Um passeio forçado



CAPITULO II


Gina andava pelo quarto; o corpo esbelto revelado pela minúscula camisola de seda pura. Luna escovava os cabelos frente ao espelho e olhou para ela, surpresa.
— Ainda não vai dormir, Gina? É meia-noite.
— Não tenho sono. — Deitou-se na cama, bocejando. — Está muito quente para dormir. Quando esse calor vai acabar?
Luna estava aborrecida e não queria conversar. Horas antes, tinha deixado a irmã conversando com Blaise no terraço, sob um luar romântico que os banhava como o holofote de um teatro. Olhara-os, antes de entrar na casa, e sentira-se amargurada e rejeitada.
— O que você achou dele? — perguntou Gina, observando-a.
— Ele quem? — Luna continuava a escovar o cabelo, automaticamente.
— Quem? Blaise, é claro. — A moça não respondeu.
— Gostaria que papai esquecesse essa idéia louca de escolher nossos maridos. Não quero me casar com Marcus.
— Diga para seu pai, não para mim — Luna respondeu, sabendo perfeitamente que ela não faria nada parecido.
Gina era capaz de dobrar o pai em qualquer assunto, menos no que dizia respeito a seus planos de casamento para as filhas. Nisso, Arthur era irredutível, e Gina sabia. Estava só desabafando. Na frente do pai, não ousava discutir. Isso seria provocar o gênio dele a explodir sobre sua cabeça.
— Você quer se casar com Dimitri?
Luna guardou a escova na pequena caixa de prata para manicure que Arthur lhe dera ao fazer catorze anos. Suas iniciais gravadas na tampa brilhavam. Olhou-se no espelho da penteadeira.
— Não — respondeu, em voz lenta e baixa.
— Então... — disse Gina, e Luna sabia muito bem o que viria em seguida. Durante a infância, a outra sempre tentava empurrá-la ao fogo, quando corriam algum risco da brincadeira acabar com a zanga de Arthur, ou até com algumas palmadas. -— Por que não fala para papai?
Luna sacudiu a cabeça. Tinha pensado em fazer isso, mas não podia sequer suportar a idéia. Sentia medo, tanto do gênio forte do padrasto quanto de ferir seus sentimentos. Amor e medo a faziam calar, e não sabia qual dos dois era o mais forte. Dimitri era bastante simpático, um homem de trinta e tantos anos, saudável, de boa aparência, sempre gentil e cavalheiro. Nada tinha contra ela. Se Arthur lhe perguntasse "porquê” , como era mais do que certo se ela tocasse no assunto, não saberia responder, não poderia explicar o que sentia, mas sabia que não queria se casar com Dimitri, e ele certamente não conseguiria entender. Arthur era um homem para quem o amor romântico pouco significava. Prático, com os pés sempre no chão, para ele sexo era o excitante clímax do relacionamento entre um homem e uma mulher, o objetivo final do casamento, as preliminares que resultariam na chegada triunfante de um neto.
Luna já o ouvira conversando com amigos, cheio de contentamento: "Ela é uma mulher, percebe? Uma mulher, meu amigo". Ele beijava as pontas dos dedos unidos, os olhos brilhando, e os outros homens riam, compreendendo. Não havia romantismo neles. Uma mulher era algo para se levar para a cama, fazer um filho, ser tratada aos gritos quando uma refeição atrasasse. Homens como Arthur, apreciavam a espécie de mulher que combinava com sua forte masculinidade: as de sangue quente, sensuais, práticas. Ele não entendia atitudes românticas. Sim, ele caçoaria dela e tentaria lhe arrancar aquelas idéias sobre amor, as quais considerava inteiramente tolas. Luna passara meses pensando no problema, e não seria Gina quem a empurraria para tomar uma decisão.
— Diga pra ele — repetia a irmã, brincando com os dedos morenos.
Luna olhou para o relógio.
— Estou cansada. Por favor, vá dormir, Ginny.
— Você tem a coragem de um rato!
— Não é isso — respondeu, aborrecida.
— Eu conto a ele por você — disse a irmã, levantando-se da cama e olhando-a, ansiosa.
