Capítulo XI



— Acho que estou no paraíso — murmu­rou Hermione, feliz da vida, deliciando-se com a água quente e perfumada. — Ou pelo menos bem perto do que se pode chegar.

— É verdade — concordou Lady Eunice, a senhora de Hammersgate, testando um balde de água limpa antes de assentir para a criada indicando que a temperatura estava boa. — Quan­do meu marido e eu nos casamos — continuou ela, reclinando-se na confortável poltrona aveludada —, esse foi o primeiro mimo que lhe pedi. Uma sala de banho para mim e para as outras mulheres do castelo. A princípio, ele achou a idéia um pouco absurda, mas depois acabou cedendo. Agora acho que ele até tem um pouco de ciúme só de imaginar o quanto aproveitamos dessa maravilhosa privacidade. Aceita mais uma taça de vinho, Hermione? É você, Luna?

— Sim, por favor — respondeu Luna, observando uma das criadas encher de novo a taça de cristal apoiada em cima da pequena mesa ao lado da banheira de madeira. A deliciosa be­bida cintilava com sua cor majestosa, iluminada pela luz da lareira e das inúmeras velas que enfeitavam o luxuoso aposento.

Hermione nunca vira algo tão suntuoso quanto aquela sala de banho de lady Eunice. Ficava no segundo andar da torre oeste do Castelo de Hammersgate, onde várias janelas altas permi­tiam a entrada do sol do final do dia, inundando o ambiente com calor e luz. Em um dos cantos, rodeada de baldes de ma­deira, havia uma bomba especial, que fornecia água como em um passe de mágica, de um poço escondido abaixo. As grandes lareiras tinham sido especialmente construídas para esquentar os caldeirões de água e mantê-los aquecidos.

A sala de banho era toda decorada em veludo vermelho e dourado, com cortinas de seda em cada uma das imponentes janelas de vidro, e acarpetada com tapetes italianos, a não ser nos lugares onde ficavam as quatro banheiras de madeira. Tam­bém havia várias poltronas confortáveis, como a que lady Eunice ocupava, enfileiradas próximo às lareiras, perfeitas para pequenas reuniões para relaxar e agradáveis conversas. Em outro canto do aposento um closet com algumas túnicas de ba­nho e biombos de madeira entalhada para proporcionar priva­cidade a quem se trocava.

Espalhados pela sala ficavam vários armários, mas Hermione só sabia o que havia dentro de dois deles. Um continha a seleção particular de vinhos de lady Eunice, junto com elegantes copos de cristal. O outro abrigava loções, óleos e sabões perfumados.

Quando as levou para a sala de banho, a primeira coisa que lady Eunice fez foi perguntar-lhes quais aromas as agradavam mais. Hermione escolheu uma mistura de rosas, e Luna optou por um óleo de lilás. Agora as duas fragrâncias se misturavam no ambiente, criando uma atmosfera mais agradável e relaxante.

Rodeada por um conforto que jamais esperava ter outra vez, Hermione suspirou e recostou a cabeça na toalha que fora colocada sob seus cabelos recém-lavados. Estava tão confortável e feliz que poderia ter ficado naquela posição para sempre.

Eles tinham sido muito bem recebidas em Hammersgate, tanto por lady Eunice quanto por seu marido, o lorde Belvoir, e também por todas as crianças, que cumprimentaram o tio com saudosos abraços. Os mais novos pularam com igual entu­siasmo em cima de Ron, que não se importou em ser tratado como um brinquedo humano.

Hermione e Luna, mesmo imundas e com as roupas rasgadas, foram acolhidas pelo senhor e senhora do castelo com grande alegria. Até a explicação direta de Harry, dizendo como e por que trouxera aquelas duas estranhas para a casa da irmã sem prévio aviso, foi aceita sem a menor surpresa. Estava claro que lady Eunice, principalmente, conhecia bem o irmão mais novo e seu criado, sabendo como os dois gostavam de se meter em encrencas. Quando escutou a confissão sobre o seqüestro, ela franziu as sobrancelhas para Harry e pegou na mão de Hermione, garantindo-lhe que as duas estariam a salvo enquanto fossem hóspedes daquele castelo. O lorde Belvoir, por sua vez, foi mais severo, pedindo que o cunhado e Ron o acompanhassem até o escritório para discutirem o assunto mais detalhadamen­te. Relutantes, os dois o seguiram.

