Capítulo VIII




Harry passou as horas seguintes tomando um banho demorado com direito a muita espuma de sabonete. Em seguida, cortou os cabelos, barbeou-se com esmero e vestiu um uniforme limpo para prestar contas, nos escritórios da Marinha, de sua missão de resgate na selva amazônica e depois escrever seu relatório.

Apesar de todas essas pequenas atribulações, seu estado de espírito era da mais absoluta perplexidade. Sentia-se pasmo, ou melhor, atônito, com o que presenciara nos últimos instantes ainda na pista do aeroporto.

Mas tudo bem, tinha muito tempo para pensar em Mione nos braços do general irritante Bricker.

Filha dele... Inacreditável. A última coisa que poderia imaginar que Hermione fosse.

Recordava-se muito bem de todas as conversas que tiveram na selva sobre o pai dela, a vida supercontrolada e vigiada que Hermione levava, o quanto se sentira sufocada sob as asas protetoras paternas e as razões que a fizeram se afastar dos fuzileiros navais e do próprio genitor, culminando com sua ida para aquele fim de mundo. Agora ele começava a encaixar as peças do quebra-cabeça.

Porque, no instante em que chegou aos escritórios da companhia, tudo começou a acontecer do jeito como Hermione prognosticara.

O sargento Parker, que prestava serviços burocráticos internos na Marinha, deu palmadinhas maliciosas em suas costas, ergueu-se da mesa na espaçosa e clara sala que dava para o pátio externo, onde fuzileiros faziam exercícios físicos sob o comando de um sargento mal-encarado, e falou com ar maroto:

– Então, Harry, seu felizardo, divertiu-se com a filha do general no meio do mato?

Harry lançou-lhe um olhar furioso.

– Você é de fato de uma elegância ímpar, sabia disso, Parker? Nossa! Quisera eu ter sua classe – zombou.

– Ei, ela é um peixe e tanto! Todos os homens nesta base têm sonhos eróticos com mulheres iguais a Hermione.

– Ao que tudo indica, você não tem muito serviço para fazer, hein? Vê-se que está sobrando tempo demais para mexericos.

– Estou vendo que a Princesa de Gelo o deixou de mau humor. Aliás, péssimo humor, para ser mais preciso.

Princesa de Gelo? Isso era tudo o que Hermione Granger Bricker não era: uma mulher fria. Muito pelo contrário, era uma garota ardente, fogosa e dona de uma sensualidade incandescente.

Harry sentiu um aperto no coração só de lembrar-se dela.

Então sentou-se e começou digitar seu relatório, usando o computador ao lado de sua mesa. Apesar de estar aborrecido com a conversa de Parker, voltou-se para ele, dizendo:

– A Srta. Granger foi mais corajosa do que você imagina.

– Ela costuma ser muito esnobe. Um poço de convencimento. Foge de nós, pobres mortais em uniforme, como o diabo da cruz.

– Nada disso – discordou um jovem sargento, que ao chegar deixou cair alguns papéis na caixa de entrada de documentos de Harry. – Parker está enganado. A Srta. Bricker sempre foi gentil e simpática. Apenas não se aproxima dos fuzileiros. Também, com um pai como o general, não me surpreende.

– Talvez mantenha distância porque as pessoas a tratam de modo diferente por ser filha do general.

Aquilo o atingiu fundo. A filha do general. Agora Harry sabia por que Mione se preocupava tanto com o fato de se relacionar com um fuzileiro, por que o cortou emocionalmente antes de eles terem entrado no helicóptero. E por que ela conhecia o jargão usada na Marinha e sabia cama usar uma arma tão específica. Agora tudo se tornava claro e cristalino para Harry. Fora cego porque não quisera enxergar.
Tentou focalizar a atenção na tela da monitor, mas era inútil.

Salvou em sua pasta o documento que redigira e se levantou. Pegando o quepe, dirigiu-se para a porta.

Nunca fizera isso antes.

O major Sirius Black o olhou espantado quando Harry parou à saleira de seu gabinete, e gesticulou para que entrasse.

Harry perfilou-se diante do homem que mais respeitava no batalhão inteiro, esperando pelo sermão.

– Vamos com calma, Harry... Sente-se.

Harry acomodou-se na poltrona estafada de coura verde ao lado da escrivaninha.

– Granger é o nome de solteira da mãe dela – Sirius o informou, tranqüilamente.

– Sim, major. Imaginei que fosse algo assim.

– Mione não lhe contou quem era seu pai lá na Amazônia, não é? – inquiriu.

Demorou apenas um momenta antes que Harry respondesse:

– Não havia, na realidade, nenhuma razão para que me contasse, senhor.

