Um espécime híbrido



CAPITULO I


O ar estava quente e abafado. Luna entrava e saía da cozinha, bebendo copos e copos de água gelada, mas sentia-se tão ressequida como os campos que cercavam a vila. Há dias que a temperatura não mudava. O sol inclemente estava sempre lá, tornando sufocantes as ruas de Atenas, onde as pessoas se moviam pesadamente, os rostos brilhando de suor.
Era quase noite. Luna saiu para o terraço e ficou olhando o jardim, Havia grandes manchas de sombra embaixo dos pinheiros, e os gramados, mais claros, eram como uma miragem de deserto no ar quente. Ela podia ouvir o murmúrio do mar à distância, um convite que muitas vezes a levava à praia, de madrugada. A vila tinha piscina, mas Luna preferia a liberdade do mar.
De repente, ouviu vozes na casa. Reconheceu uma delas imediatamente. A outra era desconhecida: uma voz masculina, profunda e agradável, mas que parecia impaciente, pelo modo como cortava as palavras, antes de terminá-las.
— Mas, afinal, como é que se pode dormir à noite com um calor destes?
— Passei a maior parte da noite na piscina — respondeu Gina. — É divertido nadar no escuro. E a água estava tão gostosa!
— Garota de sorte — respondeu o homem, rindo. — Minha cama no hotel parecia um forno. Muitos atenienses também estavam acordados e fazendo uma terrível algazarra. Minha escolha era ficar com as janelas abertas e ouvi-los ou fechá-las e morrer abafado.
— Pobrezinho! Não tem piscina lá?
— Se tem, não vi — respondeu ele, a voz cada vez mais alta à medida que se aproximava.
Luna ouvia, a cabeça abaixada. Viu uma longa sombra escura atravessar o terraço de pedra. Então levantou os grandes olhos azuis para o recém-chegado. O homem parou para observá-la. Nunca o vira antes, mas tinha conseguido formar uma idéia por seu modo de falar e por sua voz. Sabia como ele era, antes mesmo de vê-lo.
Alto, pernas compridas, bronzeado. Os cabelos eram escuros, e o porte, másculo. Os olhos cinzentos eram, de certa forma, uma surpresa. Ela imaginou que fossem negros. Mas o longo e arrogante nariz e o queixo quadrado eram exatamente como pensou.
O ruído das sandálias de saltos de Gina, no piso de pedra, quebrou o silêncio.
— Olá — disse ela, vendo Luna — Você devia ter ido ao clube. Passamos uma tarde maravilhosa velejando.
— E ventou? -— perguntou Luna, examinando de relance o estranho, e desviando os olhos antes que encontrassem os dele.
— Nem um pingo, — Gina riu. — Mas quem se importa? Velejamos durante algumas horas; estava mais fresco do que em terra.
— Você se atrasou um pouquinho — lembrou-se Luna. — Já são mais de seis e meia.
— Eu sei, eu sei.
Virginia era uma moça atraente, de cabelos ruivos e encaracolados. Quando falava, abria muito os olhos claros e amendoados, que chamavam a atenção. A pele era de um tom dourado e uniforme. Usava um bustiê branco e short justo, que deixava à mostra as pernas brilhantes de areia e sal.
— Não se incomoda que eu o deixe por um momento? — perguntou, virando-se para o companheiro.
Luna observava o rosto da meia-irmã. Sem dúvida, estava muito interessada pelo rapaz.
— Papai vai chegar a qualquer momento, resmungando se uma de nós não estiver pronta para o jantar.
Esta casa funciona como um relógio, e é papai quem dá corda nele todos os dias — comentou Gina.
— Mal posso esperar por ele — murmurou o estranho secamente.
Gina riu, enrugando o narizinho.
— Não seja irônico!
Os modos da outra aborreceram Luna. O que ela teria falado do pai?
— Luna, pode tomar conta de Blaise, enquanto tomo um banho e me visto?
Gina não tinha nem se dado ao trabalho de fazer as apresentações. Estava sempre planando de um lugar para outro, com pressa, num estado permanente de insatisfação, desejando algo mais interessante. Em relação às pessoas, era a mesma coisa. Enquanto conversava, seus olhos moviam-se à procura de alguém mais atraente, um recém-chegado a quem lançar olhares de sedução.
— Sirva-lhe um drinque, sim?
