Uma estátua grega



CAPITULO III


Blaise deixou-a rapidamente no portão da vila e foi embora. Gina apareceu no mesmo instante na porta. Estava furiosa.
— Sua ladra!
— Desculpe, mas ele me levou à força — Luna respondeu, visivelmente aborrecida.
— Espera que eu acredite nisso?
— É verdade. Ele me empurrou para dentro do carro.
Gina ficou parada diante dela, as mãos na cintura.
— E você, é lógico, não queria ir! É essa história que está querendo que eu engula?
Luna passou por ela e disse:
— Se não acredita, azar o seu.
— Acho que você ficou caída por ele ontem à noite — acusou Gina, seguindo-a e falando quase aos berros.
— Não é verdade.
— Mentirosa! Eu a vi olhando para ele. Parecia um gato vigiando um passarinho.
— Oh, pelo amor de Deus, Ginny! — Luna sabia que estava vermelha e sentia o corpo tenso. Tentara não olhar para Blaise na noite anterior, pois percebera que ele não passava de um cínico.
— Eu o encontrei — Gina lembrou. — Ele me pertence.
— Esse homem não pertence a ninguém, nem pretende pertencer.
Ele fora sincero ao contar que era egoísta demais. Não tinha a menor intenção de dar qualquer parte de si para ninguém, e, no casamento, é justamente o que se tem de fazer: dar-se por completo
— Onde estiveram? — perguntou Gina, perseguindo-a.
— Na praça de Syntagma.
— Era para lá que eu ia!
— Ele é um homem que sempre cumpre o que planeja — disse Luna amargamente. — Só mudou um dos personagens do seu teatrinho.
No quarto de Luna, Gina olhou-a, intrigada.
— Você parece estar realmente zangada com ele. — Jogou-se na cama e perguntou, com interesse: — Então, ele a tapeou?
Luna respondeu com outra pergunta:
— Por que contou a ele a respeito de Dimitri? Gostaria que você não conversasse sobre nossos assuntos familiares com estranhos.
— Ele estava interessado.
— Mas precisava matar essa curiosidade?
— Ele ficou fazendo perguntas. Como eu não ia responder? Queria que eu ficasse de boca fechada?
— Se você fosse sensata, era justamente o que faria.
— Bem, sou mais esperta do que você — caçoou Gina. — Porque, se é que tenho de casar com Marcus, primeiro quero me divertir bastante, e ninguém vai me impedir. — Levantou-se da cama num salto gracioso e desapareceu, voltando em seguida para avisar: — E, daqui em diante, afaste-se de Blaise. Ele é meu!
— Ele gosta de você — respondeu Luna, mas Gina já havia desaparecido novamente, decidida a ter a última palavra e recusando-se a ouvir qualquer comentário.
Quando Luna desceu, um pouco mais tarde, a irmã havia saído; Uma das empregadas explicou:
— Acho que foi para Atenas, Saiu com o carro dela.
Luna percebia o significado daquilo. Gina partira à procura de Blaise. Irritada, foi conversar com a cozinheira sobre o cardápio do jantar. A cozinheira era uma mulher de cinqüenta anos, que morava nas imediações com os três filhos, um dos quais trabalhava nos jardins da vila durante uma parte do dia. Os outros trabalhavam em Atenas e iam para lá no primeiro ônibus, de madrugada. Ela às vezes os via esperando o ônibus no fim da estrada, quando descia para um banho de mar.
Luna havia assumido a direção da casa após a morte da mãe. Teoricamente, Gina era a sua ajudante. Mas não havia trabalho suficiente para as duas, como sempre alegava a irmã, para justificar seu completo desinteresse pelo papel de dona-de-casa.
Havia duas outras empregadas, uma das quais morava na vila, enquanto que a outra vinha diariamente. O trabalho de Luna limitava-se a verificar se tudo corria satisfatoriamente. Arthur esperava que a casa funcionasse como uma máquina bem regulada. Seu conforto devia ser a prioridade máxima na mente de cada mulher sob aquele teto. Para ele, as mulheres existiam apenas para divertir, servir, fazer os homens felizes.

