CAPÍTULO SETE



SETE

- E aí? Que história é essa entre você e o Draco? - pergunta Gina na manhã seguinte, enquanto mexe na pilha de roupas que já se acumulou ao lado da cama dela. Resisto à vontade de dobrá-las para ela.

- História nenhuma, sério. - Levanto e logo começo a fazer a cama.

- Algum potencial? - Ela veste um moletom e amarra o cadarço altura dos quadris.

- Talvez.

No ano passado, Gina terminou com Dean, que foi namorado dela por quatro anos, um cara bacana, legal, inteligente, todo dinâmico. Ela estava convencida de que, apesar de a relação ser muito boa, não era boa o suficiente. "Ele não é o cara", ela não parava de dizer. Me lembro de Cho falando que ela acabaria revendo essa idéia quando tivesse em seus trinta e poucos anos, uma afirmação longamente discutida por mim e Gina mais tarde. Um Chocismo clássico e sem tato. Entretanto com o passar do tempo, não consigo deixar de imaginar que Gina possa ter cometido um erro. Aqui está ela, um ano depois, em plena infrutífera cena dos encontros às cegas, enquanto, dizem por aí, o ex-namorado mudou-se para um loft em Tribeca com uma estudante de medicina de 23 anos, que é a cara da Cameron Diaz. Gina diz que não se importa. Acho muito difícil de acreditar, mesmo para alguém com a coragem dela. De qualquer forma, ela não parece estar com pressa de encontrar um substituto para Dean.

- Um potencial de verão ou um potencial de longo prazo? - pergunta ela, passando as mãos pelo cabelo curto, de um tom avermelhado.

- Não sei. Talvez de longo prazo.

- Bem, vocês pareciam mesmo um casal na noite passada - diz ela. - Lá na pista, dançando.

- É mesmo? - pergunto, pensando que se a gente estava parecendo um casal, Harry deve saber que não estou pensando nele.

Ela faz que sim, encontra sua camiseta "Desafio Empresarial", de uma corrida de rua que ela participou, e cheira embaixo do braço antes de jogar em cima de mim.

- Será que isto aqui está limpo? Dá uma cheirada para mim, vai.

- Não vou cheirar a sua camiseta - digo, jogando de volta para ela. - Você é nojenta.

Ela ri e veste a camiseta, obviamente limpa o suficiente.

- É... vocês dois estavam lá, cochichando e rindo. Achei que certamente ficariam juntos na noite passada e que eu teria o quarto só para mim.

Rio.

- Sinto desapontá-la.

- Você o desapontou mais do que a mim.

- Que nada. Ele apenas disse boa-noite quando chegamos em casa. Nem mesmo um beijo.

Gina sabe do primeiro beijo.

- Por que não?

- Não sei, acho que estamos avançando com cuidado. Vamos ter bastante contato entre agora e setembro ... Você sabe, ele também vai estar no casamento. Se as coisas não derem certo, pode ser bem desagradável.

Ela parece considerar meus motivos. Por um segundo fico tentada a contar a ela tudo a respeito do Harry. Confio nela. Mas não conto, ponderando que poderia contar, mas nunca voltar atrás e apagar a informação da cabeça dela. Quando estivermos todos juntos vou me sentir ainda mais desconfortável, sempre achando que ela está pensando nisso. E de qualquer forma ... acabou. Não há realmente nada sobre o que conversar.

Descemos as escadas. Nossos companheiros de casa já estão reunidos em volta da mesa da cozinha.

- O dia está lindo lá fora - anuncia Cho, ficando de pé, se alongando e mostrando a barriga sarada sob uma camiseta cortada. Ela senta novamente e continua a jogar paciência.

Pansy pára de mexer em seu Palm Pilot e olha para cima.

- Tempo perfeito para praia.

- Tempo perfeito para jogar golfe - Gina diz, olhando para Harry e Draco. - Alguém se habilita?

- Hum, talvez - Harry diz, olhando por cima da página de esportes do jornal. - Quer que eu telefone e veja se a gente consegue um horário?

Cho bate as cartas na mesa e olha em volta com um ar desafiador.
Gina parece não notar a objeção de Cho a uma partida de golfe, porque diz:
- Ou podemos simplesmente dar um pulo na área de treino.