— Então, conte.
— Você é quem vai casar primeiro. Só mais alguns meses, em outubro, não é?
Luna estremeceu.
— É.
A princípio, os meses lhe pareciam longos, esticando-se como elástico à frente dela, dando-lhe tempo de sobra para arranjar coragem e ser franca para com Arthur. Mas, à medida que os dias passavam e não encontrava coragem nenhuma de tocar no assunto, começava a sentir-se terrivelmente nervosa.
— Só quatro meses — continuou Gina, com alguma satisfação. — Você está deixando as coisas para muito tarde.
— Vá para a cama, Gina. — Luna suspirou,
— Por que não podemos escolher nós mesmas? Em que ano ele pensa que estamos? Não há lei que a obrigue a se casar com Dimitri, se você não quiser. Principalmente porque é inglesa e maior de idade.
— Não há lei — repetiu Luna, secamente.
Só as leis do amor e do medo a tornavam hesitante em discutir o assunto com o padrasto. Ele tinha sido infinitamente bom para ela durante toda a vida, e o fato de não haver laços de sangue para explicar seu carinho fazia com que se sentisse mais profundamente agradecida, Arthur podia assustá-la, quando tinha um acesso de mau humor, mas ela o amava e não ia procurar a proteção da lei contra um homem que, sabia muito bem, mandaria tais leis para o inferno, se interferissem com suas idéias de família e de dever. Ele a havia abrigado não só em sua casa, mas também em seu coração. Não falaria com ele sobre leis.
— Papai não pode obrigar você, Luna — insistia Gina. — Não é sequer seu pai de verdade. Então, como pode?
— Vá para a cama.
A irmã tinha suas próprias razões para instigar Luna à rebeldia. Queria que abrisse o caminho, o mesmo caminho pelo qual, mais tarde, ela também escaparia. Gina abandonou o assunto, percebendo que nada conseguiria. Curvou-se à frente do espelho e olhou-se com a satisfação de quem encontrara o reflexo de uma imagem que lhe agrada.
— Acho que ele gosta de mim. Viu como me olhava? Tem olhos sensuais e uma voz que me dá arrepios na espinha.
— Se você tivesse um pouco de juízo, não o veria mais — avisou Luna, já na cama. — Pense na reação de papai.
— Ufa! — disse Gina, satisfeita, correndo para fora do quarto, sem mesmo dizer um boa-noite.
Luna apagou a luz e esticou-se na cama, ouvindo o canto e pássaros noturnos no jardim escuro e perfumado. A voz de Blaise Zabini arrepiava sua espinha também, mas preferia morrer a deixá-lo saber disso. Tinha uma forte suspeita de que ele já sabia o efeito que provocava nas mulheres, com suas grossas sobrancelhas escuras, olhos cinzentos e brincalhões e profunda voz sensual. A seu modo, era tão narcisista como Gina. Luna tinha certeza de que ele sabia o que fazia quando dirigia para alguém aquele sorriso insinuante, acompanhado por um olhar significativo. Gina podia ter recebido muito de sua atenção naquela noite, mas Luna recebera o suficiente para avaliar seus modos sedutores e descobrir que ele não levava Gina a sério. E a irmã fazia o mesmo. Apesar disso, aquelas atenções podiam ser perigosas para Ginny, se Arthur percebesse.
O padrasto deixara o assunto bem claro, ao contar a Blaise que as duas filhas estavam noivas. Esclarecido isso, esperava que o rapaz respeitasse a sua hospitalidade. Blaise seria bem-vindo na vila, enquanto Arthur acreditasse que ele estava se comportando corretamente com as moças. Gina tinha outros admiradores naturalmente, e Arthur ficava feliz com isso. Pensaria que havia algo errado com ela, se os homens não a admirassem e a desejassem, mas colocava uma Invisível linha, proibida de ser cruzada, entre o olhar e o tocar. Era melhor que Blaise não tentasse cruzá-la e que Gina tivesse o bom senso de conservá-lo do outro lado da linha, mas Luna duvidava de que qualquer um dos dois fizesse isso.