Um pouco mais tarde, Luna foi de carro até a cidade, fazer compras. Na volta almoçou apenas uma salada e depois se pôs a bordar uma blusa que ela mesma fizera. Arthur gostava de vê-la costurando; para ele, as atividades femininas deveriam, necessariamente, se diferenciar das atividades masculinas. Assim, havia coisas que só um homem deveria fazer e outras que cabia à mulher providenciar.
O carro de Gina estacionou na garagem por volta das cinco horas. Luna olhou pela janela de seu quarto e viu-a entrar em casa, de cara feia. Teria perdido a viagem? Não encontrara Blaise em Atenas? Ou tinham brigado? Luna largou o bordado e foi até a cozinha para certificar-se de que tudo estava em ordem. Depois, subiu para tomar um banho de chuveiro e vestir-se para o jantar. Ouvia Gina batendo gavetas e portas dos armários do quarto.
Arthur, como sempre, chegou no horário. Esperava ser cumprimentado assim que chegasse, e que uma mulher sorridente lhe servisse o primeiro drinque da noite. Era apegado aos rituais, à ordem, a um modelo de vida. Luna desceu a escada correndo, vestida de branco, os cabelos escovados e brilhantes, emoldurando-lhe o rosto. O padrasto não estava sozinho. Luna parou quando viu Blaise, que a examinou com seu olhar irônico e especulativo, enquanto o sangue lhe subia ao rosto.
Arthur estava no barzinho, segurando a garrafa de uísque.
— Onde é que todas se esconderam? Venha, minha pombinha branca. Sirva-nos uma bebida. Estamos morrendo de sede, não estamos, Blaise?
Sempre se divertira chamando-a assim, e a brincadeira, de certa forma, era feita para mexer com Gina, que desde criança fora desobediente e rebelde. Luna nunca o desobedecia, mas essa longa história de submissão estava agora bloqueando o seu caminho. Pela primeira vez, sentia que tinha que se recusar a fazer o que o padrasto pedia.
— Esbarrei em Blaise num bar — explicou Arthur, enquanto ela colocava gelo nos copos de uísque. — Ele vai jantar conosco e, mais tarde, dará uma olhada "profissional" no meu estéreo. Há um zumbido que me incomoda.
Quando ofereceu o copo para o padrasto, ele curvou-se para beijar seu rosto com um sorriso amistoso. Luna correspondeu ao sorriso, antes de se virar e entregar a bebida a Blaise. Ele olhou-a com estranha hostilidade. Estaria ainda zangado pelo fato de ela ter se recusado a admitir que tinha gostado do passeio? Era um homem que encarava as mulheres com uma confiante alegria. Luna havia ferido seu ego, irritando-o.
Arthur recostou-se na cadeira, relaxando agora a força agressiva do corpo na aconchegante atmosfera que achava tão necessária, depois de um difícil dia de trabalho. Quando entrava na vila, esperava ser o centro das atenções,
— O que acha disso, Blaise? — Arthur apontou um quadro.
— Muito interessante — disse Blaise, examinando a aquarela: uma rua grega, com grandes manchas de sombra entre as fileiras de pequenas casas,
Arthur acenou â cabeça, satisfeito com a resposta.
— Comprei no ano passado. O artista agora está se tornando muito conhecido. É jovem, mas de grande talento. — Tomou o uísque e pousou o copo sobre a mesa. — Preciso me arrumar, Luna. Tome conta de Blaise, sirva-lhe outra dose. — Endereçou a Blaise uma de suas bem-humoradas caretas. — Ela é um pouco tímida, mas aprecio uma mulher assim, quando jovem. Elas crescem muito depressa hoje em dia, afiam as garras antes de deixar a escola. — Riu e subiu para o quarto.
Blaise, no entanto, permaneceu sério.
— Ele fala como se fosse seu dono — disse, seco. Luna admirou-se com o tom incisivo e olhou-o interrogativamente.
— Imagino que é isso o que ele acha — Luna admitiu, após uma pausa. — Há não muito tempo, a lei me teria feito propriedade dele, tanto quanto esta casa ou o carro. Arthur não está interessado em acompanhar o tempo, é muito apegado a tradições.
