CAPÍTULO NOVE



NOVE

Passo três dias evitando Cho, uma coisa muito difícil de fazer. Nunca ficamos tanto tempo sem nos falar. Quando ela finalmente me encontra, atribuo minha ausência ao trabalho, digo que tenho estado inacreditavelmente ocupada - o que é verdade -, embora tenha encontrado tempo mais do que suficiente para ficar sonhando acordada com Harry, para telefonar a ele e mandar e-mails. Ela me pergunta se estou livre para um brunch no domingo. Digo que sim, imaginando que dessa forma posso enfrentar de vez o encontro cara a cara. Combinamos no EJ's Luncheonette perto da minha casa.

No domingo de manhã, chego primeiro ao EJ's e noto aliviada que o lugar está cheio de crianças. Seus gritos alegres me distraem e me deixam um pouco menos nervosa. Mas ainda fico muito ansiosa de pensar em estar com Cho. Fui capaz de lidar com a minha culpa evitando qualquer pensamento a respeito dela, quase fazendo de conta que Harry é solteiro e que estamos de volta aos tempos do curso de Direito, antes de ter tido a grande idéia de apresentá-lo à Cho. Mas essa tática não vai ser possível esta tarde. E estou com medo de que passar um tempo com ela acabe me forçando a acabar tudo com Harry, coisa que eu desesperadamente não quero fazer.

Minutos depois, Cho entra carregando sua grande bolsa preta da Kate Spade, aquela que ela usa quando tem muitas coisas para resolver, especialmente as relacionadas ao casamento. Como era de se esperar, noto sua familiar pasta laranja saindo da bolsa, lotada de recortes de revistas de noivas. Meu estômago dói. Tinha mais ou menos me preparado para Cho, mas não para o casamento.

Ela me cumprimenta à moda européia, com um beijo em cada lado do rosto, enquanto sorrio e tento agir com naturalidade. Então engrena numa historinha sobre o encontro às cegas de Pansy na noite anterior, com um cirurgião chamado Skip. Cho conta que não deu muito certo, que Skip não era alto o suficiente para Pansy e deixou de perguntar se ela queria sobremesa, acionando com isso seu detectar de unhas-de-fome. Acho que talvez o único detector a registrar qualquer coisa tenha sido o de Skip, contra "esnobes cansativas". Talvez ele apenas quisesse ir para casa e escapar dela. Entretanto, como Cho não gosta que eu critique Pansy, a não ser que ela critique primeiro, não menciono essa possibilidade.

- Ela é exigente demais - reclama Cho enquanto somos levadas a uma mesa que fica entre dois bancos de encostos altos. - É como se ela procurasse defeitos.

- Não vejo problema em ser exigente. Mas ela tem uma série de critérios completamente equivocados.

- Como você sabe?

- Ela às vezes é um pouco superficial.

Cho olha para mim sem entender.

- O que eu quero dizer é que ela se preocupa demais com dinheiro, aparências e o quanto o cara é bem relacionado. Ela está apenas limitando um pouco suas chances de encontrar alguém.

- Não acho que ela seja assim tão exigente - diz Cho. - Ela saiu com Draco e ele não é bem relacionado. É de uma cidade obscura no Wyoming. E o cabelo dele está ficando meio ralo.

- Montana - digo, impressionada com o quanto Cho pode soar superficial. Acho que ela tem sido assim desde que chegou a Manhattan, talvez até durante toda a nossa vida, mas às vezes, quando você conhece muito uma pessoa, não vê como ela realmente é. Então, honestamente, acho que consegui desconsiderar essa parte fundamental da personalidade dela, talvez não querendo ver minha amiga mais próxima sob essa luz. Acontece que desde a minha conversa com Rony ficou difícil ignorar sua tendência à superficialidade e à agressividade.

- Montana, Wyoming, seja onde for - diz ela, balançando as mãos no ar como se ela própria não tivesse vindo do Meio-Oeste. A mim incomoda muito o modo como Cho deprecia nossas raízes, chegando até mesmo a debochar de Indiana, chamando o estado de atrasado e feio.

- E eu gosto do cabelo dele - digo.

Ela sorri sarcástica.

- Vejo que você está defendendo Draco. Interessante.

Eu a ignoro.

- Tem falado com ele ultimamente?