Hermione e Luna ficaram sob os cuidados de lady Eunice, que, compreendendo o constrangimento das duas mulheres por es­tarem naquelas condições, levou-as logo para a sala de banho, proporcionando-lhes momentos de conforto.

— Imagino que você deva passar bastante tempo aqui — comentou Hermione, contente. — Eu passaria, se tivesse uma sala de banho como essa.

— Peça ao mestre Alvo para construir uma para você em Metolius — sugeriu Luna, pouco antes de uma criada jogar-lhe um balde de água para enxaguar-lhe os cabelos.

— É uma boa idéia — concordou Hermione, bebericando mais um gole de seu vinho. — Você está sendo adorável conosco, lady Eunice. Nem sei como lhe agradecer.

— É verdade, milady — disse Luna, enxugando os olhos. — Tudo que eu mais queria era um banho.

Lady Eunice sorriu.

— É um grande prazer tê-las como hóspedes. Na verdade, sou eu quem deve agradecer, pois vocês trouxeram meu irmão a Hammersgate pela primeira vez depois de muitos anos. — Ela suspirou. — Harry não tem o costume de visitar a nossa família. Mesmo minha mãe fica meses e meses sem ter uma única notícia. O fato de você o ter trazido até aqui é um presente sem tamanho, lady Hermione, e eu lhe sou muito grata.

— Mas não fui eu quem o trouxe — respondeu ela. — Harry determinou que passássemos por aqui.

Lady Eunice colocou o copo de lado com um gesto elegante. Era uma mulher jovem e muito bonita e, como Harry mesmo lhe dissera, não se parecia muito com ele.

— Eu conheço bem o meu irmão. Embora goste muito de mim, ele não teria passado em Hammersgate se pudesse evitar. Harry está se sentindo culpado por as ter capturado e as trouxe até aqui para tentar minimizar um pouco esse sentimento. Em outra situação, ele não teria parado. Harry nunca se sentiu confortável dentro destas paredes confinantes.

Hermione observou a bela sala de banho. Era apenas uma pe­quena amostra de todo o castelo, um lar aconchegante e acolhedor. Ela imaginou o que seria o grande banquete que a an­fitriã tinha mandado preparar às pressas em honra dos convi­dados repentinos, em especial o irmão.

— Mas este castelo não é nenhum pouco confinante. E um lugar maravilhoso.

— Você é muito amável, querida — respondeu lady Eunice, sorrindo. — Só que Harry sempre foi assim. Quando ele era criança, minha mãe tinha grande dificuldade para mantê-lo em casa. E o mesmo aconteceu quando ele foi morar com o pai, o lorde James. Costumava desaparecer durante semanas, e não tinha o menor medo das reprimendas do pai. Ele não gosta de sentir-se preso. E parece que não pensa nas conseqüências que suas atitudes podem causar.

Hermione lembrou-se de como Harry desejava encontrar-se com seu irmão, da misteriosa inimizade que ele nutria por Daman.

— Imagino que seja verdade — disse Hermione, em um fio de voz.

— Eu só gostaria de tentar encontrar uma maneira para livrá-lo da punição que ele sofrerá quando você for devolvida para sua família. — A tristeza de lady Eunice era evidente. — Entretanto, ele está acostumado a pagar por seus pecados le­vando-a até Gales. Na realidade, eu ficaria muito decepcionada se Harry não fizesse de tudo para tentar ajudá-la, mas gostaria que, em primeiro lugar, ele não tivesse sido tolo a ponto de capturá-la.

— Eu também — concordou Hermione, com sinceridade.

— Espero que vocês tenham sucesso nessa missão. O anel que você procura deve ser muito importante para sua família. Ou de grande valor.