- Não! Não! Não! Nada de golfe. - Cho bate na mesa mais uma vez, dessa vez com o pulso. - Não no nosso primeiro dia! Temos que ficar juntos! Todos nós. Certo, Mione?

- Acho que isso significa nada de golfe por hoje - diz Harry, antes que eu seja forçada a me envolver na grande discussão sobre o golfe. Ordens da Cho.

Gina se levanta da mesa com um ar enojado.

- Só quero que a gente fique junto na praia - diz Cho usando de benevolência para disfarçar seu egoísmo.

- E você faz as perspectivas parecerem tão agradáveis. - Harry se levanta, caminha até a pia e começa a fazer café.

- Qual é o seu problema, seu bundão rabugento? - questiona Cho, como se fosse ele quem tivesse acabado de dizer a ela como passar o dia. - Você está agindo como uma velha erva fedorenta. Vê se fica quieto.

- O que é uma erva fedorenta? - Draco pergunta, coçando a orelha. Essa é a primeira contribuição dele para a conversa matinal. Ele ainda parece estar meio sonolento. - Nunca ouvi falar.

- Veja só uma delas agora - diz Cho apontando para Harry. - Ele está de mau humor desde que chegamos aqui.

- Não, não estou - responde Harry. Quero que ele se vire para que eu possa interpretar a expressão do seu rosto.

- Está sim. Não é? - pergunta Cho exigindo uma resposta do resto de nós, olhando especificamente para mim. Ser amiga de Cho me ensinou a arte de suavizar as coisas. Mas dormir com o noivo dela enfraqueceu meus instintos. Não estou a fim de entrar na discussão. E ninguém mais quer se envolver no que deveria ser uma discussão particular. Encolhemos os ombros ou desviamos o olhar.

Na verdade, entretanto, Harry foi, de certa forma, subjugado. Fico imaginando se tenho alguma coisa a ver com o humor dele. Talvez ele não tenha gostado de me ver com Draco. Não um ciúme escancarado, apenas as pontadas do sentimento de posse que experimentei. Ou talvez esteja apenas pensando em Cho, observando o quanto ela pode ser controladora. Sempre tive consciência das exigências dela - é impossível deixar de notá-las -, mas ultimamente tenho sido menos tolerante com ela. Estou cansada das coisas sempre serem do jeito que ela quer. Talvez Harry esteja se sentindo da mesma forma.

- O que você está preparando para o café da manhã? - pergunta Draco em meio a um sonoro bocejo.

Pansy olha para o seu Cartier cravejado de brilhantes.

- Você está querendo dizer brunch.

- Seja lá o que for. O que você estiver preparando para comer - diz Draco.

Discutimos nossas opções e decidimos evitar a tumultuada cena de East Hampton. Gina diz que comprou o essencial no dia anterior.

- Por essencial você está se referindo àquelas guloseimas para esquentar na torradeira? - pergunta Draco.

- Aqui está. - Gina arruma os pratos, as colheres e uma caixa de cereal sobre a mesa. - Bom apetite.

Draco abre a caixa e despeja um pouco no prato. Ele olha para mim do outro lado da mesa.

- Quer um pouco?

Faço que sim com a cabeça e ele prepara o meu prato. Não pergunta se mais alguém quer, apenas empurra a caixa para a mesa.

- Banana? - me oferece.

- Sim, por favor.

Ele descasca e fatia a banana sobre o meu prato e sobre o dele, alternando um tanto de fatias para cada um. Ele fica com a parte mais madura. Estamos compartilhando uma banana. Isso significa alguma coisa. Os olhos de Harry movem-se rápidos em minha direção, enquanto Draco deixa cair a última rodela no meu prato, guardando o finalzinho nojento na casca.

Algumas horas depois, estamos finalmente prontos para ir à praia. Pansy e Cho surgem de seus quartos com bolsas de lona estilosas, cheias até a borda de toalhas novas e macias, revistas, loções, garrafas térmicas, telefones celulares e maquiagem. Gina leva apenas uma pequena toalha da casa e um frisbee. Fico no meio do caminho: levo uma toalha de praia, meu discman e uma garrafa de água. Nós seis andamos em fila, os chinelos de dedo estalando na calçada com aquele agradável som de verão. Pansy e Gina caminham nas pontas e no centro estão Harry e Cho e o possível futuro casal. Cruzamos o estacionamento da praia e escalamos a duna, hesitando por um segundo até darmos nossa primeira olhada coletiva para o mar. Estou satisfeita de não morar mais em Indiana, um lugar cercado de terra, onde as pessoas chamam o lago Michigan de "praia". A visão é emocionante. Quase me faz esquecer que dormi com Harry.