Desapareceu na casa, batendo os saltos nos degraus. Antes de entrar, ainda lançou um último sorriso para o rapaz.
Desajeitada, Luna fitou-o, imaginando quem poderia ser ele, e por que Gina o levara para casa sem avisar ninguém. Ela conhecia os pontos de vista de Arthur sobre tais assuntos. Aquela era, como ele gostava de dizer, a casa dele, e esperava que lhe pedissem permissão, antes de levar um estranho. Agora Luna estava sendo observada abertamente. O estranho a fixava com aqueles olhos cinzentos, que pareciam tão deslocados no rosto bronzeado.
— Eu imaginei, ou Gina me disse, que você é irmã dela? É a Luna, da qual ela me falou?
A voz profunda, clara, tinha um leve sotaque, embora falasse grego fluentemente.
— Sim — respondeu, e percebeu que ele se espantava.
— Eu nunca teria adivinhado.
— Oh, desculpe. Pensei que Gina tivesse contado. Na verdade, somos meias-irmãs.
— Ah, isso explica — murmurou ele, olhando-a demoradamente.
Luna não tinha nenhuma semelhança com Gina, o que sempre intrigava os estranhos. Era uma esbelta e calma garota com macios cabelos loiros encaracolados e olhos azuis tímidos, totalmente diferente de Gina, que irradiava uma autoconfiança sedutora. Luna era introvertida, observadora e sempre pensativa.
— Gostaria de saber de quem herdou esses maravilhosos cabelos — disse ele, sorrindo.
Instintivamente, Luna desviou o olhar daquele sorriso perturbador.
— Meus pais eram ingleses...
— Ingleses?
— Sim. Meu pai morreu quando eu era um bebê e, quando eu tinha três anos, minha mãe me trouxe para a Grécia, para passarmos férias. Encontrou Arthur, casaram, e nunca mais voltamos.
— Deveria ter percebido — disse ele, com um tom seco na voz, falando em inglês.
— Seu inglês é muito bom — disse, surpresa.
— Tinha que ser.
— Oh! Você é...
— Inglês? — Caçoou, rindo para ela. — Sou um espécime híbrido, acho. Meu pai era inglês e cresci na Inglaterra. Vivi lá a maior parte da minha vida. — Calou-se, e a alegria desapareceu de seu rosto, que se tornou duro. — Mas minha mãe era grega.
Luna ficou imaginando por que aquele fato transtornaria sua expressão com uma espécie de raiva. Não gostava de ter sangue grego? Teria crescido sabendo que era um estrangeiro e desejando sentir-se em casa? Luna conhecia esse sentimento. Nunca tinha sido inteiramente grega, embora tivesse vivido ali quase toda sua vida. Seu tipo físico fazia com que sempre se sentisse deslocada e meio perdida.
— Vou lhe servir uma bebida — disse. Agora agia por instinto, na tentativa de acalmar e confortar um homem magoado.
Ao passar por ele, seus olhares se encontraram; sentiu-se corar. Os olhos dele demonstravam abertamente que a via como mulher e não fazia nenhum esforço para esconder isso. O vestido verde flutuava, quando ela se movia, desenhando-lhe o corpo contra a luz, e ela percebia estar sendo observada.
— Esse vestido é encantador — comentou ele, parecendo divertido com o seu embaraço.
Luna dirigiu-se para o barzinho e perguntou:
— O que prefere?
— Um uísque iria bem, obrigado — disse, de pé, no centro da sala, observando à sua volta. As paredes verde-claras combinavam com a mobília de um estilo vagamente oriental. De uma parede pendia uma grande tela japonesa, de seda dourada, pintada em verde metálico, com um dragão cujas garras brilhavam intensamente.
— Que interessante! — comentou o rapaz. — Esperava algo completamente diferente nesta sala.
— Arthur adora surpreender as pessoas.
Trouxe-lhe a bebida e, ao pegar o copo, seus longos dedos tocaram os dela. Olhou-a, e Luna percebeu que o toque havia sido deliberado, para sentir sua reação. Ela ficou impassível.
— Está de férias aqui? — Luna perguntou.
— A trabalho. Estou em Atenas, mas fazia tanto calor que resolvi velejar por algumas horas. A cidade estava insuportável. Todos parecem ter desaparecido para um descanso depois do almoço.
— É a única coisa sensata a fazer.
Ela mesma havia passado algumas horas no quarto, protegendo-se do terrível calor.