- Algumas vezes. Na maior parte por e-mail.

- Algum telefonema?

- Alguns.

- Você se encontrou com ele?

- Ainda não.

- Porra, Hermione. Vê se não perde o impulso - ela tira o chiclete da boca e embrulha num guardanapo. - Quero dizer, não vai deixar esse escapar ... Você não vai conseguir nada melhor.

Examino o cardápio e sinto a raiva e a indignação crescendo dentro de mim. Que coisa mais grosseira de se dizer! Não que eu ache que haja alguma coisa errada com Draco, mas por que não posso conseguir nada melhor? Afinal de contas, o que isso significa? Durante toda a nossa amizade, sempre esteve implícito que Cho é a bonita, a sortuda, a charmosa. Isso é uma coisa. Mas simplesmente dizer isso desta forma - você não vai conseguir nada melhor - é bem diferente. A audácia dela é realmente de tirar o fôlego. Fico formulando possíveis respostas, mas engulo tudo. Ela não sabe o quanto a observação é sacana e fruto de sua inata falta de consideração. Além do mais, levando-se em conta a situação, realmente não tenho direito de ficar com raiva dela.

Olho por sobre o cardápio e dou uma espiada em Cho, preocupada que ela seja capaz de ler tudo no meu rosto. Mas ela não está nem aí. Minha mãe sempre diz que sou transparente, mas, como Cho não olha com atenção, não enxerga nada.
Nosso garçom se aproxima e guarda de memória nossos pedidos, coisa que sempre me impressiona. Cho pede uma torrada e um cappuecino e eu peço um omelete grego, substituindo o queijo feta pelo cheddar, e batatas fritas. Que ela seja a magra.

Cho pega sua pasta laranja e começa a tirar várias listas.

- Certo. Temos muito mais a fazer do que eu imaginava. Minha mãe telefonou ontem à noite e estava toda "Você já fez isso? Você já fez aquilo?", então comecei a entrar em pânico.

Digo a ela que temos tempo de sobra. Gostaria que tivéssemos mais.

- Faltam três meses, Mione. Vai chegar antes que a gente perceba.

Meu estômago chega a doer quando penso quantas vezes mais vou ver Harry nestes três meses. Em que momento vamos parar? É melhor que seja o quanto antes. Melhor que seja agora.

Fico olhando para Cho enquanto ela prossegue mexendo na pasta, fazendo pequenas observações nas margens, até que o garçom traz nossa comida. Dou uma espiada no meu omelete - queijo cheddar. Ele acertou. Começo a comer, enquanto Cho tagarela sobre sua tiara.

Faço que sim com a cabeça, escutando apenas em parte, ainda me sentindo magoada por suas palavras grosseiras.

- Você está me ouvindo? - pergunta Cho finalmente.

- Estou.

- Bem, então o que foi que acabei de dizer?

- Você disse que não fazia idéia de onde encontrar a tiara.

Ela dá uma mordida na torrada, ainda em dúvida.

- Certo. Então você realmente estava me ouvindo.

- Eu te disse - falo, botando sal nas batatas.

- Você sabe onde posso conseguir uma?

- Bem, nós vimos algumas na Vera Wang, numa vitrine do primeiro andar, não foi? E tenho quase certeza de que a Bergdorf tem.

Fico lembrando do começo do noivado de Cho, quando, pelo menos de certa forma, me envolvi de coração na história. Embora tivesse inveja de que a vida dela estivesse se organizando tão perfeitamente, me sentia feliz por ela e era uma madrinha dedicada. Me lembro da nossa longa busca pelo vestido dela. Acho que vimos todos os modelos disponíveis em Nova York. Percorremos o caminho até Kleinfeld, no Brooklyn. Fomos às lojas de departamentos e às pequenas butiques no Village. Chegamos a tentar os grandes estilistas da Madison - Vera Wang, Carolina Herrera, Yumi Katsura, Amsale.

