CAPÍTULO DOZE



DOZE

Cho e eu estamos no avião com destino a Indianápolis, para o chá de-bebê de Lila, e eu estou imprensada no pavoroso assento do meio. Cho tinha ficado com o do meio, mas é claro que brigou pelo meu lugar na janela alegando que se não pudesse olhar para fora ficaria enjoada. Quis dizer a ela que o princípio das viagens de carro não se aplica aos aviões, mas nem me dei o trabalho, apenas me rendi às exigências dela. Em outros tempos eu teria feito isso sem notar, mas agora fico ressentida. Penso em Rony e Gina e em suas recentes declarações sobre Cho. Ela é egoísta, total e simplesmente. E essa é a verdade, independente dos meus sentimentos pelo Harry.

Um homem de uns quarenta e tantos anos, com o cabelo cortado bem curtinho, sentou na poltrona do corredor à minha esquerda. O tal sujeito grudou toda a extensão e largura de seu antebraço direito no descanso de braço entre nós dois, do cotovelo até a ponta do dedo. Para não perder o espaço, ele bebe e vira as páginas de sua revista com a mão esquerda.

O piloto anuncia que o céu está limpo e que vamos pousar antes do horário previsto. Cho anuncia que está entediada. Ela é a única pessoa que eu conheço que tem mais de 12 anos e diz com bastante regularidade que está entediada.
Olho por cima do meu livro.

- Você já leu a coluna da Martha Stewart sobre casamentos?

- De ponta a ponta. Não há nada de novo lá. E, a propósito, é você quem deveria estar lendo a revista. Há uma matéria sobre lembrancinhas. Você prometeu que iria me ajudar a pensar numa idéia original para lembrancinhas - diz ela, enquanto reclina o banco para trás e depois de volta à mesma posição.

- Que tal fósforos?

- Você disse original! - Cho cruza os braços. - Todo mundo oferece fósforos! Isso já está muito batido. Preciso de uma lembrancinha apropriada.

- O que a Martha sugere? - pergunto, marcando com o polegar onde parei a leitura do meu romance.

- Num sei, é difícil. Dá muito trabalho - ela olha para mim com cara de vítima. - Você tem de ajudar! Você sabe que não tenho jeito para essas coisas artesanais.

-Nem eu.

- Você é melhor do que eu.

Volto para o livro fingindo estar absorvida pela história. Ela suspira e mastiga seu chiclete com mais vigor. E como isso não funciona, bate na lombada do meu livro.

- Mii-one!

- Tudo bem, tudo bem!

Ela ri, sem a menor vergonha do que fez, como uma criança que não se importa em infernizar a vida da mãe, que só se preocupa em conseguir o que quer.

- Então você acha que deveríamos fazer alguma coisa com H e C?

- "H C"? - pergunto, me fazendo de boba.

- Você sabe, um HC... de Harry e Cho. Ou isso é cafona?

- É cafona, sim - digo, e diria isso mesmo antes dos dias de H e H.

- Certo, então o quê?

Ela checa as calorias do seu lanche antes de guardá-lo no compartimento às costas do banco da frente.

- Bem, você pode optar pelas amêndoas açucaradas, com fitas em tons pastéis na embalagem ... ou balas de menta em uma latinha com a data do seu casamento - digo, enquanto tento exercer uma leve pressão com meu cotovelo esquerdo, tentando abrir uma minúscula fenda no meu descanso de braço. Em minha visão periférica, noto o Cabelo à Escovinha flexionar o bíceps em sinal de resistência. - Tem também a opção de lembrancinhas permanentes, como os enfeites para árvores de Natal...

- Não dá. Temos muitos convidados judeus e... honestamente, acho que algumas pessoas que celebram o Kwanza - ela interrompe, orgulhosa da diversidade de sua lista de convidados.

- Tudo bem. Mas você entendeu. Aquele gênero. Lembranças permanentes: enfeites, CDS caseiros com suas músicas favoritas.

Ela fica empertigada.

