O adorável sabe-tudo



O adorável sabe-tudo


O café da manhã transcorria como sempre, agitado e barulhento, com corujas sobrevoando as cabeças dos alunos que matraqueavam sem parar. Risadas, gritinhos, vozes que tentavam se sobrepor ao burburinho, tudo estava normal. Ninguém mais parecia lembrar das palavras do Chapéu Seletor além de Harry, Mione e Rony, que depois de conferir os novos horários falavam em voz baixa num canto.

—Eu acho que Dumbledore vai ter que falar a respeito com a gente, afinal fazemos parte da Ordem agora. — Hermione serviu-se de mais um pouco de chá .

—Não sei não...ele adora um mistério. — Rony afastou uma mecha de cabelo que caía sobre o rosto de Mione, que olhou para ele e sorriu.

—Eu acho que vamos descobrir de uma forma ou outra...— Harry pegou uma torrada e mordiscou de leve, sem vontade. Os pequenos gestos de cumplicidade entre Rony e Mione ainda o incomodavam um pouco, mesmo depois da conversa que tiveram na véspera. Os dois tinham contado a ele como tudo começara, sobre o constrangimento que sentiram por assumir diante de todos que estavam se gostando, sobre os primeiros encontros, o primeiro beijo. Os três tinham rido, se divertido com a estória, mas mesmo assim Harry percebia que ainda precisaria de um tempo para se acostumar com a situação. Para piorar, Arabella não aparecera para o café, e Harry notou que nenhum dos outros alunos do Intercâmbio se encontrava no Salão. Lamentava não estar com o Mapa do Maroto , e começava a achar que o recado da garota poderia ser na verdade uma brincadeira de Ginny. Harry quase não tinha dormido na véspera, agitado demais pela expectativa do encontro marcado com Arabella na orla da floresta, próxima ao lago. Mas , ainda que fosse brincadeira, estaria lá na hora marcada, logo depois da última aula da manhã, Poções. Harry suspirou, erguendo-se da mesa.

— Esqueci de pegar o livro de Feitiços... vou correr até o quarto, vejo vocês dois na sala de Flitwick — Acenou para os amigos, que sorriram com ar de cumplicidade. Harry saiu fingindo pressa , e tomou o caminho da sala do professor de Feitiços. Ainda era cedo para a aula, mas ele queria estar só com seus pensamentos . Caminhava pelo corredor silencioso quando ouviu vozes que saíam de uma das salas , logo à sua frente. A porta se abriu de repente e ele se viu diante de Severus Snape, que o fitou com o olhar gélido de sempre. Logo atrás dele surgiu o zelador Filch , acompanhado da insuportável Madame Nor-r-ra. A gata fixou em Harry seus olhos redondos e acusadores e miou, pulando para o colo de Filch, que a acariciou.

— O que faz por aqui sozinho, Potter? Perdeu-se? — A voz de Snape tinha um tom azedo , levemente irônico.

— Não. Pensei em chegar mais cedo na sala do Professor Flitwick para tirar uma dúvida com ele, só isso...

—Verdade? Fabuloso... É claro que se levarmos em conta que você não é exatamente um aluno exemplar, e que o novo ano sequer começou, isso pode soar meio estranho. No entanto, espero que seja verdade. No sexto ano, e sendo uma lenda viva , você deveria ser um exemplo para os alunos mais jovens. Pense bem antes de fazer qualquer tolice esse ano, Potter. Pode lhe custar mais caro do que você consiga imaginar...

Sem dar tempo a Harry para responder, ele entregou a chave da porta ao zelador e se virou bruscamente, enfunando a capa ao seguir rápido pelo corredor. Filch deu uma risadinha e deu as costas ao garoto, trancando a porta. Furioso, Harry seguiu pensando que dessa vez Snape batera seu próprio recorde. Sempre implicava com ele, mas nunca conseguira começar tão cedo como nesse ano.

A primeira aula do ano transcorreu num clima de tranqüilidade e interesse por parte dos alunos. Estavam presentes todos os que tinham feito o quinto ano na turma de Harry , nenhum deles excluíra Feitiços de sua lista de NOMs. Hermione, claro, sabia tudo, erguia a mão todas as vezes que o Professor fazia uma pergunta e acertava todas. Ao menos em relação a isso nada mudara, pensou Harry. O tempo pareceu voar, e quando deram por si, já era hora de descer para as masmorras, para a primeira aula de Poções do ano. Como nos anos anteriores, teriam aulas junto com o pessoal da Sonserina. Harry ia contando a Mione, Neville e Rony o que Snape lhe dissera mais cedo, e todos ficaram revoltados .

