Harry???



Bom, como é que eu ia saber que ele era filho do presidente dos Estados Unidos?

Ele não se parecia nada com o cara que estou acostumada a ver no noticiário, aquele CDF que ficava andando atrás dos pais, igual a um cachorrinho, durante a campanha eleitoral. Aquele cara nunca usou uma camisa da Save Ferris, muito menos coturno. Aquele cara sempre usava uns ternos bem engomadinhos e certinhos, e só ficava lá sentado, com cara de interessado nas coisas que o pai dele falava, que basicamente era um monte de coisa chata que me entediava ao extremo e geralmente fazia com que eu mudasse de canal... apesar de eu saber que, como cidadã deste país e membro do planeta, eu deveria ter muito mais consciência política do que tenho. De qualquer forma, o fato é que, depois de o pai do Harry virar presidente, e o Harry começar a freqüentar a escola aqui em Washington, bom, toda vez que aparecia na TV ele estava com aquele uniforme tonto que todos os alunos da Horizon usam todo dia: calça cáqui (saia para as garotas), camisa branca, blazer azul-marinho, gravata vermelha.

E apesar de o Harry ficar melhor com aquele uniforme do que a maior parte dos freqüentadores da Horizon, com o cabelo liso escuro e os olhos verdes e tudo o mais, ele continuava sendo, sabe como é, o maior CDF. Tipo assim, não tinha a menor chance de esse cara aparecer na capa da Teen People mês sim, mês não, igual ao Justin Timberlake. Só se ele começasse a fazer windsurf sem camisa na baía Chesapeake, ou qualquer coisa assim.

Eu estava ali parada, olhando para ele bem na minha frente, e era difícil de acreditar que era o mesmo cara que, só alguns dias antes, tinha dito que gostava da minha bota.

Pensando melhor, talvez não fosse tão difícil assim de acreditar. Porque, sabe como é, ver o cara assim de pertinho (não na TV, acenando da porta de um avião, ou em uma foto posada, olhando para cima na direção do pai, sentado em uma cadeira no fundo de algum parquinho no Kentucky) fazia com que ele se parecesse muito mais com o cara legal da camiseta da Sabe Ferris que gostou da minha bota do que com o filho CDF do presidente.

Não sei dizer qual de nós dois ficou mais surpreso por ver o outro, O Harry parecia bem impressionado, e não acho que era por aquilo ser uma coincidência tão estranha... sabe como é, por a gente se conhecer da aula de desenho. Isso não era assim tão esquisito: obviamente, a razão por que o presidente estava por ali era para encontrar-se com o Harry depois da aula. Aquela coisa de dar uma passadinha na Capitol Cookies tinha a ver com o comandante da nação ter um fraco por doces...
Não, o Harry não estava me encarando porque não conseguia se lembrar de onde me conhecia. Tipo assim, da última vez que ele tinha me visto, eu estava toda de preto, com coturnos enfeitados de margaridas, cabelo de arame de cobre e nenhuma maquiagem. Agora ali estava eu, com a saia da minha irmã e mocassins Cole Haan, com o cabelo bem macio e lábios que tinham toda a intenção de parecer totalmente beijáveis... pelo menos era o resultado prometido no tubo de gloss que a Lucy esparramou na minha boca.

Claro que ele estava olhando fixamente para mim: eu estava igual à Lucy!

-Hã? – Harry disse, e eu não posso culpá-lo nem um pouquinho por isso. – Oi.

Mas eu me vinguei dele na hora, com uma resposta muito esperta:

-Hum. Oi.

A mãe do Harry olhou de onde ele estava para mim, e depois fez o trajeto inverso. Então soltou, com uma voz bastante peculiar:

-Vocês dois já se conhecem?

-É. – Harry disse de novo. Tinha começado a sorrir. Era um sorriso bacana. Não tão bacana quanto o do Draco, claro, mas bem bacana, mesmo assim. – A Hermione está na minha aula se desenho com a Susan Boone.

E foi quando me liguei.

A Hermione está na minha aula de desenho com a Susan Boone.

O cara podia ter estragado algo que, até aquele momento, eu tinha conseguido esconder dos meus pais: aquela coisa de cabular a aula de arte.

E ta, tudo bem, qual era o problema, certo? Meus pais iam descobrir que eu cabulei a aula de desenho. E daí? Eu tinha salvado a vida do presidente. Aquilo tinha que valer como uma carta de liberação da prisão, nada podia ser mais forte do que aquilo.
E provavelmente ia servir para amaciar os meus pais. Eles não eram os disciplinadores mais rígidos do planeta.