Até para com ela, Blaise havia demonstrado uma familiaridade que a espantara. Na verdade, não passava de uma carícia muito leve e brincalhona: um roçar de lábios em sua mão. Mas aquilo tinha sido feito provocadoramente e acompanhado por um sorriso convidativo! Luna imaginava que Gina tivesse recebido o mesmo, se não, mais. Blaise pedia flertar tão naturalmente como respirava, mas, se tentasse ir além de palavras e olhares, Gina devia impedi-lo. A dúvida de que a irmã não só não o impedisse, como também o provocasse, a perturbava.
Dormiu mal e acordou muito cedo, ouvindo o jardineiro que começava o trabalho. Enquanto a temperatura ainda estava agradável, Luna decidiu ir até a praia, para um mergulho, antes do café da manhã. Levantou-se, vestiu um biquíni, pegou uma toalha e desceu.
Kalimera, o jardineiro, cumprimentou-a, e ela respondeu sorrindo também.
— Mais um dia muito quente. É o que o rádio está informando — disse o jardineiro, empurrando o chapéu de palha para trás.
— Temo que sim — concordou, caminhando para o portão, que se abria para um caminho pedregoso e poeirento. Mais além, onde começava a praia, ele se alargava. Estava vazio àquela hora. Uma grande borboleta branca e vermelha esvoaçava sobre as flores; Luna parou para admirá-la, antes de descer para a areia.
Nadou por dez minutos, mergulhando na água límpida. Quando saiu do mar, parou, surpresa, ao ver alguém deitado ao lado de sua toalha. Era Blaise.
— Olá — disse, abaixando-se para apanhar a toalha, certa de que havia corado. — O que está fazendo aqui?
— Prometi apanhar Gina para um passeio antes que o sol fique muito forte. Vamos tomar o café da manhã em Atenas.
Luna enxugou os cabelos, percebendo que era observada por aqueles grandes olhos cinzentos.
— Acho que ela ainda não acordou.
— Então, por que você não vem? — Estava com a cabeça apoiada nas mãos, o corpo longo esticado à vontade na areia branca, a camisa esporte desabotoada, exibindo a pele morena, macia e firme, e o tórax musculoso.
— Eu?
Luna sentiu uma vontade repentina de se cobrir com a toalha, porque aquele olhar passeava por seus pequenos seios e parecia despi-la. Sua pele, molhada e dourada, brilhava sob o sol da manhã. — Você veio por causa de Gina — disse ela, apanhando os óculos escuros e balançando-os na mão. — Vou dizer que já chegou. Deve ter se levantado agora.
De fato, tinha certeza de que Gina ainda estaria dormindo profundamente. A irmã não era madrugadora. Blaise levantou-se e segurou seu braço, com um aperto que, sem machucar, era firme e insistente.
Surpresa, Luna ergueu a cabeça e encarou-o, encontrando seu sorriso zombeteiro.
— Seria muito agradável passearmos de carro pelos montes. Há uma brisa fresca soprando lá em cima esta manhã. Quando chegarmos a Atenas, podemos tomar café com rosquinhas e ver a cidade acordar. Gosto de observar uma grande cidade começando a viver pela manhã. É assim que você realmente a conhece.
Luna olhou para a mão morena que a segurava.
— Vou dizer a Gina que você está aqui — repetiu.
— Por que você não vem? — A voz de Blaise tinha um tom cortante que combinava com a ferocidade de seus olhos. Aborrecia-o que ela relutasse em acompanhá-lo. Esperava que se agarrasse, ansiosa, à oportunidade de ficar sozinha com ele.
— Quer fazer a favor de soltar o meu braço? Você está me machucando.
Os dedos dele a apertaram mais e os olhos demonstraram impaciência.
— Não, não estou machucando você!
Era verdade, no começo. Mas agora estava machucando, sim, e ela percebia que o fazia de propósito. Luna olhou para baixo, tentando controlar um estranho tremor que sacudia seu corpo, como se fosse uma borboleta tentando escapar.
— Preciso voltar -— disse ela, sem olhar para ele.
— Quero que vá a Atenas comigo.
— Não posso.
— Por que não?
— Meu padrasto não gostaria.
