Compras e conversas



Capítulo 8

Compras e conversas



Snape não entendeu quando recebeu o envelope. Ele abriu o envelope e entendeu menos ainda. Sentindo a confusão dele, o Sr. Winthrop esclareceu:


- Hoje é sexta-feira. Dia de pagamento.


- Oh. Obrigado.


- Não, não me agradeça. Você mereceu, Sev. - E saiu.


Martha entrou no laboratório, com seu envelope na mão.


- E então, Sev? Planos para o dinheiro, agora que ficou rico?


Na verdade, ele tinha.


- Eu pretendia reforçar meu guarda-roupa. Alguma recomendação?


- Jura? - Ela parecia animada. - Eu posso ajudar você. Sei de uns lugares bem transados. Mas você parece preferir o estilo clássico. Acho que conheço um lugar perfeito. E os preços não são muito altos.


- Isso seria muito desejável.


- Você se incomoda de irmos hoje mesmo? Se sairmos rápido, ainda pegamos as lojas abertas.


- Não, na verdade, seria ótimo ir cedo.


- Beleza!


Ela parecia mesmo muito animada, e sorriu para ele, antes de voltar para a frente da loja. Snape mais uma vez teve aquela sensação esquisita no estômago. Ele ainda não sabia direito a que atribuir isso. Só sabia que não podia ser essas coisas de paixão, porque essas coisas não eram nada sonserinas.


Ao saíram da botica, os dois pegaram um caminho diferente do que costumavam. Martha ia indicando o caminho para uma área mais comercial. Ela deixou claro que não seria necessário pegar um ônibus.


Logo chegaram a uma loja de roupas razoavelmente grande, e Severo pôs-se a olhar os artigos. Acostumado a comprar suas capas na loja de Madame Malkin, ele se espantou com a quantidade de mercadorias no imenso galpão.


- Estranho que ninguém venha nos atender.


- Aqui não tem atendente - explicou Martha. - É um atacado. Significa que os preços são mais populares, mas não tem as condições de uma loja sofisticada.


- Entendo - ele olhou as etiquetas e teve um choque. - Isso é preço popular?


Ela se riu:


- É, você tem razão. Hoje em dia está tudo pela hora da morte! Está é uma das vantagens em ser súdito da rainha da Inglaterra.


- Como assim?


- Ora, nós é que pagamos pela vida dessa realeza toda. É um preço alto, eu sei, mas é um charme ter uma rainha, não acha? Ops, desculpe-me se feri algum dos seus sentimentos. Afinal, se você for um nobre mesmo, foi ela quem deu o título à sua família. Vocês da realeza é que sabem viver.


- Eu já lhe disse que eu não sou nobre! - Algumas pessoas próximas começaram a comentar e apontar para a presença de um nobre na loja. - Viu só?


Ela estava de ótimo humor, ao contrário de Severo:


- Ah, deixe que falem. Quem sabe até mandam uma pessoa para nos atender?


Snape revirou os olhos e balançou a cabeça.


- Mesmo se mandarem, eu não sei como poderei pagar. Você toma conta dos livros, então deve saber que meu salário não é compatível com esses preços.


- Ah, você quer mais barato? - Martha estava com os olhos brilhando. - Eu sei onde tem mais barato. Mas você não pode ser luxento.


- Luxento?


- É, digo, o local mais barato tem alguns inconvenientes. Mas vamos lá, deixa eu te mostrar.


Martha mais uma vez o guiou por entre ruas estreitas e cheias de gente. Parecia o Beco Diagonal na época em que os alunos de Hogwarts compravam sua lista de material. Então ela parou em frente a uma porta:


- É aqui.


Era uma loja um pouco menor do que o tal "atacado", mas era bem mais sortida. Ele viu quatro fileiras de cabides pendurados em grandes vigas de pelo menos 20 metros, todos entupidos de roupas. Além disso, no fundo havia sapatos, e à esquerda alguns móveis. Snape olhou para cima da porta da loja e viu uma placa: "Brechó da Dori".


- Brechó?


- Loja de artigos usados. Aqui tem de tudo! Entre, veja só.