- Gosto da idéia do CD! Mas isso não seria muito caro?

Olho para ela como se dissesse: "Tem razão, mas você merece." Ela morde a isca.

- Mas o que são mais cem dólares no orçamento geral, certo? - pergunta ela.

Tenho certeza de que os pais dela adorariam essa afirmação.

- Certo - defendo.

- Então poderíamos criar a Trilha Sonora Cho e Harry e colocar nossas músicas favoritas de todos os tempos - diz ela.

Faço uma careta.

- Tem certeza de que não é cafona? Fala a verdade.

- Não, eu gosto, eu gosto - quero mudar de assunto, mas fico preocupada que isso dê início a uma discussão sobre minhas deficiências como madrinha. Então, em vez disso, faço uma pose pensativa e digo que, embora CDs sejam trabalhosos e caros, dariam uma lembrança especial e adorável. Então pergunto se ela acha que Harry gostaria da idéia.

Ela olha para mim como se dissesse: "Quem se importa com o que ele quer? Os noivos não importam."

- Está bem, agora me ajude a pensar em algumas músicas.

Ouço Shania Twain cantando "Whose Bed Have Your Boots Been Under?", ou talvez Diana Ross soltando a voz em "Stop! ln the Name of Love!".Não, tudo errado, penso. Essas duas músicas colocam Cho no papel da vítima digna de pena.

- Não consigo pensar numa música, me deu um branco. Vai, me ajuda a pensar - diz Cho, a caneta a postos sobre o guardanapo. Talvez alguma coisa do Prince, do Van Halen?

- Também não consigo pensar em nenhuma - digo, na esperança de que Bruce Springsteen não seja incluído.

- Tem certeza de que não é cafona? - indaga ela.

- Não é cafona - respondo. Em seguida sussurro: - Este cara aqui do meu lado está me irritando. Ele não deixou nem uma pontinha do descanso de braço para mim. - Viro para reparar no perfil satisfeito do Cabelo à Escovinha.

- Com licença, senhor. - Cho se debruça sobre mim e cutuca o braço dele. Uma, duas, três vezes. - Senhor, senhor! Ele lança um olhar de desprezo na direção dela.

- Será que o senhor poderia dividir o descanso de braço com a minha amiga aqui? Ela oferece seu sorriso mais sedutor.

Ele move o braço um centímetro, eu resmungo um agradecimento.

- Está vendo? - Cho me pergunta toda orgulhosa.

Esse é o momento em que ela espera que eu fique maravilhada com o modo como ela se relaciona com os homens.

- Você apenas precisa saber como pedir aquilo que quer – sussurra ela. Minha conselheira em assuntos sobre o sexo masculino.

Penso no Harry e em Quatro de Julho.

- Talvez eu devesse experimentar isso - digo.

***


Logo após a aterrissagem, meus pais me ligam no celular para confirmar se o pai de Cho nos buscou e perguntar se comi no avião. Digo a eles que sim, o senhor Chang apareceu, e não, há mais ou menos uns dez anos pararam de servir jantar no vôo de Nova York para Indianápolis.

Quando chegamos à nossa rua sem saída, vejo meu pai esperando por mim na entrada da nossa casa de dois andares com acabamento em alumínio branco e venezianas verdes. Ele está vestindo uma camisa xadrez pêssego e cinza de manga curta e uma calça Dockers cinza combinando. Trata-se, sem dúvida, de um "traje", e tem a assinatura da minha mãe em todo ele. Agradeço ao senhor Chang pela carona e digo a Cho que telefono mais tarde. Fico aliviada que ela não tenha pedido para jantarmos todos juntos. Já falei o suficiente sobre casamentos e sei que a senhora Chang é incapaz de discutir sobre outro assunto.

Enquanto cruzo o jardim de Cho em direção ao meu, meu pai ergue o braço e acena como se estivesse se comunicando com um navio distante.

- Olá, doutora! - grita ele, sorrindo. A novidade de ter uma filha advogada ainda não se esgotou.

