Capítulo IX



Quando chegaram a York, alguns dias depois, Hermione já perdera toda a paciência com seus seqüestradores. Harry se recusava a escutá-la. Ron a ignorava da mesma maneira. E Luna também não ajudava. A criada desistira de tentar convencer os dois homens de que era melhor se esquecerem daquela missão. Em vez disso, preferia ficar seguindo Ron de um lado para o outro.

Hermione notara a atração de Ron por Luna, e cada vez ficava mais claro que esse sentimento era recíproco. Ela tentara conversar duas vezes com a criada, aconselhando-a a não se deixar envolver com um homem daqueles, e a jovem lhe garan­tira, suspirando, que tomaria o máximo cuidado. No instante seguinte, entretanto, lá estava ela contando os feitos de Ron, falando de sua gentileza, atenção, consideração e beleza, entre outras características. O fato de tratar-se de um bandido parecia não ter a menor importância.

Essa era a maior preocupação de Hermione no momento. Depois de tantos dias de viagem, estava suja, com os cabelos secos e embaraçados, a roupa e os sapatos cheios de lama. Além do cheiro de suor de cavalo, que impregnara em seu corpo. Além disso, a fome a atormentava, e todos os músculos de seu corpo doíam em conseqüência da cavalgada ininterrupta. Seu único consolo era que todos se encontravam nas mesmas condições deploráveis.

E agora tinham chegado à fortaleza de Sir Draco em York. A construção era exatamente como Hermione imaginara: um lugar abandonado, quase em ruínas, no qual nenhum ser humano são se atreveria a morar. Os animais ficariam muito bem alo­jados na torre redonda, apesar do buraco na parte da frente e das paredes prestes a cair.

— Eu não lhe disse que seria assim? Sir Draco nunca o enviou até aqui para me manter cativa com Luna. — Sentada à frente de Harry em Nimrod, Hermione observava as árvores que os rodeavam. — Os homens dele devem estar escondidos nos observando, esperando que nos aproximemos para nos ata­car e matar.

Harry suspirou, cansado.

— E eu já lhe repeti inúmeras vezes que isso é impossível. Por que Sir Draco quereria você ou um de nós morto? Se ele a quer fora do caminho, seria melhor que nos mantivesse vivos, principalmente você. Sua família com certeza já está a sua procura, e se por acaso você fosse encontrada morta, todas as suspeitas recairiam sobre esse homem. Só um grande tolo não perceberia os problemas que causaria em sua vida com essa atitude.

— Sir Draco é um grande tolo —— disse Hermione.

— Mas não insano, espero eu. — Harry olhou para Ron, aguardando aprovação. — E então?

— Está tudo bem — respondeu ele. — A fortaleza não está ocupada. Vamos entrar sem problemas.

— Ótimo. E apesar dos buracos nas paredes, poderemos acen­der um belo fogo para nos aquecer. E fazer um bom jantar — comentou ele, apertando o braço que envolvia a cintura de Hermione. — Deve haver vários coelhos nessas terras, e também te­mos pão fresco que compramos hoje cedo.

— E uma garrafa de vinho — acrescentou Ron, ba­tendo na sacola pendurada na sela de seu cavalo. — Com sorte, encontraremos alguns galhos macios para fazer nossas camas, pelo menos para esta noite. Amanhã um de nós pode ir até a cidade comprar mantimentos.

— É uma armadilha — insistiu Hermione. — Vocês se recusam a acreditar em mim, mas eu estou falando a verdade.

Ignorando-a, Harry instigou Nimrod a prosseguir, descendo a montanha em cujo topo estavam parados, seguindo em direção ao vale onde se localizava a fortaleza em ruínas.

— Sir Draco nos deu dinheiro suficiente para vivermos com conforto — falou ele, ávido por abraçar o descanso e comodidade que via pela frente. — Teremos queijo fresco e cerveja, e mantas extras para todos. Aveia para os cavalos. Só Deus sabe como eles merecem esse consolo depois de viajar tantos quilômetros entre…

De repente, uma fecha passou ao lado da orelha de Harry, atirada de um lugar bem próximo, logo atrás deles. Hermione sen­tiu a pena roçar em seu rosto. Ela arregalou os olhos em pânico, e Harry esporeou seu cavalo.

— Corra! — gritou ele.

Os dois animais desceram correndo, lado a lado, em direção à fortaleza, enquanto mais setas eram lançadas.

— Eu não lhe disse? — gritou Hermione, segurando-se na sela e em Harry.

— Sim, pode ficar se gabando — falou ele, inclinando-se para a frente a fim de protegê-la de mais uma flechada. Com movi­mentos ágeis, Harry guiou seu cavalo até a fortaleza —, mas espere até estar a salvo.

A construção era exatamente o que parecia de longe, um espaço desabitado e abandonado com escadarias que levavam ao andar superior.