Harry lidera o caminho pela praia lotada, encontrando um lugar entre as dunas e a água, onde a areia ainda é macia, mas plana o suficiente para podermos espalhar nossas toalhas. Draco estende a dele perto da minha. Cho está do meu outro lado, Harry perto dela. Gina e Pansy se instalam na nossa frente. O sol brilha, mas não faz muito calor. Pansy nos alerta sobre os raios uv e sobre os cuidados que se deve tomar em dias como este.

- Você pode ter queimaduras de sol seriíssimas e só perceber quando já é tarde demais - diz ela.

Draco se oferece para passar bronzeador nas minhas costas.

- Não, obrigada - digo. Mas enquanto me esforço para alcançar o meio das costas, ele tira o frasco da minha mão e passa a loção, espalhando meticulosamente, fazendo as manobras em torno das bordas do meu biquíni.

- Harry, passa para mim - pede Cho toda alegre, tirando seu short branco e agachando em frente a ele com seu biquíni preto. - Aqui, use o meu óleo à base de coco, por favor.

Pansy lamenta a falta de FPS no óleo, diz que estamos velhas demais para continuar nos bronzeando e que Cho vai se arrepender quando as rugas aparecerem. Cho revira os olhos e diz que não se importa com as rugas, que vive o momento. Sei que mais tarde Cho vai me dizer que Pansy está simplesmente com ciúme porque sua pele clara passa direto do branco para o rosa.

- Você vai se arrepender quando tiver quarenta anos - diz Pansy, o rosto sombreado por um enorme chapéu de palha.

- Não, não vou. Vou simplesmente fazer peeling a laser. - Cho ajeita a parte de cima do biquíni e então aplica mais uma camada de óleo na panturrilha, com movimentos rápidos e eficientes. Há 15 anos assisto Cho se besuntando de óleo. Todo verão o objetivo dela é adquirir um bronzeado radical. Muitas vezes a gente ficava deitada no quintal dos fundos da casa dela com um tubo enorme de margarina, um frasco de clareador de cabelos e uma mangueira de jardim para um certo alívio de tempos em tempos. Era uma tortura completa. Mas eu enfrentava, acreditando que a pigmentação escura fosse uma espécie de virtude. Minha pele é alva como a de Pansy; então, todos os dias Cho disparava na minha frente.
Pansy adverte que cirurgia cosmética não cura câncer de pele.

- Oh, pelo amor de são Pedro! - exclama Cho. - Então fique embaixo do seu maldito chapéu.

Pansy abre a boca e logo fecha de novo, parecendo magoada.

- Desculpa. Eu estava apenas tentando ajudar.

Cho dispara um sorriso conciliatório na direção dela.

- Eu sei, querida, não quis ofender você.

Harry olha para mim e faz uma careta, como se dissesse que gostaria que as duas calassem a boca. É a primeira vez no dia que nos comunicamos. Eu me permito sorrir de volta para ele. Seu rosto se desmancha num glorioso sorriso. Ele é tão bonito que dói. Como olhar para o sol. Ele fica de pé por um momento para ajeitar a toalha que dobrou com o vento. Olho para suas costas, depois para a barriga da perna e sou tomada por uma onda de nostalgia. Ele esteve na minha cama. Não que eu queira uma repetição da performance. Mas, oh, ele tem um corpo bonito - magro, mas largo. Não sou uma pessoa ligada em corpos, mas ainda assim aprecio um corpo perfeito. Ele volta a sentar exatamente quando olho para o outro lado.

Draco pergunta se alguém quer jogar frisbee. Digo que não, estou muito cansada, mas o que estou pensando é que a última coisa que quero fazer é ficar correndo por aí com a minha barriga mole e branca saindo para fora do meu duas-peças. Mas Gina não nega fogo e lá vão eles, o retrato de dois freqüentadores de praia bem ajustados, deixando o resto de nós entregues à inércia.

- Passa a minha camiseta - pede Cho a Harry.

- Por favor?

- O "por favor" está subentendido - explica Cho.

- Diga - Harry insiste, enquanto põe na boca uma balinha de canela.

Darcy dá um soco forte no estômago dele.