- Oi, pai! - Dou um beijo nele e depois na minha mãe, ao lado dele, já de olho em possíveis sinais de anorexia, o que é ridículo. Estou longe de ser magra demais, mas minha mãe não aceita a definição nova iorquina de magra.

Enquanto respondo às perguntas deles sobre o vôo, noto que o papel de parede do corredor mudou. Já tinha aconselhado minha mãe sobre papéis de parede. Disse a ela que tinta era melhor para um visual mais moderno. Mas ela insiste no papel de parede, trocando de estampas florais bem miúdas para estampas florais ainda menores. O gosto dos meus pais não evolui desde a época em que Ronald Regan levou um tiro.

Nossa casa ainda tem muito do estilo interiorano: expressões de boas-vindas bordadas em ponto de cruz dizendo coisas como ''Amigos que entram pela porta dos fundos são os melhores", uma série de vaquinhas de madeira, porquinhos, abacaxis e pinturas por toda parte.

- Bonito papel de parede - digo, tentando soar sincera.

Minha mãe não engole essa.

- Sei que você não gosta de papel de parede, mas seu pai e eu gostamos - diz ela, me levando para a cozinha. - E somos nós que moramos aqui.

- Nunca disse que gostava de papel de parede - meu pai fala piscando para mim.

Ela lança a ele o olhar de irritação de sempre.

- Certamente disse, John.

Então ela me cochicha, com a intenção de que meu pai ouça, que, na verdade, foi ele mesmo quem escolheu o novo papel.

Ele faz para mim uma expressão de "quem, eu?".

Eles nunca se cansam desse showzinho. Ela faz o papel da líder destemida enquadrando o marido desregrado, o tolo boa-praça. Embora tenha passado a maior parte da minha adolescência irritada com a monotonia disso, especialmente quando tinha amigos em casa, recentemente passei a apreciar o estilo. Há algo de reconfortante na mesmice da interação deles. Tenho orgulho de que eles tenham permanecido juntos, quando tantos pais de amigos meus se divorciaram, casaram mais uma vez e juntaram duas famílias em uma com variados níveis de sucesso.
Minha mãe aponta para um prato de queijo cheddar, cream-cracker e uvas vermelhas.

- Coma - diz ela.

- Estas daqui têm semente? - pergunto. Uvas com semente simplesmente não valem o esforço.

- Não, não têm - responde minha mãe. - Agora, será que eu cozinho qualquer coisa ou vocês preferem pedir uma pizza?

Ela sabe que prefiro pizza. Em primeiro lugar adoro a pizza do Sal e só posso comer quando venho visitá-Ios. Em segundo lugar, "qualquer coisa" é uma descrição precisa da cozinha da minha mãe - sua definição de tempero é sal e pimenta, e a de receita é sopa de tomate e creamcrakers. Nada me dá tanto medo como a imagem da minha mãe amarrando o avental.

- Pizza - responde meu pai por nós. - Queremos pizza!

Minha mãe tira um cupom do Sal que está pregado na geladeira e liga pedindo uma pizza grande de calabresa com cogumelos. Ela cobre o bocal do telefone.

- É isso, Mione?

Faço sinal de positivo com o polegar. Ela sorri, orgulhosa de ter se lembrado da minha combinação favorita.

Antes mesmo de desligar o telefone, ela já está perguntando sobre minha vida amorosa. Como se todos os meus telefonemas anteriores fossem apenas um estratagema e eu estivesse guardando a verdade para este momento. Meu pai cobre os ouvidos se fingindo de envergonhado. Dou a eles um sorriso com os lábios apertados, pensando que esse interrogatório é a única parte chata de voltar para casa. Sinto que sou uma decepção. Eu os decepciono. Sou filha única, a única chance de terem netos. A matemática é simples: se eu não tiver filhos nos próximos cinco anos, é pouco provável que eles vejam seus netos se formando na faculdade. Nada como uma pressãozinha a mais para uma busca já tão estressante.