— E você sempre faz o que é sensato? — Olhou para ela, com um sorriso irônico. Luna identificou-o como mais um sinal de sua constante agressividade sexual. Aquilo a irritava bastante.
— Encontrou Gina no clube?
Ele tomou um gole de uísque, concordando com um aceno, deixando claro que achava a pergunta irrelevante e que não tinha intenção de responder, quando ela já sabia a resposta.
Gina tinha toda razão para se interessar por ele. Era o tipo que ela gostava; atrevido, insinuante. Luna nunca tinha sido leviana em seu relacionamento com homens, nem era exuberante como a meia-irmã. Desde criança, Gina já tinha consciência de seu poder de atração. Amadureceu cedo. As meninas gregas são geralmente assim: tornam-se adultas numa idade em que muitas inglesas ainda estão preocupadas só com os estudos. Aos catorze anos, era fisicamente uma mulher que atraía os olhares masculinos. A retraída Luna deixava a outra brilhar, porque achava mais seguro permanecer na sombra. Sua mãe morrera quando tinha dezesseis anos e ela ficara aos cuidados de Arthur Weasley. Ele era temperamental e podia, a qualquer momento, explodir num acesso de fúria. Na infância, Luna ficara muitas vezes aterrorizada com aqueles súbitos acessos. Gina, naturalmente, nunca se mostrou tão chocada e, se ele se zangava com ela, fazia beicinho e cara de vítima de um jeito tão encantador que logo o pai se punha a rir, divertido com suas artimanhas femininas, Gina tinha um encanto especial e um jeito todo seu de lidar com os homens; coisa que já havia nascido com ela e que nunca precisou aprender. Brincava com eles, conseguia sempre o que queria, e Arthur a adorava. Luna não podia sequer imitá-la, pois seu temperamento era completamente diferente. Só observava, às vezes divertida, às vezes intrigada. Em certas ocasiões, invejava a irmã por sua alegria de viver. No fundo, a verdade era que Gina não levava nada a sério.
— Gosta de velejar?
A pergunta tirou-a de seus pensamentos.
— Velejar? Sim, gosto, senhor... — Parou, percebendo que não sabia o nome dele.
— Zabini. Blaise Zabini.
Sorriu para ele delicadamente.
— Velejo desde muito jovem, mas prefiro o clube fora da estação, quando não há tanta gente.
— Não gosta de gente? — O tom seco fez com que corasse.
— Claro que gosto. Mas não aprecio multidões de estranhos.
— Tenho a impressão de que não gosta de nenhum estranho.
A crítica implícita obrigou-a a desculpar-se:
— Sinto muito se dei essa impressão.
Mas o pior é que era verdade. Tímida demais, não conseguia estabelecer um relacionamento imediato com quem não conhecia.
— Você não faz isso de propósito?
Sentia-se embaraçada.
— Não, claro que não!
Gina podia achar fácil manter uma conversa íntima com um estranho, mas Luna nunca sabia ao certo o que dizer; especialmente para alguém como aquele homem, frio, autoconfiante, com uma indiscutível técnica de abordagem feminina. Ele a deixava nervosa e contrariada.
— É tímida, Luna? — Fez a pergunta num tom suave, sorrindo. Ela desviou o olhar, mais embaraçada do que nunca. A porta da frente bateu e ouviram fortes passadas no piso de mármore do hall.
— Alguém em casa? — gritou Arthur, aparecendo na porta, à espera, assim que viu o estranho.
Era um homem baixo, mas que parecia dominar imediatamente a sala, com um queixo voluntarioso e cabelos grisalhos.
— Papai, este é Blaise Zabini — apressou-se a fazer as apresentações, antes que ele começasse a perguntar o que significava aquela intrusão.
Arthur empertigou-se, demonstrando hostilidade nos olhos claros. Não fez menção de estender a mão, inspecionando Blaise Zabini como se ele fosse um animal exótico. Colocando o copo sobre a mesa, o rapaz encaminhou-se para ele. Luna viu os olhos cinzentos fixarem-se no rosto do padrasto, com uma desenvoltura e uma segurança incríveis. Depois, estendeu a mão, falando fluentemente em grego:
— Prazer em conhecê-lo. Encontrei sua filha Gina no iate clube. Minha firma instalou lá os aparelhos de diversões eletrônicas há alguns anos. Draco Malfoy, um amigo, foi quem me apresentou à sua filha, e ela, muito gentilmente, convidou-me para jantar aqui.