Blaise observava-a, sem sorrir.
— Você vê todas as coisas do ponto de vista dele, não é mesmo?
— Não — respondeu.
— Sim, parece que você não tem uma única idéia própria, só as que ele colocou na sua cabeça. Nunca faz um movimento que, supostamente, possa desagradá-lo.
— Se ele me influenciou, isso não é de admirar. Foi ele quem me criou.
— Criou Gina também, mas ela escolhe o próprio caminho sem dar exagerada importância ao que o pai diz.
— Gina é diferente.
— Gina pensa por si mesma —- murmurou Blaise, fitando-a com um franzir de sobrancelhas. — Pena que você não seja igual.
— Não me conhece o suficiente para dizer isso — respondeu Luna, zangada.
— Conheço-a muito melhor do que pensa.
Seus olhos cinzentos mostraram uma impaciência selvagem quando encontraram os dela. Aproximou-se.
— Fico irritado vendo que vai aceitar um casamento que não deseja. Você parece uma criança passiva, sem iniciativa, esperando que lhe digam o que fazer.
— Não sou assim! — gritou, o rosto muito corado. — E não quero discutir isso novamente. Você não sabe nada sobre mim ou sobre o que penso. Está só especulando, o assunto não lhe diz respeito.
— O que sabe sobre os homens? — perguntou Blaise, encarando-a com uma expressão dura. — Parece que o único em quem põe os olhos é Arthur. Ele maneja para que as coisas sejam assim.
— Não seja absurdo! Não sou nenhuma freira. Levo uma vida social perfeitamente normal.
Deu uma curta risada.
— Segundo Gina, você prefere ficar em casa. Raramente vai a festas e praticamente congela todo homem que se aproxima.
Luna desviou os olhos, furiosa com a irmã. Era tímida, na verdade, incapaz de conversar desembaraçadamente nas festas, mas Gina não tinha o direito de dizer aquilo.
— Antes de aceitar o casamento com um homem que não ama, devia procurar descobrir mais sobre os homens — disse Blaise. — E, mais ainda, devia descobrir sobre o amor.
Não era cega e percebia o convite no sorriso dele, o carinho em sua voz. Aquilo a perturbava e ela afastou-se um pouco, dizendo:
— Posso lhe preparar outra dose?
— Não. — Ele aproximou-se, colocou uma das mãos em seu ombro e segurou-a, olhando-a de frente, enquanto ela se debatia.
— Deixe-me!
— Se não quer me ouvir, vou mostrar do que é que estou falando! — disse-lhe, com voz profunda e perturbadora.
Olhou-o, raivosa, e viu o rosto moreno por um momento, antes que aquela boca dominasse os seus lábios com uma insistência contra a qual ela não podia lutar. Luna tentou se afastar, mas, agora, as duas mãos dele a prendiam, segurando-a como queria, mantendo-a junto ao corpo. Ela estava sentindo arrepios. Protestou com voz abafada subjugada. Foi um beijo longo, e ela se sentia envolvida por um estranho calor. Sua cabeça girava; não conseguia pensar. As mãos que antes tentavam afastá-lo agora se, agarravam a seus braços. Apoiada nele, ergueu o rosto, os lábios trêmulos, queimando. Retribuíra sem reservas a paixão daquele beijo.
Quando ele a soltou, suas faces estavam, coradas, os olhos fechados. A custo abriu-os, para encontrar o olhar observador de Blaise.
— Isso é o que você vai perder, se casando com Dimitri.
Ouviram o barulho dos saltos de Gina, que atravessava o hall. Luna dirigiu-se rapidamente para o jardim. Ouviu Gina cumprimentando Blaise alegremente, ele respondeu com tanta segurança, que parecia que nada havia acontecido. Blaise se recuperou logo do beijo, mas Luna sabia que precisava de muito tempo para acalmar-se. Tinha sido como um terremoto. Suas pernas ainda tremiam e sentia frio.