Houve um silêncio. Sentiu os olhos de Blaise fixos em seu rosto e imaginou o que estaria ele pensando. Fosse o que fosse, soltou-a quase jogando seu braço para longe. Sem esperar nem um minuto, Luna correu para casa. Gina ainda estava na cama e dormia pesadamente, com um braço sobre o rosto. Luna parou, sem saber se deveria acordá-la ou não. Depois, curvou-se e sacudiu a irmã pelos ombros.
— Humm? — Gina virou-se para o outro lado, resmungando, e enterrou o rosto no travesseiro.
— Ginny, acorde!
— Vá embora, estou dormindo.
— Blaise está aqui.
— O que?
Gina tentou abrir os olhos.
— Ele disse que você prometeu ir a Atenas com ele para o café da manhã.
A outra deitou-se de costas, com os braços para trás e os olhos finalmente abertos.
— É, prometi. Ele já chegou? — Saltou da cama, com os cabelos emaranhados. — Diga que estarei pronta em dez minutos.
Luna hesitou, mordendo os lábios.
— Acha que deve ir? Papai não vai gostar disso.
— Então, não conte a ele. Vá, vá, e diga a Blaise para me esperar lá fora, no carro.
Gina abanou a mão nervosamente para ela e correu para o chuveiro. Luna foi para o quarto despiu o biquíni, tomou uma rápida chuveirada e colocou um vestido de cor creme. Depois, penteou o cabelo e desceu para o jardim. Blaise estava recostado no carro. A moça foi ao encontro dele.
— Gina não demora. Ela ainda estava dormindo, mas descerá logo.
Ele abriu a porta do carro branco, fazendo menção de entrar, e Luna virou-se para voltar. Deu um grito abafado quando foi agarrada pela cintura e arrastada, feito uma boneca. Ele a empurrou para o banco da frente e, antes que ela pudesse sair, Blaise estava a seu lado, na direção. O carro partiu com um ronco. Luna agarrou-se com raiva na maçaneta, mas o rapaz puxou seu braço, impedindo-a de abrir a porta.
— Quero descer!
— Fique quieta e não banque a boba!
O carro agora fazia a curva para fora dos portões, ganhando maior velocidade. Luna olhou para trás, para a casa branca que desaparecia.
— Gina vai ficar furiosa!
Ele riu, o que fez aumentar ainda mais a sua raiva.
— Não acho nada engraçado!
— Nem eu — disse Blaise, caçoando,
— Quer me levar de volta? Isso é ridículo!
— É ridículo da sua parte fazer tanto barulho. O que há de errado em ir até Atenas comigo? Não a estou raptando. Vamos dar uma volta de carro, de forma civilizada; em seguida, tomaremos um saboroso café da manhã, e depois a levarei para casa.
Luna afundou no assento, zangada e nervosa.
— Você não tinha o direito de fazer isto.
— O que "direitos" têm a ver com isto? Você queria vir.
— Não queria, não!
— Oh, sim, você queria — caçoou ele, com os olhos semi-cerrados, deixando-a com a impressão de que a vigiava através deles. — Você queria vir tanto quanto eu queria trazê-la.
— Se eu quisesse, aceitaria o seu convite.
Agora Blaise dirigia mais devagar e já estavam a alguma distância da vila.
— Você está assustada demais com a opinião do seu padrasto, mais do que quer admitir.
— E o que acha da opinião de Gina?
Ele riu gostosamente.
— Não me importa, absolutamente.
Pobre Gina, pensou Luna. Ia se vestir correndo e descer apressada para não encontrar nem sombra de Blaise. Estremeceu, ao imaginar o que a irmã lhe diria quando, finalmente, Blaise se decidisse a levá-la de volta à vila. Olhou-o de lado, com os lábios apertados. Ele estava observando a estrada, um ar distraído, como se estivesse esquecido da presença dela. Gina ia ficar uma fera. Por que ele tinha feito aquilo? Era a espécie de ato impulsivo que se podia esperar de um adolescente, mas dificilmente de um homem da idade dele. E quantos anos teria? Trinta? Trinta e cinco?