Mas Cho nunca tinha a sensação que se espera de uma noiva, aquela sensação em que você é tomada pela emoção e cai no choro em pleno provador. Finalmente identifiquei o problema. Era o mesmo de quando experimenta biquínis. Ela ficava deslumbrante em todos os vestidos. Os modelos colados no corpo valorizavam seus quadris estreitos e sua altura. Os grandes vestidos de baile estilo princesa enfatizavam sua minúscula cintura. Quanto mais vestidos ela experimentava, mais confusas ficávamos. Então, finalmente, depois de um longo e cansativo sábado, quando chegamos ao nosso último compromisso na Wearkstatt, no Soho, decidi que aquela seria nossa parada final. Uma garota no frescor da juventude, cujo rosto ainda não fora desgastado pela vida e pelo amor, perguntou a Cho o que ela imaginava para o grande dia. Cho deu de ombros, desamparada, e olhou para mim esperando que eu respondesse.

- O casamento dela vai ser na cidade - comecei.

- Eu simplesmente adoro casamentos em Manhattan.

- Sei. E vai ser no começo de setembro. Então estamos contando com um tempo quente ... E acho que Cho prefere vestidos simples, sem muitos babados.

- Mas não muito sem graça - acrescentou Cho.

- Certo. Nada muito despojado demais - eu disse. Deus nos livre.

A garota pressionou o dedo contra a têmpora, deu uma saída rápida da sala e voltou com quatro vestidos, justos no corpete e que iam se alargando em direção ao chão, todos praticamente iguais. E foi então que decidi que iria escolher um dos modelos para ser o vestido. Quando Cho experimentou o segundo deles, de um branco suave com cintura baixa e bordado de contas no corpete, respirei fundo e disse:

- Oh, Cho, está lindo em você - disse. (Estava, é claro.) - É este!

- Você acha? - A voz dela tremia. - Tem certeza?

- Absoluta - confirmei. - Você precisa comprar este aqui.

Momentos depois, encomendamos o vestido e falamos sobre as datas das provas. Cho e eu somos amigas há anos, mas acho que foi a primeira vez que me dei conta da influência que exerço sobre ela. Escolhi seu vestido de casamento. A roupa mais importante que ela vai usar na vida.

- Então você não se importa em resolver algumas coisas comigo hoje? - pergunta ela agora. - A única coisa que eu realmente faço questão de encontrar é o sapato. Preciso do sapato para a próxima prova do vestido. Acho que podemos olhar na Stuart Weitzman e depois dar um pulo na Barney's. Você pode vir comigo, não pode?

Mergulho uma garfada de omelete no ketchup.

- Claro ... mas realmente tenho que trabalhar hoje - minto.

- Você sempre tem que trabalhar! Eu não sei quem é pior: você ou Harry - diz ela - Ultimamente ele anda trabalhando num projeto grande. Nunca está em casa.

Continuo olhando para baixo, procurando a melhor entre as batatas fritas que ainda restam no meu prato .

- É mesmo? - pergunto, pensando nas noites recentes em que Harry e eu ficamos no trabalho até tarde, falando no telefone. - Que droga.

- Nem me fale. Ele nunca está disponível para ajudar com as coisas do casamento. Isso está realmente começando a me dar nos nervos.

Depois de comermos e conversarmos ainda mais sobre casamentos, caminhamos até a Madison e viramos à esquerda em direção à Stuart Weitzman. Quando entramos na loja, Cho admira uma dúzia de sandálias, dizendo para mim que a modelagem dos sapatos é perfeita para seus pés estreitos e de calcanhar pequeno. Nós finalmente chegamos ao setor de sapatos forrados de cetim, no fundo da loja. Cho examina cada um deles, escolhendo quatro pares para experimentar. Fico observando enquanto ela anda toda empertigada pela loja, estilo passarela, antes de escolher o par com o salto mais alto. Quase pergunto se ela tem certeza de que o sapato é confortável, mas consigo me segurar. Quanto mais cedo ela tomar uma decisão, mais cedo vou estar dispensada para o resto do dia.

Mas Cho ainda não desistiu de mim.

- Já que estamos por aqui, será que a gente pode ir até a Elizabeth Arden para dar uma olhada nos batons? - pergunta, enquanto paga pelo sapato.

Concordo, relutante. Vamos andando até a Quinta Avenida, e vou tolerando a lengalenga sobre rímel à prova d'água e sobre precisar lembrá-la de comprar um para o dia do casamento, porque não há possibilidade de ela conseguir passar a cerimônia toda sem chorar.

- Claro - digo -, vou lembrar você.