Apenas o fato de ser honesta, pensou ele, trincando os dentes.

Sirius pareceu entender que deveria esclarecer melhor alguns pormenores.

– Conheço Tom... quero dizer, o general Bricker desde que ele era tenente. Somos bastante amigos, tanto na Marinha como na intimidade familiar. Hermione é minha afilhada.

As pupilas de Harry flamejaram.

– A bola de neve se torna cada vez maior.

– Já ouvi todo tipo de falatório e sei pelo que Mione passou, Harry. Ela tem suas razões. Cada vez que saía com suas amigas, o pai ficava sabendo aonde tinha ido. Se estava numa festa ou barzinho da cidade e um tolo qualquer conseguia sua atenção, no dia seguinte o sujeito espalhava aos quatro cantos do planeta que dançara com Hermione, ou a beijara na véspera. Ela não podia fazer nada sem ser vigiada como uma bactéria num microscópio.

– Para ser franco, não me importo com isso, major.

– Sim, você se importa. Não finja o contrário. – Sirius meneou a cabeça, cheia de certeza. – Hermione namorou um capitão, certa vez, que não saía com ela ao menos que Tom estivesse por perto.

Harry arqueou uma sobrancelha.

– Ela levou apenas uma semana para romper com aquele capitão. Mas ele era apenas uma repetição.

– E por que está me contando tudo isso, major? – Harry quis saber.

Sirius anotou algo numa folha de papel e empurrou-a pela mesa.

– Não tenha dúvida de que você está preparado para os desafios que amar Hermione representam. O trabalho árduo que empreendeu no resgate dela na selva funcionará.

Harry ficou de pé, apanhou a anotação e leu. Era o número de um telefone.

– O que a faz pensar que eu a amo, senhor?

– Está vendo isto aqui, fuzileiro? – Sirius apontou para as sete listras na manga de sua farda, três em cima e quatro embaixo, uma estrela no meio. – Eu as ganhei porque conheço as pessoas. Você não é exceção. Agora, suma de meu escritório.

– Não sabia que era psicólogo também. Por que não manda colocar um divã ali no canto, Dr.Freud? – brincou, sorrindo.

– Freud não era psicólogo, seu ignorante. – Sirius também ria. – Era psiquiatra.

Tão logo Harry saiu da sala de Sirius, pegou seu celular e discou para o telefone fornecido pelo major.

Era do alojamento do general. A empregada que atendeu informou que a Srta. Bricker não estava atendendo a nenhuma chamada ou visitante.

“Veremos isso mais tarde.”

De qualquer modo, os fatos não vinham se desenrolando como ele imaginara. E o pior de tudo: a lembrança dela era pungente em seu coração.

Em um evento especial naquela tarde, Harry teve sua primeira visão de Hermione desde que desembarcaram no aeroporto. Ela parecia uma socialite de um milhão de dólares num traje vermelho justo que lhe caía como uma luva, e sapatos de salto alto... acompanhada pelo general, seu pai.

Ele não pôde deixar de sorrir pensando nela com suas botinas sujas de lama na floresta equatorial e usando a folgada e imunda camisa de camuflagem dele dentro da gruta onde passaram algumas noites.

“Agora, que diferente!”, Harry pensou. Era incrível como as coisas mudavam de um momento para outro. Por um instante, sentiu-se um grande tolo, um verdadeiro paspalho.

Entretanto, quando foi chamado para perfilar-se em frente de toda a corporação e um orador leu uma citação por seu bem-sucedido resgate e retomo seguro de uma tal Srta. Bricker, enfermeira do Corpo Militar da Paz no interior da floresta amazônica, todas as conversas dos dois sobre o quanto ela foi magoada pelos homens que pensavam no pai antes de pensarem nela voltaram num rompante a sua memória.

– A corporação lhe agradece, mas, como pai, quero agradecer-lhe pessoalmente pelo resgate de minha garotinha. – Emocionado, o general apertou a mão de Harry, que correspondeu ao cumprimento.

– A Srta. Bricker foi muitíssimo corajosa, destemida e resoluta, senhor. Cabe a ela o crédito por sua sobrevivência.

O general Bricker arqueou uma sobrancelha e então se virou para a filha, a seu lado. A atenção de Hermione estava concentrada em Harry, que se sentia um tanto constrangido pelo olhar intenso dela, e não podia deixar de vislumbrar, naqueles olhos castanhos e sonhadores, uma certa melancolia. Deu-se conta, de imediato, que Hermione acreditava que ele a rejeitara por causa do pai.

“De maneira alguma!”

Embora houvesse uma recepção no clube da corporação em seguida, com um barril de chope à disposição dos fuzileiros, Harry não estava interessado.