- Nenhum rapaz em vista? - pergunta minha mãe, enquanto meu pai procura cortar a fatia ideal de queijo. Os olhos dela estão arregalados, esperançosos. O interrogatório pode parecer insensível, mas ela realmente acredita que tenho uma dúzia de opções, que a única coisa que me impede de lhe dar netos é minha própria neurose. Ela não entende que o amor correspondido simples e direto que ela sente pelo meu pai não é tão fácil de encontrar.

- Não - respondo baixando meus olhos. - Vou dizer a vocês, é mais difícil encontrar um cara legal em Nova York do que em qualquer outro lugar. - Trata-se do clichê da vida de solteiro em Manhattan, mas é verdade.

- Sei - diz meu pai, balançando a cabeça com sinceridade. – Muita gente ocupada com a correria do dia-a-dia. Talvez você devesse voltar para casa. Pelo menos se mudar para Chicago. Uma cidade mais limpa. Chicago tem alamedas, você sabe. - Todas as vezes que meu pai visita Nova York ele volta ao assunto da falta de alamedas na cidade.

Por que alguém faria uma cidade sem elas?

Minha mãe concorda.

- Todo mundo nos arredores da cidade é casado e tem filhos. Ela não pode voltar.

- Ela pode, se quiser - retruca meu pai com a boca cheia de creamcrackers.

- Bem, ela não quer - diz minha mãe. - Quer, Mione?

- Não - respondo me desculpando. - Por enquanto eu gosto de Nova York.

Meu pai franze o rosto como se dissesse: "Bem, então não há solução." Um silêncio toma conta da cozinha. Meus pais trocam um olhar pesaroso.

- Bem, tem mais ou menos uma pessoa... - deixo escapar, apenas para alegrá-los um pouco. Eles se animam, endireitam-se na cadeira.

- É mesmo? Eu sabia! - Minha mãe aplaude toda animada.

- É, ele é um cara bem legal. Bem inteligente.

- Aposto que é bonito também - diz ela.

- O que ele faz? - interrompe meu pai. - A aparência dele não vem ao caso.

- Ele trabalha com marketing. Finanças - digo. Não tenho certeza se estou falando de Draco ou de Harry. - Mas...

- Mas o quê? - pergunta minha mãe.

- Mas ele acabou de sair de um relacionamento, então talvez o momento não seja perfeito.

- Nada é perfeito - diz ela. - Depende de como você encara.

Balanço a cabeça afirmativamente, com uma expressão séria, pensando que ela deveria bordar em ponto de cruz esse pedacinho de sabedoria e pendurar sobre a minha cama de solteira lá em cima.

***

- Numa escala de um a dez, quanto você teme esse chá-de-bebê? Cho me pergunta no dia seguinte enquanto dirigimos para o chá-de bebê de Lila, no Camry 86 da minha mãe, o carro com o qual aprendi a dirigir. - Dez é o desespero total, o tipo de desespero do dia do Juízo Final. Um é mal posso esperar, vai ser realmente divertido.

- Seis - respondo.

Cho diz "hum" como quem já entendeu tudo e então abre seu espelhinho para checar o batom.

- Para falar a verdade, achei que seria mais alto.

- Por quê? Quanto você teme?

Ela fecha o espelho, examina seu anel de 2,3 quilates e diz:

- Hum ... não sei... quatro e meio.

Ohhh, já entendi, penso. Tenho mais razões para temer o chá-de-bebê.

Sou eu quem vai entrar numa sala cheia de mulheres casadas e grávidas - muitas das quais colegas de segundo grau - sem nem ao menos ter um namorado. Apenas uma de nós tem trinta anos e está totalmente sozinha, uma combinação trágica em qualquer área residencial familiar. É isso o que Cho está pensando. Mas faço com que ela diga, pergunto por que ela supõe que temo o chá-de-bebê Por um ponto e meio a mais.

Sem o menor acanhamento e sem pensar duas vezes para escolher palavras cuidadosas, ela me responde.