— Se eu pudesse, teria deixado de fazer Poções...— A voz de Neville soava triste, e Harry lembrou que se Snape o perseguia, fazia muito pior com o garoto.

— Não se preocupe, Neville, fique firme que tudo vai dar certo. — Rony deu um tapinha no ombro dele.

— E se tiver algum problema, pode contar comigo... com todos nós, Neville... — Mione sorriu para animá-lo, mas foi um Neville de expressão tensa quem entrou na sala já cheia de Snape. Os alunos da Sonserina já se encontravam lá, instalados nos melhores lugares da classe. Malfoy e sua turma voltaram-se para olhá-los e depois trocaram olhares e sorrisinhos cínicos. Harry notou a presença do garoto francês, Donatien Verlaine, entre eles, mas embora ele estivesse bem ao lado de Draco e esse falasse com ele a todo instante, não parecia tão idiota quanto os demais, pelo menos não ficava com cochichos e risadinhas. Ignorando os Sonserinos, os recém-chegados tomaram seus lugares sob o olhar penetrante de Snape, que só abriu a boca depois que todos estavam sentados.

— Quero que peguem o livro e o deixem fechado sobre a mesa até que eu mande abrir. Vamos ter um ano corrido, a matéria estará mais apertada portanto não quero que nenhuma tolice venha a atrapalhar o curso normal das minhas aulas. Aprofundaremos esse ano o estudo de poções mais avançadas, que exigirão concentração e raciocínio. Preparem-se, portanto. — Fez uma pausa e observou a turma. — Antes, porém, quero que troquem de lugar. Em cada mesa quero ver dois alunos de casas diferentes. Terão três minutos para fazer isso, a partir de... agora!

Um ruído de cadeiras se arrastando seguiu as palavras do professor que caminhou até sua mesa e, de costas para a turma, começou a fazer anotações num caderno. Neville, apavorado, viu Crabbe se sentar ao seu lado. Rony, com Draco, estava atrás de Hermione, que se sentara com o novato francês. Pancy, ao lado de Harry, não parava de sorrir maliciosamente. O tempo se esgotou e Snape voltou-se novamente para a turma, observando-os. Depois, deu um de seus raros e frios sorrisos.

— Muito bem. Fiquei satisfeito por ter conseguido fazer o que mandei sem maiores problemas, Longbotton . — Os sonserinos caíram na risada, enquanto Neville corava, mantendo os olhos baixos. Hermione, bem na frente, fuzilava Snape com o olhar. Ele continuou. — Quero que mantenham essa mesma formação para as próximas aulas. E agora, comecemos. A poção que vão conhecer hoje é extremamente útil, e o correto preparo dela pode salvar vidas. Trata-se da Poção da Restauração. É útil em casos de convalescença de doenças graves, de recuperação após acidentes ou exposição à situações que provoquem sério esgotamento físico e mental. É poderosa , age instantaneamente, mas tem efeitos indesejáveis se usada de forma inadequada. Alguém sabe me dizer algo mais sobre ela?

Imediatamente a mão de Hermione se ergueu, quase ao mesmo tempo que a de seu companheiro de mesa. Snape olhou diretamente para ele.

—Sr. Verlaine?

O garoto falou numa voz clara e firme. Seu inglês era fluente e tinha apenas um leve acento francês.

—Era chamada de Elixir da Força e costumava ser usada depois das batalhas, para curar feridos. É capaz de restaurar instantaneamente as forças de qualquer homem ou animal, ainda que esse esteja no limiar da morte. Não pode ser guardada, nem por poucos minutos , deve ser preparada e tomada imediatamente. Seu uso por pessoas que não se encontrem debilitadas causa uma momentânea potencialização de energia, com aumento da capacidade física e mental, mas logo em seguida sobrevem o efeito colateral: a degeneração celular. Inicialmente, a pessoa sofre desmaios e confusão mental causados pela morte de células cerebrais. Esses sintomas cessam em algumas horas, mas da segunda vez em diante os efeitos são permanentes e graves. Após a morte de várias pessoas que usaram o Elixir indevidamente, inclusive trouxas, o Ministério da Magia resolveu proibir essa poção, só liberando seu uso por bruxos altamente capacitados , e apenas em situações específicas.

Donatien concluiu, tranqüilo, e olhou o professor. Snape sorriu. —Muito bem, Sr. Verlaine. Magnífica a sua explicação. Cinco pontos para a Sonserina. — Os sonserinos aplaudiram com entusiasmo. Hermione olhou com azedume para o francês. — Realmente, não se pode mais fabricar essa poção a não ser com permissão do Ministério da Magia. Esse é o motivo pelo qual ela é apenas citada na página 286 do livro de vocês. Podem abrir o livro e ler o capítulo. Assim que terminarem, fechem novamente.

