Capítulo VII




É uma mágica maravilhosa! Harry passou a mão pela manga de sua túnica, encantado por estar completamente seca. Hermione não quisera fazer magia, mas levara as roupas lavadas para o quarto que dividira com Luna e voltara alguns minutos mais tarde com as mesmas roupas, secas. Todos na taverna ficaram pasmos, e um pouco assustados, o que fez com que ele compreendesse o motivo de a jovem ter negado seus poderes e que­rer mantê-los em segredo.

— Não se trata de mágica — explicou ela algum tempo de­pois, mexendo-se na sela à frente de Harry. — Mágica não existe. Não é uma prática considerada correta, especialmente perante a igreja. Se não acredita em mim, pergunte ao arce­bispo. Todos os acusados de praticar esses atos malignos foram queimados vivos ou enforcados.

— Não há nada de maligno na mágica que você pratica — respondeu Harry. — A capacidade de secar roupas molhadas, e a pedra brilhante… Duvido que alguém considere essas prá­ticas como nocivas.

— Você não faz idéia do que poderia ser dito a respeito dessas práticas, ou de mim e da minha família. Você não sabe o que é viver com pessoas esquisitas, ou fazer com que os outros com­preendam que essas mesmas pessoas, meus parentes, não fa­zem mal a ninguém.

— Entendo. Foi por isso que a Srta. Luna falou daquele jeito quando se referiu à sua prima Helen? Ela é uma bruxa de verdade?

Hermione virou a cabeça, olhando-o com desdém.

— Claro que ela não é bruxa! Pelo amor de Deus, eu imaginei que você tivesse entendido o assunto! Não é possível que real­mente acredite em tais criaturas.

— Você com certeza acredita — respondeu ele, com a mesma rapidez. — É você que tem tantos parentes estranhos, e não eu. Além disso, você possui poderes sobrenaturais, pois secou a minha roupa. Todo mundo sabe que roupas demoram para secar. E eu também vi a pedra brilhante com meus próprios olhos, e a peça. O que aquela pequena coisa faz?

— A rainha — disse Hermione, entre dentes cerrados — Tra­ta-se apenas de uma peça de um antigo jogo de xadrez, nada mais. Ela não faz nada.

Harry não acreditou nem um pouco.

— Ela deve ter algum tipo de poder, caso contrário você não a teria escondido com tanto cuidado junto com a pedra da luz. Posso estar enganado, mas a noite passada, quando a vi junto da pedra brilhante, seus olhos pareciam brilhar.

Embora Hermione estivesse se esforçando para não se apoiar muito em Harry na sela, ele sentiu o corpo dela se retesar depois daquelas palavras, o que o levou a acreditar que acertara em cheio. A peça de xadrez também era mágica, porém não adiantaria insistir no assunto. Pelo menos não naquele mo­mento. Era evidente que ela queria negar o que estava tão claro, mas Harry sabia que as mulheres tornavam-se mais difíceis quando pressionadas. E sendo um homem versado no sexo oposto, ele decidiu deixar a questão de lado, mudando para um tema mais ameno.

— Está claro que você não quer falar da peça — comentou Harry, ajeitando a mão que a segurava pela cintura. — Então conte-me sobre sua família. Conte-me sobre a sua prima, Helen, que não é bruxa, apesar de a Srta. Luna achar o contrário.

Lembrança

Fora um momento interessante na taverna, quando Hermione sentou-se para escrever a prometida carta para sua prima, Luna resmungou que gostaria que um parente mais confiável rece­besse a missão. Não havia mais ninguém presente, além de Harry e Ron, mas a jovem não conseguiu esconder o nervosismo.

— Quieta, Luna! — ordenou ela, com a pena imóvel na mão. — Não diga mais nada!

— Eu não tenho nada contra a Srta. Helen — respondeu a criada, desobedecendo-lhe. — E fico muito contente por ela po­der ir para Londres cuidar de seus tios e tias, porém todos acham que sua prima é uma bruxa. Não gosto nem pensar o que acontece quando Helen se junta com o mestre Albus.

— Uma bruxa! — A exclamação escapou dos lábios de Ron, e Harry deu-lhe uma cotovelada para que ficasse em silêncio.

— Sim, sim — explicou Harry, em um tentativa de acalmar os ânimos. — A Srta. Helen é da família dos Granger, e como é de se esperar, possui alguns poderes mágicos. E claro que tais habilidades não foram corretamente compreendidas, e acaba­ram difamando-a como bruxa. Não pode ser outra coisa.