- Porque você é solteira.

Não tiro os olhos do caminho, mas percebo que ela está me observando.

- Você ficou com raiva? Eu disse alguma coisa errada?

Faço que não com a cabeça, ligo o rádio. Lionel Richie está gemendo numa das estações de rádio preferidas da minha mãe.

Cho diminui o volume.

- Não disse que isso era ruim. Quer dizer, você sabe que valorizo muito a condição de solteira. Nunca quis me casar antes dos 33. Estou falando delas. Elas são tão bitoladas, você entende?

Ela só piorou as coisas ao negar essa idéia louca de noivado, ao dizer que preferiria mais uns três anos como solteira. Mas, de repente, sem mais nem menos, a coisa simplesmente caiu no colo dela. O que mais ela poderia fazer?

- Elas são tão bitoladas que nem percebem - continua Cho.

É claro que ela está certa. Esse grupo de garotas, do qual Lila faz parte desde que saiu da universidade, vive como as mulheres nos anos 1950. Elas escolheram os desenhos de suas louças antes de completarem 22 anos, casaram com o primeiro namorado, compraram casas de três quartos a poucos quilômetros, se não a poucos quarteirões, da casa dos pais, e passaram a se dedicar à atividade de estabelecer uma família.

- É - resmungo.

- É isso o que eu quero dizer - explica ela, inocente. - E bem lá no fundo, elas têm inveja de você. Você é uma advogada importante, de um escritório de uma grande cidade.

Retruco que isso é maluquice - nenhuma dessas garotas deseja uma carreira como a minha. Na verdade, a maioria delas nem trabalha.

- Bem, não é apenas a carreira. Você é livre e solteira. Quer dizer, elas vêem Sex and the City. Elas sabem como é a sua vida. É glamourosa, com muita diversão, caras atraentes, coquetéis à base de vodca, emoção! Mas elas não vão deixar que você veja o lado inseguro delas. Porque faria a vida delas parecer patética, entende? - Cho sorri, satisfeita com sua conversinha para levantar o moral. - É, sua vida é totalmente Sex and the City.

- É verdade. Sou bem parecida com a Carrie Bradshaw – respondo categórica.
Com exceção dos sapatos maravilhosos, o corpo incrível e uma melhor amiga bastante compreensiva.

- Exatamente! - diz ela. - Assim é que se fala.

- Olha, não me importo com o que elas estejam pensando - digo, sabendo que isso é verdade apenas em parte. Só me importo com a minha consciência. E uma parte de mim acredita que ter trinta anos e estar sozinha é triste. Mesmo com um bom trabalho. Mesmo em Manhattan.

- Ótimo - diz ela, batendo nas coxas com entusiasmo. - Ótimo. Esse é o espírito.
Chegamos bem na hora à casa de Jessica Pell- uma amiga menos importante dos tempos do segundo grau. Cho olha o relógio e insiste para darmos uma voltinha pelas redondezas e assim chegarmos um pouco atrasadas, como fazem as pessoas modernas.

Digo que não é necessário ser moderna e chegar atrasada a um chá de bebê, mas acabo concordando e, a pedido dela, vamos até o drive through do McDonald's. Ela se debruça sobre mim e grita no microfone que adoraria uma Pepsi diet pequena. Sei que ela sabe que o McDonald's tem Coca, e não Pepsi. Ela já me disse uma vez que gosta de testá-los, ver se vão perguntar. Que o pessoal da Pepsi sempre pergunta quando se pede uma Coca, mas que o pessoal da Coca nem sempre faz o mesmo.

Acontece que para ela esta é uma oportunidade de sacudir um pouco as coisas, interagir. A periferia espinhenta encontra com a top model da cidade.

- É Coca light, tudo bem? - pergunta o garoto com uma voz preguiçosa.

- Se não tem outro jeito - diz ela com uma risadinha compreensiva.

Ela termina o refrigerante quando chegamos à casa de Jessica.