Arthur apertou os grossos lábios, como contendo uma de suas explosões.
— Ah, entendo.
A hostilidade transformou-se em aceitação polida. Ao apertar vigorosamente a mão que lhe era estendida, uma corrente de prata balançou em seu pulso. Era o presente de aniversário que Gina lhe dera há dois anos, e ele a usava sempre. Arthur adorava presentes e surpresas, os quais gostava de retribuir.
— Então, você é amigo de Draco? Ele é um malandro; não compraria dele uma cesta de figos, mesmo se estivesse morrendo de fome. — Riu da própria piada.
Ao contrário do que dizia, Arthur apreciava muito Andréas, um barulhento e extrovertido grego, extremamente simpático. Freqüentemente, os dois passavam as tardes juntos em Atenas e, à noite, iam beber nos clubes.
— Blaise Zabini? — murmurou, pensativo. — Ê inglês? -- O outro homem concordou, sorrindo.
— Não parece inglês. Parece grego.
— Sou meio grego.
Arthur agora estava calmo; perdera a agressividade e sorria.
— Não acha que faz um calor terrível? Hoje está muito pior do que ontem. É uma onda de calor, segundo dizem os jornais, como se precisássemos dessa informação. Os jornais estão sempre nos informando sobre aquilo que já sabemos. — Olhou para Blaise com mais simpatia.
Seu humor podia mudar repentinamente da hostilidade para a esfuziante alegria. Vivia como se cada segundo fosse importante, abrindo seu caminho pela vida como um trem, explodindo ao sair de túneis escuros para a luz ofuscante do sol, silvando com energia e impaciência. Luna sentia-se dividida entre o amor que tinha por ele, e o medo. Podia ser, às vezes, a mais indulgente das pessoas, e, de repente, tornar-se um completo e terrível estranho. Gina parecia entender isso, talvez por terem o mesmo sangue. Mas Luna achava difícil conviver com seu temperamento explosivo.
— Agora, se me dão licença, vou para o chuveiro e desço em seguida para o jantar. E Gina? Ainda não está pronta? Essa menina; qualquer dia lhe dou uma surra! — Voltando os grandes olhos claros para Luna, pediu: — Dê-me um drinque, querida, e sirva outro para Blaise. Com essa temperatura, é preciso se refrescar.
Levantou-se para servi-los. Blaise observava seus movimentos tranqüilos e graciosos com disfarçada atenção, enquanto ouvia o padrasto falar sobre o iate clube. Voltando com os copos, Luna sentiu aqueles dedos morenos, deliberadamente sobre os seus, quando Blaise apanhou o copo. Levantou os olhos, bastante surpresa.
O padrasto não percebera nada. Enxugava a testa que transpirava e continuava falando:
— Então, eu lhe disse: Draco, seu mentiroso, por que é que acha que vou acreditar numa só palavra de toda essa história? Draco pode ser mentiroso e trapaceiro, mas de uma coisa estou certo: ele é leal, isso tenho que admitir.
Pegou o copo e tomou o líquido âmbar de um só gole. Luna viu Blaise levantar as sobrancelhas com um leve sorriso
— Bom, preciso me apressar — anunciou Arthur, largando o copo e saindo tia sala. — Luna, tome conta de Blaise. Precisamos ter uma conversa mais tarde, Blaise. Você vai me falar sobre os seus aparelhos eletrônicos.
Quando ele desapareceu, a moça disse:
— Ele é fascinado pela eletrônica. Tem uma sala cheia dos mais modernos equipamentos estereofônicos do mundo. Passa horas ajustando tudo, até se convencer de que está perfeito.
— E depois? — perguntou Blaise. — O que é que ele faz?
Ela encarou-o.
— Ouve música. Que mais poderia ser?
— É que me pareceu que o verdadeiro objetivo é o ajuste do aparelho, mais do que a música.
— Talvez. — Ela sorriu.
Ele observou o sorriso, atento.
— Que idade você tem? Parece mais moça do que Gina.
— Tenho vinte e um.
— Tudo isso? — brincou ele. — Santo Deus!