Os dois homens pararam seus cavalos de repente, pulando depressa para o chão. Em seguida, ajudaram Hermione e Luna a desmontar. Harry empurrou-as na direção das escadas e logo desembainhou sua espada. Do lado de fora, os sons dos cavalos se aproximando aumentava, o ataque tornando-se cada vez mais iminente.

— Subam! — gritou ele. — Fiquem lá em cima e não se atrevam a descer!

Ele se virou para enfrentar o primeiro invasor com um golpe letal. O homem, que nunca soube o que o acertou, caiu do cavalo com um corte profundo no peito, que sangrava profusamente.

Hermione encostou-se à parede ao ver os inúmeros cavaleiros entrando, prontos para atacar Harry e Ron. Nimrod e Meretriz, relinchando nervosamente, fugiram para um dos can­tos da fortaleza e quase pisaram em Luna, que estava encolhida no chão desde a entrada do primeiro invasor, cobrindo a cabeça com as mãos. Hermione correu para socorrer a criada, empurrando os animais com toda a força que possuía e ajudando-a a se levantar.

— Fique ali no canto com os cavalos — ordenou ela, empurrando-a para junto dos animais.

Harry gritou o nome dela, e Hermione se virou, deparando-se com um cavaleiro pronto para atacá-la, empunhando ferozmen­te espada. Sem saber o que fazer, ela ficou paralisada pelo me­do, incapaz de se mexer ou de gritar, os olhos refletindo o brilho prateado da lâmina que a ameaçava. Então ela sentiu o peso de um corpo, o de Ron, e caiu no chão. O cavalo passou ao lado deles, quase pisoteando-lhe a cabeça. O momento pas­sou e ele rolou para o lado e se levantou depressa, pronto para enfrentar o inimigo que voltava.

Ron brandiu a espada com exímia habilidade e seu rosto estampava a fúria de um lutador demoníaco. Quase como que chamando a morte, ele postou-se à frente do cavalo que corria em sua direção, mas no momento em que o animal esta­va a meio metro de distância, ele pulou para o lado com ex­trema leveza. Em seguida, ergueu sua espada e acertou o pes­coço do cavalo, que relinchou e caiu, esmagando o cavaleiro que o montava.

Hermione se afastou, testemunhando, horrorizada, Ron atacar o sujeito e cortar-lhe a garganta com um golpe certeiro. Ela continuou imóvel, sentindo uma forte náusea, enquanto sua visão começava a ficar turva e um desagradável suor frio indi­cava que estava prestes a desmaiar, até que Ron pegou-a pelo braço e empurrou-a para a parede.

— Saia daqui! Depressa!

Hermione seguiu para o canto onde Luna estava, protegida pe­los dois cavalos, mas os gritos furiosos que escutou a fizeram virar-se.

Havia pelo menos quatro homens avançando na direção de­les, e apesar de Harry e Ron lutarem com extrema ha­bilidade e rapidez, era evidente que os dois seriam dominados. Ron acabara de lhe salvar a vida, arriscando a sua pró­pria. Poderia simplesmente ficar parada, observando os seqües­tradores morrerem sem tentar ajudá-los?
Mas o que fazer?

Ela olhou a sua volta à procura de algum tipo de arma e respirou fundo quando seu olhar deparou-se com uma pilha de madeira queimada, onde alguém um dia tentara acender uma fogueira. Sem pensar duas vezes, Hermione correu até a pilha, pegou o pedaço mais pesado que conseguiu carregar e entrou na briga.

Espadas, adagas e punhais vieram em sua direção, junto com cavalos poderosos, assustados e nervosos. De algum lugar próximo, ela escutou a voz irritada de Harry gritando seu no­me, mas não deu a menor atenção. Levantando a tora, Hermione abaixou-a com toda sua força, acertando a cabeça do cavalo mais próximo, como Ron fizera. Os relinchos do animal a afligiram, e logo ele caiu de joelhos, jogando seu cavaleiro longe.

Harry apareceu segundos depois, com a espada erguida. Hermione repetiu o movimento, acertando mais um dos pobres cavalos.

Os minutos seguintes pareceram durar uma eternidade, re­pletos de confusão e medo, até que os dois atacantes sobrevi­ventes viraram seus cavalos e fugiram para não acabar como seus companheiros.

Um momento se passou. Harry, Ron e Hermione ficaram se olhando, com as armas abaixadas, ofegantes. Cavalos assus­tados se agitavam nervosamente, e pelo menos quatro corpos jaziam ensangüentados no chão. Pressionada contra a parede, Luna segurava as rédeas de Nimrod e Meretriz, com os olhos arregalados.

Harry correu até a entrada da fortaleza para olhar os dois cavaleiros que fugiam.

