CAPÍTULO ONZE



ONZE


- Ah. O velo truque do coelhinho na panela – Rony diz quando, na segunda-feira de manhã, o atualizo sobre o que aconteceu.

- Não foi nada de coelhinho na panela! – protesto, lembrando a cena de Atração fatal. Cho criticava toda a premissa do filme. Não parou de dizer o quanto era irrealista: nenhum homem trairia a mulher com outra menos atraente. Acho que estou derrubando essa teoria.

- Ah, não? – Rony retruca, imperturbável. – Bem, talvez uma variação do tema. Mais sutil, entretanto. Você fez apenas uma leve pressão... e o informou que é inaceitável ele continuar a se relacionar com a própria noiva.

- Bem, de qualquer forma... está tudo acabado – digo, me dando conta de que essas três palavras me colocam lado a lado com uma horda de mulheres ingênuas que negam a relação enquanto rezam para mantê-las. Essas mulheres tentam se agarrar a qualquer pontinha de esperança, insistem em terminar quando na verdade estão querendo uma ultima conversa dissimulada, se esforçando para manter as portas abertas para ainda mais. E a verdade patética é que realmente eu quero mais. Gostaria de poder desfazer aquela cena do Talkhouse. Não deveria ter dito nenhuma palavra a Harry. Sinto uma preocupação repentina de que ele me evite para sempre. Ele provavelmente vai decidir que não vale a pena, que a situação é simplesmente muito complicada.

- Acabou, não é? – Rony pergunta meio cético.

- É, acabou.

- Bravo – diz ele, com o mais perfeito sotaque britânico. – É assim que se faz.

- Enfim – digo, como se fosse fácil para mim ficar longe de Harry.

- É. Enfim. Você vem para Londres na semana do Quatro de julho? – indaga Rony.

Eu havia mencionado essa possibilidade num email recente, antes de Harry e eu termos estabelecido nossa data. Agora não quero ir embora. Só para o caso das coisas não terem terminado completamente.

- Hum, acho que não. Já combinei de ir aos Hamptons – respondo.

- Harry não vai estar lá?

- Vai, mas eu ainda quero fazer valer o dinheiro que gastei pela casa.

- Sei, ahã.

- Não fala assim.

- Tudo bem – diz ele mudando de tom. – Mas você vem me visitar algum dia? Você também me deu bolo depois de seu Exame da Ordem. Por causa daquele cara, Vitor.

- Vou visitar você. Prometo. Talvez em Setembro.

- Está bem, mas o Quatro de Julho seria divertido.

- Nem é feriado aí – lembrei.

- É, é engraçado, os ingleses não comemoram a nossa independência deles... mas no meu coração é um feriado, Hermione.

Rio e digo que vou me informar sobre os vôos para o outono.

- Certo. Vou mandar um email para você com todos os meus fins de semana livres... todas as infos.

Ele sabe que detesto a palavra “infos”. Da mesma forma que odeio pessoas que fazem reserva para o jantar no “findi”. Ou as que usam “vc” em vez de “você”.
Sorrio.

- Excelente idéia.

- Ótimo então.

Logo depois de falar com Rony, meu telefone toca. O nome de Les aparece no identificador de chamadas. Considero a possibilidade de não atender, mas aprendi que esse tipo de coisa não funciona bem num escritório de advocacia. Apenas faz os colegas ficarem ainda mais irritados quando você finalmente fala com eles.

- Como você notificou os documentos da IXP? – esbraveja Les, quase latindo pelo telefone assim que atendo. Les sempre dispensa a cordialidade.

- Como assim?

- A modalidade de entrega. Pelo correio? Em mãos?

Preguei na porta da cabana dele, seu babaca, penso, lembrando da velha forma de notificação usada pela Ordem dos Advogados de Nova York.

- Por e-mail – digo, olhando para minha cópia já bastante gasta do Compêndio de Regras de Processo Civil de Nova York.

- Excelente, porra, excelente- diz ele, arrogante como sempre.

- O quê?

- O quê? O quê? – Grita ele no telefone. Afasto o aparelho do ouvido, mas agora ouço sua voz em estéreo, tomando conta do corredor. – Você fodeu tudo. Isso foi o que aconteceu! Os documentos precisam ser entregues em mãos! Você não se deu ao trabalho de ler o mandato judicial?

Dou uma lida rápida na carta do juiz. Droga, ele tem razão.

- Você tem razão – digo solenemente. Ele odeia desculpas e eu não tenho absolutamente nenhuma. – Pisei na bola.

- O que é você? Uma advogadazinha estreante?