- Ai - diz ele, bem calmo, para indicar que não doeu nem um pouco.

Ela respira fundo para atingi-lo mais uma vez, mas ele agarra o pulso dela.

- Procure se comportar, você é tão infantil- diz ele afetuosamente. A impaciência dessa manhã desapareceu.

- Não sou - diz ela, deslizando para a toalha dele. Então aperta os dedos contra o peito dele, pronta para um beijo.

Ponho os óculos e olho para o outro lado. Dizer que o que estou sentindo não é ciúme não seria verdade.


À noite, vamos todos a uma festa em Bridgehampton. A casa é enorme, com uma linda piscina em L, cercada de belos jardins e de pelo menos umas vinte tochas. Dou uma olhada nos convidados que estão no jardim dos fundos, notando todos os vestidos e saias de cor roxa, rosa-shock e laranja. Parece que todas as mulheres andaram lendo a mesma matéria que eu: "cores vivas na moda, preto já era." Segui o conselho e comprei um vestido bem verão, verde-limão, muito "cheguei" e marcante demais para ser usado novamente antes de agosto, o que significa que vai me custar mais ou menos 150 dólares por cada vez que eu vestir. Mas continuo satisfeita com a minha escolha até ver o mesmo vestido, mais ou menos um tamanho menor, numa loura esguia. Ela é mais alta do que eu, então o vestido fica mais curto nela, expondo um interminável pedaço bronzeado de coxa. Faço um esforço consciente para ficar no lado da piscina oposto ao dela.
Vou até o banheiro e, no caminho de volta, para encontrar Gina, fico presa conversando com Hollis e Gregori Goyle. Hollis trabalhava no mesmo escritório que eu, mas pediu demissão um dia depois de ficar noiva de Goyle. Ele não é nada atraente e não tem o menor senso de humor, mas é dono de um bom patrimônio. Daí o interesse dela. Foi divertido ouvir Hollis explicando para a gente que Ele tem um "coração tão grande", blablablá, tentando em vão disfarçar suas verdadeiras intenções. Tenho inveja de Hollis ter escapado da sucursal do inferno, mas prefiro ficar empacada fazendo cobranças do que casada com o Goyle.

- Minha vida está tão melhor agora - ela diz em tom bem alegre. - Aquele escritório era um veneno! Era tão sufocante! Achei que fosse acabar perdendo a curiosidade intelectual... mas não perco. Agora tenho tempo para ler os clássicos e pensar. É ótimo. Tão libertador.

- Ahã... Que bom - digo, fazendo anotações na memória para dividir com Gina mais tarde.

Hollis prossegue contando sobre a cobertura deles no parque, como tem tido trabalho com a decoração e como teve de dispensar três decoradores por não aderirem à visão dela. Goyle não contribui em nada para a conversa, apenas mastiga seu gelo e faz cara de entediado. Num dado momento, eu o surpreendo olhando para a bunda de Cho, bem delineada numa calça capri vermelha.

De repente, Draco está ao meu lado. Apresento-o a Goyle e Hollis. Goyle aperta a mão dele e depois continua a respirar pela boca e dar impressão de que não está interessado na conversa. Hollis logo pergunta a Draco onde ele mora e em que trabalha. Aparentemente, seu endereço em Murray Hill e seu trabalho na área de marketing não estão à altura do casal, porque eles acham uma desculpa para ir ao encontro de outros convidados.

Draco ergue a sobrancelha.

- E então? Está se divertindo?

- Acho que sim. E você?

Ele dá de ombros.

- As pessoas aqui se levam muito a sério, não é?

- Nos Hamptons é assim.

Dou uma pesquisada na festa. Não tem nada daqueles churrascos da vizinhança em Indiana. Uma parte de mim fica satisfeita de ter expandido horizontes. Mas uma parte ainda maior se sente desconfortável toda vez que vem a uma festa como esta. Sou uma pessoa fingindo ser o que não é, tentando me misturar com aqueles que consideram Indiana um lugar de passagem - um território que precisa ser cruzado a caminho de Aspen ou Los Angeles. Observo Cho fazendo suas rondas com Harry ao lado. Não sobrou nela nenhum vestígio de Indiana. Quem olha imagina que ela cresceu na Avenida Park. Seus filhos vão crescer em Manhattan, com certeza. Quando eu tiver filhos, se tiver, pretendo me mudar para os arredores da cidade. Olho para Draco e tento imaginá-lo arrastando para fora da rua o velocípede do nosso filho. Ele olha para baixo em direção ao nosso garoto, que está com o rosto sujo de picolé, e o ensina a permanecer na calçada. O menino tem as mesmas sobrancelhas curtas de Draco: apontam para cima, uma em direção à outra, como um V de cabeça para baixo.