— Eles se foram — disse ele, com a voz rouca em virtude de tanto esforço. — Mas podem ter certeza de que voltarão, se não atrás de nós, atrás dos companheiros. — Ele observou os corpos caídos no chão, sem vida. — Vamos tirá-los daqui. Hermione, cuide de Luna enquanto Ron e eu acalmamos os cavalos. — Ele passou o braço pela testa suada. — Não tente ajudar. Eles estão ensandecidos.

Hermione concordou em silêncio e deixou o pedaço de madeira no chão. Então seguiu para o lado de Luna, que chorava e tremia incontrolavelmente. Ela abraçou a criada, confortando-a com ternura.

Harry e Ron conseguiram levar os animais para o estábulo abandonado. Depois arrastaram os corpos para fora, um a um, colocando-os lado a lado na frente da fortaleza.

— Hermione — chamou ele algum tempo depois. — Saia, por favor. E traga Luna junto.

Estendendo a mão assim que a viu, ele auxiliou-as a passar para fora. Hermione se surpreendeu ao ver o sol brilhando, pois parecia que mais de meia hora se passara. Sentia-se grata pela vida, por sentir o calor do sol, por ver o verde das árvores. Seus olhos se encheram de lágrimas.

— Sente-se aqui — falou Harry, guiando-as para um canto onde parte da parede despencara durante a briga. — Ron e eu precisamos cuidar de Nimrod e Meretriz depois limpare­mos o sangue do chão. Fiquem aqui. Não se preocupem, pois eles não voltarão tão cedo. Se o fizerem, será durante a noite.

As duas se sentaram, contentes por a situação ter se norma­lizado pelo menos por hora. Hermione dobrou os joelhos e apoiou a cabeça nas mãos, cuidando para não cair no choro como sua criada. Sentiu a mão forte de Harry em seu ombro por alguns instantes, um toque caloroso e reconfortante que durou apenas um momento.

Eles sumiram dentro da fortaleza, aparecendo de tempos em tempos à procura de objetos necessários, ramos de árvore para tentar limpar o sangue, se é que era possível, capim para ali­mentar os cavalos e uma capa de um dos mortos para cobrir os corpos.

Aos poucos, tudo foi se acalmando, bem devagar, até que Hermione sentiu suas forças voltando.

Harry desapareceu atrás da fortaleza, voltando alguns mi­nutos depois. Primeiro chamou Ron, depois aproximou-se de Hermione e Luna com um sorriso no rosto.

— Encontrei o poço da fortaleza. A água está velha, mas limpa o suficiente para que nos limpemos um pouco e para os animais beberem. Venham se refrescar.

— Não é melhor dar água para os cavalos primeiro? Eles precisam mais do que nós — disse Hermione, levantando-se.

— Acho que você vai gostar de limpar suas roupas — con­trapôs Harry, com ternura na voz.

Desde que a luta terminara, foi a primeira vez que Hermione olhou para si mesma, notando que sua saia estava rasgada e suja de sangue.

— Ah, meu Deus — murmurou ela, incapaz de afastar o terror da voz. Hermione começou a tremer, lembrando-se de tudo que acontecera e de sua participação na morte de quatro ho­mens. — Ah, meu Deus, o que eu fiz?

Harry colocou as mãos sobre os ombros dela.

— Quando a vi pela primeira vez, Hermione — começou Harry — Não imaginei que você pudesse ser irmã de Daman Granger, pois vocês dois não se parecem. Mas agora o parentesco está claro. Você é a mulher mais corajosa que já conheci em toda a minha vida, Hermione Granger, e se seu irmão estivesse aqui teria ficado muito orgulhoso com o seu comportamento. Não há motivo para se envergonhar por ter nos ajudado, e eu não per­mitirei que isso aconteça. Não queira ignorar seu mérito.

— Concordo com ele, milady — disse Luna, levantando e aproximando-se. — Se não fosse por você, Harry e Ron certamente teriam sido dominados por aqueles homens, e nos­sas vidas não teriam sido poupadas. Todos estaríamos mortos.

Hermione ergueu a cabeça para encontrar os olhos do seqües­trador. Havia neles uma determinação contra a qual não con­seguiria lutar.

— Muito bem — disse ela com voz fraca, evidenciando seu cansaço. — Eu não me sentirei culpada com o que aconteceu com esses homens, mas quero saber se machuquei algum dos cavalos.

Os olhos de Harry se arregalaram um pouco, revelando sur­presa. Então ele abriu um belo sorriso e balançou a cabeça.

— Não, Hermione, não se preocupe. — Ele soltou uma gostosa risada. — Nenhum deles está ferido.

— Tem certeza? Eu os acertei com tanta força que devo ter ferido algum.

Ainda rindo, Harry inclinou-se e envolveu-a em um breve porém caloroso abraço.

— Se quiser, eu lhe mostro os cavalos quando os levarmos até o poço, mas eu lhe juro, Mione, que nada aconteceu aos animais. Antes, porém, venha se limpar e se refrescar um pou­co. Ainda temos muito a fazer antes do cair da noite.

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