Digo a mim mesma para encarar essas tarefas com objetividade, mais como uma organizadora de casamentos desprendida que mal conhece a noiva do que como a amiga mais antiga e desleal da noiva. Afinal, se eu conseguir ser especialmente útil a Cho, pode ser que a minha culpa diminua. Imagino Cho descobrindo minhas maldades e eu dizendo: "É, tudo isso é verdade. Você me pegou. Mas deixe-me lembrá-la de que NUNCA, NEM UMA VEZ ABANDONEI MINHAS OBRIGAÇÕES COMO MADRINHA!"

- Posso ajudá-las, senhoritas? - pergunta a mulher atrás do balcão da Elizabeth Arden.

- Sim, estamos procurando um batom rosa. Um batom rosa-vivo, mas ainda assim suave, inocente, adequado para uma noiva - explica Cho.

- E você é a noiva?

- Sim. - Cho dá um de seus sorrisos falsos de quem trabalha como Relações Públicas.

A mulher retribui o sorriso e faz suas recomendações decisivas, escolhendo prontamente cinco opções e expondo sobre o balcão à nossa frente.

- Aqui está. Perfeito.

Cho diz a ela que vou precisar de um tom complementar, que sou a madrinha.

- Que bom. Vocês são irmãs? - A mulher sorri. Seus dentes grandes e quadrados me lembram aqueles chicletes quadradinhos.

- Não - respondo.

- Mas é como se fosse - diz Cho, de forma sincera e simples.

Sinto-me vil. Fico me imaginando num programa de auditório, o tema do dia: "Minha melhor amiga tentou roubar meu noivo." A platéia vaia e assobia enquanto balbucio minhas desculpas e justificativas. Explico que não pretendia fazer mal a ninguém, simplesmente não pude evitar. Eu costumava imaginar como eles conseguiam encontrar pessoas tão desleais e desprezíveis (e como conseguiam fazer essas pessoas se confessarem em rede nacional). Agora estava aderindo à baixaria. Oferecendo à Fleur uma excelente competidora.

Isto precisa parar. Agora. Neste segundo. Até agora ainda não dormi com Harry conscientemente, sóbria. E daí que nós nos beijamos de novo? Foi só um beijo. O momento da virada vai ser o da escolha do batom da noiva. Agora. Um, dois, três, já!

Então eu penso no cabelo macio de Harry, nos lábios de canela e em suas palavras - Gosto literalmente de tudo a seu respeito. Ainda não consigo acreditar que Harry tenha esses sentimentos por mim. E o fato de eu também me sentir da mesma maneira é demais para ser ignorado. Talvez tivesse que ter acontecido. Palavras como "destino" e "almas gêmeas" rodopiam pela minha cabeça, palavras que me faziam rir quando eu estava lá pelos meus vinte anos. Percebo a ironia - as pessoas não deveriam ficar menos românticas com a idade?

- Você gosta deste aqui? - Cho vira-se para mim fazendo beicinho com os lábios carnudos.

- É legal - respondo.

- Você acha que é muito brilhante?

- Não, não acho. É bonito.

- Acho que talvez seja muito brilhante. Não se esqueça de que vou estar de branco. Vai fazer diferença. Lembra como ficou a maquiagem de Kim Frisby no casamento dela? Como ela ficou parecendo uma prostituta? Quero estar sensual, mas doce também. Você sabe. Como uma virgem, mas ainda assim sensual.

De repente, e inesperadamente, estou quase chorando, não posso suportar nem mais um segundo dessa conversa sobre casamento.

- Cho, eu realmente preciso trabalhar. Sinto muito mesmo.

O lábio inferior dela se projeta.

- Ah, vai, só mais um pouquinho. Não consigo fazer isso sem você. - E então ela diz para a vendedora: - Sem ofensas.

A garota sorri como se entendesse perfeitamente e não se ofende. Ela reconhece a verdade do que Cho está dizendo e provavelmente imaginando que tipo de madrinha abandona a noiva num momento tão crucial.

Respiro fundo e digo a ela que posso ficar mais alguns minutinhos. Ela experimenta mais alguns batons, usando uma loção removedora de maquiagem para limpar os lábios entre um tom de rosa e outro.

- Que tal esta aqui?

- Legal - sorrio sinceramente.

- Bem, legal não serve - ela dispara. - Tem de ser perfeito. Tenho de estar perfeita!