- Vamos lá - diz Draco. - Vamos pegar mais alguma coisa para beber.

- Está certo - respondo, sem tirar o olho da loura com vestido igual ao meu.
Enquanto nos dirigimos para o bar da piscina, penso em Indiana mais uma vez, imaginando Lila e Greg com seus vizinhos, todos espalhados na grama recém-cortada do Meio-Oeste. Se alguém estivesse usando o mesmo short cáqui da Gap ninguém se incomodaria.


Depois vamos a uma outra festa e então partimos para a saideira de sempre no Talkhouse, onde mais uma vez danço com Draco. Por volta das três horas, nos amontoamos no carro e vamos para casa. Gina e Pansy vão direto para a cama, enquanto os casais permanecem na sala de televisão. Cho e Harry ficam de mãos dadas num dos sofás de dois lugares. Draco e eu sentamos próximos um do outro no sofá ao lado, mas sem nos encostarmos.

- Está bem, crianças, já passou da minha hora de dormir - diz Cho, levantando-se repentinamente. Ela olha para Harry. - Você vem?

Meus olhos encontram os de Harry. Desviamos ao mesmo tempo.

- Vou - diz. - Já estou indo.

Nós três conversamos por mais alguns minutos até ouvirmos Cho chamando Harry do alto da escada.

- Vem logo, Harry, eles querem ficar sozinhos!

Draco sorri com escárnio, enquanto examino umas sardas no meu braço.

Harry pigarreia, tosse. Está sério.

- Tudo bem, então. Acho que vou subir. Boa noite.

- Está bem, cara. Vejo você amanhã - diz Draco.

Eu apenas murmuro um boa-noite, desconfortável demais para olhar para cima enquanto Harry sai da sala.

- Finalmente - Draco diz. - Enfim sós.

Sinto uma inesperada angústia por causa de Harry e isso é de certa forma um resquício do que aconteceu com Colins quando ele me deixou sozinha com Simas na sala da Duke. Mas logo afasto esse pensamento e sorrio para Draco.

Ele se aproxima e me beija, dessa vez sem pedir permissão. É um beijo bom o bastante, talvez até mesmo melhor do que o primeiro. Por alguma razão, penso no episódio de um antigo seriado, no qual um personagem chamado Bobby vê estrelas depois de beijar Millicent (que, por sua vez, sem que Bobby soubesse, estava com caxumba). Quando vi o episódio pela primeira vez tinha mais ou menos a idade de Bobby, então aquele beijo parecia coisa séria. Algum dia eu vou ver estrelas desse jeito, lembro de ter pensado. Até hoje, não aconteceu. Mas Draco chega tão perto quanto qualquer outro antes dele.

Nosso beijo evolui para o nível seguinte e então eu digo:

- Bem, acho que a gente deve ir para a cama.

- Juntos? - pergunta ele. Dá para perceber que está brincando.

- Muito engraçado - respondo. - Boa noite, Draco.

Beijo Draco mais uma vez antes de ir para o meu quarto, passando no caminho pela porta fechada do quarto de Cho e Harry.


Na manhã seguinte, verifico minha secretária eletrônica. Les me deixou três recados. Ele poderia muito bem ser Testemunha de Jeová pelo tanto que se importa com feriados. Diz que quer "discutir algumas coisas amanhã, no começo da tarde". Eu sei que ele é vago de propósito, não especificando um horário ou deixando instruções para encontrá-lo no escritório ou para telefonar. Dessa forma ele pode ter certeza de que meu feriado fica cortado pela metade. Gina me diz para ignorá-lo, fingir que não recebi o recado. Draco diz para eu mandar uma outra mensagem recomendando a ele "bater umazinha - é feriado nacional". Mas, é claro, obediente, checo o horário do trem e do ônibus e decido que vou embora esta tarde para fugir do engarrafamento. No fundo sei que o trabalho é apenas uma desculpa para ir embora - para mim já chega de toda essa dinâmica bizarra. Gosto de Draco, mas é exaustivo ficar em volta de um cara que, como Gina diria, "tem potencial". E é ainda mais exaustivo evitar Harry. Eu o evito quando está sozinho, eu o evito quando está com Cho. Evito ficar remoendo Harry e o Incidente.