Estou em choque, pensou. Tentou relaxar, mas a lembrança daqueles momentos nos braços de Blaise ainda a queimavam por dentro. Não devia tê-lo deixado mostrar o que perderia ao se casar com Dimitri. Agora, fazia idéia de como poderia ser a vida ao lado de um homem a quem desejasse. Isso era o que a vinha perturbando há muito tempo: a certeza de não conseguir viver com um homem que mal conhecia e a quem não desejava. Mas como procurar Arthur e fazê-lo entender o que sentia? Ele a olharia com desgosto, sacudiria a cabeça grisalha e perguntaria:
— O que é que você sabe do assunto? Depois que se casar, poderá falar de desejo. Mas, até lá, conserve-se inocente, que é como o seu marido a deseja.
Arthur era um puritano em relação às mulheres. Dividia-as em duas categorias: aquelas com as quais um homem se casa e as outras. Acreditava que só uma mulher da segunda categoria mencionaria coisas como paixão, atração sexual e desejo. Luna só conseguiria deixá-lo zangado. Nem a ouviria direito e a trataria como uma menina levada, mandando que fosse para o quarto e proibindo-a de tocar novamente no assunto.
Gina sabia tudo a respeito de desejo sexual. Conversava sobre isso com as amigas e se divertia seduzindo os homens que encontrava, evitando suas investidas, mas se insinuando diante deles, e, como Salomé, tirando todos os véus para atormentá-los, menos o último. Gina continuaria alegre com o casamento, porque teria satisfação física sem nenhum envolvimento emocional. E era isso o que a irmã queria, ao contrário de Luna, que sonhava com o amor. E agora, mais que isso, Blaise havia despertado nela uma amarga consciência do que a paixão podia fazer com o seu corpo. Daí o tremor, o terrível mal-estar à simples idéia de se casar com Dimitri.
Após o jantar, Arthur dominou a conversa, seu corpo sólido recostado na cadeira, a cabeça inclinada para a frente, rebatendo tudo o que Blaise dizia. Discutiam política, um assunto perigoso para um grego. Arthur argumentava, agitava as mãos. Era um homem para quem o corpo era uma extensão da mente. As palavras pareciam fluir através das suas mãos, que gesticulavam e completavam o que dizia. Blaise o observava, sorrindo.
O rapaz falou muito menos, mas, quando falava, Arthur ouvia com atenção e interesse. Luna percebia que o padrasto gostava dele, achava-o uma atraente conquista para o seu círculo de amizades, mas havia sempre aquela leve e mal disfarçada reserva. Na visão de mundo de Arthur, Blaise não se encaixava com perfeição. Não era tanto pelo fato de ele não ser grego, mas pelo fato de não adotar uma atitude grega. Arthur, ao mesmo tempo, achava isso fascinante. Fazia perguntas, observava, explorava os pensamentos e atitudes de Blaise. Numa análise final, contudo, o rapaz ainda não correspondia à sua idéia de como um homem devia ser e pensar. Via Blaise como um animal desconhecido, e cutucava-o com uma bengala para sentir como reagiria, admirado e divertido com ele, mas nunca aceitando-o como a um igual.
Gina, por sua vez, tinha sobre Blaise um conceito muito simples. No momento ela ouvia o que os homens falavam, virando a cabeça para um e para outro, sorrindo como aplauso ou concordância. Seus sorrisos e olhares para Blaise eram convites claros. Abaixava os olhos sedutoramente, às vezes, para dar a Blaise a oportunidade de observá-la. O pai percebia esse jogo e se divertia, mas estava atento e vigilante: não confiava nem na filha nem no homem.
As empregadas movimentavam-se à volta da mesa, uniformizadas, retirando os pratos, servindo outros, sorrindo com as faces pálidas e magras, mas cheias de vida, ouvindo uma boa parte da conversa e reagindo silenciosamente ao que ouviam, olhando-se e franzindo o cenho. Se um estranho não estivesse presente, poderiam até arriscar uma opinião pessoal, que seria seguida de grandes resmungos de raiva ou gargalhadas de Arthur. Ele era bem capaz de saltar da mesa, aproximar-se de uma delas como um urso, e esbravejar;
—- O que é que você sabe disso, hein? De volta para a sua cozinha, mulher!