Riu, pela primeira vez relaxada. Não percebeu Blaise mover-se, mas, repente, ele estava muito perto, com a cabeça inclinada sobre ela. O duro contorno de sua boca havia desaparecido e ele sorria com uma certa sensualidade. Passou os dedos, de leve, nos lábios de Luna, surpreendendo-a de tal forma que não se mexeu para evitá-lo.
— Muito tentadora — murmurou ele.
Luna corou. Involuntariamente, levantou a mão para afastar a dele, as ele segurou-a, beijando as pontas dos dedos. Luna sentiu um arrepio na espinha.
— Não — murmurou, tentando soltar-se.
— Suas mãos estão frias — disse ele, baixinho.
— É falta de circulação — respondeu, com voz sumida. Blaise riu, olhando para ela, divertido.
Nesse momento, ouviram o ruído apressado de saltos altos no piso de mármore do hall. Luna retirou a mão, e Blaise não fez nenhuma tentativa para retê-la. A moça afastou-se para as janelas francesas, que estavam abertas. Atrás dela, ouviu a voz de Gina e a dele, respondendo com desenvoltura. Olhou para fora. O sol havia desaparecido e logo o jardim ficaria banhado pelo luar. O jardineiro levava horas e horas, todas as manhãs, regando os gramados para que não secassem. Nos montes além da vila, o sol havia queimado a vegetação e trincado o solo. Podia-se sentar e observar as formigas nas frestas escuras e ouvir o rastejar de uma cobra fugindo.
Luna se dirigiu novamente para o terraço. Até quando o padrasto ia tolerar a presença de Blaise? Ele era muito desconfiado e estava sempre atento aos homens que freqüentavam sua casa. Havia tido um dos seus raros momentos de bom humor para com o estranho, mas, se não gostasse da espécie de homem que ele era, mudaria imediatamente de atitude. Luna conhecia seu gênio imprevisível. Arthur tornava-se, de repente, violento, caso seus interesses fossem contrariados. Era um homem de emoções fortes, todas elas concentradas no seu lar e na sua família.
Por causa da personalidade dominante de Blaise, simpatizou com ele, reconhecendo, talvez, um igual, pensou a moça. O padrasto vira seu frio olhar de comando e ficara impressionado. Por isso, mostrara uma repentina e calorosa cordialidade. Mas da mesma forma, poderia mudar de idéia, se apanhasse Blaise flertando com Gina ou com ela. Quando se tratava de proteger o que ele achava que lhe pertencia, Arthur Arthur era irremovível, uma enorme rocha negra de teimosia e feroz determinação.
Dentro da casa, as vozes soavam ora mais altas, ora mais baixas, entremeadas de risadas.
— Aqui está ela — falou Arthur, descendo os degraus em sua direção.
Havia tomado banho e vestido um terno branco. Os cabelos ainda estavam molhados. Colocou um braço em volta de seus ombros e beijou-lhe a testa. Gina e Blaise juntaram-se a eles.
— Luna é a minha pombinha — disse Arthur para Blaise. — Gina é o pavão da família. — Engasgou de tanto rir com a careta que a filha fez, indignada.
— O que você quer dizer é que Luna sempre faz exatamente o que você quer que ela faça.
— Não posso dizer o mesmo de você!
— Ótimo! — disse Gina, rindo.
Arthur olhou para Blaise, que observava Luna com bastante curiosidade.
— Gosto de fazer as refeições aqui fora, no verão. É um lugar muito agradável,
— É um belíssimo jardim — disse o rapaz, sorrindo para ele.
— Luna é sempre o alimento favorito dos mosquitos — comentou Gina, com ar brincalhão.
— É que sua pele os atrai — concordou Arthur, acariciando o pescoço da filha. Blaise os observava sem nenhuma expressão. — Ela não se bronzeia com tanta facilidade como Gina, mas olhe para essa linda cor dourado-pálida.
Luna encontrou os olhos de Blaise e franziu a testa. Por que ele a encarava daquele jeito?
As empregadas apareceram para servir o jantar e Arthur acenou para Blaise.
— Sente-se, sente-se. Gosta da comida grega?
— Muito.
Gina inclinou-se para ele com um sorriso sedutor, revelando, convidativamente, a curva dos seios.
— Conte a meu pai sobre a sua firma. Ele vai ficar fascinado.
— Do que se trata? — perguntou Arthur, levantando a cabeça, com os olhos negros curiosos. Mas, antes que Blaise pudesse responder, acenou a mão com um movimento amigável, mas que pedia silêncio. — Não, mais tarde... mais tarde você me conta. Agora, vamos apreciar a comida!