Olho fixo para a escrivaninha. Ele sabe muito bem que este é o meu quinto ano no escritório.

- O que eu quero dizer, Santo Cristo, é que isso é negligência – resmunga ele.- O escritório vai ser processado por sua causa e você vai ser despedida se não parar de fazer merda.

- Desculpe – digo, e logo me lembro que ele odeia ainda mais quando alguém pede desculpas.

- Não peça desculpas! Dê um jeito nessa merda! – Ele desliga na minha cara. Acho que Les nunca terminou uma conversa com um apropriado até logo, mesmo quando ele está de bom humor.

Não, eu não sou caloura, seu babaca. Por isso a sua falação não funciona. Vá em frente, pode me demitir. Quem se importa com isso?Lembro de quando comecei a trabalhar no escritório. Quando um dos sócios levantava a sombrancelhas eu era capaz de voltar para a minha sala com lágrimas nos olhos, em pânico crescente de perder o emprego ou me sair mal na avaliação. Com o passar dos anos eu amadureci, e neste momento eu não dou a mínima. Tenho problemas maiores do que este escritório e a minha carreira como advogada.

Não, risque a palavra “carreira”. Carreiras são para pessoas ambiciosas. Eu quero apenas sobreviver, ter um contracheques no final do mês. Isto é um mero trabalho. Posso ficar ou ir embora deste lugar. Considero pedir demissão e seguir com paixão uma carreira que eu ainda não sei qual é. Poderia dizer a mim mesma que, apesar de não ter um relacionamento significativo e intenso, tenho o meu trabalho.

Telefono para o advogado do outro escritório e quem atende é um sujeito ponderado de uns quarenta e poucos anos, que tem um pequeno problema na fala e deve ter sido preterido da disputa pela vaga de sócio na sua empresa. Digo a ele que nossos documentos foram entregues de maneira incorreta, que vou entregá-los em mãos, mas que eles chegaram com um dia de atraso. Ele me interrompe com uma risada contida e simpática e diz com sua língua presa que não tem problema, que obviamente ele não iria contestar a validade da notificação. Aposto que ele odeia seu trabalho tanto quanto eu. Se ele gostasse, não perdoaria esse lapso, cheio de vontade. Les festejaria se por acaso o outro escritório perdesse o prazo.

Mando um e-mail para Les com apenas uma pequena frase: “O advogado da outra parte diz que não se importa em receber os papéis hoje, em mãos.” Isso vai mostrar a ele que posso ser breve e grosseira como qualquer um.

Por volta de 13:30, depois de imprimir e despachar uma nova leva de papéis, recebo Gina, que vem até minha sala e pergunta se tenho planos para o almoço.

- Nenhum plano. Você quer ir almoçar?

- Quero. Será que a gente poderia ir a algum lugar legal? Fazer uma boa refeição? Comer uma carne, ou uma comida italiana?

Sorrio e faço que sim com a cabeça, pegando minha carteira sob a mesa. Gina seria capaz de comer muito todos os dias, mas eu não, fico muito sonolenta à tarde. Uma vez, depois de pedir um sanduíche com purê de batata e vagem, eu realmente precisei pegar o metrô e ir para casa tirar um cochilo. Quando voltei, havia seis mensagens de voz para mim, incluindo uma enfurecida de Les. Aquele foi o meu último cochilo, a não ser que você conte às vezes em que viro minha cadeira para a janela e equilibro um jornal no colo. A técnica é infalível – se alguém entra na sala, parece que estou apenas lendo.

Penduro minha bolsa no ombro quando Kenny, do setor de correspondências, surge na minha porta entreaberta.

- Oi, Kenny, pode entrar.

- Hermione – ele pronuncia meu nome com um sotaque francês. – Isto aqui é para você - Ele abre um sorriso e exibe um vaso cheio de rosas vermelha. Muitas rosas. Mais do que uma dúzia. Mais para duas dúzias, embora eu não tenha contado. Ainda.

- Puta-que-pariu! – os olhos de Gina se arregalam. Dá pra ver que ela faz um esforço enorme para não pegar o cartão.

- Onde devo colocá-las? – pergunta Kenny.

Abro espaço sobre a minha mesa e indico para ele.

- Aqui está bom.

Kenny faz um meneio, exagerando o peso do vaso, assobia e diz:

- Uau, Hermione, alguém está muito a fim de você.

Tento disfarçar, mas não há como negar que as flores são de alguém com interesses românticos. Se não fossem vermelhas, poderia atribuí-las a alguma ocasião de família, dizer a eles que aquele era algum dia especial para mim ou que meus pais souberam do erro que cometi no escritório e estavam tentando me reconfortar. Mas estas não são apenas rosas, são rosas vermelhas. E abundantes. Com certeza não são de algum parente.