- Bem, não tem jeito, lá vamos nós - diz ela, afofando o cabelo, como se ela fosse a estrela do chá-de-bebê, e não Lila e o filho por nascer.

Quando chegamos, as outras convidadas já estão reunidas na sala de Jessica, pintada em tons de azul e amarelo. Lila grita, vem bamboleando em nossa direção e nos reúne num abraço grupal. Apesar da pouca afinidade, ainda somos suas melhores amigas. E está claro que somos as convidadas de honra, um papel com o qual não me sinto à vontade, mas que Cho desempenha com todo o prazer.

- Que bom ver vocês, meninas! Muito obrigada por virem! – diz Lila. - Vocês duas estão incríveis. Incríveis. Sempre que voltam estão ainda mais cheias de estilo.

- Você também está ótima - retribuo. - Fica muito bem grávida, fica com aquele brilho.

Como acontece na casa dos meus pais, Lila resiste às mudanças. Ela ainda tem o mesmo penteado - na altura do ombro com uma franja enrolada para dentro. Isso foi moda nos anos 1980, horrível lá pela metade dos anos 1990 e, por pura sorte, ligeiramente menos horrível hoje em dia. Até passa como um corte num estilo maternal E seu rosto, sempre redondo como um caqui, não é mais gordinho, apenas faz parte do pacote da gravidez. Ela é o tipo de grávida para quem as pessoas no metrô cedem o lugar com prazer.

Cho passa a mão esquerda, enfeitada com o anel de noivado, na barriga de Lila. A luz bate no brilhante e o reflexo vai direto no meu rosto.

- Oh, meu Deus - Cho fala toda meiga. - Tem uma pessoinha nua aí dentro!

Lila ri e diz:

- Bem, é verdade, essa é uma forma de ver a coisa!

Ela nos apresenta a algumas convidadas, colegas professoras, orientadoras da escola onde ela dá aula e outras amigas da vizinhança.

- E, é claro, o resto vocês já conhecem!

Trocamos abraços com Jess e outras amigas do segundo grau. Vemos Marieta (que descaradamente venerava e imitava Cho nos tempos da escola).Tricia Salerno. Jennifer McGowan. Kim Frisby.

Com exceção de Kim, que era uma chefe de torcida animadíssima e, milagrosamente, também aluna das turmas adiantadas de ciências e matemática, nenhuma das meninas era particularmente inteligente, interessante ou popular no colégio. Mas como esposas e mães, a mediocridade delas não importa mais.
Kim desliza no sofá e me oferece um lugar ao seu lado. Pergunto a ela como Jeff (que também se formou na nossa turma e jogava beisebol com Cedrico e Miguel) e os meninos estão. Ela diz que estão todos ótimos: Jeff acabou de ser promovido, o que foi maravilhoso, eles estão comprando uma casa nova, os meninos são simplesmente perfeitos.

- O que é mesmo que o Jeff faz? - pergunto.

Ela responde que ele trabalha com vendas.

- E vocês têm gêmeos, certo?

- É, meninos, Stanley e Brick.

- Você trouxe fotos deles? - faço a pergunta inevitável.

- Sim, na verdade eu trouxe - diz Kim, sacando um pequeno álbum com uma capa em que se lê “Livro da corujice” com letras em relevo, bem grandes e roxas.

Sorrio, folheando, parando pelo tempo necessário antes de passar à página seguinte. Brick na banheira. Stanley com uma bola de beisebol. Brick com vovô e vovó Brick.

- Nossa, eles são lindos - digo fechando o álbum e entregando de volta a ela.

- Nós também achamos - diz Kim, balançando a cabeça e sorrindo - Tentaremos mantê-Ios assim.

Enquanto ela guarda o álbum na bolsa, ouço Cho contando a história do seu noivado para Jennifer e Tricia. Marieta fica atiçando.

- Conta a ela sobre as rosas - sugere.

Tinha me esquecido das rosas, talvez bloqueado a lembrança desde que ganhei as minhas.