- Eu realmente preciso voltar - suspiro, como se fosse a última coisa que quisesse fazer.

- Você não pode ir embora! - protesta Cho.

- Tenho de ir.

Enquanto ela faz cara feia, tenho vontade de dizer que 90% das vezes em que estamos nos Hamptons ela fica a mil, em ritmo de badalação. Mas simplesmente digo mais uma vez que tenho de ir.

- Você é uma estraga-prazeres.

- Ela tem de trabalhar, Cho - diz Harry. Talvez ele diga isso porque muitas vezes ela também o chama de estraga-prazeres. Por outro lado, talvez ele apenas queira que eu vá embora pela mesma razão que eu quero ir embora.

Depois do almoço, arrumo minhas coisas e vou até a salinha, onde estão todos de bobeira, vendo TV.

- Será que alguém pode me dar uma carona até o ponto de ônibus? - pergunto, esperando que Cho, Gina ou Draco se ofereçam. Mas é Harry quem reage primeiro.

- Eu levo você - diz. - Quero mesmo comprar umas coisas.

Me despeço de todos. Draco aperta meu ombro e diz que vai me telefonar na semana seguinte.

Então Harry e eu vamos embora. Sozinhos por seis quilômetros.

- Você teve um bom fim de semana? - pergunta ele, enquanto damos a ré pela saída de carros. Não sobrou nenhum vestígio daquele tom de brincadeira que surgiu logo após o Incidente. E ele, como Cho, parou de perguntar sobre Draco, talvez porque tenha ficado bastante eviente que nos tornamos uma espécie de casal.

- É, foi legal - respondo. - E você?

- Claro - diz ele. - Foi muito legal.

Depois de um pequeno silêncio, conversamos sobre trabalho e amigos do curso de Direito, coisas a respeito das quais conversávamos antes do Incidente. A situação parece ter voltado ao normal novamente, na medida do possível depois de um erro como o nosso.

Chegamos ao ponto do ônibus antes da hora. Harry estaciona, vira-se no banco e me observa com seus olhos verdes, de uma maneira que me faz desviar o olhar. Ele pergunta o que vou fazer na terça à noite. Acho que sei o que ele está perguntando, mas não estou certa, então apenas balbucio.

- Vou trabalhar. O de sempre. Tenho uma audiência na sexta e ainda nem comecei a me preparar. A única coisa que tenho no meu rascunho é "Você pode soletrar seu último nome para o estenógrafo?" e "Você está tomando alguma medicação que possa comprometer sua capacidade de responder perguntas nesta audiência?".

Rio nervosamente.

O rosto dele permanece sério. Ele obviamente não tem o menor interesse na minha audiência.

- Olha, eu quero me encontrar com você, Hermione. Vou passar na sua casa às oito. Na terça.

E o modo como ele diz isso - afirmando, mais do que perguntando - me faz sentir uma dor de estômago. Não é exatamente a dor de estômago que tenho antes de um encontro às cegas. Não é o nervosismo antes de uma prova final. Não é aquela sensação de quem "vai se dar mal por alguma coisa que fez". E não é a sensação de tontura que acompanha uma paixão por um cara quando ele apenas cumprimenta você com um sorriso ou um olá casual. É alguma coisa a mais. É uma dor conhecida, mas não consigo decifrá-la com precisão.

Meu sorriso se desfaz para combinar com a cara séria dele. Gostaria de poder dizer que o pedido dele me surpreendeu, me pegou desprevenida, mas acho que parte de mim já achava que isso fosse acontecer, ou até mesmo esperava que fosse acontecer, quando Harry se ofereceu para me levar. Não pergunto por que ele quer me ver, ou sobre o que quer conversar. Não digo que tenho de trabalhar ou que não é uma boa idéia. Simplesmente balanço a cabeça afirmativamente.

- Tudo bem.