Ele as incluía na família, chamava-lhes a atenção ou as elogiava, não colocando distâncias aparentes, entre ele e qualquer empregado da casa.
Mais tarde, foram todos para a sala de visitas e Gina colocou um disco, reclinou-se elegantemente num sofá baixo com a saia vermelha plissada graciosamente arrumada à sua volta, como um leque. Um dos braços estava erguido sobre a cabeça, para mostrar-se a Blaise da forma mais sedutora.
Conversando com Arthur, ele a olhava, flertando despreocupadamente. Luna fingiu bocejar, pondo a mão sobre a boca.
— Você me desculpa, papai? Estou muito cansada. Faz sempre tanto calor à noite que tenho a impressão de nunca dormir o suficiente.
Arthur olhou-a, fez um aceno concordando, sorriu e moveu o rosto para que ela o beijasse, antes de subir. Deitada, Luna tentou dormir, mas sua mente se recusava a descansar. Imagens de Blaise continuavam a surgir incessantemente em sua cabeça. Sentia-se inquieta e desconfortável
As venezianas estavam abertas e o luar entrava no quarto, tornando ainda mais difícil a vinda do sono. O ar estava tão quente que ela se levantou e tomou uma ducha. Ficou sob o jato frio, sentindo-se melhor com a água escorrendo pelo corpo. Sentira os lábios queimar, quando Blaise a beijou. Nunca havia sido beijada daquele jeito, pois suas experiências anteriores tinham sido muito mais platônicas e superficiais. Colocou a mão molhada na boca, tremendo.
Quando o verão terminasse, teria uma amarga decisão pela frente. Sabia que, se, se recusasse a casar com quem Arthur havia escolhido, ele ficaria terrivelmente zangado. Havia mesmo a possibilidade de dar-lhe um ultimato: ou casava com Dimitri, ou não pertenceria mais à família. O padrasto dera a sua palavra a Dimitri. Sua honra e seu orgulho estavam em jogo, do ponto de vista do padrasto. Se Luna tentasse quebrar a promessa, estaria cobrindo de vergonha não só Arthur, mas toda a família.
Enxugando-se com uma grande toalha branca, foi até à janela, respirar o ar quente da noite. Lá adiante, o mar banhava a areia. Ficou ouvindo seu murmúrio, com o rosto tenso. A lua iluminava seu corpo nu. Parada ali, parecia uma estátua grega. Sacudiu a cabeça e olhou para o jardim.
Uma mancha chamou-lhe a atenção. Olhou melhor: a gelou; assustou-se tanto por um momento que nem pensou em esconder-se. Blaise estava no terraço, com um charuto esquecido na mão, a cabeça levantada e os olhos fixos nela. O brilho prateado de seus olhos era o único sinal de vida naquela face imóvel. Recuperada do choque, Luna saiu rapidamente da janela e sentou-se, tremendo, em frente da penteadeira. No grande espelho, sua imagem brilhava ao luar. Seu peito doía. Involuntariamente, levou as mãos aos seios, como tentando arrancar aquela estranha sensação. Fechou os olhos, agitada, consciente de uma selvagem excitação.
O que estaria ele pensando e sentindo, ali parado, em pé? Vestiu uma camisola de algodão e deitou-se, cobrindo a cabeça com o travesseiro, com um profundo suspiro.
O incidente ficou em sua mente durante todo o dia seguinte, fazendo-a corar e ficar tensa ao se lembrar do rosto transfigurado de Blaise, enquanto olhava para ela. Suspeitava de que Blaise apareceria novamente, mas não havia sinal dele. Gina também tinha desaparecido e, naturalmente, sem explicar aonde ia. Luna imaginava se teria ido a Atenas para se encontrar com Blaise. Recusava-se a admitir que estava com ciúme. Não deixaria que esse homem se tornasse importante demais para ela.
É um estranho que apareceu em minha vida e logo desaparecerá, dizia para si mesma. Isso era tudo o que ele devia representar para ela. Cada vez que pensava que Blaise a vira nua, chegava a sentir uma dor no estômago. Não queria se encontrar com ele novamente. Com certeza, a olharia com aqueles duros olhos cinzentos e zombeteiros e ela saberia que ele estava se lembrando de como a tinha visto aquela noite, na janela. Sua pele queimava, só de pensar.