Kenny vai embora depois de fazer um comentário final sobre o preço das rosas. Tento caminhar atrás dele em direção à porta, mas não há nenhuma chance de irmos a qualquer lugar antes de Gina obter todas as informações.

- De quem são?

Dou de ombros.

- Não faço a menor idéia.

- Você não vai ler o cartão?

Estou com medo. As rosas devem ser do Harry... e se ele tiver assinado? É muito arriscado.

- Já sei de quem são – digo.

- De quem?

- Draco.

Ele é a única outra possibilidade.

- Draco? Vocês mal ficaram juntos nesse fim de semana. Que história é essa? Você está escondendo alguma coisa de mim? É melhor que não esteja!

Digo a ela para não falar alto, que não quero todo mundo do escritório sabendo da minha vida.

- Está bem, então vai, me conta. O que diz o cartão?

Ela está em ritmo de interrogatório. Por mais que odeie o escritório, ela é uma advogada das boas.

Sei que não posso me safar de ler o cartão. Além do mais, também estou louca para saber que está escrito. Arranco o envelope branco do vaso e abro bem lentamente, enquanto minha mente voa para inventar uma história sobre Draco. Deslizo o cartão e mentalmente leio as duas frases: “SINTO MUITO. POR FAVOR, ME ENCONTRE HOJE A NOITE.” É a letra de forma de Harry, o que significa que ele foi à floricultura pessoalmente. Melhor ainda. Ele não assinou, provavelmente imaginando uma cena como esta. Meu coração dispara, mas tento evitar um sorriso escancarado na frente de Gina. As rosas me emocionam. O cartão me emociona ainda mais. Sei que não vou recusar o convite dele. Vou encontrá-lo hoje a noite, embora esteja mais apavorada do que nunca de me machucar. Passo a língua nos lábios e tento permanecer calma.

- É, são do Draco. – digo

Gina olha fixo para mim.

- Deixa eu ver – diz ela, tentando puxar o cartão.

Tiro o cartão de perto dela e enfio na bolsa.

- Diz apenas que ele está pensando em mim.

Ela põe o cabelo atrás da orelha e pergunta desconfiada:

- Vocês saíram mais de uma vez? Qual é a história toda?

Suspiro e me dirijo ao corredor, totalmente preparada para usar o pobre Draco.

- Está bem, tivemos um encontro na semana passada sobre o qual não falei com você – começo enquanto caminhamos em direção ao elevador. – E, bem, ele disse que seus sentimentos estavam cada vez mais fortes...

- Ele disse isso?

- É, alguma coisa assim.

Ela digere a informação.

- E o que foi que você falou?

- Disse a ele que não tinha certeza de como estava me sentindo e, bem, que achava que devíamos pegar leve durante o fim de semana.

Frieda, da contabilidade, corre para o elevador atrás da gente. Fico com a esperança de que Gina guarde o interrogatório para quando chegarmos ao térreo, mas não, quando a porta fecha, ela continua.

- Vocês ficaram juntos?

Faço que sim disfarçadamente, de modo que Frieda, de costas para a gente, não veja. Eu teria dito não, mas rosas vermelhas fariam menos sentido ainda se não tivesse acontecido nada entre nós.

- Mas vocês não dormiram juntos, dormiram?

Pelo menos isso ela fala sussurrando.

- Não – respondo e depois peço com o olhar para ela ficar quieta. A porta do elevador se abre e Frieda saí apressada para seu destino.

- Então me conta mais – Gina pede.

- Não foi nada demais. Ah, vai, Gi. Você é implacável!

- Bem, se você tivesse me contado toda a história desde o início, eu não precisaria ser implacável.

Ela faz cara de quem está acreditando. Pronto, me safei.

Conversamos sobre outras coisas na nossa breve caminhada até a Segunda Avenida, mas então, quando já estamos comendo nossos filés no Palm Too ela diz:

- Lembra quando você deixou cair àquela cerveja no sábado a noite, enquanto você e Harry estavam conversando?

- Quando? – pergunto já em pânico.

- Você sabe, quando vocês estavam conversando e eu apareci, bem no final da noite?

- Ah é, acho que sim. O que é que tem? – Faço a expressão mais neutra possível.

- O que estava acontecendo? Por que Harry estava tão chateado?

- Ele estava chateado? Não me lembro – olho para o teto, testa franzida. – Não acho que ele estava chateado. Por que você está perguntando?

Quando se está encurralada, responder uma pergunta com outra é uma tática que sempre se pode confiar.