Um ruído característico de páginas sendo viradas fez-se ouvir por toda a sala. Logo após , um grande silêncio indicou que eles liam. Snape, de sua mesa, fazia novas anotações no caderno, mas de tempos em tempos seus olhos de rapina percorriam a sala silenciosa. Depois de algum tempo ele se ergueu, e os alunos que ainda liam trataram de terminar rápido.

— Muito bem. Faremos essa semana uma revisão da matéria dada ao longo desses cinco anos de escola. Iremos rever várias poções, teremos aulas práticas, mas o objetivo principal é que repassem ingredientes, suas características, seu uso . Para isso deverão estudar muito, pois dentro de uma semana farão um teste valendo pontos preciosos para os que desejarem obter um NOM em Poções. Esse teste consistirá no preparo de uma poção cujos ingredientes, já velhos conhecidos de vocês, deverão ser identificados . Claro que não terão a mesma forma ou textura, por isso é importante que aprendam a identificá-los por sua cor e seu cheiro, principalmente. Para estimular vocês, devo antecipar que prepararão a Poção da Restauração...

Um burburinho surdo se espalhou pela sala, os alunos trocavam olhares e cochichavam, excitados. Snape bateu o cabo de sua varinha contra a mesa, e o silencio voltou a imperar na sala.

— Vamos rever agora a Poção do Morto Vivo. Os ingredientes e modo de preparo estão escritos no quadro — Apontou a varinha para trás, por cima do ombro, e o quadro se encheu com a fórmula da Poção — e o material, como sempre, está no armário. Comecem.

Harry, Rony, Mione e Neville voltavam das masmorras comentando a aula de Snape. Hermione tinha uma expressão de fúria no rosto.

— Quem aquele garoto pensa que é? Arrogante, prepotente, metido a sabe tudo... Acha que é um deus, só porque Snape e Malfoy o bajulam. Vou mostrar a ele que as coisas não são como ele pensa...

— Não sei, Mione. O cara até parece ser legal para um Sonserino...— No fundo Harry se divertia um pouco por Mione ter finalmente encontrado um oponente à sua altura. Durante anos reinara sozinha em Hogwarts, e Harry sabia que era isso o que a incomodava no francês.

— Mione, sei que você ficou chateada por que ele terminou a poção antes de você, mas também, aquela poçãozinha do primeiro ano nem é tão importante..

Rony estava sério, mas pelo brilho em seus olhos Harry percebia que o amigo também se divertia com a ira de Hermione.

— Ele terminou antes? — A voz dela soava alta e esganiçada por causa da irritação, e alguns alunos passavam por eles olhando sem entender . — Eu teria terminado antes, se não tivesse ficado preocupada com vocês três, principalmente com Neville. Parei várias vezes para ver se ele estava conseguindo fazer certo e... bem, não importa, isso é tolice. — Neville tinha corado novamente, visivelmente sem graça.

— Desculpe, Mione, não queria te atrapalhar... desculpe.... — Como sempre, a poção de Neville fora um fiasco, e só melhorou devido à intervenção da amiga. Crabbe, sentado ao lado do garoto, só não os entregou ao professor porque aproveitou para consertar a sua própria poção.

— Ora, eu já disse, isso não tem nenhuma importância.. — Agora era Hermione quem estava sem graça, mas Harry estava preocupado com outra coisa. Arabella o esperava junto ao lago, isto é, se tudo não fosse apenas uma brincadeirinha de Ginny. Ele tentou pensar numa forma de se separar do grupo sem chamar muita atenção, embora o recado tivesse sido passado a ele diante de todos. Antes que pudesse pensar em algo, Rony, talvez para salvar Hermione do embaraço com Neville, parou de repente.

— Hei, Harry... você tem um encontro, esqueceu? É melhor correr, ou vai se atrasar, e garotas detestam esperar.. pelo menos ela detesta.. — Apontou Mione , que riu.

— Não gosto, mesmo... corra Harry, a gente se vê depois...

Harry os deixou sem esperar mais nada, descendo pelos degraus de pedra em direção aos jardins que levavam ao lago . Correu até estar bem próximo e só então parou, ofegante. Levou alguns minutos para se recompor, somente depois se dirigiu ao local indicado por Ginny. Arabella já estava lá, sentada numa pedra que projetava uma ponta sobre o lago. O local, parcialmente oculto pelas moitas, parecia ideal para uma conversa reservada, e Harry, que não o conhecia, imaginou, surpreso, que deveria ter sido Ginny quem o indicara . A caçula Weasley estava se revelando uma garota surpreendente.