Enquanto observo seus lábios malcriados que parecem ter sido manchados de framboesas ou picados por uma abelha, qualquer vestígio de remorso desaparece. Tudo o que sinto é um ressentimento profundo, gigantesco. Por que tudo tem de ser perfeito para você? Por que tudo deve ser entregue a você num embrulho perfeito, todo enfeitado com laços ao estilo Martha Stewart? O que você fez para merecer Harry? Eu o conheci antes. Fui eu quem o apresentou a você. Eu deveria ter ido à luta por ele. Por que foi mesmo que eu não fui? Ah, já sei, porque pensei que não fosse boa o bastante para ele. Bem, eu estava enganada. Obviamente fiz um julgamento errado da situação. Isso acontece ... especialmente quando se tem uma amiga como você, uma amiga que parte do princípio de que tem o direito ao melhor de tudo, uma amiga que é tão implacável em sua busca para se sobressair que você até começa a se subestimar, a diminuir suas expectativas. Isso é culpa sua, Cho, por tomar o que para início de conversa deveria ser meu.

Estou presa e absolutamente desesperada para escapar dela. Olho para relógio e suspiro, quase acreditando que realmente preciso ir para o trabalho e que Cho não está tendo consideração, que está, como sempre, tirando vantagem do meu tempo. Acho que meu trabalho é um pouco mais importante do que o batom para um evento que só vai acontecer daqui a alguns meses.

- Desculpe, Cho ... não é minha culpa se preciso trabalhar.

- Está bem.

- Não é minha culpa - digo mais uma vez.

Não é minha culpa.

E os sentimentos dele por mim - e sei que são reais - não são culpa dele.
Antes que eu consiga escapar, Cho telefona para Pansy no celular. Já tentou Bobbi Brown? Ouço Pansy perguntar e então declarar com autoridade que eles têm uma linda linha para noivas e que os batons deles são bem cremosos, mas não têm muito brilho.

- Você vem me encontrar agora? - Cho implora ao telefone. A idéia de que ela tem direito a tudo não tem limites.

Ela desliga o telefone e me diz que estou livre para partir, que Pansy já vai chegar. Ela acena para mim. Estou sendo dispensada.

- Tchau - digo. - Falo com você mais tarde?

- Claro. Pode ser. Tchau.

Enquanto me viro para ir embora ela ainda deixa um aviso final:

- Se não tomar cuidado, vou ser obrigada a rebaixar você à madrinha secundária e dar para Pansy sua honrada posição.

Isso tudo porque somos como irmãs.


Ligo para Harry logo que me afasto dela. Trata-se de um golpe baixo, telefonar enquanto Cho toma as providências para o casamento, mas estou movida a indignação. É isso que ela ganha por ser tão exigente, dominadora e egocêntrica.

- Onde você está?

- Em casa.

-Oh.

- Onde você está? Pensei que vocês estivessem fazendo compras.

- Eu estava, mas disse que precisava trabalhar.

Percebo que estamos os dois evitando mencionar Cho diretamente.

- Bem, você precisa trabalhar? - pergunta Harry meio hesitante.

- Na verdade, não.

- Ótimo. Eu também não. Posso ver você?

- Vou estar em casa em vinte minutos.


Harry chega ao meu prédio antes de mim e me espera no hall de entrada, jogando conversa fora com José sobre o time do Mets. Estou tão feliz de encontrá-lo, tão aliviada de estar longe de Cho. Sorrio e digo olá, imaginando se José reconhece Harry de visitas passadas com Cho. Espero que não. Não é só dos meus pais que eu quero aprovação. Quero aprovação até mesmo do meu porteiro.

Harry e eu entramos no elevador e caminhamos pelo corredor até o meu apartamento. Estou nervosa de tanta expectativa, ansiosa pelo seu toque. Sentamos no sofá. Ele segura minha mão e começamos a nos beijar com a urgência de quem está tendo um caso. Trata-se de uma palavra séria, uma palavra assustadora. Evoca imagens das aulas de religião e os Dez Mandamentos. Mas não se trata de adultério. Ninguém é casado. Ainda. Tiro tudo isso da cabeça e dou um beijo em Harry. Não haverá mais culpa. Não pelas próximas horas.