- Por nada. Só me pareceu estranho, só isso.

- Estranho?

- Não sei. É loucura...

- O quê?

- É loucura, mas... vocês pareciam um casal.

Rio de nervoso:

- Isso é loucura!

- Eu sei. Mas enquanto observava vocês dois conversando, pensei que você ficaria melhor com o Harry. Você sabe, melhor do que ele fica com a Cho.

- Ah, que nada – digo. Mais umas risadas nervosas. – Eles ficam muito bem juntos.

- É claro. É. Eles têm todo esse negócio superficial, mas alguma coisa não se encaixa – ela leva o copo d’água até a boca enquanto me examina.
Escolheu a profissão certa, Gina.

Digo que ela é maluca. Apesar de ter adorado o que ela acabou de me dizer. Tenho vontade de perguntar porque pensa assim. Por que nós dois somos formados em Direito? Por que temos algumas características em comum – mais profundidade e dignidade do que Cho?

Mas não digo nada, porque é sempre sábio dizer o menos possível quando se é culpado.

***

Les entra em meu escritório depois do almoço para me perguntar sobre um outro assunto relacionado ao mesmo cliente. Ao longo dos anos, percebi que essa é a sua estranha maneira de pedir desculpas. Ele só vem ao meu escritório depois de uma explosão, como essa de hoje de manhã.

Giro na cadeira e atualizo as informações dele.

- Chequei todas as causas em Nova York. E as federais também.

- Está bem. Mas tenha em mente que o nosso quadro factual é peculiar – diz Les. – Não estou bem certo se a Corte vai dar muita importância à precedentes.

- Pois é, mas até onde sei, o consenso em que nos baseamos na Seção I do nosso arrazoado ainda é o bom Direito. Então esse é um bom primeiro passo.

Agora engole essa.

- Bem, certifique-se de checar também antecedentes judiciais em outras jurisdições – diz ele. – Precisamos antecipar todos os argumentos deles.

- Está bem – respondo.

Quando já está indo embora, ele se vira para comentar:

- Bonitas rosas.

Fico perplexa. Les e eu não jogamos conversa fora e ele nunca fez nenhum outro comentário que não fosse a respeito do meu trabalho, nem mesmo um “Como foi o seu fim de semana?”, numa segunda-feira de manhã, ou um “Muito frio lá fora?”, quando subimos juntos no elevador num dia de neve.

Talvez duas dúzias de rosas façam eu me tornar mais interessante. Eu estou mais interessante, penso. Esse caso com Harry me deu uma nova dimensão.

***

Estou desligando o computador, prestes a ir embora do trabalho, com planos de encontrar Harry. Ainda não nos falamos, apenas trocamos uma série de mensagens conciliatórias, incluindo uma minha agradecendo-o pelas belas flores.

Gina aparece na minha porta antes de sair.

- Você também está indo embora agora?

- Estou – digo, desejando conseguir escapar antes dela. Muitas vezes ela me pergunta se quero beber alguma coisa depois do trabalho, mesmo na segunda-feira, considerada por quase todo mundo como o dia de ficar em casa. Não é que ela seja festeira, como Cho, mas ela não é do tipo que fica em casa sem fazer nada.

Como era de se esperar, ela pergunta se eu não quero tomar uma margarita no Tequilaville, nosso lugar favorito perto do trabalho, apesar – ou talvez por causa- das batatas fritas murchas e da grande quantidade de turistas. É sempre uma escapada bem-vinda da previsível cena de Nova York.

Digo que não, não posso.

É claro que ela quer uma desculpa. Todas as que me ocorrem podem e vão ser refutadas por ela: estou cansada (vamos lá, uma só); tenho de ir para a ginástica (chuta o balde!); estou tentando beber menos (um olhar sem expressão e incrédulo). Então digo a ela que tenho um encontro. O rosto dela se ilumina.

- Então as flores de Draco funcionaram, não é?

- Você me pegou – digo olhando para o relógio, só para garantir.

- Onde você está indo? Ou vai ficar em casa?

Digo a ela que vamos sair.

- Para onde?

- Nobu – digo, porque comi lá recentemente.

- Nobu numa segunda-feira à noite, é? Ele está mesmo a fim de você.

Me arrependo da minha escolha. Deveria ter optado pelo restaurante italiano desconhecido da vizinhança.

- Se o encontro terminar antes das duas, me telefona e me dá notícias – pede Gina.

- Com certeza – respondo.

Vou para casa e esqueço tudo sobre Draco e Gina.