Hermione tinha baixado a pena e o olhava com tanta gratidão que, por um instante, Harry ficou perplexo. Como acontecera uma vez, na taverna, quando ela sorrira pela primeira vez, depois rira com tanta alegria. O sorriso intrigante lhe trans­formara as feições, deixando-a linda. E ele se encantara, como agora.

— Foi mais ou menos isso que aconteceu — disse ela. — Você entendeu muito bem o assunto, Harry. Tudo não passou de um grande mal-entendido que acabou por difa­mar a minha prima Helen.

O fato de ele não ter acreditado em nenhuma de suas pala­vras não fazia a menor diferença. Hermione tinha acreditado, e era o que importava, pois ela sorria. E os sorrisos daquela jovem eram tão raros quanto ouro.

Fim da Lembrança

— Você disse antes que compreendia como minha prima foi acusada de ser bruxa — comentou Hermione naquele momento, cruzando os braços.

— E compreendo — respondeu Harry, pensando na femini­lidade daquele peito que ficara pressionado contra o seu de manhã, quando os dois caíram na lama. Fora um instante de desejo intenso, e a simples lembrança suscitava todas as rea­ções sentidas. — Entretanto, eu gostaria de saber por que ela passou a ser chamada de bruxa e também o motivo de sua família ter a reputação de praticar feitiçaria. Se é que você quer conversar sobre o assunto.

Hermione ficou quieta por um longo momento, porém foi rela­xando aos poucos, até descruzar os braços. Harry achou até que ela se soltou um pouco mais apoiando-se contra seu corpo.

— Minha prima Helen é bem mais inteligente e espirituosa do que os homens consideram aceitável para uma mulher. E também é muito bonita. — Essas últimas palavras foram ditas com tanto anseio que Harry chegou a sentir pena da jovem. Era evidente que Hermione não se considerava uma mulher atraente.

— Helen é filha de um primo de meu pai, e nasceu em uma pequena aldeia próxima à fronteira da Escócia. Foi uma grande falta de sorte, pois, se tivesse nascido em Gales, como a maioria dos Granger, ela jamais teria sido chamada de bruxa. — Hermione olhou para trás. — Os gauleses são mais sensíveis com as pes­soas diferentes. Certamente eles não tentariam queimar uma jovem só por ela gostar de passear à noite sem companhia.

Harry arregalou os olhos.

— Eles tentaram queimar sua prima?

— Sim. E só porque ela gosta de sair sozinha à noite. Na verdade, eu não acho tão difícil assim de entender, apesar de não ter coragem de fazer o mesmo. Entretanto, Helen prefere a noite ao dia. É o jeito dela. Ela sempre foi assim, desde crian­ça. Às vezes, os pais acordavam no meio da noite e a encontra­vam passeando pelo jardim.

— E esse jeito de ser pode causar sérios problemas à sua prima. Principalmente se ela é tão bonita quanto você diz. Mui­tos homens não hesitariam em se aproveitar de uma mulher assim, ainda mais se a encontrarem perambulando pelas ruas à noite e sozinha.

— Nenhum homem se atreveria a encostar um dedo em He­len — disse Hermione, voltando a olhar para a frente. — Na rea­lidade, acho que nenhum homem conseguiria.

— Como assim? — Hermione suspirou.

— Não há explicação lógica. É simplesmente o jeito de muitos dos meus familiares. Não há nenhum tipo de mágica, mas al­guns deles conseguem escapar do perigo.

— E mesmo assim sua prima quase foi morta.

— Sim. Helen foi pega durante o dia, e seus pais estavam em uma das propriedades da família. Ela e os criados não con­seguiram se defender dos sujeitos que vieram buscá-la. A pobre tinha apenas treze anos na época.

— Ah, meu Deus — disse Harry, imaginando a terrível ex­periência para uma menina. — E como conseguiu escapar com vida?

Hermione hesitou antes de responder.

— Ela… Helen desapareceu. Quero dizer, ela escapou.

— Escapou?

— Sim — reafirmou Hermione, em um fio de voz. — Eles es­peraram até o fim do dia para executá-la. Quando preparavam o fogo, a sol começou a se pôr, e eles só conseguiram acendê-lo ao cair da noite. Foi quando Helen conseguiu escapar. E nin­guém a achou.

Um arrepio percorreu a espinha de Harry.

— Entendo. Ela não devia estar bem presa — comentou ele.

— É verdade — concordou Hermione.

— Imagino que a fuga tenha sido bastante fácil — continuou Harry. — Na verdade, uma tarefa bem simples. E você disse que o resto de sua família é como ela?

— Você não acredita em mim! — acusou Hermione, irritada. — Acha que Helen fez algum tipo de mágica para escapar?