Mas isso nunca, nunquinha, ia amolecer a Molly, a quem eu tinha dado minha palavra solene de que eu não cabularia a aula. Por mais que a Molly valorize o presidente deste país que ela aprendeu a amar tanto, no minuto que soubesse que eu tinha desobedecido, minha vida estaria acabada com A maiúsculo. Nunca mais ia ter bolinhos para mim no lanche depois da escola. Só iam sobrar barras de cereais e bolachas integrais daqui para a frente. A Molly era capaz de perdoar quase qualquer coisa (notas baixas, atrasos, perda de lição de casa, marcas de terra trazidas do parque e espalhadas por todo o chão limpinho da cozinha), mas mentira?
De jeito nenhum. Mesmo que fosse por uma causa totalmente justa, tipo preservar a minha integridade criativa.

E essa foi a razão por que eu fiz o que fiz em seguida, que foi lançar a Harry um olhar de súplica, esperando, sem muito otimismo, que ele entendesse. Não sei como é que ele poderia ter entendido. Tipo assim, ele não estava com o uniforme da Horizon, mas usava uma camisa abotoada até em cima e calça de pregas. Parecia um cara que nunca, nem uma veizinha na vida, tinha desobedecidos aos pais, muito menos à empregada extremamente intolerante. Como é que ele ia compreender?
Mesmo assim, se existisse uma possibilidade, qualquer possibilidade, de eu conseguir fazer com que ele, assim como os agentes do Serviço Secreto do pai dele, não mencionassem que eu tinha faltado à aula na tarde anterior...


A Molly estava mais chocada do que qualquer outra pessoa.

-Não dá para acreditar – ficou murmurando para si mesma – que eu acabei de conhecer o presidente dos Estados Unidos.

Até a Rebecca precisou reconhecer que foi interessante.

-Não acredito que nem tive a oportunidade de perguntar ao presidente a respeito da Área 51 – disse, arrasada. – Eu queria mesmo saber por que o governo acha necessário esconder de nós a verdade das visitas extraterrestres ao planeta.

As idéias da Lucy a respeito do assunto eram bem menos esotéricas do que as da Rebecca.

-Jantar na Casa Branca – ponderou. – Você acha que tudo bem se eu levar o Draco?

-NÃO! – disseram bem alto, juntos, meu pai e minha mãe.

Lucy suspirou toda dramática.

-Tudo bem, vai ser mais divertido ir sozinha. Posso dar em cima desse tal de Harry? Ele é demais.

Está vendo? Está vendo como a Lucy não merece um cara igual ao Draco? Engoli a respiração, cheia de indignação, em nome do Draco...

-Ei! – exclamei... – Você não tem namorado?

A Lucy olhou para mim como se eu estivesse louca.

-E daí? – perguntou. – Isso significa que eu não posso nunca olhar para outro cara? Você deu uma olhada nos olhos verdes do Harry? E aquela bundinha...

-Chega – reclamou meu pai. – Nada de bundinha. Não quero saber de nenhuma conversa a respeito da bundinha de ninguém enquanto eu estiver no recinto. E, de preferência, quando eu estiver fora dele, também não.

-Idem – reforçou mamãe.

Concordei do fundo do coração. Imagine só, a Lucy olhando para a bundinha de alguém, quando ela já tinha a do Draco para olhar o quanto quisesse!

Mas a Lucy parecia completamente desatenta para seu próprio egoísmo e falta de lealdade. Simplesmente deu de ombros:

-Tá bom – antes de sair andando na direção da janela...

-Fique longe da janela! – eu e minha mãe gritamos juntas.

Mas já era tarde demais. Um enorme barulho levantou da multidão que estava lá fora. A Lucy, a princípio assustada, logo se recuperou e começou a acenar como se fosse o papa, ou qualquer coisa assim.

-Oi – gritou, como se houvesse alguma possibilidade de eles ouvirem. – Oi, pessoinhas. Oi, televisão! Oi, jornal!

Foi meio engraçado quando, naquele instante, a porta se abriu e uma senhora com uma blusa com gola de babados (que se apresentou como Sra. Rose, administradora-chefe do hospital) foi até a Lucy.

-Srta.Granger? Está pronta para sua coletiva de imprensa?

Lucy, com os olhos arregalados, virou-se.

-Não sou eu – corrigiu. – É ela. - E direcionou suas unhas pontudas pata onde eu estava.

A Sra. Rose olhou para mim.

-Ah. Ótimo. Então, você está pronta, querida? Só querem lhe fazer algumas perguntas. Só vai levar cinco minutos. E depois, você pode ir para casa.
Olhei para os meus pais. Eles sorriram para mim, para me dar uma força. Olhei para a Molly. Ela fez a mesma coisa. Olhei para a Lucy, e ela mandou:

-Aconteça o que acontecer, não encoste no cabelo. Eu finalmente consegui deixa-lo perfeito. Não vai estragar tudo.

Olhei de novo para a Sra. Rose.

-Claro – respondi. – Estou pronta, acho.

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