Ele gostava de viver a seu modo, tornando-se até mais obstinado quando encontrava oposição. Era, sem dúvida, um comportamento muito estranho obrigá-la a acompanhá-lo daquela forma, por um capricho momentâneo. A única explicação que encontrava era que tinha ferido sua vaidade, ao recusar-se a acompanhá-lo. Fizeram uma curva e encontraram um rebanho de cabras, algumas tentando subir nos montes, sendo guiadas pelo pastor, um velho com uma surrada roupa preta e chapéu de palha, que lhes gritou um cumprimento em grego.
— Não estamos com pressa — disse Blaise para o pastor. Rindo, o homem respondeu:
— Eu também não estaria. — E seus olhos brincalhões pousaram na moça.
Luna estava furiosa. Blaise olhava-a tão divertido que ela achou difícil controlar a raiva.
— Ele está com inveja de mim — comentou. — Sem dúvida, numa manhã como esta, preferiria estar num carro, com uma linda garota, em vez de estar levando um bando de cabras para pastar.
— Os homens têm sempre um único pensamento em relação às mulheres — ela comentou.
— A maioria das mulheres gosta muito disso, sabia? — Luna acreditava, mas não fez comentários.
Ele mudou subitamente de assunto.
— Seu padrasto é um homem muito antiquado, não?
— Ele é uma pessoa muito especial.
—- Oh, é encantador à sua moda, mas está uns cinqüenta anos atrasado no tempo, mesmo para a Grécia. — Observou-a, sem sorrir. — Você não pretende mesmo casar com esse fulano que ele escolheu para você, não é?
Mais um tentando forçá-la a tomar uma atitude! Luna ficou pensativa, fitando o céu azul. Ainda não havia encontrado o modo de tocar no assunto com Arthur. Não queria casar com Dimitri, e queria menos ainda discutir o problema com um estranho.
— Você o conhece bem? — perguntou ele.
— Quem?
— Seu futuro marido.
Ela corou.
— Oh, Dimitri? Muito bem.
— Muito bem? Santo Deus! Você está pronta para se casar com alguém que conhece apenas muito bem?
Ele imitava o seu tom de voz, e ela olhou para as suas mãos, cujos movimentos nervosos atraíram a atenção de Blaise.
— Você não é assim tão fria e impassível como quer aparentar, hein?
— Não quero falar sobre isso.
— É justamente por isso que devia falar, mas acho que não o consegue mesmo, não é, Luna?
— Você não sabe nada sobre mim!
Luna levantou os olhos na direção dos montes dourados pelo sol contra o céu azul. Embora fosse meio grego, ele, obviamente, não havia entendido o modo como Arthur encarava a vida. Mas Luna entendia. Sabia que teria sérios aborrecimentos contando ao padrasto como se sentia a respeito do casamento,
— Sei que você não está apaixonada por esse homem — Blaise murmurou.
— Está falando sobre o amor como ele é interpretado na Inglaterra, não na Grécia — respondeu, ríspida.
A eterna luta contra o sol, os verões escaldantes e a agreste violência da natureza haviam forjado o modelo do comportamento sexual dos gregos. Sob as videiras, à noite, os homens dançavam e bebiam. Estavam vivos. Sobrevivência não era apenas uma palavra para eles. Um homem cuja garganta secou pela falta de água, numa terra pedregosa, conhece o valor dessa água. Um homem cujos olivais e videiras podem ser destruídos pelo sol e pelo vento, conhece o valor da vida. Todas as suas energias se concentram no esforço diário para sobreviver. Ali, o importante era a terra e braços para cuidar dela. E homens como Arthur ainda encaravam a vida em termos de sobrevivência, fertilidade, esperança.
— Tenho uma metade grega — disse Blaise, zangado.
— No sangue. Mas, na educação, você é inteiramente inglês, não?
Blaise aproximou-se bruscamente, segurando-lhe o queixo e empurrando sua cabeça para trás, para poder observar as chispas ansiosas em seus olhos.
— Deixe-me fazer uma pergunta grega: Você o deseja?
Perturbada; ela tentou soltar-se, mas ele a segurou com firmeza.
— Responda! Aceita a idéia de ir para a cama com esse homem?