***

- Muito obrigada por se encontrar comigo – diz Harry quando abro a porta. Ele veste um terno escuro e uma camisa branca. Está sem gravata, provavelmente a guardou dentro da pasta, que deixou ao chão, bem ao lado da minha porta. Ele está visivelmente cansado. – Achei que você não ía querer se encontrar comigo.

Nunca considerei não me encontrar com ele. Digo isso, percebendo o risco que corro. Não me importo. É a verdade.

Começamos a nos desculpar, nos aproximamos meio sem jeito, acanhados. Ele pega minha mão, aperta forte. Seu toque, ao mesmo tempo que me acalma, me energiza.

- Sinto muito por tudo. – diz lentamente.

Fico imaginando se ele sabe que deveria sentir muito pela praia também, se isto está incluído no “tudo”. Já pensei na cena vezes e mais vezes, quase sempre em tons de sépia. Pisco, expulsando a imagem da cabeça. Quero fazer as pazes. Quero seguir em frente.

- Eu também sinto muito – digo. Pego sua outra mão, mas ainda há muito espaço entre nós. O suficiente para caber uma ou duas pessoas.

- Você não tem motivo para isso.

- Tenho sim. Não tinha o direito de ficar com raiva de você. Eu me comportei tão mal... Não íamos discutir nada antes do Quatro de Julho. Esse era o acordo...

- Não é justo com você – diz ele. – É um acordo fodido.

- Estou bem do jeito que as coisas estão. – explico. Isso não é exatamente a verdade, mas tenho medo de perdê-lo se pedir mais. É claro, também estou aterrorizada de ficar verdadeiramente com ele.

- Preciso falar com você sobre aquela tarde com Cho – diz.

Sei que ele está se referindo ao episódio do chuveiro e não posso suportar ouvir essa história. A cena em sépia na praia é uma coisa, a cena pornográfica em close e colorida é outra bem diferente. Não quero nem um único detalhe do ponto de vista dele.

- Por favor, não – digo.- Você realmente não precisa explicar.

- É só que... quero que você saiba que foi ela quem começou... sério... Eu vinha evitando aquilo há muito tempo e simplesmente não podia fugir. – Seu rosto treme, assume uma expressão desconfortável de culpa.

- Você não precisa explicar - digo novamente, com mais firmeza. – Ela é sua noiva.

Ele balança a cabeça parecendo aliviado.

- Sabe quando vocês dois estavam na praia? – pergunto calmamente, surpresa em mencionar isso.

- Sei – diz ele consciente, depois olha para baixo. – Quando voltei para a toalha percebi que você estava chateada.

- Como você soube?

- Você me ouviu chamar seu nome e me ignorou. Estava tão fria. Gelada. Odiei aquilo.

- Desculpe. É só que você parecia tão feliz com ela. E eu me senti tão... tão... – luto para encontrar a palavra certa. – Tão obsoleta, usada.

- Você não é obsoleta, Hermione. Penso em você o tempo inteiro. Ontem à noite não consegui dormir. Hoje não consegui trabalhar. Você é tudo, menos obsoleta. -
A voz dele diminui até se tornar um sussurro e acabamos na posição de duas pessoas que dançam uma musica lenta, meus braços em torno do pescoço dele.

- E você precisa saber que eu não estou usando você – diz ele no meu ouvido. Sinto arrepios.

- Eu sei – respondo junto ao ombro dele. – Mas é tão estranho. Observar você com ela. Acho que eu não deveria mais ir aos Hamptons com vocês.

- Sinto muito – diz ele outra vez. – Eu sei. Eu só queria passar um tempo com você.

Nós nos beijamos. É um beijo suave, de bocas fechadas, nossos lábios mal se tocando. Não há nenhuma conotação de desejo, sexo ou paixão. É o outro lado de um caso de amor, a parte que eu mais gosto.

Vamos para a minha cama. Ele senta na beira e eu cruzo as pernas ao seu lado.

- Só quero que você saiba – diz ele, olhando bem dentro dos meus olhos – que nunca faria isso se você não fosse muito importante para mim.

- Eu sei – respondo.

- E eu estou... você sabe... levando essa coisa toda muito à sério.

- Não vamos conversar sobre isso antes do Quatro de Julho – apresso-me em dizer. – Isso era o combinado.

- Tem certeza? Por que nós podemos conversar sobre isso agora se você quiser.

- Tenho. Certeza absoluta.

E tenho certeza mesmo. Estou com medo de qualquer vislumbre do nosso futuro. Não consigo suportar a idéia de perdê-lo, mas ainda preciso considerar o que representaria perder Cho. Um erro enorme e irreversível contra a minha melhor amiga.