Preferiu ir procurar Hermione, e encontrou-a sozinha no estacionamento, perto de um pequeno carro esporte preto. Antes que a alcançasse, um tenente aproximou-se dele.

– Deixe as coisas como estão, fuzileiro. Você vai prejudicar sua carreira.

– Por que pensa assim, tenente?

– Você nunca terá nada sem que alguém questione se a influência do general não estava por trás disso.

– Se estivesse, o problema seria meu. Mais um detalhe, tenente.

– Sim?

– Deixe-me em paz. – Harry caminhou a passos largos. – Mione!

Hermione se voltou. Seu coração deu um salto e disparou.

– Harry...

Ela perguntou-se se poderia respirar quando ele estivesse perto. Harry parou diante de Mione e apenas perguntou:

– Por quê?

Hermione não teve de se esforçar para entender a que Harry se referia. A questão era tácita, apesar de evasiva.

– Não lhe contei porque não esperava ficar na selva com você tantos dias. Nunca esperei gostar tanto de você. Jamais imaginei que me apaixonaria de maneira tão profunda.

– Acha que vou me afastar porque seu pai usa estrelas e eu uso listras na manga?

– Não me diga que ainda não sentiu a caçoada do pessoal.

– Caçoada? Eu sou a grande piada do momento. Cheguei a ponto de esmurrar alguns sujeitos mais atrevidos.

– Portanto, consegue entender por que isso não dará certo, não é? A corporação dos fuzileiros navais é pequena e...

– Quer que isso dê certo, Hermione?

Ela estava fitando as chaves do veículo em suas mãos. Naquele momento, levantou o rosto para encará-lo. As lágrimas em seus olhos quase o fulminaram naquele segundo.

– Sim – afirmou, sem hesitar.

Harry suspirou, aliviado.

– Mas você será infeliz – ela completou.

Hermione abriu a porta do automóvel esporte e tentou entrar nele, Harry a impediu, segurando-lhe a cabeça e beijando-a como se não houvesse amanhã.

Hermione sentiu que derretia, lamuriando-se por entre outro beijo, agarrando os ombros dele.

A área em torno se transformou num grande alarido, com assobios que imitavam o miado de gatos e gritos eufóricos.

– Percebe?

Harry fitou os soldados, mostrou os dentes para os fuzileiros anárquicos e então voltou a encará-la.

– Entre no carro. – Pegou as chaves da mão dela. – Rápido!

Mione o obedeceu, sentando-se no assento de passageiro. Harry acomodou-se atrás do volante, deu partida no motor e saiu dirigindo pelo estacionamento, entre assobios e apupos das pessoas alvoroçadas.

– Harry?

– Fique calada.

– Perdão?

– Se você me der uma mais desculpa esfarrapada sobre os motivos pelos quais não podemos ficar juntos, teremos nossa primeira briga.

Ele brecou ao sinal vermelho do semáforo e aproveitou para beijá-la com avidez.

Mione o abraçou apertado. Harry sentia que ela o amava mais que tudo. Por isso, continuou dirigindo, sem dizer uma palavra, mas não podia manter as mãos longe dela.

Harry parou na frente de uma casa e desceu, indo abrir a porta para ela.

– Minha casa – anunciou, apontando para uma grande residência em estilo vitoriano, revestida de tijolos aparentes.

O jardim em frente da propriedade também era vasto e bem cuidado. O pequeno caminho que ia do portão à entrada da varanda era ladeado de flores rasteiras multicoloridas, e o piso em pedriscos rejuntados.

Era tudo encantador, mas Hermione não perdeu tempo em apreciar, pois ansiava por adentrar o local.

Uma vez que no interior da casa, Harry a conduziu para a parede mais próxima, beijando-a com ferocidade e removendo as roupas de ambos.

As preliminares foram muito rápidas, pois a urgência de possuí-la era demais para Harry resistir. Em segundos, os dois alcançaram o clímax, juntos entreolhando-se com intensidade.

Naquele momento, respirando com dificuldade, Harry segurou o rosto dela com extremo carinho. Mione o beijou, compartilhando o prazer com o homem que amava, sussurrando gemidos contra a boca dele.

Quando o frenético pulsar acalmou-se e as leves batidas cardíacas se tomaram quase imperceptíveis, Hermione aninhou-se contra o corpo másculo e adorado, com o coração amando, sangrando e ansiando.

Horas depois, Harry acordou sozinho na escuridão do quarto. Mione não estava em parte alguma da residência. E naquele instante ele soube que teria um trabalho a realizar: convencer aquela mulher teimosa e obstinada de que ela lhe pertencia.

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