De repente, ficar empoleirado no sofá parece ridículo. Minha cama seria tão mais confortável. Só porque estamos numa cama não significa que algo mais tenha de acontecer. Essa é uma percepção adolescente. Sou uma mulher crescida, com experiência de vida (apesar de limitada), e poso me controlar em minha própria cama. Levanto e conduzo Harry até o outro lado do apartamento. Ele me segue, ainda segurando minha mão. Sentamos na beira da cama. Harry escorrega os pés para fora do mocassim. Ele não está de meia. Mexe o dedão para cima e para baixo e então esfrega um pé no outro. Ele tem o arco do pé alto e gracioso e tornozelos delgados.

- Venha cá - diz, me puxando para junto dele e nos levando para o alto em direção aos travesseiros. Ele é forte, sua pele é quente. Agora estamos de lado, nossos corpos juntos um do outro. Ele me beija mais e caímos na direção dele. De repente, ele pára de me beijar, dá uma tossidinha e diz:

- É tão estranho. Estar com você desta forma. E ao mesmo tempo parece tão natural. Talvez por sermos amigos há tanto tempo.

Digo que sei exatamente o que ele quer dizer. Penso nos tempos do curso de Direito. Não éramos grandes amigos naquela época, mas éramos próximos o bastante para aprender muito a respeito um do outro, coisas que vêm à tona mesmo quando sua atenção está voltada para sonegação de impostos e maneiras de rescindir um contrato. Catalogo mentalmente tudo que aprendi sobre Harry na era pré-Cho. Que ele cresceu em Westchester. Que é católico. Que jogava basquete na escola e que considerou entrar no time da Georgetown. Que ele tem uma irmã mais velha chamada Tessa,que estudou em Cornell e agora ensina inglês numa escola em Buffalo. Que seus pais se divorciaram quando ele ainda era bem pequeno. Que o pai dele casou pela segunda vez. Que a mãe dele sobreviveu a um câncer de mama.

E então havia tudo que eu aprendera através de Cho, detalhes da vida pessoal dele que me peguei evocando e ponderando nos últimos dias. Como, por exemplo, que Harry é mal-humorado de manhã. Que faz pelo menos cinqüenta flexões todas as noites antes de ir para a cama e que nunca deixa pratos sujos na bancada da cozinha. Que ele ficou arrasado quando o avô morreu, a única vez em que ela o viu chorar. Que ele teve duas namoradas sérias antes de Cho e que uma delas, Suzanne Bones, que trabalhava como analista de mercado na Goldman Sachs, deu um fora nele e partiu seu coração. Quando somo tudo isso, sei bastante. Mas quero mais.

- Conta pra mim tudo sobre você - digo, parecendo uma garota de 18 anos.

Harry toca meu rosto e então desenha uma linha imaginária ao longo do meu nariz e em torno da minha boca, apoiando o dedo no meu queixo.

- Você primeiro. É você quem é a misteriosa.

Rio.

- Nem um pouco - digo, pensando que ele está confundindo ser tímida com ser misteriosa.

- É, sim. Você foi um livro fechado durante todo o curso de Direito. Toda quieta, sem querer sair com ninguém, apesar de vários caras tentarem... nunca consegui arrancar muito de você.

Rio outra vez.

- O que você quer dizer com isso? Contei muita coisa para você durante o curso de Direito.

- Como o quê, por exemplo?

Tagarelo sobre alguns detalhes autobiográficos.

- Não estou falando dessas coisas - diz ele. - Estou falando das coisas importantes. Como você se sentia a respeito das coisas.

- Eu detestava Snape - digo sem muita convicção.

- Eu sei, o seu medo era desgastante. E aí o resultado foi muito bom quando ele finalmente chamou você.

- Eu não ... - digo, lembrando dos trancos e barrancos de um longo e doloroso interrogatório.

- Sim, você se saiu bem. Apenas não achou que tinha ido bem. Você não se enxerga do jeito que é.

Desvio o olhar, focalizo uma mancha de tinta no meu edredom. Ele continua.

- Você se enxerga como mediana, comum. E não há nada de comum em você, Hermione.

Não consigo olhar de novo para ele. Meu rosto está em chamas.

- E sei que você fica vermelha quando está com vergonha - ele sorri.