Digo a mim mesma que a única razão pela qual concordo em me encontrar com ele é que precisamos esclarecer de vez o que aconteceu entre a gente. Portanto, não estou fazendo nada de errado com Cho. Estou apenas tentando consertar o estrago que já foi feito. E digo a mim mesma que se de fato quero ver Harry é apenas porque tenho saudade do meu amigo. Penso no meu aniversário, os momentos no 7B antes de termos ficado juntos, lembrando o quanto apreciei ficar sozinha com ele, como gostei de Harry longe das exigências de Cho. Sinto falta da amizade dele. Quero apenas conversar com ele. Isso é tudo.

O ônibus chega e as pessoas começam a fazer fila para entrar. Deslizo para fora do carro, não trocamos mais nenhuma palavra. Enquanto me instalo num assento perto da janela, atrás de uma loura empertigada que fala alto demais no celular, percebo, de repente, o que há com o meu estômago. Foi assim que me senti depois do sexo com Vitor naqueles últimos dias antes de ele me trocar por uma violonista que gostava de abraçar árvores. É uma mistura de emoção genuína por uma outra pessoa e de medo. Medo de perder alguma coisa. Neste momento sei que, permitindo que Harry venha à minha casa, estou arriscando alguma coisa. Arriscando amizade, arriscando meu coração.

A menina continua falando, usando em excesso as palavras "incrível" e "impressionante" para descrever o seu fim de semana dramaticamente abreviado. Ela relata que está com uma "enxaqueca perversa" por ter "caído na farra" numa "festa fabulosa". Tenho vontade de dizer a ela que se diminuir um pouquinho o volume da voz pode ser que a dor de cabeça melhore. Fecho os olhos e espero que a bateria do celular dela esteja acabando. Mas sei que mesmo que ela pare sua conversinha esganiçada, não há a menor chance de eu conseguir dormir com essa sensação crescendo dentro de mim. É bom e ruim ao mesmo tempo, como beber café demais no Starbucks. É ao mesmo tempo estimulante e assustador, como esperar que uma onda quebre na sua cabeça.

Alguma coisa está prestes a acontecer e não estou fazendo nada para evitar que aconteça.


É terça à noite, vinte minutos para as oito. Estou em casa. Harry não me ligou durante todo o dia, então imagino que nosso encontro esteja de pé. Uso fio dental e escovo os dentes. Acendo uma vela na cozinha para o caso de ainda restar algum cheiro da comida tailandesa que pedi ontem à noite no meu jantar solitário de feriado. Troco minha roupa, visto uma lingerie preta de renda - apesar de saber, saber e saber que nada vai acontecer -, uma calça jeans e uma camiseta. Passo um pouco de blush e de brilho nos lábios. Estou com um ar casual e confortável, o oposto do que sinto.

Exatamente às oito, Eddie, que está no lugar de José, me chama pelo interfone.

- Você tem visita - ele grita.

- Obrigada, Eddie, pode deixar subir.

Segundos depois, Harry aparece no meu hall de entrada, de terno risca e giz, camisa azul e gravata vermelha.

- Seu porteiro veio com um sorriso sarcástico para cima de mim - diz enquanto entra em meu apartamento e olha em volta hesitante, como se fosse a primeira vez que me visitasse.

- Impossível - digo. - Isso está na sua cabeça.

- Não está na minha cabeça. Conheço um sorriso sarcástico quando vejo um.

- Aquele não é José. Porteiro errado. Quem está trabalhando hoje à noite é Eddie. Você está com a consciência pesada.

- Já disse a você. Não me sinto assim tão culpado sobre o que a gente fez - ele olha fixo nos meus olhos.

Sinto que estou sendo sugada por seu olhar, fraquejando na minha decisão de ser uma boa pessoa, uma boa amiga. Desvio nervosa, pergunto se ele quer alguma coisa para beber. Ele diz que um copo d'água seria ótimo. Sem gelo. Estou sem água mineral em casa, então abro a torneira e deixo a água sair bastante até que esteja fria. Encho um copo para cada um de nós e sento com ele no sofá.

Ele dá vários goles grandes e depois deixa o copo sobre a mesa de centro, num porta-copo. Dou uns goles na minha água. Sinto que ele está olhando para mim, mas não olho de volta. Fico olhando para frente, na direção da minha cama - o cenário do Incidente. Preciso de um apartamento que tenha um quarto separado, ou pelo menos uma divisória para separar minha alcova do resto.

- Hermione - diz ele - olha pra mim.

Olho para ele e depois para a mesa de centro. Ele põe a mão no meu queixo e vira meu rosto em direção ao dele. Sinto que fiquei vermelha, mas não me desvencilho dele.