— Creio que tenha sido muita sorte o fato de uma garota que gosta de passear sozinha à noite ter conseguido escapar de uma morte tão cruel. — Harry estava sendo sincero.

Hermione endireitou-se e cruzou outra vez os braços.

— Você acredita que Helen é uma bruxa, como Luna. Duvido até que você tenha enviado a carta que eu lhe escrevi. Aliás, duvido que você cumpra o que fala ou promete.

— Claro que a carta chegará às mãos de sua prima — disse ele, rindo, tentando soltar-lhe os braços. — Se é impossível acre­ditar que eu seja um homem de honra, pelo menos confie em Bostwick. Ele ficou perplexo ao vê-la escrevendo a carta, pois nunca tinha visto uma mulher escrever mais do que seu próprio nome, portanto, cuidará da missão como se fosse uma jóia. Ora, Mione, não fique brava — sussurrou Harry, com um certo humor na voz. — Conte-me sobre seus tios e tias, depois sobre a peça de xadrez.

— Não há muito o que contar sobre a minha família — disse ela. — É uma família como outra qualquer, porém são pessoas muito sábias e conhecedoras dos antigos costumes.

— Antigos costumes?

— Os costumes do povo que vivia em Gales muito tempo atrás, de quem os Granger descendem. Meus tios conhecem muito bem os elementos da terra e da água, e minhas tias são versadas na arte da cura e medicina natural. Há explicações coerentes para tudo que eles fazem, mas poucos compreendem. A pedra da luz é prova do que eu digo. Você acha que é mágica, como todo mundo, só porque não conhece nada sobre os ele­mentos que a fazem brilhar. Elementos da terra, Harry, criados por Deus, que não têm nenhum tipo de relação com qualquer tipo de magia.

— Você está cansada de lutar contra esse tipo de mal-enten­dido. — Não era uma pergunta.

— Sim. E muito. Eu me lembro de fazer isso desde criança, mas principalmente depois da morte do meu pai.

— Ele era irmão de seus tios e tias?

— Não, meio-irmão, mas bem mais jovem. Meu pai era filho da segunda esposa do meu avô. De todos os filhos do meu avô, ele foi o único que se casou. E foi muito bom, porque senão Daman e eu não teríamos nascido e não haveria ninguém para cuidar dos meus tios.

— E você o faz muito bem — murmurou Harry, puxando-a mais para perto. Hermione não mostrou resistência. — O que acon­teceu com seus pais?

— Minha mãe morreu de parto, quando eu tinha oito anos, e a criança também morreu. Meu pai faleceu quatro anos mais tarde, acometido por uma gripe que nem minhas tias consegui­ram curar. Foi uma época muito triste para a minha família.

Harry tentava evitar conversas tão íntimas e assuntos tão dolorosos com as mulheres que conhecia. Não se sentia à von­tade e, pior, sentia-se péssimo por não poder fazer nada para ajudá-las. Na verdade, não costumava ter esse tipo de aspira­ção, porém, com Hermione era diferente. A vontade de confortá-la era incontrolável, apesar de não saber como, muito menos de uma maneira que a agradasse.

— Eu imagino — murmurou ele. — Foi quando você começou a cuidar dos seus tios e tias.

— Sim. E Daman não podia me ajudar, pois estava sendo criado em Gales. Mas não pense que eles foram um fardo para mim, pois não é verdade. São apenas os rumores e os absurdos que as pessoas imaginam a respeito deles que tornam a tarefa difícil. Eu jamais admitirei que algum membro da minha famí­lia seja chamado de feiticeiro ou mágico. E jamais permitirei que alguém os capture e faça-os passar pelos mesmos apuros que minha prima passou.

— Seu irmão, sir Daman… Ele pensa da mesma maneira? Acha que não se trata de feitiçaria e que sua família deve ser preservada dos rumores que a envolvem?

— Claro que eles precisam ser poupados — falou ela. — Daman sabe muito bem disso, como qualquer homem são. Em relação à feitiçaria… — Hermione baixou a cabeça. — Eu gostaria que ele não acreditasse nessa tolice. Foi o que lhe arruinou a vida.

— Quer dizer que ele tem fé? — perguntou Harry, incrédulo. — Não é o Daman Granger que eu conheço.

Hermione virou-se imediatamente para trás, mas os olhares de ambos não se encontraram.

— Como você conhece o meu irmão? E por que deseja pro­vocar a ira dele? Deve haver algum tipo de inimizade entre vocês dois, mas eu não me lembro de o ter ouvido mencionar seu nome.