Gina chegou em casa um pouco antes do pai, cantarolando enquanto subia para o quarto. Dessa vez, não havia nenhum descontentamento no seu rosto. Parecia satisfeita consigo mesma e com a vida. Luna ouvia, com os nervos tensos, recusando-se a confessar que estava morta de vontade de perguntar à irmã se tinha visto Blaise. Após o jantar, Arthur desapareceu para verificar seu equipamento de som. Blaise havia conseguido maravilhas, dizia ele.
— O rapaz realmente conhece equipamentos eletrônicos. Conseguiu um som no meu que nunca teve. Um homem muito útil,
Quando se retirou, Gina brincou:
— Como papai é esperto: "Blaise é um homem muito útil". Ele também consertou meu carro esta tarde. Disse que o carburador estava sujo e limpou-o para mim.
Luna não respondeu e ficou olhando para o chão. Então, Gina tinha estado com Blaise. Já suspeitava disso, não foi exatamente um choque. A estranha sensação dentro do peito devia ser por causa do calor.
— Vou para a cama — disse, levantando-se.
— Ele tirou a camisa enquanto estava consertando o carro. -— murmurou Gina, sonhadora. — Você precisava ver os músculos de seus braços. Quando os apertei, pareciam de madeira. -- Luna caminhou para a porta, silenciosa.
— Gostaria que Marcus fosse alto daquele jeito — queixou-se Gina,
— Talvez ele cresça — ironizou Luna.
Gina levantou-se e encarou-a.
— Ora! Que bicho mordeu você?
— Estou cansada — mentiu Luna. — Boa noite.

Na tarde seguinte, caiu uma violenta tempestade. O céu tornou-se assustadoramente escuro sobre o mar revolto e a água caiu torrencialmente. Gina passou o dia todo fora e Luna estava tão estranhamente aliviada, tanto pela tempestade quanto pela ausência do calor opressivo, que foi até a praia, contrariando os horrorizados protestos das empregadas e deixando que a chuva escorresse livremente pelo seu corpo. Ficou na praia, observando os trovões e as faíscas elétricas dos raios que azulavam o céu. Recebia a água em torrentes, respirava profundamente aquele ar fresco e tinha vontade de gritar de prazer.
O vestido estava colado no seu corpo, desenhando as curvas como se fosse transparente, mas ela não se preocupava; excitada com a tempestade, não pensava em nada. Nem sequer ouviu os passos na areia, atrás dela. Alguém parou a seu lado. Assustada, os olhos muito abertos, Luna deu um grito.
— Calma, sou eu — disse Blaise, naquela voz profunda, sem sorrir. Depois seus olhos percorreram-lhe o corpo de alto a baixo, e ela percebeu o que ele estava pensando. Corou violentamente.
— Gina não está. Acho que foi para Atenas. Não tenho dúvida de que está esperando você no seu hotel.
O embaraço e a raiva faziam sua voz vacilar, mas ela conseguiu pronunciar as palavras sem gaguejar.
— Não estou procurando Gina. — Encarou-a e seus olhos escureceram — Você sabe disso.
— Estou começando a acreditar que o senhor é um desmancha-prazeres, Sr. Zabini, um homem que gosta de intrigas. Não quero problemas com a minha irmã por sua causa. Portanto, volte para Atenas e afaste-se de mim!
Ele enfiou as mãos nos bolsos e fitou-a longamente, como caçoando dela.
— Às vezes, você me confunde, sabe? Continuo pensando em você, mesmo quando digo a mim mesmo para parar. Você está cravada na minha pele como espinho e não posso descansar, até arrancá-la.
Chocada, Luna virou para o outro lado. Seria mais uma brincadeira? Estaria caçoando dela novamente, ou falando sério?
— Quanto mais penso em você, mais me convenço de que é como uma criança cega, caminhando para debaixo de um carro, sem nenhuma idéia de que vai se machucar. Não pode casar com esse homem, Luna. Fale com seu padrasto, pelo amor de Deus! Faça-o entender que isso é impossível.