Ele me diz que fica assustado com o quanto significo para ele. Será que sei o quanto significo para ele?

Balanço a cabeça afirmativamente. Eu sei.

Ele me beija mais uma vez, ainda mais intensamente. Então eu experimento verdadeiramente o meu primeiro inacreditável sexo de reconciliação.

***

Na manhã seguinte, Gina me faz uma visita quando está a caminho da sua sala. Ela me pergunta como foi o encontro. Digo que foi ótimo. Ela se joga numa das cadeiras, colocando sobre a mesa uma garrafa de água mineral e seu pão com gergelim em forma de rosquinha. Ela reclina a cadeira e bate a porta com o cotovelo. Seu rosto está sério.

O que acabou acontecendo foi que Draco de fato optou pelo restaurantezinho italiano desconhecido da vizinhança. O mesmo restaurantezinho italiano desconhecido que por alguma razão também atraiu Gina na noite passada. Uma cidade de milhões, e Draco e Gina a apenas duas mesas de distância, jantando ravióli em plena noite de segunda-feira.

Bem-vindo a Manhattan, uma ilha menor do que jamais se poderia imaginar.

- A única coisa sobre a qual você não mentiu para mim - diz Gina, apontando o dedo - é que Draco estava realmente num encontro. Só que não com você, sua bundona mentirosa ... embora a menina lembrasse você em termos de boca e queixo.

- Você está maluca?

- Não, maluca não.

- O quê, então?

- Bem, para começar, estou chocada. Nunca pensei que você fosse capaz de me enganar assim - ela parece mesmo muito abalada pela revelação. - E também estou magoada por perceber que você não confia em mim. Gosto de pensar em mim como sua melhor amiga, não alguma figura decorativa, um retrocesso aos tempos de segundo grau, sua melhor amiga hoje em dia. O que me leva a outra questão ... – ela diz cheia de moral e depois espera que eu quebre o silêncio.
Olho para o meu grampeador, depois para o meu teclado e depois para o meu grampeador novamente.

Embora tenha muitas vezes me imaginado sendo descoberta, é sempre Cho que dá o flagrante. Porque, afinal de contas, quando soltamos nossa imaginação, optamos pelo pior cenário possível, não por um cenário mediano. É como se preocupar com a possibilidade de seu namorado ter sofrido um acidente de carro por causa de bebida - você não o imagina batendo numa caixa de correio e cortando o lábio. Você imagina lírios ao lado de um caixão aberto.

Então eu vi imagens de Cho nos flagrando. Não do tipo na-cama-sem-roupa-em-pleno-ato - isso é muito improvável, especialmente num prédio com porteiro -, mas algo mais sutil. Cho aparece inesperadamente e José a deixa subir sem tocar o interfone (lembrete mental: dizer a ele para nunca permitir isso). Atendo a porta imaginando que é apenas o cara que veio entregar a comida chinesa, caixas de rolinho primavera e de sopa de bolinho de carne para mim e para Harry, compreensivelmente esfomeados por causa de nossas escapadas (lembrete mental número dois: sempre olhe antes pelo olho mágico). E ali está ela. Seus grandes olhos captando tudo. Sem palavras em seu estado de horror. Ela abandona a cena. Harry vai para o corredor vestindo apenas sua cueca samba-canção xadrez, gritando o nome dela, como Marlon Brando em Um bonde chamado desejo.

Próxima cena: Cho, em meio a caixas de papelão, empacotando seus CDS com a sempre tão solidária Pansy oferecendo a ela lenços de papel a todo momento. Pelo menos Harry ficaria com os álbuns do Springsteen, até mesmo Greetings from Asbury Park, que alguém deu a Cho de presente. A maior parte dos livros também ficaria, já que Cho quase não trouxe livros para o apartamento. Apenas alguns poucos itens vistosos para colocar sobre as mesas de centro.

Uma vez eu li – ironicamente, numa das revistas de Cho – que uma pessoa que está tendo um caso deve se engajar num tal de exercício de visualização que consiga se imaginar sendo flagrada e depois sofrendo as terríveis conseqüências, Essas imagens deve trazer a pessoa de volta à realidade, fazê-la pensar melhor, fazê-la se dar conta do que está perdendo. É claro, o artigo pressupunha um caso movido pelo desejo incontrolável e não era dirigido à pessoa desimpedida do triangulo, mas sim ao participante comprometido. Além disso, pressupunha também que a terceira pessoa envolvida não fosse madrinha do casamento prestes a se realizar. As nossas circunstancias claramente não se encaixam no esquema típico de adultério.