Luna percebeu um levantar de sobrancelhas de Blaise, assemelhando-se a um comentário silencioso, ao mesmo tempo que um leve sorriso lhe aflorava aos lábios. Arthur dava ordens com naturalidade e desenvoltura; sem perceber, se comportava de uma maneira dominadora. Estava acostumado demais a se dirigir aos outros como patrão. Não lhe ocorria que Blaise pudesse ressentir-se.
A empregada começou a servir uma sopa fria, fortemente temperada com limão e ervas.
— Está gostosa — comentou Arthur. — Esfria o sangue.
— Acha que o meu precisa ser esfriado? — perguntou Blaise sorrindo.
Arthur jogou a cabeça para trás, com uma boa risada.
— Você é um homem, portanto precisa ser esfriado. Especialmente com esta temperatura.
— Os homens gregos são todos de sangue quente — disse Gina, com ar brincalhão.
O pai olhou-a, desaprovador.
— O que é que você sabe sobre isso?
O sorriso de Gina desapareceu e ela abaixou a cabeça, em silêncio,
— Onde é que está hospedado? Já me disse? — Arthur perguntou a Blaise.
Trocaram algumas impressões sobre o hotel, concordando que era confortável, mas superlotado naquela época do ano.
— Atenas é um inferno nesta estação — queixou-se Arthur. — Turistas por toda parte. As ruas ficam entupidas de carros e nunca se acha uma vaga para estacionar.
A empregada retirou os pratos de sopa e serviu pimentões verdes recheados com arroz e, mais tarde, peixe. Luna comeu calada, ouvindo a conversa. Depois do peixe grelhado, que todos apreciaram, Arthur apanhou alguns figos, insistindo com Blaise para que experimentasse.
— São bons, muito bons, nós mesmos os cultivamos. Vocês, na Inglaterra, não conhecem figos. Já estive lá e sei. A comida inglesa também não tem sabor. Mas o que se pode esperar? Lá não há sol. — Recostou-se na cadeira, acomodando os ombros largos. — Tomaremos o café aqui. Você me acompanha num licor, Blaise?
Tomaram licor e fumaram charutos. Luna servia o café forte e fitava os pinheiros, ouvindo o leve ruído dos galhos, agitados pela brisa da noite. Os dois homens conversavam em voz baixa, rindo; Gina observava Blaise todo o tempo, fascinada com o seu perfil e a sua elegância.
Era uma noite exatamente igual a tantas outras na vila. Luna, entretanto, por alguma razão sentia-se perturbada. Não olhava para Blaise Zabini, mas estava perfeitamente consciente da presença dele, da sua voz profunda, que lhe parecia mais e mais familiar. Arthur fazia perguntas sobre sua firma, sua posição, sua família. Assim, Luna descobriu que Blaise era diretor-executivo de uma indústria de aparelhos eletrônicos fundada pelo pai, e que tinha um irmão mais moço, pintor, que não trabalhava com ele.
Arthur interrompeu, com ar aborrecido.
— Por que você o deixa fazer isso?
Blaise encolheu os ombros.
— Foi o que ele escolheu.
— Você devia tê-lo feito mudar de idéia — rosnou Arthur, sacudindo a grande mão e derrubando as cinzas do charuto no chão. — Família é família. Eu não permitiria que um filho meu trabalhasse fora dos interesses de sua herança.
— O senhor não tem filhos, tem?
Os largos ombros de Arthur dobraram-se numa atitude de autopiedade.
— Não, não tenho nenhum filho. Só duas filhas. — Levantou-se, alegre de novo, sorrindo para as moças. -— Mas elas me darão os filhos que não tive, quando se casarem. -— Dirigiu a Blaise um olhar significativo, — Netos gregos.
Blaise precisaria ser completamente estúpido para não entender a insinuação. Levantou ironicamente as sobrancelhas, com ar de riso.
— Você escolherá os maridos, imagino?
A pergunta era em tom brincalhão, mas Arthur não sorriu.
— Oh, sim — respondeu ele. — Eu escolhi seus futuros maridos pessoalmente.
Blaise olhou para ele, impassível. Depois, virou-se ligeiramente e observou Luna. Ela o estava fitando, mas desviou os olhos para os pinheiros do jardim com uma expressão tranqüila.

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