— Não posso — gritou, desesperada. — Tentei, pensa que não tentei?
— O que a impede?
— Isso destruiria nosso relacionamento —- confessou, com a cabeça baixa e os pés descalços desenhando uma linha na areia.
— E isso é mais importante do que a sua própria vida?
Falava em tom brusco e áspero. Luna não olhava para ele, mas podia perceber a sua raiva, o que a intrigava. Por que estaria tão zangado por assuntos que eram só dela? O que significavam para ele?
— Já lhe disse que não é tão simples como você parece pensar.
— Explique, então.
— Se eu me recusar a casar, Arthur ficará tão revoltado que poderá muito bem me expulsar de casa — disse Luna, com voz apagada.
— Na época em que vivemos?
— Você não o compreende. Ele tem atitudes muito simples em relação à vida.
— Ele é tremendamente egoísta.
— Não é verdade! Ele acredita estar fazendo o melhor por Gina e por mim.
— Forçando-as a se casarem com homens que mal conhecem?
— Ele os escolheu cuidadosamente — disse Luna, com um ligeiro sorriso nos lábios. — Gastou muito tempo procurando os homens que, no seu entender, combinam conosco, com o nosso temperamento. Dimitri é calmo e gentil, muito ponderado. Arthur desejava alguém assim para mim, segundo me disse. E, para Gina, encontrou Marcus, que é mais agressivo, alguém que não a deixará se expandir demais, mas que desculpará seus pequenos caprichos porque a acha divertida. Como vê, Arthur não escolheu só homens com dinheiro; ele procurou outras coisas antes de fazer uma boa escolha.
Blaise mexia-se inquieto, e ela percebia uma controlada violência em seu corpo tenso.
— Não acredito em meus ouvidos — disse ele. — Ou você está louca, ou o louco sou eu.
— Não pense que gosto da idéia.
— Então, diga-lhe como se sente.
— Para magoá-lo? Não é um homem fácil de ser compreendido. Tudo se resume nesta questão: de que ângulo você olha a vida? O pai de Arthur recebeu uma esposa escolhida para ele e foi um casamento feliz. A primeira esposa de Arthur foi uma moça escolhida para ele quando tinha catorze anos. Morreu de pneumonia quando Gina era bebê, mas Arthur a amava e foram muito felizes juntos. Assim, do ponto de vista dele, isso funciona.
— Muito bem. Posso compreender um homem da sua idade e formação pensando assim, mas você teve uma educação moderna, não é mesmo? Não pode acreditar em tudo isso. Não quer se apaixonar?
Um frio percorreu-lhe o corpo.
— Você alguma vez já se apaixonou? — Assim que fez a pergunta, desejou não ter feito e sentiu-se tensa.
— Muitas vezes — respondeu ele, olhando-a de esguelha, com um leve sorriso.
A raiva cresceu dentro dela.
— Tenho a impressão de que você não está, absolutamente, falando sobre o amor.
Ele tinha um ar irônico,
— Como você imagina que é o amor? — Passou a ponta dos dedos no rosto dela, e aquele contato deu-lhe, de repente, uma grande excitação. Observando-a, disse, com uma terna intimidade: — Mas você conhece isso, não? Não sou o único de nós dois que percebe.
Tentando parecer calma, Luna falou, em voz baixa:
— Percebe o quê?
— Você sabe do que estou falando. — Ele estava como extasiado, com os olhos faiscando para ela.
Nervosa, Luna sacudiu a cabeça e uma mecha de cabelo molhado caiu em sua testa. Blaise a recolocou no lugar e acariciou seu rosto.
—- Não minta para mim, Luna, mesmo que tenha estado mentindo para si mesma. — Sua voz estava mais profunda, e ela sentiu um começo de pânico. — Desde que a vi naquela janela...
— Não! — interrompeu, virando-se e se afastando dele.
Blaise puxou-a para perto com tanta violência que ela caiu com o rosto em seu peito, sentindo o perfume da pele dele. As mãos de Blaise estavam em suas costas, com movimentos convulsivos, pressionando seu corpo contra o dela.