Efetivamente, os preços tinham se reduzido a menos da metade do atacado. Algumas roupas estavam claramente gastas e desbotadas, outras descosturando em alguns pequenos pontos, mas na maior parte, elas estavam em estado bastante razoável. Os preços certamente eram dos mais convidativos.


Durante pelo menos duas horas, Snape e Martha se embrenharam nas profundezas do brechó londrino, e a moça obrigou Snape a experimentar todas as roupas que ele mostrava algum interesse. Uma vez vestido, ela queria ver e dava suas opiniões. Até escolheu algumas que achou que ele fosse gostar.


Snape estava impressionado. Martha sempre lhe pareceu uma moça tímida, mas ela tinha se transformado em uma mulher decidida e ativa. Havia também muita eficiência nas coisas que ela dizia sobre combinar as diferentes peças de roupa.


Quando deixaram o brechó, a noite caía e Severo tinha um embrulho grande nas mãos. Martha disse:


- Hum, eu estou com fome. Vamos fazer uma extravagância? Que tal parar em algum lugar para comer?


- Mas... não ficará muito tarde?


- Se prometer me levar para casa depois, tudo bem.


- Mas eu a levarei para casa de qualquer jeito.


Ela sorriu, marota:


- Ótimo. Acho que tem um pub ali, e ele não parece ser muito caro.


Eles entraram no local esfumaçado, escuro e cheio de gente. Martha disse:


- Vamos ficar no balcão. É mais barato.


Snape prontamente atendeu. O barman os viu:


- Oi, gente, o que vão querer?


- Comida - disse Martha. - O que tem que seja bem em conta?


- Salsichas com purê de batatas. Duas libras e meia.


- Vamos querer dois. Eu também vou querer uma cerveja e um copo de leite.


O barman ficou olhando para ela:


- A senhora está doente?


- Não. Eu gosto de misturar os dois. E você, Sev? O que gosta de tomar?


- Café.


- O que preferirem - O barman foi fazer o pedido, balançando a cabeça com aqueles dois.


Snape estava intrigado:


- Você realmente gosta de misturar os dois?


- Sim. Mas eu sempre deixo muito da cerveja, porque prefiro o leite.


- Você gostaria de uma bebida da minha terra. Chama-se cerveja amanteigada.


- Hum, parece ótima. E você, não toma álcool?


- Sim, tomo. Mas café é uma das minhas bebidas preferidas trou- Quero dizer, quentes.


Martha sentiu que ele tropeçou nas palavras e disse:


- Sabe, você é legal, Sev. Gente boa. Eu gosto de você.


- Obrigado.


- Você tem esse jeitão fechado e emburrado, mas é só fachada. O Sr. Winthrop logo notou isso em você - Ela olhou para ele. - Ele me disse o que você fez pelo filho de seu amigo.


- Bom, eu fiquei preocupado, só isso. E foi tudo culpa minha.


- Você fez uma coisa muito legal. E não fica se gabando. E eu não vou nem falar de tudo o que fez por mim.


- Eu também não tenho certeza se aquilo tudo não foi minha culpa também. Ou se eu não piorei as coisas.


Ela parecia encabulada ao dizer:


- Eu gostei do que fez. Obrigada. Eu me sinto melhor desde que Eddie foi embora. Mas eu morro de medo que ele esteja só esperando a hora de me atacar de novo.


- Acho que está claro que ele não vai voltar tão cedo.


Martha estremeceu ligeiramente:


- Eu queria ter certeza...


- Pode confiar - disse Snape. - Ele não vai voltar.


Ela olhou para Snape, os olhos sorrindo mais que os lábios:


- Você tem sido um amigão, Sev. Eu... queria lhe falar... mas... estou sem graça... Acho que você vai ficar chateado comigo.


- Chateado? Ora, por quê?


- Bem, porque... Bom, eu gosto de você e... acho que você não gosta de mim...Eu só queria saber...se isso é verdade.


Snape não estava entendendo:


- Como não gosto de você? Se eu não gostasse de você, acho que não estaríamos aqui.


