chamem de volta, por isso você disse que pode voltar a qualquer momento. - Ela procurou olhar a reação dele. - O que você acha de minha teoria?


Sem deixar transparecer coisa alguma, ele disse apenas:


- Acho que a senhorita tem uma imaginação muito vívida.


- Ora, mas é uma teoria muito boa. Veja bem, você fala perfeitamente, tem modos elegantes...


- ... e não tenho um shilling sequer.


- Viu? Você ainda acha que temos shillings. Eles foram trocados por pences, centavos de libra! Algumas coisas a seu respeito não fazem sentido, Sev. É como se você não tivesse vivido aqui até agora.


- Eu disse que tinha vindo de longe.


O tom dele foi tão gelado que ela estremeceu:


- Desculpe. Eu não quis me intrometer. É que... você tem alguma coisa que faz despertar minha curiosidade, Sev. Eu não quis te deixar constrangido.


Eles tinham chegado ao prédio dela. Snape disse:


- Não tem problema. Eu achei até... divertido.


Martha se virou para ele de repente e disse:


- Eu só quero que você me diga uma coisa. Se você for um alienígena, você conta para mim?


- Um o quê?


- Um ser de outro planeta.


- Outro planeta? Por que você acha que eu viria de outro planeta? - Ela olhou para ele, divertida, e ele percebeu que aquilo era uma piada. - Ah, entendo.


Ela riu-se:


- Ehehehe, você ficou preocupado um minuto. Não adianta negar.


Snape a observou rindo, e viu que os olhos dela brilhavam. Ela estava ainda mais adorável que o normal.


- Fiquei surpreso, só isso.


- Tudo bem, como queira - Ela abriu a porta para ele passar. - Pode subir.


- Martha, eu não vou entrar.


- Não precisa entrar se não quiser. É claro que o convite está de pé, mas eu não vou mais insistir. Mas eu realmente gostaria que você subisse comigo. Só subir até eu entrar dentro de casa. Por favor.


Agora os olhos dela estavam implorando. Ela realmente estava assustada. Snape sentiu o ódio por Eddie esquentar o sangue pelo que ele tinha feito com Martha.


- Está bem.


Ele se certificou que ela entrasse em segurança dentro de casa, e ela não insistiu para que ele entrasse na casa, despedindo-se na porta.





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