Hermione notou a curiosidade na voz de lady Eunice, e não podia culpá-la por estar imaginando quais motivos levariam uma pessoa a arriscar a vida por um simples anel, a não ser, é claro, que fosse um anel muito especial. Harry, ao dar explicações para a irmã e o marido, não mencionara nada a respeito de magia, o que a alegrava bastante. Detestaria se lady Eunice escutasse qualquer tipo de bobagem, e pior, acreditasse ser verdade.

— Não é que seja um anel valioso — começou ela, cautelosa —, mas a Pedra da Graça pertence há anos à minha família. É um bem muito estimado por todos nós, em especial por meus tios, que já têm certa idade. E eu farei de tudo para que o anel retorne aos Granger enquanto eles ainda estiverem vivos. É por eles que estou tentando recuperá-lo.

O olhar de lady Eunice revelava simpatia.

— Claro. Eu entendo como deve ser difícil ter um objeto tão precioso roubado. Agora vamos, a água deve estar ficando fria. Não quero que vocês se resfriem. As criadas vão ajudá-las a se enxugar e a se vestir. Eu as esperarei aqui perto da lareira. Conversaremos mais quando vocês estiverem aquecidas e con­fortáveis.

Quinze minutos mais tarde, Hermione sentou-se na frente da anfitriã em uma aconchegante poltrona, com os cabelos soltos. Eunice lhe emprestara roupas íntimas, e por cima ela vestira uma túnica de algodão. Logo que se vestiu, Luna pediu licença para se retirar e se deitar antes do jantar, pois o cansaço a consumia. Lady Eunice concordou de imediato, dizendo-lhe que poderia descansar o quanto quisesse e que não precisava se preocupar com horários. Acompanhada por uma criada, ela saiu da sala de banho, deixando as duas sozinhas.

Os pés descalços de Hermione estavam apoiados em uma almofada de veludo e seu copo de vinho acabara de ser completado. Uma das criadas trouxera uma bandeja cheia de iguarias da cozinha: amêndoas condimentadas, biscoitos doces, quadrados de queijo amarelo e figos caramelados. Uma agradável sensação de bem-estar a envolvia. As duas se deliciaram com a leve re­feição, comentando sobre a leveza dos doces e a delicadeza do sabor do queijo.

— Você tem sorte de contar com uma cozinheira tão habili­dosa — comentou Hermione, admirada. — Eu tive uma certa difi­culdade em encontrar uma boa cozinheira para a minha casa.

Em Londres há muitas residências, porém poucos criados ca­pacitados.

— Sim, temos muita sorte com essa cozinheira, mas acho que devemos agradecer a Harry e Ron por essa comida maravilhosa. A presença deles tende a animar todos no castelo — Eunice bebeu um gole de vinho e olhou para Hermione. — Principalmente as mulheres.

Hermione sentiu as faces arderem.

— Posso imaginar.

— Sempre tenho esse tipo de problema quando Harry apa­rece — disse ela. — As visitas dele me trazem grande alegria, é claro, mas todas as minhas criadas ficam meio abobalhadas. Às vezes, a beleza e o charme do meu irmão podem ser uma verdadeira maldição. Não sei como ele agüenta.

— Pelo visto ele não sofre com esse verdadeiro encanto que exerce sobre as mulheres — Hermione disse, sem olhar para lady Eunice. — Acredito que Harry gosta da atenção que recebe do sexo oposto.

— Nem sempre é assim — discordou Eunice. — Nem sempre — repetiu ela, colocando o copo de lado. — Ele sempre buscou a aprovação de todos, principalmente o tipo de aprovação que jamais poderá ter.

— Você está se referindo ao fato de ele ser filho… ilegítimo? — Eunice assentiu em silêncio.

— Harry é muito amado por todas as pessoas que o conhe­cem, e sempre foi o filho favorito dos pais, e sem dúvida é o irmão predileto de todos seus irmãos, mas creio que isso não seja suficiente. Eu entendo os sentimentos dele, e me lembro como enfrentou dificuldades quando criança, sempre sendo dei­xado para trás.

Lady Eunice respirou fundo para afastar as lágrimas que lhe inundaram os olhos.