- Não, eu não estou falando disso. - Ela enrubesceu. - Estou digo gostar, entende?


Agora foi a vez de Snape enrubescer, os lábios dele se abriram fazendo um "oh". Ele pigarreou, desconfortável:


- Você provavelmente está apenas entusiasmada por ter um novo colega de trabalho, depois de ter trabalhado por tanto tempo sozinha.


- Não, Sev. Eu gosto de você e achei que você gostasse de mim, mas depois que você me beijou você não falou mais nada, nem quis mais nada - Ela parou para tomar fôlego. - Desculpe. Eu tendo a falar muito quando estou nervosa.


- Por que está nervosa?


- Droga, porque eu gosto de você, Severo! - Ela colocou as mãos no rosto dele e o puxou, juntando seus lábios aos dele.


De novo, aquela sensação inebriante o invadiu, e ele sentiu de novo a maciez, a suavidade. Então os lábios se abriram e os dele também, e aí o calor foi abrasador, com o encontro das línguas, um contato que pareceu percorrer os lugares mais escondidos do corpo de Snape.


Todo o ambiente cessou, ele não ouvia nada, nem se importava com os fregueses do pub escuro e esfumacento, ele era todo sentidos, sentindo o beijo doce de Martha, que tanto o excitava, e ele parecia ser impotente para resistir àquela atração.


De repente, Martha recuou, os lábios deles se desgrudaram. Ela olhou para ele:


- É disso que estou falando.


Snape estava sem palavras.


- Você gosta de mim assim?


Martha assentiu, encarando-o com uma expressão inocente e delicada em seu rosto. Naquele momento, ela parecia uma menina ingênua, tão meiga. Ele sentiu o coração dele se apertando, por algum motivo, e não pôde evitar dizer:


- Mas... eu vou ter que voltar... Não vou ficar aqui...


Ela disse:


- Você sabe quando isso vai acontecer?


- Não.


- Mas vai ser logo?


- Talvez.


- Posso ir junto?


Snape não pôde evitar sorrir diante da simplicidade e ingenuidade dela:


- É um outro mundo, Martha. Você não entende.


Ela não se deixou vencer:


- Por que não me explica como é? Aí eu vou poder entender. A não ser que você ache que eu não tenho capacidade de entender, que eu sou burra.


- Não se trata disso.


- Se você não me explicar, eu nunca vou entender, Sev.


- Mas por que você iria querer vir junto?


- Por que eu sinto que vamos ficar juntos, Sev. Eu tive essa certeza desde que a gente se beijou pela primeira vez.


Aquilo fez Snape se arrepiar.


- Mas... você pode estar errada, não pode?


- Dificilmente estou. Mas é claro. Se você não gosta de mim, então eu...


- Mas por que você diz que gosta de mim? Você mesmo disse que eu sou emburrado. Além do mais, você não sabe nada a meu respeito.


Ela deu de ombros:


- Eu sei que você é um homem bom, com bom coração, que não é casado nem tem filhos, que ajuda quem precisa, que valoriza os amigos, não se incomoda em viver simplesmente, não é procurado pela polícia, teve boa educação, sabe fazer remédios e cosméticos naturais, é reservado e meio fechadão, nunca comeu comida chinesa, gosta de café, evita beber álcool e gosta de salsichas com batatas.


Ele piscou, um pouco atordoado. Nunca poderia imaginar que ela fosse tão observadora - ou que ele tivesse deixado transparecer tanta coisa a seu respeito. Martha olhou para ele e disse:


- E eu gosto do que eu sei sobre você.


- Há mais além disso. Não vai gostar.


- Só tem um jeito de descobrir: confie em mim.


Ele a encarou, os olhos dela brilhando como se fosse um desafio. naquele momento, ele mal a reconhecia.


- Você não sabe onde está se metendo.


- Severo, eu agüentei o Eddie. Nada do que você faça pode ser pior do que ele já me fez.


- Você pode se surpreender.


Ela o encarou, observando-o com atenção. Ele achou ter visto dor nos olhos dela. Mas jamais tanta dor quanto as palavras seguintes:


- Isso quer dizer que você não gosta de mim?