Ao ouvir o som dos passos de Harry , ela voltou a cabeça e recebeu-o com um sorriso que iluminava seu rosto e acendia os belos e grandes olhos castanhos.

— Achei que você não viria...

Harry sentiu o coração acelerando e sorriu em resposta.

— Desculpe... eu me atrasei... — ficou olhando para ela, pensando que se Donatien falava com pouco sotaque, Arabella parecia ter nascido na Inglaterra. Nenhum sotaque, nada que indicasse ser ela uma garota nascida na França, aluna de Beauxbattons.

— Não tem importância . — Ela fez um sinal para que Harry se sentasse ao seu lado na pedra e o garoto obedeceu, sentindo que aos poucos recobrava o autocontrole. Ficou olhando para ela , e achou que nunca o uniforme de Hogwarts parecera tão belo numa garota.

— Não vi você hoje cedo, no café... — Não era o que gostaria de estar dizendo, mas simplesmente não lhe ocorreu nenhuma outra coisa para falar naquele momento e quebrar o silêncio constrangedor.

— Nós, do Intercâmbio, tomamos café mais cedo, e depois fomos para a sala de Dumbledore. Ele é um cara formidável, não acha? Incrível como parece ser bondoso, suave...

— É verdade... — Por um momento voltou à memória de Harry a primeira impressão que o bruxo causara nele . Segurança, proteção, respeito. Sorriu para ela. — Sei como você se sentiu... é muito bom tê-lo por perto...

Arabella o fitava nos olhos, sorrindo suavemente, em silêncio. Harry tinha a sensação de que fazia tudo errado, que falava bobagens, que dentro de alguns minutos ela se levantaria e iria embora, sem que ele pudesse fazer algo para impedir. Tentou desesperadamente encontrar alguma coisa pra dizer, e então se lembrou da festa dos Dursley.

— Eu fiquei muito surpreso quando vi você aqui, nunca imaginei que alguém que eu encontrasse na casa dos meus tios pudesse estar em Hogwarts.

A garota sorriu mais amplamente e jogou os cabelos para trás. Harry notou que o sol colocava neles reflexos de cores variadas, parecia banhá-los de luz, tornando-a ainda mais bonita.

— Eu percebi. Naquele dia, na festa, esperei o tempo todo que você aparecesse. Minha tia me contou que seu relacionamento com eles não é exatamente bom, mas eu queria tanto conhecer você... só estava lá naquele dia por que imaginei que o veria...
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—É ... eu sei como as pessoas ficam curiosas para ver o Garoto-que-Sobreviveu... — Um traçozinho de amargura pontuou as palavras dele, e Arabella notou. Estendeu a mão colocou sobre a de Harry.

—Eu posso imaginar como isso tudo é para você, Harry... Sabe, minha tia sempre me falou de você , e ela tinha razão em dizer que você era diferente. Sabe quem é ela, a Sra. Figg... ela é tia do meu pai, na verdade, mas é alguém que nós amamos tanto que fui chamada de Arabella para homenageá-la... — Apertou um pouco mais a mão de Harry, que agora sentia o coração andar por todo o seu corpo.

— Eu sempre imaginei que alguém importante como você não poderia deixar de ser arrogante, metido, vazio... Quando fui com minha mãe conhecer Gilderoy Lockhart, fiquei tremendamente decepcionada...

Harry prometeu que um dia lhe contaria sua experiência com Lockhart como professor de DCAT . Riram juntos, as mãos entrelaçadas, sentados muito próximos um do outro.. As palavras agora fluíam fáceis, assim como a proximidade entre eles. O tempo também fluía, e muito antes do que gostariam, chegou o momento de irem embora. As aulas da tarde começariam logo, e teriam que correr se quisessem comer alguma coisa antes. Fizeram o caminho de volta correndo de mãos dadas, e quando já estavam quase nos degraus que levavam ao jardim da entrada, Harry segurou-a pelo braço.

—Posso te ver de novo amanhã?

Estavam um pouco ofegantes pela corrida, e Arabella ,corada e linda.

— Mesmo local e horário? — Ela o fitava com o olhar luminoso, cheio de expectativa. Harry não resistiu mais ao impulso que sentia, puxando-a pelos braços trouxe-a para mais perto e a beijou. Separaram-se, e depois de confirmar o encontro para o dia seguinte, Harry ficou olhando enquanto ela se afastava na direção da entrada da escola. Só depois que ela desapareceu ele subiu os degraus. Sua felicidade se desvaneceu de imediato. De pé, encostado numa árvore, Draco o olhava e ria, acompanhado dos seus satélites habituais. Usando toda a sua força de vontade, Harry os ignorou e passou por eles, seguindo direto para o saguão de entrada.

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