- Não, não fico! - cubro meu rosto com a mão e reviro os olhos.

- Fica sim. Você é adorável. E, no entanto, não sabe disso, o que é a parte mais adorável.

Ninguém, nem mesmo minha mãe, jamais me chamou de adorável.

- E você é linda. Absoluta e inacreditavelmente bonita da maneira mais original e natural. Você se parece com uma daquelas garotas do sabonete Ivory. Lembra daqueles anúncios? ...Você é provavelmente muito jovem para lembrar. Você é como uma modelo da J. Crew. Completamente natural.

Digo a ele para, por favor, parar. Apesar de adorar o que acabou de dizer.

- É verdade.

Ele beija meu pescoço, a mão esquerda pousada no meu quadril.

- Harry.

- Hummm?

- Quem disse que eu nunca queria sair com ninguém no curso de Direito?

- Bem, você não queria, queria? Você estava lá para aprender, não para namorar. Isso ficava bem claro.

- Saí com Vitor.

- Só no finalzinho.

- Ele não me chamou antes.

- Um cara corajoso.

Reviro os olhos.

- Quase chamei você para sair, sabia?

Acho graça.

- É verdade - diz ele, parecendo um pouco magoado.

Lanço a ele um olhar meio incrédulo.

- Lembra daquela vez em que estávamos estudando para as nossas últimas provas de Responsabilidade Civil?

Lembro do polegar dele no meu rosto, enxugando minha lágrima. Então aquilo tinha representado alguma coisa.

- Você sabe exatamente do que estou falando, não sabe?

Meu rosto fica quente enquanto faço que sim com a cabeça.

- Acho que sim. É.

- E quando pedi para levar você em casa, você disse não. Aquilo acabou comigo.

- Eu não acabei com você.

- Você era muito séria.

- Não. Eu só não achava naquela época ... - minha voz vai diminuindo.

- É. E então você me apresentou a Cho. Naquele momento soube que você não estava nem um pouco interessada.

- Eu apenas não achava ... não sabia que você me via dessa forma.

- Eu adorava sua companhia - diz Harry. - Ainda adoro. - Ele olha para mim, sem piscar.

Digo que ele pisca menos do que qualquer um que já conheci. Ele sorri, diz que nunca perdeu um concurso de quem pisca primeiro. Eu o desafio, abrindo meus olhos tanto quanto os dele. Percebo que ele tem uma pintinha escura em sua íris esquerda, como uma sarda no olho.

Segundos depois, pisco. Ele exibe um sorriso rápido, exultante, e depois me beija mais. Então muda a intensidade, a pressão e a quantidade de língua, os ideais de beijo que freqüentemente são abandonados quando se estabelece uma relação duradoura. Beijar Harry nunca perderia a graça. Ele nunca pararia de me beijar assim.

- Me fala da Suzanne - peço quando finalmente nos separamos. - E da sua namorada do segundo grau.

- Alice? - Harry ri e puxa um tanto do meu cabelo para trás da orelha.- O que tem ela? Isso é história antiga.

Todo mundo sabe que não se discute sobre ex-namoradas quando se está no início de um relacionamento. Mesmo que se esteja louca para saber todos os detalhes desde o começo, isso é uma coisa que só se deve trazer à tona mais tarde no jogo. Para saber disso você nem precisa ser uma garota que acredita que há regras para tudo, como é o caso de Pansy. O início de um relacionamento com alguém representa um novo começo para ambos. Resgatar velhas relações - e por definição relações que não deram certo - não traz nenhum benefício. Entretanto, comparado ao fato de ele estar noivo, ex-namoradas são um assunto inofensivo. Não há necessidade de usar estratégias aqui na segurança do meu apartamento. As regras não se aplicam. Pode ser que essa seja a única vantagem da nossa situação.

- Você foi apaixonado por elas? - Por alguma razão preciso saber.

Ele rola na cama e fica deitado de barriga para cima, olhando para o teto, se concentrando. Gosto que ele esteja pensando na minha pergunta, exatamente como fazia nas provas da faculdade. Lembro dele olhando para o nada durante os primeiros 45 minutos da prova. Não escrevendo nenhuma palavra em sua folha de respostas enquanto não terminava de refletir a questão toda.

Ele pigarreia.

- Não pela Alice. Mas pela Suzanne, sim.