De qualquer modo, não sei como me sentiria se Cho descobrisse tudo e nossa amizade terminasse. Não consigo imaginar. O fato é que Cho era 100% por fora e ela e Harry ainda estão bastante comprometidos. E provavelmente as coisas vão permanecer assim. Eles vão se casar e ela nunca vai descobrir a verdade.

Ser flagrada por Gina é uma história diferente.

- Então? – pergunta ela.

- Então o quê?

- Com quem você realmente se encontrou ontem à noite? Quem realmente mandou isso para você? – Ela aponta para as minhas rosas.

- Uma outra pessoa.

- Não me venha com essa merda.

Engulo em seco.

- Está bem, olha só, não nasci ontem. Você se envolve numa briga com Harry no Talkhouse, os dois param de falar quando eu chego. Depois você vai embora dos Hamptons bem cedo no dia seguinte, toda deprimida, mentindo sobre prazos prestes a expirar... Conheço seus prazos, Mione, e você não tinha nada para entregar ontem. E aí essas flores chegam.

Ela aponta para as minhas rosas, ainda em perfeito estado.

- Você menciona o nome do Draco, a quem ignorou todo o fim de semana. O que é estranho, mesmo que você tenha decidido pegar leve. Então você me diz que tem um encontro com Draco e eu o encontro sem você, com uma outra mulher!

Ela termina a enumeração das evidencias com um sorriso jubiloso.

- Ela era bonitinha?

- A mulher?

- É, a companhia do Draco.

- Na verdade sim, ela era bem atraente. Como se você se importasse.

Ela tem razão, não me importo.

- Agora pare de enrolar e vá direto ao ponto – diz.

- Que ponto?

- Hermione!

- Realmente parece terrível – digo, relutando em confessar.

- Mione. Para quem você acha que eu vou contar? Sou sua amiga, não da Cho. Que diabos, eu nem gosto dela tanto assim...

Pego minha fita adesiva, arranco cinco centímetros e seguro entre o dedo indicador e o polegar. Por alguma razão essa é uma confissão mais difícil do que a que fiz para Rony. Talvez porque seja cara a cara. Talvez porque o passado dela não tenha sido tão aventureiro quanto o de Rony.

- Está bem – Gina tenta novamente. – Deixe-me falar por você, simplesmente faça que sim com a cabeça. – A voz dela é de uma mãe falando com uma filha.

Brinco nervosamente com a fita, enrolando-a em volta do meu dedo. Ela esta prestes a descobrir tudo e eu tenho duas escolhas: admitir ou negar. Admitir pode ser um grande alívio. Negar me forçaria a fazer uma expressão indignada e responder uma saraivada de perguntas do tipo: “Como é que você pode ter pensado isso? Você está maluca?” etc. Não estou bem para fingimento dessa natureza.

- Harry está traindo Cho – diz ela – com você.

Som de tambores.

Ergo meu queixo e olho de volta para ela. Depois balanço a cabeça o menos possível, mal me mexendo.

- Eu sabia!

Penso em interromper o interrogatório, mas na verdade eu realmente quero conversar sobre isso. Quero que ela me diga que não sou uma pessoa terrível. Quero que ela discorra sobre aquela afirmação anterior de que combinaria mais com ele do que ele com Cho. E, acima de tudo, quero apenas conversar sobre Harry.

- Quando tudo começou?

- Na noite da minha festa.

Ela olha para o teto e balança a cabeça, como se agora tudo fizesse sentido.

- Está bem, comece do começo. Não esconda nada. – Ela se instala na cadeira e morde um pedaço do pão.

- Na primeira vez que eu dormi com ele foi um acidente.

- Na primeira vez? Você dormiu com ele? Muitas vezes?

Dou uma olhada para ela.

- Desculpe, vá em frente. Simplesmente não consigo acreditar nisso!

- Certo. Na noite da festa fomos os últimos a sair... fomos tomar uns drinques, uma coisa levou a outra e dormimos juntos no meu apartamento. Foi um acidente. Quer dizer, nós estávamos bêbados. Eu pelo menos estava.

- É, eu me lembro, você estava de pilequinho naquela noite.

- É, eu estava. Mas o interessante é que Harry diz que não estava bêbado. - Esse detalhe não apenas desloca a responsabilidade para o lado dele, mas ao mesmo tempo torna a origem do relacionamento mais significativa.

- O quê? Ele tirou vantagem de você?

- Não, eu não quis insinuar isso... eu sabia o que estava fazendo.

- Tudo bem – ela faz um sinal para eu continuar.

Conto a ela sobre o dia seguinte, as mensagens frenéticas de Cho, nosso pânico e Harry usando Draco como álibi.