— Não, ele não o faria — disse Harry sem esconder o des­dém. — Não seria nobre para um cavaleiro da realeza mencio­nar um ladrão bastardo. Por que ele o faria?

— Por você nutrir um certo ódio por ele? — sugeriu ela, com tanta franqueza que Harry até se espantou. Hermione Granger podia ter relaxado um pouco, a ponto de falar abertamente so­bre a família, mas era uma mulher muito inteligente e esperta para se calar em um momento como aquele.

— Talvez isso se deva ao fato de ele ter me insultado de certa maneira, e mesmo uma pessoa mais simples não admitiria o ocorrido.

— Mas planejar vingança e unir-se a um homem como Sir Draco é agir sem cuidado. Na verdade, foi uma atitude de ex­trema imprudência.

— Seria imprudente permitir que uma chance como essa escapasse — discordou ele. — Quem poderá me dizer quando terei a oportunidade de atrair Sir Daman para a minha rede? Nada melhor do que ter a irmã desse homem como prisioneira. Ele virá atrás de você.

— E daí? Daman o matará, embora você se mostre tão con­tente com esse possível encontro. Meu irmão está entre os mais habilidosos lutadores da Inglaterra. Ninguém nunca o venceu em uma luta de espadas.

Harry sabia perfeitamente, porém não se afligiu com o co­mentário.

— Eu não sou um cavaleiro, muito menos uma criança in­defesa. Minhas habilidades com a espada são dignas de um exímio lutador, e como seu irmão, nunca perdi uma batalha.

— Daman o vencerá — prometeu Hermione. — Você morrerá se chegar a enfrentá-lo. Entretanto, se esse é seu desejo, não farei nada para incentivá-lo a mudar de idéia. Estou bem mais preocupada com o pacto que você fez com Sir Draco. Lutar com Daman é uma coisa… mas como pôde se envolver com um ho­mem que o está usando para atingir seus objetivos?

— Eu também o estou usando para atingir os meus. Por esse ponto de vista, nossos pecados são iguais.

— Mas ele é um homem sem caráter — insistiu Hermione. — Você não o conhece tão bem quanto eu. Preste atenção, Sir Draco não hesitará em matá-lo para chegar onde quer. Eu juro que raspo a minha cabeça se não enfrentarmos algum tipo de perigo quando chegarmos a York. Tenho certeza de que ele está nos armando uma cilada. — Harry riu alto.

— Seria uma pena, senhorita. Seus cabelos são lindos, e eu não gostaria de vê-los no chão.

Mesmo sentado atrás de Hermione, Harry viu as faces dela enrubescerem de alegria, o que o deixou bastante contente.

— Ora, que asneira — disse ela, tentando mostrar-se in­flexível.

— É verdade — disse Harry, pegando uma mecha dos ca­belos entre seus dedos. Depois do banho, ela os deixara soltos para secarem ao vento. A brisa agradável do dia ajudara, e agora os gloriosos fios castanho estavam quase secos e tão macios quanto seda pura.— Acho que nunca vi um cabelo tão bonito, em nenhuma das minhas viagens. Sei de muitas mulheres que venderiam a própria alma para ter um cabelo como o seu. — Ele soltou-lhe os cabelos e voltou a se concentrar em guiar Nimrod. — Você o herdou de seu pai?

— Da minha mãe — respondeu Hermione. — Ela era do norte, bem diferente do resto da minha família. Daman tem o cabelo preto como o do nosso pai.

— Que bom, pois seria um grande desperdício um homem ser abençoado com uma cabeleira dessas. Do norte, você disse. Da Escócia? Sua mãe era escocesa?

— Sim.

— Ah — disse Harry. — Agora entendo.

— O que você entende?

— Muitas coisas. Conte-me sobre a peça de xadrez. Ela me parece uma pequena escultura de Boadicea. Trata-se de uma réplica da antiga rainha?

Antes de começar a responder, Hermione ficou calada por um longo instante, então começou a falar.

A tarde estava agradável e quente, bem diferente do frio e umidade do dia anterior. Harry guiava Nimrod, mantendo um passo confortável e constante. Eles cavalgavam por estradas alternativas, longe das principais, passando por bosques de car­valho e campos cheios de lama. Com o tempo, Hermione começou a bocejar. Sem se dar conta do que fazia, ela relaxou o corpo, recostando-se no de Harry.

Algum tempo depois, quando ele parou de fazer perguntas, percebendo o cansaço da jovem, Hermione adormeceu com o rosto contra o peito de Harry. E só foi acordar duas horas depois, quando pararam no local onde passariam aquela noite.

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