- É, uma dúzia de rosas vermelhas - conta Cho. - Já estavam à minha espera no apartamento depois que ele fez o pedido.

Não duas dúzias.

- Onde ele fez o pedido? - Tricia quer saber.

- Bem, nós saímos para um almoço bem gostoso e depois ele sugeriu que fôssemos andar pelo Central Park. ..

- Você suspeitava disso? - duas das meninas perguntaram ao mesmo tempo.

- Não mesmo ...

Isso é mentira.

Lembro que dois dias antes de Harry fazer o pedido ela me contou que sabia que isso iria acontecer. Mas admitir o fato seria banalizar sua historinha, além de diminuir sua imagem de "desejada".

- O que ele disse então? - pergunta Marieta.

- Você já conhece a história! - Cho ri. Ela e Marieta se falam de vez em quando por conta de um empenho de Marieta. O fascínio dela por sua heroína de adolescência nunca diminuiu.

- Conta de novo! - pede Marieta. - A história do meu noivado é tão sem graça... eu mesma escolhi o anel no shopping. Tenho de vivê-la indiretamente através de você.

Cho arma sua expressão de falsa modéstia.

- Ele disse: "Cho, não consigo pensar em nada que me fizesse mais feliz do que ter você como esposa."

A não ser ficar com a sua melhor amiga.

- Então ele completou: "Compartilhe sua vida comigo."

E compartilhe sua melhor amiga comigo.

Um coro de oohs e ahhs se seguiu. Sei que ela está floreando a história e que ele apenas proferiu o tradicional: "Quer casar comigo?"

- Tira o seu anel - clama Marieta. - Quero experimentar. - Kim diz que não dá sorte tirar o anel durante o noivado.

-Tira!

Cho dá de ombros para demonstrar que seu espírito livre ainda está intacto. Ou talvez para salientar que quando se trata de Cho Chang não é preciso contar com a sorte. Ela escorrega o anel dos dedos e passa pelo círculo de mulheres impacientes. O anel pára na minha mão.

- Experimenta, Mione - pede Marieta.

É uma brincadeira divertida das moças casadas. Fazer a solteira experimentar o anel de brilhante de forma que ela possa, nem que por um momento, se aproximar um pouco da euforia desconhecida do noivado. Faço que não com a cabeça, educadamente, como se recusasse repetir um prato.

- Não, obrigada - respondo.

- Hermione, alguma coisa em vista? - pergunta Tricia hesitante, como alguém que deseja saber o resultado de uma tomografia computadorizada.

Estou pronta para responder um não bem firme, quando Cho responde por mim.

- Toneladas - diz ela. - Mas nenhum cara especial, Hermione é muito exigente.

Ela está tentando ajudar. Mas de alguma forma isso tem o efeito inverso e eu me sinto desabrochando como solteirona. Além do mais, não consigo deixar de Pensar que ela só está sendo caridosa porque eu obviamente pareço a estranha do grupo, a perdedora. Se eu estivesse com o Brad Pitt, não haveria jeito de Cho sair em minha defesa. Ela estaria se roendo num canto, com seu instinto de competitividade exacerbado, dizendo a Marieta no banheiro que sim, Brad é Brad, mas Harry é tão mais gatinho ... só um pouquinho menos bonito. É claro, com isso eu concordaria.

- Não diria que sou tão exigente assim - retruco sem parecer muito preocupada.
Apenas sozinha, sem esperanças e tendo um caso com o futuro marido de Cho. Mas vocês por acaso já se deram conta de que eu me formei numa das dez maiores faculdades de Direito e ganho um salário de seis dígitos? E que não preciso de um homem, porra! Mas quando encontrar um e tiver um bebê, certamente vou escolher um nome melhor que Brick!

- É sim, você é exigente - diz Cho não apenas para mim, mas também para sua audiência. Ela toma um gole de ponche. – Tome Draco como exemplo.

- Quem é Draco? - pergunta Kim.