- Então foi isso – concluo.

- O que você quer dizer com “foi isso”? É claro que não foi só isso – ela dá uma olhada significativa nas rosas.

- Quero dizer que foi isso por um tempo. Nós estávamos arrependidos e...

- O quanto arrependidos?

- Arrependidos, Gi. Obviamente. – No íntimo recordo aquele primeiro dia e minha completa falta de remorso. – Então foi isso. Na minha cabeça, estava tudo acabado.

- Mas não na dele, certo?

Escolho minhas palavras cuidadosamente e conto a ela sobre a ligação de Harry na segunda-feira e o que ele disse. E depois todas as coisas que aconteceram nos Hamptons. E sobre nosso primeiro beijo sóbrio. O beijo decisivo. Ter dormido com ele verdadeiramente pela primeira vez.

Ela dá mais uma grande mordida no pão.

- Então isso é... o que? Apenas sexo? Ou você realmente gosta dele?

- Eu realmente gosto dele – revelo.

Ela digere a informação.

- Ele vai terminar o noivado?

- Ainda não falamos disso.

- Como é que vocês podem não ter falado disso? Espere aí, era por causa disso que vocês estavam brigando no Talkhouse?

Digo a ela que não estávamos exatamente brigando, mas que eu estava chateada por ele ter transado com Cho. Por isso as rosas.

- Certo. Então se ele lamenta por ter dormido com a noiva dele, é como se ele tivesse inclinado a terminar com ela, não é?

- Não sei. Nós realmente ainda não discutimos isso. - Ela parece confusa.

- E quando vocês vão fazer isso?

- Nós dissemos que conversaríamos lá pelo Quatro de Julho.

- Por que essa data?

- Uma escolha arbitrária, não sei.

Ela bebe um gole d’água.

- Bem, você acha que ele vai terminar com ela, certo?

- Não sei. Não sei nem se quero isso - Ela me lança um olhar perplexo.

- Você está se esquecendo de um detalhe importante da historia, Gina. Cho é minha amiga de anos, da vida inteira, e eu sou a madrinha dela. - Ela revira os olhos.

- Detalhes.

- Você simplesmente não gosta dela.

- Cho não é a pessoa de quem eu mais gosto nesse mundo, mas isso não vem ao caso.

- Na minha opinião esse é um detalhe importante. Ela é minha amiga. E, além disso, mesmo que não fosse, mesmo que fosse uma mulher qualquer, você não acha que eu teria de lidar com as conseqüências negativas de tudo isso? - Fico imaginando por que discuto contra mim mesma.

Ela se ajeita na cadeira e fala devagar.

- O mundo não é assim tão preto no branco, Mione. Não há uma moral absoluta. Se você tivesse dormido com Harry só de farra, então talvez eu me preocupasse com as conseqüências negativas. Mas você tem sentimentos por ele. Isso não faz de você uma pessoa má.

Tento memorizar a fala dela. Não há uma moral absoluta. Isso é bom.

- Se a situação fosse inversa – continua ela -, Cho faria a mesma coisa sem pestanejar.

- Você acha? – pergunto, considerando a idéia.

- Você não?

- Talvez você tenha razão – digo. Afinal, Cho tradicionalmente leva a melhor. As coisas sempre foram assim.

Até agora.

Gina sorri e faz que sim com a cabeça.

- Vai fundo.

Mais ou menos a mesma coisa que Rony disse. São dois votos para mim e nenhum para Cho.

- Vou continuar me encontrando com ele o máximo que puder. Vamos ver o que acontece – digo, percebendo que “ver o que acontece” é a minha versão para “ir fundo”.

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Nick Granger Potter, realmente a Cho e a Mione são bastante diferentes, e muitas coisas ainda vão acontecer nesse triangulo amoroso...

Tata, a Mione, por enquanto, só tem olhos pro Harry, o Draco é só amizade sem química nenhuma, mas talvez pra frente quem sabe isso pode mudar...

Amor, esse negocio de “sorte da Cho” é mais coisa da cabeça da Mione, o que ocorre é que como a Cho gosta de se por em evidência e vê na Mione uma rival, sublinha cada uma das suas conquistas, enquanto que a Mione nem percebe suas vitórias...

Nana G. Potter, a amizade delas tem papeis definidos desde a infância, a verdade é que elas cresceram unidas, é como nosso irmão chato, nós amamos ele, mas tbm odiamos, e seria bom observar que a Mione não percebe a maioria das coisas, com relação a Cho, como elas realmente são.

* Nessynha Girl * pode fazer propaganda a vontade...
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Bjss e comentem

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