Não é de se estranhar que Suzanne tenha sempre incomodado tanto Cho. Ela quer ser o único amor da vida dele. Me lembro dela na escola, vencendo Miguel pelo cansaço: "Você não amava Cassandra, amava? Amava?", até que ele finalmente apenas dizia não. "Só você, Cho."

- Por que não pela Alice? - pergunto. Prefiro ouvir primeiro sobre a que ele não amava.

- Não sei. Ela era uma menina meiga. Mais meiga impossível. Não sei por que não a amava. É uma coisa que você realmente não pode controlar.

Harry está certo. Não tem nada a ver com o valor inerente da pessoa, com a soma de seus atributos. É uma coisa que você não pode se obrigar a sentir. Ou a não sentir. Embora eu tenha realizado um trabalho razoável ao longo dos anos. Veja só Simas. Namorei Simas durante dois anos e nunca senti nem um décimo do que estou sentindo agora.

- É claro, ainda estávamos no segundo grau - prossegue Harry. Quem consegue ser sério nessa idade?

Concordo com a cabeça, pensando no doce e pequeno Brandon. Então pergunto a Harry sobre Suzanne.

- Então você a amava?

- É, mas a longo prazo a coisa não ia funcionar. Ela é judia e sempre foi muito franca a respeito das expectativas dela em relação a mim. Ela queria que eu me convertesse e educasse nossos filhos como judeus, com direito a tudo o que isso envolvia. E talvez eu até levasse isso numa boa ... não sou muito religioso ... mas não achava legal que ela tivesse transformado aquilo numa regra clara. Imaginei uma vida onde ela me transformaria num merda. Exatamente como a mãe dela faz com o pai dela. Além disso, éramos jovens demais para um compromisso ... Ainda assim, fiquei muito mal quando ela terminou tudo.

- Ela se casou?

- Engraçado você perguntar isso. Acabei de saber por um amigo em comum que ela ficou noiva. Um mês depois ... - Harry interrompe a fala, parece desconfortável.

- Depois de você?

- É - sussurra ele. Harry me puxa para junto dele e me beija com força, apagando qualquer pensamento relacionado a Cho. Nós nos despimos e deslizamos para baixo das cobertas.

- Você está com frio - diz ele.

- Sempre fico com frio quando estou nervosa.

- Por que você está nervosa? Não fique assim.

- Harry - digo junto ao pescoço dele.

- O que é, Mione?

- Nada.

Seu corpo cobre o meu. Não estou mais com frio.

Nos beijamos por um longo tempo, nos tocando em todos os lugares. Não sei que horas são, mas está começando a escurecer.

Quase tento impedi-lo, por todas as razões óbvias. Mas também porque acho que deveríamos esperar até podermos passar uma noite juntos. Por outro lado, isso pode não acontecer nunca. E provavelmente jamais vou tomar um banho com ele, observá-lo enquanto faz a barba de manhã. Ou ler o jornal de domingo enquanto tomamos café, matando o tempo. Nunca vamos andar pelo Central Park de mãos dadas ou ficar aninhados sobre uma coberta na grama do Sheep's Meadow. Mas posso tê-lo agora. Não há nada nos detendo neste momento. Consigo ver apenas uma fração de Harry enquanto nos movimentamos juntos - a costeleta com alguns fios grisalhos, o ombro forte, a orelha como uma concha. As pontas dos meus dedos roçam seu peito, então o apertam com mais força.

______________________
É Tata, vc bem que percebeu que o interesse do Harry pela Hermione é bem antigo, mas como ela tem a auto-estima lá em baixo achou ele demais pra ela ... e entregou ele de bandeja pra Cho. Eu tbm adoro a Gina, ela é do tipo desencanada e vai aparecer mais a partir de agora, e o Draco é legal tbm. E não se sinta culpada por gostar desse casal nada convencional... pois provavelmente todos os leitores vão acabar adorando eles. bjs

LÍLIAN BLACK o Harry é maravilhoso mesmo e a Cho terrívelmente chata às vezes. Dá pra notar como o Harry fica bem melhor ao lado da Mione. E pode deixar que os capítulos estão saindo bem rápidos, mas não deixe de comentar. bjs

Robert’s sou suspeita pra falar mais essa fic é muito boa mesmo... rs

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