- Draco é um cara que estudou na Georgetown com Harry. Legal, inteligente, engraçado – Cho conta, gesticulando bastante -, mas Hermione não dá a menor bola para ele.

Se Cho continuar, elas vão começar a achar que sou lésbica. O que me transformaria num verdadeiro show de horrores aos olhos de todas. A idéia que elas têm de diversidade é a de alguém que freqüentou uma universidade de outro estado e não participou de uma fraternidade estudantil.

- O quê? Não rola uma química entre vocês? - pergunta Kim, compreensiva.

- O casal precisa ter química. Jeff e eu tivemos uma química incrível no segundo grau e isso nunca mudou.

- Certo - digo. - Precisa rolar uma química.

- Com certeza - murmura Marieta.

O conselho unânime: não se acomode. Continue procurando. Encontre o cara certo. Foi o que todas elas fizeram. E, meu Deus, acho que acreditam nisso. Porque ninguém que se case na madura idade de 23 anos está se acomodando. É claro. Isso é um fenômeno que só acontece com as mulheres lá pelos seus trinta anos.

- E então? Já escolheu o nome do bebê? - pergunto a Lila, desesperada para mudar de assunto. Sei que ela pensa em Hanna ou Grace se tiver uma menina, e em Michael ou David se for um menino. Nomes saudáveis, clássicos, consistentes. E não são muito pretensiosos.

- Já - Lila diz -, mas não vamos contar. - Ela pisca para mim. Sei que vai me dizer mais tarde, assim que chegar à lista de finalistas. Estou a salvo. Sou a amiga que nunca vai, que nunca poderá roubar os seus nomes para bebê. Minha especialidade é roubar noivos.

Depois de algumas brincadeiras bobas típicas de chás-de-bebê, Lila abre seus presentes. Há muitas roupas amarelas porque ela ainda não sabe o sexo da criança. Não há presentes cor-de-rosa, a não ser um cofrinho em forma de coelhinho, cortesia de Cho, que diz ter certeza de que Lila vai ter uma menina, porque ela tem ótimas intuições sobre gravidez. Dá para perceber o quanto Lila espera que Cho tenha razão.

- Além do mais - Cho diz -, mesmo que eu esteja errada, e eu não estou, vocês sabiam que na virada do século rosa era para meninos e azul para as meninas?

Todas dizemos que não. Fico imaginando se ela inventou essa história.

Chega a hora de Lila abrir meu presente. Ela abre o cartão, murmurando para si mesma. Seus olhos se enchem de lágrimas enquanto ela lê minhas palavras: que ela vai ser a mãe mais maravilhosa e que eu não vejo a hora de assistir a tudo isso. Ela me chama para junto dela, como fez com as outras meninas, e me dá um grande abraço.

- Obrigada, querida - sussurra. - Isso foi tão legal.

Então abre o presente, uma manta de cashmere bem clarinha, cor de creme, com uma borda de ursinhos. Gastei uma fortuna nisso, mas fico satisfeita de ter feito a extravagância ao observar a expressão de Lila.

Ela fica sem fôlego enquanto desdobra a manta, aperta-a junto ao rosto e me diz que é perfeita, que vai usar quando trouxer o bebê do hospital para casa.

- Quero voltar para o nascimento dela! - declara Cho. – Espero não estar em lua-de-mel!

Não sei se Cho faz isso de propósito ou se é simplesmente o jeito dela, o fato é que não consegue evitar: está sempre se intrometendo em todos os momentos. Geralmente eu não me importo, mas depois de meses tentando encontrar o presente perfeito para a minha segunda melhor amiga, gostaria que ela calasse a boca e parasse de chamar atenção por pelo menos uma fração de segundo.
Sempre diplomática, Lila sorri rapidamente para Cho e retoma a atenção para mim e o presente. Ela deixa que todas olhem a manta, tão adorável, tão macia. Pelo menos é isso o que elas falam. Mas alguma coisa me diz que estão todas pensando: Nada mal para uma advogada com instintos maternais questionáveis.

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