— Você me pareceu fantasticamente maravilhosa. Não está envergonhada disso, está? Santo Deus, Luna, você me deixou sem fôlego.
— Não fale sobre isso — pediu, suspirando.
— Por que não? Por um momento, pensei que fosse uma estátua de mármore. Era o efeito do luar. Você me parecia distante e irreal. Então, você se moveu e senti como se alguém tivesse me acertado o estômago. Você realmente me derrubou.
Ela tentava se desvencilhar.
— Não vê como isso me embaraça? Não quero tocar no assunto.
— Você está assustada — murmurou, a voz insegura. — Não fique. Foi para isso que nascemos, Luna. Essa sensação...
— Só me sinto aborrecida — disse ela, zangada e se debatendo.
A excitação desapareceu do rosto dele para dar lugar à impaciência. Os olhos procuraram os dela, suplicantes.
— Não é verdade. Você só não quer confessar o que sente. Tem medo do amor?
Luna perdeu o controle e respondeu, agressiva:
— Você não está falando de amor, está falando de sexo.
— São a mesma coisa.
— Não — protestou, ferozmente. — Podem vir juntos, mas não a mesma coisa.
Blaise sorriu.
— Você está teorizando sem ter nenhuma experiência prática, e é sempre um erro. Já é hora de alguém lhe mostrar o que tudo isso representa.
— Não preciso...
— É “exatamente" o que você precisa — interrompeu Blaise e Inclinou a cabeça, procurando sua boca.
Luna tentou impedi-lo. Lutava para se conservar fria, em juízo perfeito, apesar da tentação de se entregar às fortes emoções. Em algum lugar dentro dela uma voz baixinha pedia pelas carícias experientes dele, forçando-a a reconhecer que ele devia estar sexualmente excitado. Ao mesmo tempo ela pensava que ele deliberadamente tentava despertá-la usando uma técnica adquirida, sem dúvida, com outras mulheres. Ele não estava lhe oferecendo amor, Luna sabia o que era, e isso ela não queria.
Blaise, naturalmente, sentia a resistência. Sua mão afundou no cabelo dela, forçando-lhe a cabeça para trás, curvando-a em seus braços, forma que foi obrigada a se agarrar nele para manter o equilíbrio. Notou o brilho de seus olhos antes que começasse a beijá-la de novo. Percebia que Blaise estava furioso. Não desistiria, até que ela correspondesse.
O zíper do seu vestido abriu-se, e sentiu os dedos dele acariciando sua pele molhada. Começou a tremer violentamente, e, no íntimo, era como se estivesse se dividindo em duas. Seu cérebro continuava martelando aquela advertência, mas seu corpo vibrava com a resposta que Blaise esperava dela.
Um ruído abafado atrás deles fez com que se separassem. Blaise soltou-a tão de repente que ela quase caiu. Afastou-se, com o corpo tenso, como o de um animal acuado. Tremendo, Luna olhou para trás e viu Arthur, parado, olhando para os dois. Ele se balançava para um lado e para outro, como um enorme gato, prestes a saltar.
— Bastardo! — Arthur respirava com dificuldade. Seu rosto estava terrivelmente congestionado e os olhos, agora, escuros chispavam de ódio, encarando Blaise. Lentamente, virou-se para Luna.
Sentiu-se humilhada e culpada sob aquele olhar. Podia enxergar-se como Arthur a estava vendo: os cabelos despenteados pelos dedos de Blaise; o vestido molhado, colado ao corpo; os ombros à mostra, pois Blaise havia aberto o zíper do vestido; e os lábios intumescidos pelos beijos dele.
Lágrimas explodiram, incontroláveis.
— Papai! — começou, implorando, mas Arthur parecia nem ouvi-la. Aproximou-se e agarrou-a pelo braço, afastando-a de Blaise.
— Vá para dentro! Conversarei com você mais tarde. — Respirou profundamente, com dificuldade. — Sabe com que se parece? — As palavras saíam como um trovejar nervoso, e ele virou-lhe as costas, como se não suportasse olhá-la.
Luna cambaleou, soluçando, e saiu correndo, mal sabendo para onde estava indo ou o que fazia.

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