<b>Capítulo 4 –miateixeira </b

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Capítulo 4 –miateixeira

Na noite seguinte Fernanda aparatou fora dos portões de Hogwarts, um pouco mais cedo que o costumeiro. Precisava se inteirar das reações apresentadas por Lupin desde a véspera, quando ele tomara a poção experimental. A lua plena, inteira, brilhando no céu, indicava que o professor já deveria ter se recolhido. Severus se incumbira de acompanhar os novos efeitos, registrando todo o comportamento e sensações que o licantropo apresentasse, para as considerações na pesquisa.

A bruxa estava ansiosa, inquieta. Tentara não pensar muito em tudo que acontecera na noite anterior, mas não conseguira apaziguar a mente, calar a vozinha insistente que vez por outra, durante todo o dia, ria para ela, insinuava coisas desconexas, distraindo-a e a desconcentrando do trabalho sério que fazia. Contenha-se, mulher – pensava; mas a cena surpreendente do Professor Snape se descontrolando, socando mesa, correndo atrás de “satisfações”, tudo a deixava atônita.

Ainda surpresa com sua crescente e até então desconhecida esperança, atravessou os jardins e entrou no castelo. Uns poucos alunos ainda se espalhavam pelo Salão Principal, acabando suas sobremesas, conversando descontraídos. À mesa dos professores, dois ou três ainda permaneciam sentados. Severus já não estava mais lá.

Quando chegou às masmorras, foi recebida por um Snape calado, constrangido. Sempre que seus olhares se encontravam ele desviava os dele rápido, como pego em algo impróprio. Parecia a ela que Severus tentava falar-lhe algo o tempo todo.

Debateram as observações feitas em Lupin na véspera, quando Severus esteve com ele, anotando as reações. Corrigiram pontos importantes no estudo que faziam, experimentaram alterações na fórmula, combinaram prazos, esquemas, idéias. Mas a sombra e a lembrança dos acontecimentos da noite anterior pairavam no ar de forma densa, palpável, como o caldeirão fumegante que borbulhava sobre a mesa. Aquilo precisava ser revisto, sabiam.

Debruçados sobre a mesa do laboratório, lado a lado diante do trabalho esquecido, o silêncio pesava e consumia o ar furiosamente, acelerando pouco a pouco a respiração da moça.

Na sua percepção aguçada, Severus se conscientizava dos efeitos que a proximidade causava nos dois. O cheiro das ervas se espalhava suave pelo ar e mesclava as sensações que o perfume floral dela acordava em seus sentidos.

Crispando os lábios como a se repreender pela situação difícil em que se encontravam, Severus quebrou o silêncio. Sua voz, mais baixa que o usual, denunciava a importância com que o assunto se desenhava no seu íntimo.

– Vejo que ainda está constrangida, Srta. Porcel. Asseguro-lhe que o que ocorreu ontem também me constrangeu profundamente. Quero dizer... não gostaria que isso afetasse nosso trabalho... nossa parceria...

– Não se preocupe, Professor Sna... – ela o olhou de frente, próxima – Severus... Não se preocupe, não estou incomodada – corrigiu, enrubescendo ligeiramente, mas mantendo os olhares conectados.

Severus a encarava sério, semblante concentrado, decifrando verdades por trás das palavras, tentando encontrar entendimento e significado para sensações tão perturbadoras. Percebeu claramente que ela também sentia algo, os olhos dela brilhavam agitados. Lembrou-se da primeira vez em que vira esse mesmo brilho.

Ela era uma menina reservada, quartanista de Hogwarts, quando ele chegou para seu primeiro ano como professor. Corvinal brilhante, dedicada, uma mente aguçada para a idade, esperta e ponderada. Era perfeita em Poções e nas outras disciplinas também, soubera nas reuniões dos professores. Diferente de Hermione Granger, que busca constantemente aprovação e exibe conhecimentos de forma fastidiosa, a jovem Porcel sempre se mantinha serena e controlada, deixando que seu desempenho brilhante nas tarefas e avaliações falasse por ela.

A primeira vez que encontrara aqueles olhos de mel ele estava tenso, pressionado por expectativas constantes, suas mesmo e dos demais, por causa da sua pouca idade para lecionar num colégio tão renomado, e por um passado que ele temia desesperadamente que se revelasse de alguma forma, em suas atitudes ou palavras.

Mantinha-se resguardado do contato mais direto com quem quer que fosse; principalmente, não permitia qualquer aproximação com alunos. Percebia os olhares mordazes dos professores, crianças e jovens da escola, questionando intimamente sua competência, sua legitimidade no cargo, cobrando resultados docentes práticos, claros e objetivos. E autoridade. Sentia-se testado todos os dias.

Numa das vezes em particular, após uma longa noite de atuação ao lado das sombras a mando de Dumbledore, a aula de Poções transcorreu pesada demais, cansativa e tensa. A dor queimante na marca gravada em seu antebraço ainda subsistia pela manhã, estragando seu péssimo humor de vez. Lembrou-se de que correra a vista pela turma, após as explicações dadas sobre determinado trabalho, esperando as reações. Mantinham-se indiferentes à sua presença, ignorando qualquer tentativa que ele fizesse para se impor na sala. Mal o ouviam. Desconsideravam-no e o hostilizavam abertamente. Sentia-se cansado, esgotado, pronto para desistir de tudo, quando seus olhos encontraram os da garota mais ao fundo, observando-o atenta, com um semblante sereno, quase feliz. Ela era uma menina, uma adolescente, e ele, apesar dos vinte e dois anos, sentia-se velho e infame demais para sequer pensar nos direitos que teria a qualquer felicidade. Mas lembrava-se claramente que aqueles olhos foram bálsamos para ele e se deixou embarcar numa cálida ilusão de que ele seria estimável, capaz de despertar o interesse e o afeto de alguém.

Constrangera-se deliciosamente na época, empertigara-se, enquanto um sorriso se desenhava mais claro naquele rosto meigo. A partir dali ele sempre contou, não só com a inteligência brilhante e vivaz dela, mas com o conforto de saber que alguém poderia admirá-lo um dia, mesmo que fosse só por amizade.

Alguns anos depois, quando se viu privado da suavidade daqueles primeiros laços de consideração e amizade, cedera de vez às sombras interiores, afundando mais e mais em seus tormentos e à solidão. Outros tantos jovens chegaram e partiram, mas sua memória estava atada às lembranças que o brilho daqueles olhos deixaram dentro dele.

Agora ela estava ali novamente à sua frente, sorriso e olhos brilhando para ele, tão perto, tão ao alcance da sua mão.


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