O coração dele se apertou:


- Não!... Quero dizer...


- Já entendi: eu sou uma moça qualquer que você não pode apresentar para a sua mãe rica e nobre, seja lá de onde foi que você veio!


- Martha, eu...


Ela não o deixou terminar, as lágrimas já correndo por sua face:


- Quando ela o chamar, você vai correndo e deixará tudo para trás, incluindo a moça qualquer que achava que era sua amiga!


- Não é nada disso, eu...


- Ou então você já está prometido em casamento para alguma duquesa de Kent, ou sei lá! - Ela usou a ponta do casaco para enxugar as lágrimas. - Vai ver você até gosta de mim, mas o fato de eu ser pobre...


- Não...!


-... seria um insulto à memória de seu falecido pai, quem sabe um duque ou conde de Snape!


- Eu não sou nobre!


De repente, todo o pub ficou em silêncio, olhando para eles. Martha ficou vermelha, fungando, e olhou para baixo, enquanto Snape balbuciava desculpas. Os clientes voltaram sua atenção para seus próprios assuntos. Ele cochichou:


- Eu nunca perco o controle dessa maneira. Desculpe, eu...


- Tudo bem - Ela deu de ombros, triste. - Eu sou uma boba, mesmo. Achando que você iria querer alguma coisa comigo.


- Martha, você não está entendendo. Eu acho que você é que não iria querer nada comigo.


Ela disse:


- Eu estou dizendo que quero. E não me importa o que você esconde - Ela arregalou os olhos. - Você é um agente secreto a serviçod e Sua Majestidade! - Antes que ele reagisse, ela logo se emendou. - Não, não, desculpa. Eu prometo que não tento mais adivinhar. Se você quiser me contar, pode me contar. Se achar que eu não devo saber, tudo bem. Você é que sabe o que é melhor para você, Sev. Eu só queria que você soubesse que pode confiar em mim.


Tamanha demonstração de confiança ele não esperava. E aquilo o fez hesitar. Ele poderia contar a ela, depois jogar um feitiço Obliviate para que ela se esquecesse. Logo depois, assustou-se com a própria sugestão. Não, ele não podia contar e arriscar expor o mundo mágico a uma trouxa! Era impensável!


Enquanto ele estava no dilema, a comida chegou.


- Aqui está, gente - Era o barman com as salsichas e batatas em dois pratos com porções individuais. - Bom apetite para vocês!


- Obrigada - disse Martha. - Hum, o cheiro está delicioso.


Snape começou a comer mecanicamente. Havia algo estranho no seu estômago, uma coisa que ele não sabia como definir.


Ele começou a cutucar as batatas cozidas no sal e dispostas em fatias esfareladas no prato com duas salsichas bem vermelhas e fritas. Mas sua mente estava longe. Ele percebeu que seu estômago tinha se transformado em algum repositório de um sentimento que ele ainda não entendia.


- Não gostou?


Ele olhou para Martha interrogativamente.


- A comida. Você está só brincando com ela.


Ela parecia tão animada e alegre como sempre. Nem parecia que tinham tido uma conversa daquele nível. De repente, bem quando ele pensou isso, ela disse:


- Bom, eu se fosse você, me preocupava de barriga cheia. Ficar preocupado de estômago vazio cria úlcera, sabia?


Ele quis saber:


- Você é sempre assim? Digo, você parece reagir bem a uma rejeição.


- Sev, eu sei que devia estar toda chateada, mas isso só iria estragar o meu jantar. Eu não estou disposta a desperdiçar meu dinheiro nem gastar mais dele comprando remédios por má digestão, então o melhor é comer tranqüilo e satisfeito, não acha? Além do mais, eu não quero que nada estrague a nossa amizade. Se você não quiser nada comigo, eu entendo. Mas eu gosto de você mesmo como amigo, Sev.


O estômago dele ficou bem melhor, e ele atacou as batatas com gosto. Realmente, estavam deliciosas. Mas eles não voltaram a tocar naquele "assunto".





Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.