— Uma vez, quando Harry tinha apenas dez anos de idade, nós fomos até a corte para ser formalmente apresentados ao rei. Um de cada vez, todos davam um passo à frente e tinham seu nome proferido com toda a pompa. Menos Harry . Ele ficou parado, olhando todos os irmãos se inclinarem perante o rei. Minha mãe e meu padrasto tentaram lhe explicar o problema, mas ele ficou inconsolável. O pai nunca o levara à corte, pois não podia envergonhar ainda mais sua esposa em público. Além disso, já tinha feito bastante por Harry, reconhecendo-o como filho e criando-o. Apesar de compreender, não foi o suficiente para meu irmão. Nem quando ele era criança, nem agora. E temo que jamais será.

— Harry preza muito a família — disse Hermione, comovida com as palavras de lady Eunice. — Uma vez nós estávamos conversando a respeito e ele me contou que é uma mancha negra em meio a tantas almas nobres. — Ela balançou a cabeça — E uma pena ele sentir-se tão rejeitado. Seu irmão é um dos homens mais nobres que já conheci na vida. Há uma grande bondade em seu coração.

— Você acha mesmo, Hermione?

Como baixara os olhos, ela não notou o súbito interesse na expressão da outra mulher.

— Sem a menor dúvida — respondeu Hermione de imediato — Devo admitir, entretanto, que não foi assim desde o início. Como eu não poderia ficar furiosa por ter sido capturada à força? Depois eu só pensava em encontrar uma maneira de fugir dele.

— É mesmo? — perguntou Eunice, cada vez mais curiosa— Eu nunca soube de uma mulher que quisesse fugir de Harry — Hermione riu.

— Eu não apenas queria, como tentei. E foi um grande de­sastre. — Ela contou o breve incidente para lady Eunice, e as duas se divertiram com a história.

— E depois você desistiu de fugir?

— Não — respondeu ela, envergonhada. Todavia, não queria mentir para a irmã de Harry . — É claro que o fato de ter sido raptada e afastada de minha família não me deixou nem um pouco contente, mas eu sempre soube que estaria a salvo ao lado dele. Apesar de insistir no contrário, seu irmão é um ho­mem honrado. Na verdade, acho que ele quer que todos o vejam como um bandido. Um fora-da-lei. E embora eu mal o conheça, sei que Harry é um homem tão honrado quanto qualquer ca­valeiro da coroa. Um pouco imprudente, mas…

Mais uma vez, Hermione baixou os olhos e fez uma pequena pausa.

— Harry e Ron salvaram a minha vida e a de Luna mais de uma vez. A primeira de um bando de ladrões, e a segunda foi ontem, como ele lhe contou, dos homens que sir Draco enviou para nos matar. — Ela fixou os olhos no rosto de lady Eunice. — Eu duvido que um homem sem honra agisse de tal maneira. Ele nos tratou muito bem… apesar de todas as circunstâncias.

— E as trouxe até minha casa — murmurou Eunice, com um olhar estranho. — Sim, Hermione, eu acho que você entende bem o meu irmão. Talvez até melhor do que eu.

— Não é bem assim, milady — respondeu ela, enrubescendo. — Faz apenas alguns dias que conheci Harry.

— E creio que foi o bastante — disse Eunice. — É verdade, acho que foi mais do que o suficiente. Agora vamos. Minhas criadas a ajudarão a se vestir, depois desceremos para nos jun­tar aos homens. Está chegando a hora do jantar, e quero veri­ficar se tudo está sob controle na cozinha. Se a terei como hós­pede aqui em Hammersgate por apenas uma noite, pois sei que Harry não concordará em ficar mais, faço questão de tornar sua estada o mais confortável possível. Eu trouxe um vestido para você usar enquanto o seu está sendo lavado e arrumado, e gostaria que me honrasse usando algumas das minhas jóias.

— Ah, lady Eunice, eu não posso… — protestou Hermione.

— Eu faço questão, minha querida. Ficarei muito contente se puder vê-la bem-vestida e enfeitada. E Harry também. A julgar pela sua expressão, estou vendo que não concorda comi­go, mas dentro em breve você verá com seus próprios olhos que estou falando a verdade.

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