Afogueada, ela gaguejou:
— Não vou responder. Não tem o direito de falar isso comigo.
— Você não o deseja, não é mesmo? — insistiu Blaise, sacudindo-a.
—- Você não compreende... – ela murmurou
— Então, explique.
— Meu padrasto tem sido muito bom comigo — começou, e Blaise olhou-a imediatamente, com desdém.
— E por que não seria? Você é enteada dele, mas não é, de forma alguma, obrigada a se casar com um homem que não deseja, só porque seu padrasto insiste. Gina me deu a impressão de que você é muito submissa a ele.
— Não é exatamente assim!
— Gina tem um pouco de ciúmes de você, não é?
Luna fitou-o, espantada:
— Gina? Que bobagem! Por que teria?
— Seu padrasto a compara com um anjo, foi o que ela me disse. Você é aquela que obedece, a filha cumpridora das suas obrigações, a pombinha da casa, como ele a chama.
Luna riu.
— Sempre tive muito medo de desobedecê-lo. Gina nunca o temeu assim.
— Então, você é uma covarde? — caçoou Blaise.
Luna olhou novamente para os montes.
— Acho que sou.
— Acha? Sabe que é. Do contrário, já teria dito a ele, há muito tempo, que odeia a idéia de casar com Dimitri. Gina me contou tudo ontem à noite.
— Ela disse também que quer que eu o desafie, para que ela possa se livrar do próprio casamento, sem travar uma longa luta com ele?
— Ela não precisa disso, tenho certeza. Ê muito mais objetiva do que você pensa.
Luna olhou para a estrada. As cabras haviam subido as encostas do morro.
— Podemos ir agora.
Blaise ligou o motor. O velho pastor virou-se, acenando com o chapéu de palha, e Blaise acenou em resposta, antes que o carro ganhasse velocidade e sumisse numa curva.
— Então, você vai deixar Arthur agir a seu modo? — insistiu.
— O que o faz pensar que tem direito de perguntar isso? O assunto não lhe diz respeito.
— Um observador às vezes vê mais longe do que a pessoa que está profundamente envolvida no problema.
— Você pode não estar enxergando tão claramente como pensa.
— Vejo uma moça que não está apaixonada pelo homem com quem querem forçá-la a se casar.
— Arthur lhe dirá que um casamento é tão bom com um homem como com um outro. Essa é a sua única atitude, não entende? Ele recebe a vida como ela vem e a torna agradável. Trata a vida como se fosse uma galinha cujo pescoço desejasse torcer. Simplesmente se agarra a ela e faz o que quer.
Luna fixava o olhar na interminável estrada branca.
— Você não percebe que homem fantástico ele é — acrescentou, com um sorriso.
Blaise olhou-a, sem a habitual expressão brincalhona. Luna podia sentir que a examinava, mas não se virou e agora observava o sol no topo dos morros, enquanto aproximavam de Atenas.
— Você realmente o adora, não?
Corou novamente e riu.
— Gosto muito dele, sim.
— No entanto, ele também a apavora.
Sua cabeça loura virou-se, em choque. Olhou para ele, perplexa.
— Oh, sim, eu percebi — disse Blaise, secamente. — Não precisava Gina me contar. E quanto a um homem ser tão bom como outro, só há uma coisa errada nessa teoria: não é verdadeira. Um homem não é tão bom como outro. Oh, talvez você possa se forçar o suficiente para aceitar Dimitri e viver com ele como ele é, mas não estaria nunca realmente viva. Não estaria vivendo como eu entendo a vida.
— Você não é casado, pelo que sei — acusou Luna, em voz baixa e trêmula.
Não sabia o que a tinha forçado a tomar posição a favor do padrasto, quando todos os seus instintos concordavam com o que Blaise estava dizendo. De alguma forma, caíra numa armadilha, dizendo coisas em que, na realidade, não acreditava, defendendo Arthur contra as raivosas acusações de Blaise, porque ela jamais permitiria que um estranho falasse do padrasto daquele jeito. O rosto de Blaise transformou-se. Seus olhos estavam duros e frios,
— Não sou louco.
— Oh, então acha que casamento é loucura? Entendo, isso explica tudo.