- O quê? - Deixo escapar uma risada nervosa. Ele não muda a expressão.

- Hermione.

- O quê?

- Temos um problema.

- É mesmo?

- Um problema enorme.

Ele se inclina, o braço esquerdo apoiado no encosto do sofá. Harry me beija delicadamente e depois com mais urgência. Sinto gosto de canela. Penso nas balas de canela que estiveram com ele durante todo o fim de semana. Retribuo o beijo.

E se eu pensava que Draco beijava bem, ou Vitor antes dele, ou qualquer outra pessoa de modo geral, pensei errado. Em comparação, qualquer um dos outros foi apenas competente. Este beijo do Harry faz a sala girar. E desta vez não por causa dos efeitos do álcool. Este beijo é como aquele dos livros e filmes. Aquele que eu não tinha certeza de existir na vida real. Nunca me senti desse jeito antes. Estrelas e tudo o mais. Exatamente como Bobby Brady e Millicent.

Nós nos beijamos por um longo tempo. Sem nos separarmos nem uma vez. Nem mesmo para trocar de posição no meu sofá, apesar de estarmos a uma distância não muito natural para um beijo tão intenso. Não posso falar por ele, mas sei por que não me mexo. Não quero que este beijo acabe nunca, não quero que chegue o próximo momento incômodo, quando nos perguntaremos o que estamos fazendo. Não quero falar de Cho, nem mesmo ouvir o nome dela. Ela não tem nada a ver com este momento. Nada. Este beijo se sustenta sozinho. Está deslocado do tempo e da circunstância ou do casamento deles em setembro. É isso o que tento dizer para mim mesma. Quando Harry finalmente se desvencilha de mim é apenas para se aproximar ainda mais, me envolver em seus braços e sussurrar no meu ouvido:

- Não consigo parar de pensar em você.

Eu também não. Mas posso controlar o que estou fazendo. Há a emoção e então o que você faz com ela. Eu me afasto, mas nem tanto, e balanço a cabeça.

- O que foi? - pergunta ele gentil, os braços me envolvendo parcialmente.

- Não deveríamos estar fazendo isso - digo. Trata-se de um protesto insignificante, mas pelo menos é alguma coisa.

Cho pode ser irritante, controladora e enervante, mas é minha amiga. Sou uma boa amiga. Uma boa pessoa. Não estou sendo eu mesma. Tenho de parar. Não vou me reconhecer se não parar.

Ainda assim, não me afasto. Em vez disso, espero até ser convencida do contrário, até que ele consiga me persuadir. E, como era de se esperar:

- Sim, nós deveríamos - diz ele. As palavras de Harry estão cheias de certeza. Nada de suposições, dúvidas e preocupações. Ele segura meu rosto em suas mãos e olha fixo nos meus olhos. - É isso que nós temos de fazer.

Não há nenhum tom de esperteza em suas palavras, apenas sinceridade. Ele é meu amigo, o amigo que conheci e com quem me importava antes de Cho tê-lo sequer conhecido. Por que não reconheci meus sentimentos antes? Por que coloquei os interesses de Cho acima dos meus? Harry se aproxima e me beija outra vez, suavemente, mas com uma sensação de absoluta certeza.

Mas está errado, protesto silenciosamente, sabendo que é tarde demais, que já me rendi. Acabamos de atravessar uma fronteira. Porque apesar de já termos dormido juntos, isso realmente não conta. Estávamos bêbados, inconseqüentes. Nada havia realmente acontecido até este beijo de hoje. Nada que não pudesse ser empurrado para dentro de um armário, confundido com um sonho, até mesmo completamente esquecido.

Agora tudo isso mudou. Para o bem ou para o mal.

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Sabe Tata, no príncipio eu tbm achei que Hermione e Cho serem melhores amigas meio estranho, mas com o prosseguimento vai dando pra perceber que essa amizade não tem bases tão sólidas assim. Mas com certeza dormir com o noivo, namorado (ou qualquer coisa do gênero) de uma amiga é imperdoável mesmo... só que eu adoro o Harry e a Hermione juntos nesse caso... valeu o comentário. Bjs

No próximo cap volta do Rony

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Deu pra perceber que não vou demorar pra atualizar, mas sempre é bom receber incentivo e qualquer erro meu é só avisar...

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