— Estamos falando de duas coisas diferentes. Percebi há muito tempo que não nasci para casar. Sou egoísta demais, para começar.
— Diz isso de forma muito benevolente.
— Não, não sou benevolente para comigo mesmo.
— Isso soa como uma desculpa.
— Nada disso. E não mude de assunto, estamos falando sobre você.
— Mas não quero falar sobre mim.
— Percebo isso e sei por quê. Quer evitar o assunto porque sabe que devia ter conversado com o seu padrasto há muito tempo, fazendo-o entender o que sente sobre esse tal Dimitri,
Luna observou-o, impassível.
— Acho que alguém que diz ser tão egoísta a ponto de não poder se casar não está qualificado para aconselhar outras pessoas sobre o casamento.
Blaise fez uma careta para ela.
— Ah, mas é sempre mais agradável dar conselhos do que receber. Você ainda não descobriu isso?
Aproximavam-se da cidade e as entradas estavam apinhadas, com o tráfego formando filas em direção ao centro.
—- Onde vamos tomar o nosso café? — perguntou Blaise.
— Syntagma -— sugeriu ela, e ele se dirigiu para aquela parte da cidade, encontrando um lugar para estacionar com dificuldade.
As mesas sob as árvores estavam lotadas, e só depois de algum tempo um garçom conseguiu uma para eles. Blaise recostou-se na cadeira, observando-a atentamente, o que deixou Luna nervosa.
— Não posso mudá-la, mas também não consigo entendê-la,
— E como poderia? Mal nos conhecemos.
— Que importância tem isso? Conheci Gina após os cinco primeiros minutos de conversa,
Luna percebeu um sinal de desdém em seus lábios, ao dizer aquilo. Fazia muitas restrições à irmã, mas não admitia que àquele homem demonstrasse o mesmo.
— Sua meia-irmã é um tipo que conheço muito bem — continuou ele, com ar zombeteiro.
— Gina não é um tipo, é ela mesma.
Ele riu, caçoando,
— Estou começando a pensar que você criou para si mesma uma vida de sonho. Não conhece quase nada sobre as pessoas, não é?
Luna sentiu a raiva ferver dentro dela.
— Do modo como fala, parece reunir todas as mulheres em uma só categoria!
— Inteligente! — ironizou. — E como você define isso? Ou não chegou a nenhuma conclusão ainda? — Ele esperava, sorrindo. — Avise-me quando tiver se decidido — murmurou.
O garçom trouxe a bandeja com café, rosquinhas, geléia, manteiga e dois copos de suco gelado, que ambos beberam imediatamente. Luna descobriu que não estava com fome. Mordiscou uma rosquinha, sem apetite. Blaise comeu melhor, passava até uma generosa camada de geléia de cerejas negras sobre as suas.
Luna olhou para o relógio, ansiosa.
— Preciso voltar,
Os dois se levantaram e ele inclinou a cabeça para olhá-la bem nos olhos, com um ar sorridente e íntimo.
— Divertiu-se, apesar dos barulhentos protestos?
Não ia admitir nada parecido, embora achasse que tinha sido agradável ficar sentada ali com ele, sob a folhagem refrescante da praça de Syntagma. Fazia pouco tempo que o conhecia, mas já sabia muitas coisas sobre ele. Uma delas era que Blaise tinha perfeita consciência da própria atração e adorava o efeito que provocava nas mulheres. A única razão de ele tê-la levado à força naquela manhã era que a sua recusa o havia aborrecido. Seu ego não podia suportar tal coisa. Gina o havia deixado feliz, comportando-se como ele esperava. Estava mal acostumado, graças à ânsia que as mulheres demonstravam pela sua companhia.
— Se é o que deseja acreditar... — Luna disse, formal.
O rosto de Blaise, repentinamente, ficou sombrio de raiva.
— Você está começando a me aborrecer — explodiu, afastando-se com passos rápidos, sem esperar por ela.
Quando alcançaram o carro, Luna entrou e ele bateu a porta. Durante todo o trajeto da volta para a vila, Blaise permaneceu calado, com as duas mãos agarradas ao volante e uma expressão irritada.

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